Capa da publicação Interpretação do pedido: quando ocorre?
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Interpretação do pedido da ação.

Momento apropriado, dinâmica do processo e efetividade da jurisdição

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27/10/2020 às 19:06
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Do novo sistema de precedentes

Reforça-se a problemática, agora, com outro componente contemporâneo do sistema: a observância dos precedentes obrigatórios (arts. 332, 489, § 1º, V e VI, 927 e 928 do CPC).

Ainda que os “precedentes” estejam relacionados à ratio decidendi, à fundamentação jurídica adotada e à interpretação das causas de pedir em casos pretéritos, é certo que eles contêm, também, uma “interpretação prévia” de um pedido.

Pode ocorrer que entre o pedido formulado em uma demanda concreta e a solução dada por um precedente haja semelhança. Muitas vezes, essa semelhança se apresenta, de imediato, à mente do Juiz, a partir da análise da petição inicial ou de qualquer um dos marcos temporais mencionados anteriormente.

Como o Juiz tem o dever de aplicar o precedente, deve demonstrar sua intenção de fazê-lo, evidenciando que sua interpretação se alinha àquela firmada no precedente, mas que, eventualmente, não encontra correspondência na demanda apresentada, seja por divergência quantitativa ou qualitativa. Em última análise, sua interpretação não se coaduna com o pedido formulado.

Mais uma vez, a solução reside na conciliação entre o conteúdo do precedente, sua interpretação revelada, a interpretação do pedido pelo Juízo e o pedido expressamente formulado. Essa conciliação pode ser alcançada pela identificação do momento da conjunção dessas manifestações, o chamado “triplo juízo”: 1) o juízo do precedente; 2) o juízo do Juiz; e 3) o juízo da parte.

Como esses três juízos, ao menos em um plano abstrato, já se fazem presentes desde o início da demanda — seja no recebimento da petição inicial, na eventual análise da tutela provisória ou até mesmo no saneamento —, parece evidente que os precedentes conferem maior segurança à interpretação no caso concreto e permitem uma manifestação interpretativa mais antecipada. Afinal, os precedentes se assentam em matérias já firmadas por órgãos colegiados, sendo possível, desde logo, dar efetividade ao “triplo juízo”.

Por fim, e não menos relevante, é claro que sempre poderá haver discrepância, lacuna ou aparente distanciamento entre as causas e os pedidos concretos e aqueles analisados nos precedentes — mesmo considerando que o precedente esteja fundado na ratio decidendi.

O que se pretende deixar claro é que a existência de precedentes reforça a possibilidade de interpretação do pedido pelo Juízo, justamente em razão da imperatividade desses precedentes, da obrigatoriedade de justificar sua aplicação e da ampliação dos mecanismos de controle sobre sua observância (v.g., art. 926 do CPC).

Dinamarco, na obra já citada, reforça:

“No novo Código, seu art. 926 constitui um suporte dessa reorganização das fontes do direito, ao estatuir que “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.”....

A jurisprudência deixou portanto de exercer mera influência no espírito dos aplicadores da lei e passou a integrar o conjunto normativo a ser considerado nos julgamentos.” (9)

Além da segurança e da efetividade que a interpretação judicial pode proporcionar a um pedido nem sempre bem formulado — em favor da efetividade do direito material, da jurisdição e da cidadania —, os precedentes reforçam ainda mais esses aspectos.


Da conclusão

O presente ensaio, certamente, não tem a pretensão de trazer uma solução definitiva para o tema em questão.

Trata-se de uma matéria marcada por múltiplas variáveis — o pedido formulado, a interpretação judicial, a existência (ou não) de precedentes, as ambiguidades e peculiaridades próprias das relações humanas em conflito, a dialética entre ação e exceção, a ampliação subjetiva da demanda, o tempo e a evolução das discussões judiciais e, por fim, a diversidade de hipóteses quanto ao momento mais adequado para manifestação do Juízo.

Diante disso, é evidente que não se pode apontar com precisão absoluta qual seria o momento processual ideal para a interpretação do pedido, sem risco de violar a ampla defesa, o contraditório e o princípio da vedação à decisão surpresa. A prática forense, à luz das ideias aqui expostas, será a resposta mais eficaz.

É notório que os fundamentos de fato devem ser trazidos e provados pelas partes, ao passo que os fundamentos de direito são de conhecimento do Juízo. O pedido é o que centralmente define a demanda.

Contudo, em razão da própria dialética processual — e mesmo da construção mental que leva à formação do “juízo” (rectius: sentença) —, aliada à percepção do alcance possível do direito material envolvido, não é raro que surja um novo dimensionamento do pleito por parte do magistrado, conferindo nova roupagem ao pedido inicial.

É indispensável, portanto, conferir transparência a esse fenômeno, ao seu conteúdo e, sobretudo, ao momento em que ocorre — tudo em nome da efetividade da jurisdição e da preservação da cidadania.

Assim, o que se pode afirmar com segurança é que o processo brasileiro — especialmente em razão das novas previsões relativas às tutelas provisórias (que, por óbvio, demandam revelação prévia e clara do conteúdo do pedido, em especial nos casos de tutela antecedente de urgência e de evidência), da positivação do poder-dever de interpretação judicial do pedido (em harmonia com a vedação à sentença extra petita e com o princípio da congruência), e da observância obrigatória das interpretações anteriores consagradas em precedentes vinculantes — admite que essa interpretação se dê em diversos momentos da marcha processual, sempre com vistas à efetividade da jurisdição, ao devido processo legal, à democracia e à garantia da cidadania.

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Ainda assim, repita-se: será a prática concreta, no contexto específico de cada processo e ao longo do tempo, que melhor responderá à indagação central deste estudo. Somente ela poderá garantir a efetividade, a segurança e a legalidade da atuação judicial na interpretação do pedido — instrumento essencial para dar ao direito material o lugar que lhe cabe como objeto do processo e não como simples coadjuvante nos conflitos humanos.


Referências

1 DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Ed. Podium, 2015. p. 586

2 DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Ed. Podium, 2015. p. 587

3 DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Ed. Podium, 2015. p. 586

4 NERY JUNIOR, Nelson e Rosa Maria de Andrade Nery. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 892

5 DINAMARCO, Candido RANGEL e Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes. Teoria Geral do Novo Processo Civil. São Paulo: Malheiros Editores, 2017, p. 53

6 DINAMARCO, Candido RANGEL e Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes. Teoria Geral do Novo Processo Civil. São Paulo: Malheiros Editores, 2017, p. 19

7 DINAMARCO, Candido RANGEL e Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes. Teoria Geral do Novo Processo Civil. São Paulo: Malheiros Editores, 2017, p. 178

8 DINAMARCO, Candido RANGEL e Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes. Teoria Geral do Novo Processo Civil. São Paulo: Malheiros Editores, 2017, p. 61 - 66

9 DINAMARCO, Candido RANGEL e Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes. Teoria Geral do Novo Processo Civil. São Paulo: Malheiros Editores, 2017, p. 43


Abstract: The present work intends to bring the theme of judicial interpretation of a lawsuit formal request, in view of the most proper procedure moment, fixing it empirically, based on the New Brasilian Code of Civil Procedure, Law n. 13.105 / 15 (NCPC), art. 322, § 2. This specific judicial faculty is authorized by jurisprudence, including the one that emanates from the Justice Superior Court (STJ), the current doctrine and the current law terms as mentioned above. However, the position of the legal community about the very best time to do so is unclear. Normally, the subject is awakened from the point of view of interpretation, refering exclusively as a will of the claim party, as a legal act or in view of implicit requests, or even by virtue of the process systematicity (will = request + cause of request). Therefore, the purpose of this study is to analyze the doctrine and jurisprudence and seek the determination of the appropriate procedural moment for the effective, binding, concrete and transparent Judge manifestation as the judicial request is considered. It is important to note that, in addition to the legal provision for the interpretation of the request, there are also the principles of congruence, efectivey contradictory, prohibition of the extra-petita sentence and the guarantee to the ample defense. If a possible shock between these postulates is considered, the reflection appears to be imperative. Finally, it is important to align the theme with the new systematic role of judicial precedents, albeit in a preliminary way, under the virtual condition of further development. Aligning the interpretation of request with the phases of the process, giving greater effectiveness to the jurisdiction and, in a final approach, to the material right discussed: this is the focus.

Keywords: Judicial claim. Interpretation. Moment. New Brazilian Procedure Code. Judicial Precedents.

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Sobre o autor
Claudio Vestri

Advogado

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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