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Direito dos animais: regulamentação no Brasil

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Legislação que versam sobre a proteção dos animais no âmbito brasileiro e o reconhecimento como seres sencientes.

Resumo: A Constituição Federal de 1988 inovou ao dispor que incumbe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente, incluindo, nesse contexto, a proteção aos animais contra a crueldade e os maus-tratos (art. 225, §1º, VII). Nesse cenário, o presente estudo tem como objetivo analisar a regulamentação dos direitos dos animais no Ordenamento Jurídico Brasileiro. Partindo de uma análise acerca dos dispositivos legais que que discorrem sobre os direitos dos animais e suas implicações jurídicas nas esferas cível, penal e administrativa, a pesquisa se aprofunda na análise dos dispositivos legais sobre o tema, concluindo que as leis tem ampliado a proteção desses seres vivos através do aumento da pena para os atos de maus tratos e abandono praticado contra animais domésticos, situação inclusive refletida na tendência, constante em projeto de lei federal, de reinterpretação da natureza jurídica dos animais no nosso Ordenamento Jurídico Brasileiro. Desenvolvido segundo o método de pesquisa bibliográfica, fundamentado em doutrinas, leis e jurisprudências, o estudo demonstrou que as novas leis e projetos de lei caminham no sentido de reconhecer o caráter senciente dos animais e, consequentemente, detentores de mais direitos dentro do ordenamento brasileiro.

Palavras-chave: Animais. Direitos. Regulamentação. Brasil.

Sumário: Introdução.1. Os animais na Constituição Federal e no Código Civil Brasileiro. 2. A proteção aos animais na Lei de Crimes Ambientais. 3. Maus tratos e abandono de animais. 3.1. A Lei Sanção (Lei nº 14.064/2020). 4. O STJ e os animais como seres sencientes. 4.1. Projeto de Lei (PL) 6054/2019. 5. Entendimentos jurisprudenciais de proteção aos animais. Considerações finais. Referências.


Introdução

Atualmente, encontra-se em alta a discussão sobre a necessidade de regulamentação específica da proteção dos animais no Brasil, embora já existam dispositivos de Lei que orientam a relação entre os seres humanos e os animais, estes ainda são considerados como coisa ou propriedade dos seus donos. Nesse contexto, os animais são considerados pela Constituição Federal de 1988 como essenciais para o bem-estar e a dignidade das presentes e futuras gerações, já que integram o meio ambiente, que tem ampla proteção do Estado.

Em razão da existência de questionamentos de entidades e pessoas que reclamam por ampliação de leis que versem mais sobre o tratamento a ser dado aos animais e a existência de seus direitos, a presente pesquisa, além de mencionar as disposições legislativas atuais, irá demonstrar qual tem sido a evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial relacionada aos direitos dos animais no ordenamento jurídico pátrio.

No decorrer de seu desenvolvimento, a pesquisa aponta quais os dispositivos legais que discorrem sobre os direitos dos animais e suas implicações jurídicas, sejam na esfera cível, penal e administrativa, principalmente quanto ao abandono e maus tratos desses seres vivos, tipificado no artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605 de 1998), norma infraconstitucional que tem papel essencial de punir a prática de maus tratos, já que é por meio dela que está tipificada a conduta que caracteriza esse ilícito, tratado de forma genérica na Constituição Federal. Contudo, ao final do estudo, será apresentado o quadro atual da legislação vigente no tocante à proteção legal atribuída aos animais no Brasil.

Dentre as inovações apontadas pela pesquisa, destaca-se a inserção de novo parágrafo ao crime de maus tratos, com previsão de pena maior para aqueles que cometem maus tratos contra cães e gatos, cuja sanção será a reclusão, de dois a cinco anos, multa e a proibição da guarda ao agressor.

O aumento da pena e a busca pela responsabilização efetiva por abandono e maus tratos é resultado da interpretação dada pelo STJ de que os animais são seres sencientes, compreensão que está em discussão no Congresso Nacional através do Projeto de Lei da Câmara nº 27 de 2018, que tem como escopo a revisão desse termo, reconhecendo que os animais são seres sencientes porque possuem capacidade de sentir e desenvolverem laços afetivos com os humanos.

Tendo em vista estas recentes inovações, o estudo tem como objetivo geral analisar a proteção legal dada aos animais segundo as normas pátrias, através dos dispositivos contidos na Constituição Federal, no Código Civil e nas leis ambientais e, consequentemente, apontar a regulamentação do direito dos animais no ordenamento brasileiro e a sua ampliação nos últimos anos segundo as leis recentemente sancionadas e em discussão no Congresso Nacional, por estarem os animais inseridos na comunidade.

Para alcançar os objetivos estabelecidos, propõe-se uma pesquisa bibliográfica e documental de caráter qualitativo, tendo como base o conteúdo da Constituição Federal, leis, princípios, doutrina e jurisprudência que tenham sido publicados a partir do ano de 2015 e que versem sobre os direitos dos animais no Brasil.


1. Os animais na Constituição Federal e no Código Civil Brasileiro.

A proteção ao meio ambiente está resguardada pela Constituição Federal da República em seu artigo 225, cujo caput dispõe:

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (BRASIL. 1988)”.

Decorrem desse dispositivo a proteção à fauna, que corresponde a um conjunto de animais que vivem em determinada região ou período geológico da história (AMADO, 2014). Não existe meio ambiente equilibrado sem que os animais estejam resguardados pelo ordenamento, daí porque estão eles inseridos dentro desse dispositivo constitucional.

Para que este dispositivo seja obedecido, estabelece o parágrafo 1º, inciso VII, que é dever do Poder Público “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

A sua proteção é matéria de competência comum dos entes do poder público, que devem atuar de modo a “preservar as florestas, a fauna e a flora, conforme é o teor contido no inciso VII do artigo 23 da Constituição (BRASIL, 1988).

Esta previsão constitucional amolda-se a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, que deixa claro o dever de proteção desses seres vivos ao determinar no artigo 2º que o animal tem direito ao respeito, não sendo permitido ao homem exterminar ou explorar outros animais. Já no artigo 6º, destaca que o animal tem direito a uma duração de vida longínqua e que o abandono desses seres é um ato cruel e degradante (ONU, 1978).

O Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406/2002) também regulamenta a proteção aos animais, considerando-os como coisa, isto é, como um objeto semovente enquadrado no artigo 82 que dispõe: “São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social” (BRASIL, 2002).

Portanto, os animais são tidos pelos dispositivos do Código Civil em vigor como bens semoventes, entendidos como “os suscetíveis de movimento próprio, como os animais. Movem-se de um local para outro por força própria” (GONÇALVES, 2016).

“Nesta esteira, entende-se que os animais não são reconhecidos pelo ordenamento jurídico como sujeitos de direitos, pois são tidos como bens sobre os quais incide a ação do homem, uma vez que a proteção do meio ambiente existe para favorecer o próprio homem e somente por via reflexa para proteger as demais espécies (ALMEIDA, 2013)”.

Para a norma cível, os animais são tidos como bens semoventes, que estão regulamentados como os demais bens. Além da norma cível, os animais também estão resguardados pelas leis ambientais.


2. A proteção aos animais na Lei de Crimes Ambientais

Em obediência as disposições constitucionais que resguardam o direito das presentes e futuras gerações a um meio ambiente que seja ecologicamente equilibrado, as leis ambientais regulamentam a proteção da fauna e da flora brasileira.

Com o intuito de responsabilizar penalmente os indivíduos que praticam atos de violência contra os animais existem tipos penais inseridos na Lei de Crimes Ambientais voltados a punição por atos praticados contra os seres semoventes.

Sancionada no dia 12 de fevereiro do ano de 1998, a Lei de Crimes Ambientais é a principal norma a regulamentar a responsabilização penal por ilícitos praticados contra os animais, ao passo que essa norma revogou quase todos os tipos previstos no Código Penal e nas legislações extravagantes que tutelavam o meio ambiente e as concentrou nessa lei (AMADO, 2014).

“A evolução histórica da Lei de Crimes Ambientais, como é chamada a Lei 9605/98, teve início, como já explicado, a partir do artigo 225 da Constituição Federal Brasileira de 1988 e com a intenção de consolidar as raras leis que regulavam os atos lesivos contra o meio ambiente. Na nova lei criada, a intenção do legislador, além de unificar os textos legais esparsos, era sancionar penalmente o agente causador do dano ambiental. (TITAN, 2017, p.1)”.

Os crimes em espécie estão divididos pela norma ambiental nos moldes seguintes:

“Em tipos penais, a tutela penal é assim dividida no Capítulo V:

  • Crimes contra a Fauna (Seção I);

  • Contra a Flora (Seção II);

  • Poluição e outros Crimes Ambientais (Seção III);

  • Contra o Ordenamento Urbano e o Patrimônio Cultural (Seção IV);

  • Contra a Administração Ambiental (Seção V) ."

(AMADO, 2014, p. 622)

Os tipos penais que punem as condutas ilícitas contra os animais estão disciplinados no capítulo que trata dos crimes contra a fauna, dentre os quais se destacam as práticas de maus tratos e abandonos de animais tratados a partir de agora.


3. Maus tratos e abandono de animais

Os dispositivos supracitados demonstram que a legislação brasileira resguarda os direitos dos animais, os quais não devem ser objeto de maus tratos ou de abandono por parte do ser humano.

Apesar do exposto, existem situações em que os animais são abandonados e maltratados por seus proprietários. No Brasil, os índices de violência animal são elevados e, por isso, necessitam ser combatidos.

Os atos de abuso, crueldade e maus tratos contra animais foram definidos pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) através da Resolução nº 1.236/2018, que em seu artigo 2º estabelece:

“Art. 2º Para os fins desta Resolução, devem ser consideradas as seguintes definições:

[...]

II - maus-tratos: qualquer ato, direto ou indireto, comissivo ou omissivo, que intencionalmente ou por negligência, imperícia ou imprudência provoque dor ou sofrimento desnecessários aos animais;

III - crueldade: qualquer ato intencional que provoque dor ou sofrimento desnecessários nos animais, bem como intencionalmente impetrar maus tratos continuamente aos animais;

IV - abuso: qualquer ato intencional, comissivo ou omissivo, que implique no uso despropositado, indevido, excessivo, demasiado, incorreto de animais, causando prejuízos de ordem física e/ou psicológica, incluindo os atos caracterizados como abuso sexual; [...] (CFMV, 2018)”.

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De acordo com o artigo 5º da referida resolução, o abandono de animais é um dos modos de se caracterizar maus tratos contra animais, assim como a realização de procedimentos invasivos e a agressão física que cause dor ao animal (CFMV, 2018).

Essas definições são diariamente utilizadas pelo Poder Judiciário para caracterizar os atos ilícitos desta natureza, uma vez que a prática de maus tratos e de abandono estão tipificadas como crime ambiental, cuja previsão legal está contida no artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998), cuja redação, até pouco tempo era a seguinte:

“Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal (BRASIL, 1998)”.

O crime de maus tratos, assim como os demais delitos previstos na Lei de Crimes Ambientais, tem natureza de ação penal incondicionada, isto é, que independente de representação, que é promovida exclusivamente pelo Ministério Público (CAPEZ, 2014).

Ao analisar a abrangência do crime previsto no caput do artigo 32, Fernando Capez explica que:

“O tipo abrange todos os animais, sejam eles silvestres (aqueles pertencentes à fauna silvestre), domésticos (aqueles que vivem ou são criados em casa) ou domesticados (aqueles que foram domados, amansados), nativos (aqueles que se originam naturalmente em uma região sem a intervenção do homem) ou exóticos (espécies que não são originárias da área em que vivem) (CAPEZ, 2014, p. 76)”.

Se constatados o maus tratos contra animais em sua forma simples, o agente criminoso será submetido a uma pena de três meses a um ano, e multa. Se a sua conduta der causa à morte do animal, a pena pode ser aumentada de um sexto até um terço.

Eram apenas esses as duas penas apontadas pelo artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais, entretanto, em que pese a já existente tipificação penal, surgiu na sociedade o questionamento acerca da pena imposta e do tratamento dado aos animais, até então tratados como coisa pelas normas civis.

3.1. A Lei Sansão (Lei nº 14.064/2020)

Conforme apontado anteriormente, os maus tratos e o abandono de animais está tipificado como crime no artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais.

Ocorre que esse tipo penal sofreu uma recente alteração legislativa através da aprovação da Lei nº 14.064, sancionada pelo Presidente do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, no dia 29 de setembro do ano de 2020.

Essa Lei foi popularmente denominada de Lei Sansão, em homenagem ao cachorro Sansão, um cão de raça pitbull que foi vítima de maus tratos e teve as duas patas traseiras decepadas por um vizinho, que já cometeu maus tratos contra outros animais.

“Sansão, um cão de raça pitbull, foi amordaçado com arame farpado no focinho e teve suas pernas traseiras decepadas. O caso gerou manifestações em favor de normas mais severas contra atos cruéis a animais (CONSULTOR JURÍDICO, 2020, p.1)”.

O caso ganhou tamanha repercussão e, juntamente com outros casos divulgados na mídia, causou repulsa social e motivou a busca pela aplicação de medidas mais severas para o agressor que comete atos de crueldade contra animais domésticos.

A recente Lei alterou o artigo 32 da Lei 9.605/1998 para inserir no dispositivo penal o parágrafo 1º-A, que determina “quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas descritas no caput deste artigo será de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda” (BRASIL, 2020).

O novo parágrafo do artigo 32 refere-se apenas a cães e gatos, por serem os animais domésticos que fazem parte da comunidade e, para algumas pessoas, são consideradas como integrantes da família. O intuito dessa nova modalidade qualificada tem o propósito de reconhecer os direitos dos animais e efetivamente punir o agressor que comete tais atos de crueldade.

A sua aprovação foi celebrada por uma parte dos estudiosos. Adriana Filizzola D’Urso afirma que a Lei é uma resposta “aos anseios da sociedade, representando mais uma iniciativa no combate à violência contra os animais” (D’URSO apud SANTOS, 2020, p. 1).

Adib Abdouni comenta:

“A lei veio em boa hora, para evitar que voltem a ocorrer mutilações de pets como as noticiadas recentemente. Além de garantir punição severa para o indivíduo que praticar um ato violento contra animais domésticos, ela tem caráter educativo, de desestimular o maus-tratos a animais (ABDOUNI apud SANTOS, 2020, p. 1)”.

Para outros, a nova pena é desproporcional, maior de que outras sanções que punem crimes maiores, que ofendem a outros bens jurídicos do cidadão.

“A título de comparação, a pena para o crime de abandono de incapaz (artigo 133 do Código Penal) é de seis meses a três anos, e se resulta em lesão corporal grave, é de um ano a cinco anos; já para a lesão corporal simples a pena é de três meses a um ano, enquanto que no caso de lesão grave, salta para um a cinco anos. [...] Nota-se, portanto, a completa ausência de proporcionalidade em relação aos demais crimes previstos na legislação brasileira (DAMIANI apud SANTOS, 2020, p.1)”.

A divisão de opinião acerca desse novo dispositivo é resultado da celeuma que ainda existe no direito brasileiro sobre o lugar dos animais dentro do ordenamento jurídico. Conforme se verificou nas legislações apontadas acima, os animais ainda são tidos pela lei como coisas, que não detém direitos reservados aos seres humanos, situação que não é mais um consenso na sociedade.

A percepção sobre os direitos dois animais vem sido mudada ao longo dos anos. Um exemplo é o reconhecimento do caráter senciente dos animais domesticados, como cães e gatos, para enxerga-los não como simples coisas, mas como seres dotados de sentimentos e, por isso merecedores de uma proteção legal mais ampla. Essa interpretação é resultado de uma decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça.


4. O STJ e os animais como seres sencientes

Da simples leitura das disposições constantes no Código Civil de 2002 pode-se afirmar que os animais figuram dentre o rol de coisas, que são propriedade dos seres humanos para atender a seus interesses.

Com o passar dos anos, os animais foram se tornando a cada dia mais presente nos lares brasileiros, cuidados por seus donos como se fossem integrantes da família.

“O animal de estimação demonstra uma importância especial para certos membros de uma família, como por exemplo, uma pessoa idosa, crianças, pessoas com certo tipo de deficiência, pessoas que possuem um quando depressivo intenso, dentre outros. A relação com essas pessoas pode trazer muitos benefícios, em especial o emocional, pois o afeto que o animal demonstra-lhes pode até mesmo suprir o sentimento de solidão. Atualmente, existem pessoas que preferem adotar um animal a ter filhos."

(OLIVEIRA, 2020, p.8)”.

O STJ, ao julgar uma demanda de direito de família, reconheceu que os animais são seres sencientes e por isso merecem regulamentação específica, diversa dos demais seres vivos tidos apenas como coisa.

“RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. ANIMAL DE ESTIMAÇÃO. AQUISIÇÃO NA CONSTÂNCIA DO RELACIONAMENTO. INTENSO AFETO DOS COMPANHEIROS PELO ANIMAL. DIREITO DE VISITAS. POSSIBILIDADE, A DEPENDER DO CASO CONCRETO. 1. Inicialmente, deve ser afastada qualquer alegação de que a discussão envolvendo a entidade familiar e o seu animal de estimação é menor, ou se trata de mera futilidade a ocupar o tempo desta Corte. Ao contrário, é cada vez mais recorrente no mundo da pós-modernidade e envolve questão bastante delicada, examinada tanto pelo ângulo da afetividade em relação ao animal, como também pela necessidade de sua preservação como mandamento constitucional (art. 225, §1, inciso VII – “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”). 2. O Código Civil, ao definir a natureza jurídica dos animais, tipificou-os como coisas e, por conseguinte, objetos de propriedade, não lhes atribuindo a qualidade de pessoas, não sendo dotados de personalidade jurídica nem podendo ser considerados sujeitos de direitos. Na forma da lei civil, o só faato de o animal ser tido como de estimação, recebendo o afeto da entidade familiar, não pode vir a alterar sua substância, a animais de companhia possuem valor subjetivo único e peculiar, aflorando sentimentos bastante íntimos em seus donos, totalmente diversos de qualquer outro tipo de propriedade privada. Dessarte, o regramento jurídico dos bes não se vem mostrando suficiente para resolver, de forma satisfatória, a disputa familiar envolvendo os pets, visto que não se trata de simples discussão atinente à posse e à propriedade. 4. Por sua vez, a guarda propriamente dita – inerente ao poder familiar – instituto, por essência, de direito de família, não pode ser simples e fielmente subvertida para definir o direito dos consortes, por meio do enquadramento de seus animais de estimação, notadamente porque é um munus exercido no interesse tanto dos pais quanto do filho. Não se trata de uma faculdade, e sim de um direito, em que se impõe aos pais a observância dos deveres inerentes ao poder familiar. 5. A ordem jurídica não pode, simplesmente, desprezar o relevo da relação do homem com seu animal de estimação, sobretudo nos tempos atuais. Deve-se ter como norte o fato, cultural e da pós-modernidade, de que há uma disputa dentro da entidade familar em que prepondera o afeto de ambos os cônjuges pelo animal. Portanto, a solução deve perpassar pela preservação e garantia dos direitos à pessoa humana, mais precisamente, o âmago de sua dignidade. 6. Os animais de companhia são seres que, inevitavelmente, possuem natureza especial e, como ser senciente – dotados de sensibilidade, sentindo as mesmas dores e necessidades biopsicológicas dos animais racionais -, também devem ter o seu bem-estar considerado. 7. Assim, na dissolução da entidade familiar em que haja algum conflito em relação ao animal de estimação, independentemente da qualificação jurídica a ser adotada, a resolução deverá buscar atender, sempre a depender do caso em concreto, aos fins sociais, atentando para a própria evolução da sociedade, com a proteção do ser humano e do seu vínculo afetivo com o animal. 8. Na hipótese, o Tribunal de origem reconheceu que a cadela fora adquirida na constância da união estável e que estaria demonstrada a relação de afeto entre o recorrente e o animal de estimação, reconhecendo o seu direito de visitas ao animal, o que deve ser mantido. 9. Recurso especial não provido."

(STJ – Resp: 1713167 SP 2017/0239804-9, Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, Data de Julgamento: 19/06/2018, Quarta Turma, Data de Publicação: DJe 09/10/2018)

Essa decisão reconhece o diferencial existente na relação díaria entre os animais de estimação e seus donos. O trato com cães e gatos no dia a dia é prova de que tais seres são dotados de sentimentos.

“Sabe-se que o animal domesticado no seio familiar envolve-se num apego efetivo tão intenso que a convivência faz com que o próprio animal transmita sinais de entendimento de tudo o que lhe é passado, como por exemplo, quando o seu dono demonstra insatisfação com o seu comportamento, denota tristezas, alegrias, hora da alimentação, dias de passeios, instruções de que não pode urinar ou evacuar em certos locais, enfim, o animal comporta-se de forma um pouco racional ."

(OLIVEIRA, 2020, p.8)

Em razão dessa interpretação jurisprudencial, tramita no Congresso Nacional um Projeto de Lei que visa reconhecer o caráter senciente dos animais.

4.1. Projeto de Lei (PL) 6054/2019

Tramita na Câmara dos Deputados, o PL com o número 6054/2019, de iniciativa do Deputado Federal Ricardo Izar (PSD/SP), que tem como escopo a alteração da natureza jurídica dos animais no ordenamento brasileiro.

O referido projeto de lei é originado na Câmara dos Deputados com a numeração antiga 6.799/2013 e após aprovado pela Câmara tornou-se o Projeto de Lei nº 27/2018 no Senado Federal.

O Projeto de Lei, que já foi aprovado pelo Senado Federal e retornou à Câmara dos Deputados sob a numeração atual 6054/2019, dispõe em seu artigo 3º que:

“Art. 3º - Os animais domésticos e silvestres possuem natureza jurídica sui generis, sendo sujeitos de direitos despersonificados, dos quais podem gozar e obter a tutela jurisdicional em caso de violação, sendo vedado o seu tratamento como coisa (PL 6054/2019)”.

Essa proposta legislativa está fundamentada no caráter serciente dos animais, detentores de emoções e dores, distintos dos seres humanos apenas no tocante aos aspectos de racionalidade e comunicação verbal, conforme explicou o Deputado Ricardo Izar na justificativa do Projeto:

“embora não tenha personalidade jurídica, o animal passa a ter personalidade própria, de acordo com sua espécie, natureza biológica e sensibilidade. A natureza suis generis possibilita a tutela e o reconhecimento dos direitos dos animais, que poderão ser postulados por agentes específicos que agem em legitimidade substitutiva (PL 6054/2019)”.

A redação inicial previa a inclusão do parágrafo único do artigo 82 da Lei de Crimes Ambientais para estabelecer que: “o disposto no caput não se aplica aos animais domésticos e silvestres” (PL 6.799/2013).

De origem na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei já foi encaminhado e aprovado pelo Senado Federal (PL 27/2018) a atualmente retornou à Câmara dos Deputados, com a retirada do mencionado parágrafo e a inclusão do artigo 79-B, que dispõe: “O disposto no art. 82. da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), não se aplica aos animais não humanos, que ficam sujeitos a direitos despersonificados. (PL 27/2018).

A aprovação da redação atual está pendente de julgamento pela Câmara dos Deputados, que tramita em regime de urgência desde o mês de julho deste ano. Se aprovado, a natureza jurídica dos animais sofrerá uma importante alteração que irá impactar em todos os demais dispositivos de lei sobre os direitos dos animais.

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Sobre os autores
Elisangela Peres Barbosa

Acadêmica do Curso de Direito da Universidade de Gurupi (UnirG), Gurupi/TO Área do Direito: Direito Constitucional; Direito Civil; Direito Penal; Direito Ambiental.

Agnelo Rocha Nogueira Soares

Professor Me. Orientador do Curso de Direito da Universidade de Gurupi (UnirG), Gurupi/TO

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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