Enviar “nudes” sem solicitação pode configurar infração penal?

25/10/2020 às 21:15
Leia nesta página:

Análise do crime de Importunação Sexual ante à situação fática de envio de "nudes" para pessoas que não os requerem

Sexting”: o abreviado sextexting

O famoso “enviar nudes” consiste, basicamente, na prática de mandar, através de aplicativos - Messenger, por exemplo -, e se utilizando da rede mundial de computadores (internet), fotos ou vídeos autoregistrados expondo parte ou partes desnudadas do corpo. A ação tem como papel de fundo a provocação do erotismo no destinatário da mensagem, e geralmente ocorre com a intenção de gerar um prazer momentâneo.

É por isso que o ato está atrelado ao famigerado “sexting”, uma versão da expressão “sextexting”, cujo anglicismo, numa tradução direta, representaria algo como “sexo através de texto”, e que nada mais é do que uma conversa erótica realizada por meio de troca de mensagens eletrônicas.

Consentimento

Geralmente o recebimento de “nudes” é consentido, e, na maioria das vezes, a transmissão de material é até recíproca. Isso porque os adeptos da brincadeira na maioria das vezes solicitam “nudes”, e depois enviam um/uns em resposta. Nesses casos, sendo ambos os internautas pessoas maiores de idade e devidamente conscientes do que estão fazendo, e desde que o material não seja repassado a terceiros ou usado com outro fim, não há grandes problemas.

Mas e se o “presentinho” é recebido sem solicitação?

Exemplo: Maria entra no Instagram e de repente recebe através da funcionalidade “direct” uma mensagem enviada por um seguidor que não é mútuo; ao abrir a notificação, vê que o envio consiste em um vídeo no qual o remetente mostra sua genitália.

Nessa hipótese, a dona da conta [Maria] não tinha contato algum com essa pessoa, de forma que o material enviado não havia sido pedido.

A discussão aqui fomentada se concentra, portanto, no recebimento de um “nude” sem a respectiva solicitação.

Lei que alterou o estatuto repressor

A Lei nº 13718/2018, que modificou o Código Penal – CP, passou a prever como crime a conduta do agente que praticar contra alguém, sem a sua anuência, ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro, alocando o tipo penal nos crimes contra a dignidade sexual.

A tipificação passou a ter o nomen iuris de Importunação Sexual, e previsão no artigo 215-A do CP, cujo preceito secundário oscila de 1 (um) a 5 (cinco) anos de reclusão, considerada, por isso, infração penal de médio potencial ofensivo.

Na mesma toada, a lei citada ainda revogou a contravenção penal de Importunação Ofensiva ao Pudor.

O que houve, portanto, foi a transmudação do punitivismo estatal à figura criminosa (mais rígida), evoluindo a conduta do agente para o patamar de crime – uma resposta que há muito tempo a sociedade aguardava do Estado.

Exemplo de Importunação Sexual: a “passada” de mão no corpo alheio sem permissão, o “encoxar” pessoas no transporte público friccionando o membro genital etc.

A nova tipificação penal tem como objeto a proteção da liberdade sexual da vítima – em outras palavras, assegurar às pessoas o direito de escolher como, quando, onde e com quem deseja praticar atos de caráter sexual.

Mas o recebimento do “nude” não solicitado configuraria Importunação Sexual?

 O “nude” sem consentimento do envio

A ideia do legislador em estipular o crime de Importunação Sexual foi abarcar uma situação intermediária, protegendo-se fatos que vão além do Ato Obsceno (crime do artigo 233 do CP), mas que não chegam ao Estupro (crime do artigo 213 do CP), infrações que, aliás, possuem núcleos de proteção específicos.

Através do sopesamento da ciência criminal, parece ser mais provável a afirmação de que a tipificação in casu (Importunação Sexual) tende a punir situações diversas e diametralmente mais rígidas do que o mero envio de um “nude” sem o consentimento daquele que receberá.

Isso ocorre porque o entendimento que se partilha é no sentido de que para a configuração do crime exige-se o requisito objetivo tipológico “ato libidinoso”, que ocorreria mediante conduta física e erótica (físico-erótica), o que restaria ausente na conversa online.

Ademais, para a respectiva configuração seria necessário ficar provado, de forma indubitável, que o agente enviou o “nude” para satisfazer sua lascívia ou a de terceiro - fator também pouco alcançável.

Daí porque, sem descartar os pensamentos opostos, filia-se à ideia de que o tipo inovador de Importunação Sexual não abarcaria o recebimento indesejado do “nude”, concluindo ser mais adequado a discussão em âmbito da esfera cível, com um eventual pleito indenizatório, por exemplo.

De todo modo, a análise deverá ser feita caso a caso, demandando um profundo raciocínio do operador jurídico.

Registrar os fatos, seja por meio de “prints”, seja através do registro de um Boletim de Ocorrência – BO, e levar o material para um profissional de confiança, é o ideal.

Revenge porn

A conduta acima debatida não se confunde com o chamado “revenge porn”. O usuário que vaza um “nude” recebido a terceiros, sem o consentimento daquele que o enviou – ato que na maioria das vezes acontece após o fim de um relacionamento onde havia troca de fotos íntimas –, estará praticando o chamado revenge porn (pornografia de vingança ou pornografia de revanche).

Nessa situação, primeiro há a troca consentida do/da “nude” (algo que não acontece na conduta anteriormente explicada), mas em momento posterior o agente, sem o consentimento do dono da imagem, transmite o material (“nude”), com o fim de manchar a reputação da vítima e constrangê-la perante a sociedade.

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Nesses casos, a conduta típico-criminal que pode ser enquadrada em regra não é a Importunação Sexual, mas sim a prevista na parte final, do artigo 218-C, do CP, inclusive com causa de aumento de pena (parágrafo 1º).

Outras situações poderão ainda esbarrar na incidência dos crimes de Injúria ou Difamação - definição que recairá sobre o operador do Direito.

Sobre o autor
Gustavo Carvalho

Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Itu - FADITU e Pós-Graduado em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG - Assessor Jurídico e Advogado Contencioso - garantista por natureza

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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