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A polícia judiciária e suas reais dimensões no Estado Democrático de Direito

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05/07/2006 às 00:00
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Notas

01 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1999, p. 88.

02 A justificar a célebre sentença de Velez Mariconde, na qual reputa à polícia judiciária a relevantíssima tarefa de administração da fase primária da Justiça Penal (Apud TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 6. ed. São Paulo, Saraiva, vol 1., 1982, , p. 162).

03 José Afonso da Silva define abstratamente a ordem pública como "uma situação de pacífica convivência social, isenta de ameaça de violência ou de sublevação que tenha produzido ou que supostamente possa produzir, a curto prazo, a prática de crimes" (Curso de Direito Constitucional Positivo. 20. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 754). Observe-se que Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, referindo-se ao Estado Democrático de Direito, e pondo-se a luz dos direitos individuais, prefere "cogitar-se da paz pública, emergente do binômio : tranqüilidade social, não artificial, e ordem social, entendida como harmonia na comunidade" (Emprego de Algemas – Notas em prol de sua regulamentação. Inquérito Policial : Novas Tendências. Belém : CEJUP, 1986, p. 81). Refletindo, percebe-se que há uma boa diferença a marcar essas duas vertentes, surgindo a ordem pública - como sempre realçava esse grande e saudoso processualista - como conceito impositivo, que não possui raízes na tranqüilidade e na harmonia sociais, mas sim na pretensão de produzi-las mediante expedientes de força, artificiais, restritivos, aptos a inviabilizar ações e a coibir posturas potencialmente capazes de ensejarem práticas criminosas, como, por exemplo, implantando-se toque de recolher, que hipoteticamente serviria para manter desordeiros afastados das ruas durante determinados períodos do dia ou da noite. Assim, por meio do sacrifício do exercício dos direitos de todos os membros da coletividade, acredita-se tornar inexeqüível a quebra, por apenas alguns, da ordem legalmente estabelecida. Decerto que expedientes dessa índole não seriam necessários onde, como efeito da justiça social, a pacificaçação pública emergisse naturalmente arraigada.

04 Arquivamento do Inquérito Policial – Sua Força e Efeito. Op. cit., p. 22.

05 MASAGÃO, Mário. Curso de Direito Administrativo. São Paulo : Max Limonad, 1960, p. 191-192.

06 Vide, por exemplo, o comezinho conceito veiculado pelo verbete polícia judiciária no conhecidíssimo Vocabulário Jurídico de De Plácido e Silva: "Denominação dada ao órgão policial, a que se comete a missão de averiguar a respeito dos fatos delituosos ocorridos ou das contravenções verificadas, a fim de que sejam os respectivos delinqüentes ou contraventores punidos por seus delitos ou por suas infrações. A polícia judiciária é repressiva, porque, não se tendo podido evitar o mal, por não ter sido previsto, ou por qualquer outra circunstância, procura, pela investigação dos fatos criminosos ou contravencionais, recolher as provas que os demonstram, descobrir os autores deles, entregando-os às autoridades judiciárias, para que cumpram a lei" (1ª edição eletrônica. Rio de Janeiro : Forense, 1999). Idem Maria Helena Diniz, com evidente fulcro na legislação processual penal em vigência: "Polícia exercida pelas autoridades policiais, no território de suas respectivas circunscrições, com o intuito de apuração das infrações penais e de sua autoria" (Dicionário Jurídico. São Paulo: Saraiva, 1988, vol. 3 – "J-P", p. 624).

07 MENDES JÚNIOR, João. O Processo Criminal Brasileiro. Rio de Janeiro: Laemmert & C., 1901, p. 246.

08 José Lisboa Gama Malcher, afirmando que à polícia judiciária incumbia lida investigatória, alinhava-lhe quatro funções básica, a saber: probatória, definida pelos arts. 6º, III a VIII, 7º, 8º, 11,13 e 14 do Código de Processo Penal; cautelar, prevista nos arts. 6º, I a III, e 11 desse Diploma; coercitiva, como a prisão em flagrante delito, a decretação do sigilo ou as medidas assecuratórias da indenização civil, e auxiliar, correspondendo àquelas elencadas no art. 13 do mesmo Código (Manual de Processo Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1980, p. 112-114.).

09 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 6ª ed. São Paulo : Atlas, 1996, p. 76. Pronunciando-se a respeito, o autor concordou que "não há realmente diferença entre essas funções, de apuração das infrações penais e de polícia judiciária, mas, diante da distinção estabelecida na norma constitucional, pode-se reservar a denominação de polícia judiciária , no sentido estrito, à atividade realizada por requisição da autoridade judicial ou do Ministério Público ou direcionada ao Judiciário (representação quanto à prisão preventiva ou exame de insanidade mental do indiciado, restituição de coisas apreendidas, cumprimentos de mandados de prisão etc.)". Em que pese o esforço desse grande processualista, sua proposta, tendente a dar-se à polícia judiciária duplo sentido, aflora inteiramente inócua, mormente se considerado que todas as atividades vislumbradas como "estritamente policiais judiciárias" dimanam justamente da capacidade investigatória em questão. Daí ingressarmos numa interminável espiral, que nada acresce de prático ou de valor ao estudo encetado.

10PIMENTA BUENO, José Antonio. Apontamentos Sobre o Processo Penal Brasileiro. 5. ed. Rio de Janeiro: Jacintho Ribeiro dos Santos Editor, 1922, p. 3.

11 ALMEIDA, J. Canuto Mendes de. Princípios Fundamentais do Processo Penal. São Paulo: RT, 1973, p. 60.

12 MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal – Vol. I. Campinas: Bookseller, 1997, p. 146.

13 Interessante pontuar que, enquanto essa inexplicável dicotomização não mereceu atenção e comento dos nossos constitucionalistas, passando despercebida ou sendo apenas contornada pelos nossos processualistas, vozes outras, de timbre laico, procuraram deslindá-la, valendo aqui registrar os esclarecimentos dessa ordem ofertados por Carlos Magno Nazareth Cerqueira, para quem "pode-se afirmar que polícia judiciária e polícia de investigação são diferentes", assim como acreditar que "talvez fosse isso que o constituinte brasileiro tenha querido mostrar" (Questões preliminares para a discussão de uma proposta de diretrizes constitucionais sobre a segurança pública. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: RT : Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, n. 22, p. 139-181, abr-jun. 1998). É necessário atentar para o fato de que essa convicção não decorre, entrementes, de nenhuma exegese ou hermenêutica constitucional, e sequer se apóia em qualquer argumento jurídico, mais sim, e tão-somente, num isolado e antigo estudo alienígena sobre polícia, que assevera que a investigação criminal envolve uma série de atividades, dentre as quais a "apuração" configura-se somente uma delas. Segundo essa tese a investigação consistiria tanto no exercício da "apuração" – "propriamente dita"? –, que perfaria singelamente a busca da autoria delitiva, quanto na "inteligência criminal" – que alude à "atividade técnico-científica que deve informar-se dos crimes que se pretende cometer" –, no "registro criminal" – referente à "descoberta dos crimes que foram cometidos" –, e na "análise dos crimes" – concernente a dados como : onde e como os crimes foram consumados. Percebe-se, assim, que de acordo com esse estranho raciocínio, malgrado sua condição quase secundária, ainda assim a tarefa apuratória pode ser ultimada, e com pleno sucesso, à míngua de precedentes atividades de registro e de análise criminais! Ora, exsurge de uma obviedade ululante que todas essas fases, nada obstante possam ser teoricamente decompostas para fins de estudos, sempre e necessariamente aflorarão encadeadas e integradas na prática investigatória, em molde insofismavelmente indissociável. Mister lembrar, ademais, que a atividade de inteligência criminal não se limita à colheita e análise de dados voltados exclusivamente à prevenção delitiva, mas também, e em contexto imprescindível, ao devido processamento (conferência, combinação, cotejo, classificação etc.) dos elementos de informações armazenados e disponíveis com vista à elucidação da autoria de infrações penais que não puderem ser evitadas. E é de se ter em mente, nesse sentido, que essa gama de informações somente haverá de ser obtida a partir de anteriores "apurações", deflagradas após a perpetração de um crime, e que certamente não prosperarão se divorciadas, evidentemente, dos prévios "registros", das "análises" criminais. Por fim, não se diga que ao eventualmente proceder a uma ou a outra fugaz atividade posterior ao cometimento do delito – como, por exemplo, uma prisão em flagrante ou o mero recolhimento, para exibição à autoridade policial, de algum objeto que se possa presumir relacionado com a infração penal – exerce a denominada polícia administrativa funções próprias de polícia judiciária, posto que estas jamais se caracterizam pela efemeridade ou pelo intuitivismo, enquanto aquelas preliminares atuações, de execução óbvia e dependente tão-somente da força, são legalmente facultadas a qualquer um do povo.

14 CRETELLA JÚNIOR, José. Do Poder de Polícia. Rio de Janeiro. Forense, 1999, p. 45-46.

15Apud DI PIETRO, Maria Silvia Zanella. Direito Administrativo. 15 ed. São Paulo : Atlas, 2003, p. 112.

16 DI PIETRO, Maria Silvia Zanella. Op. cit., p. 113.

17 CRETELLA JÚNIOR, José. Op. cit., p. 47.

18 GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 8ª ed. São Paulo : Saraiva, 2003, p. 123.

19 Ressalte-se o erro que carrega a idéia de que mera atuação repressiva possa automaticamente impingir feição e natureza policial judiciária aos feitos da polícia administrativa. É cediço, consoante lições tiradas à saciedade do Direito Público, que a polícia administrativa também age repressivamente, qual precisamente aclara Carlos Ari Sundfeld : "Entre as competências da Administração ligadas aos condicionamentos de direito, insere-se a de repressão da sua inobservância. A atividade repressiva é veiculada por instrumentos com variada finalidade e intensidade. Dentre eles, devem-se distinguir três, especialmente relevantes : a) a ordem para correção de irregularidades; b) a medida cautelar; e c) a sanção" (Direito Administrativo Ordenador. Paulo : Malheiros, 1997, p. 77).

20 Op. cit., p. 112.

21 MEIRELLES, Hely Lopes. Polícia de Manutenção da Ordem Pública e suas Atribuições. Direito Administrativo da Ordem Pública. 3ª ed. Rio de Janeiro : Forense, 1998, p. 87-93. Negrito não original.

22 MOREIRA NETO, Diego de Figueiredo. Direito Administrativo da Segurança Pública. Direito Administrativo da Ordem Pública. 3 ed. Rio de Janeiro : Forense, 1998, p. 65-86.

23 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. 14. ed. refundida, ampl. e atual. até a EC nº 35, de 20.12.2001. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 710.

24 SILVA, José Afonso. Op. cit., p. 754-755.

25 FERRAJOLI, Luigi. , Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. Tradução de Ana Paula Zomer et al. São Paulo: RT, 2002, p. 617.

26 Ibidem, p. 615.

27 RUSCONI, Maximiliano A. Reformulación de los Sistemas de Justicia Penal em América Latina y Policía: Algunas Reflexiones. Tradução livre do autor. Buenos Aires: Editores del Puerto s.r.l., n. 3, p. 189-198, jul. 1998.

28 MARQUES, Frederico. Op. cit., p. 156. Especialmente quando se concorda com Winfried Hassemer, que após afiançar que "o direito processual penal não é outra coisa senão direito constitucional aplicado" proclama, com os pés firmes na realidade, que "isto vale com mais ênfase no tocante às medidas de força do inquérito policial" (Segurança pública no estado de direito. Tradução de Carlos Eduardo Vasconcelos. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: RT : Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, n. 5. p. 55-69, jan.-mar. 1994, p. 62).

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29 MESQUITA, Paulo Dá. Notas sobre inquérito penal, polícias e Estado de direito democrático (suscitadas por uma proposta de lei dita de organização da investigação criminal). Revista do Ministério Público. Lisboa : Procuradoria Geral da República, n. 82, p. 137-149, abr./jun. 2000.

30 MARTINEZ, Roberto Perez. La policía judicial en el Estado democrático de derecho. Pena y Estado : Policía e Sociedad Democrática.. Tradução livre do autor. Buenos Aires: Editores del Puerto s.r.l., n. 3, p.155-172, jul. 1998.

31 CUNHA RODRIGUES, José Narciso. Para um novo conceito de polícia. Revista Portuguesa de Ciência Criminal. Coimbra: Coimbra Editora, fasc. 3º, p. 389-408, jul.-set. 1998.

32 A paupérrima fórmula ínsita no caput do art. 144 da Constituição de 1988 a definir as finalidades da segurança pública.

33 RUSCONI, Maximiliano A. Op. cit., p.194. Nesse sentido se nos apresenta tão-somente admissível ao desempenho policial judiciário eventuais atividades voltadas ao controle, análise e processamento de informações que se apresentarem imprescindíveis à eficaz atuação institucional, mormente no que tange à determinação de responsabilidades criminais, em prática que jamais poderá ser confundida com o policiamento preventivo de índole ostensiva, destinado à manutenção da ordem. À guisa de ilustração mire-se o exemplo dado por Portugal, que no art. 4º, 1, da Lei Orgânica da Polícia Judiciária (Decreto-Lei nº. 275-A/2000 de 9 de Novembro), previu : "Em matéria de prevenção criminal, compete à Polícia Judiciária efectuar a detecção e dissuasão de situações propícias à prática de crimes". A esse fim, e através de rol exemplificativo, o dispositivo estabeleceu as tarefas de controle ("vigiar e fiscalizar") sobre: a) lugares e estabelecimentos em que se proceda à exposição, guarda, fabrico, transformação, restauração e comercialização de antiguidades, arte sacra, livros e mobiliário usados, ferro-velho, sucata, veículos e acessórios, artigos penhorados, de joalharia e de ourivesaria, elétricos e eletrônicos e quaisquer outros que possam ocultar atividades de receptação ou comercialização ilícita de bens; b) estabelecimentos que proporcionem ao público a pernoita, acolhimento ou estada, refeições ou bebidas, parques de acampamento e assemelhados, e outros locais, sempre que exista fundada suspeita de prática de prostituição, proxenetismo, tráfico de pessoas, jogo clandestino, tráfico de armas, tráfico de estupefacientes e fabrico ou passagem de moeda falsa; c) estabelecimentos de venda ao público de aparelhos eletrônicos e informáticos ou que prestem serviços do mesmo tipo, sempre que, pela sua natureza, permitam, através de utilização ilícita, a prática de crimes de contrafação de moeda, falsificação de documentos ou crimes informáticos; d) locais de embarque ou de desembarque de pessoas ou de mercadorias, fronteiras, meios de transporte, locais públicos onde se efetuem operações comerciais, de bolsa ou bancárias, estabelecimentos de venda de valores selados, casas ou recintos de reunião, de espetáculos ou de diversões, cassinos e salas de jogo e quaisquer locais que possam favorecer a delinquência; e) atividades susceptíveis de propiciarem atos de devassa ou violência sobre as pessoas, ou de manipulação da credulidade popular, especialmente anúncios fraudulentos, mediação de informações, cobranças e angariações ou prestações de serviços pessoais". Também com esse afã incumbe à Polícia Judiciária, "promover e realizar acções destinadas a fomentar a prevenção geral e a reduzir o número de vítimas da prática de crimes, motivando os cidadãos a adoptarem precauções e a reduzirem os actos e as situações que facilitem ou precipitem a ocorrência de condutas criminosas".

34 HASSEMER, Winfried. Op. cit., p. 58.

35 ZACCARIOTTO, José Pedro. Portaria DGP 18/98 e polícia judiciária democrática. Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, v. 769, nov. 1999, p. 478.

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Sobre o autor
José Pedro Zaccariotto

delegado de Polícia em Sorocaba, professor da Academia de Polícia de São Paulo e da UNIP de Sorocaba

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZACCARIOTTO, José Pedro. A polícia judiciária e suas reais dimensões no Estado Democrático de Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1099, 5 jul. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8604. Acesso em: 5 nov. 2024.

Mais informações

O presente artigo foi baseado na obra "A Polícia Judiciária no Estado Democrático", do autor, publicada pela editora Brazilian Books, em 2005.

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