"Art. 28.... ...................................................................
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§ 4º Os partidos políticos, as coligações e os candidatos são obrigados, durante a campanha eleitoral, a divulgar, pela rede mundial de computadores (internet), nos dias 6 de agosto e 6 de setembro, relatório discriminando os recursos em dinheiro ou estimáveis em dinheiro que tenham recebido para financiamento da campanha eleitoral, e os gastos que realizarem, em sítio criado pela Justiça Eleitoral para esse fim, exigindo-se a indicação dos nomes dos doadores e os respectivos valores doados somente na prestação de contas final de que tratam os incisos III e IV do art. 29 desta Lei." (NR)
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A nova redação do § 40 do art.28 é uma das melhores inovações da legislação eleitoral, permitindo a fiscalização dos gastos de campanha dos partidos políticos por toda a sociedade civil. Em dois momentos, durante o primeiro turno (6 de agosto e 6 de setembro), os partidos serão obrigados a apresentar relatório dos recursos recebidos para financiamento de campanha, em dinheiro ou estimáveis em dinheiro (como serviços doados, por exemplo), bem como os gastos realizados no período. A contabilidade dos comitês financeiros deverá estar minimamente organizada para o cumprimento deste preceito, porque falhas na publicação poderão ser percebidas, tornando difícil os ajustes finais na prestação de contas.
Trata-se de uma norma moralizadora, que permitirá um mínimo de controle dos gastos da campanha eleitoral. Curiosamente, não houve previsão da mesma obrigatoriedade para o segundo turno das eleições.
Infelizmente, a norma veio desacompanhada de sanção pecuniária, por exemplo, que premisse o seu cumprimento. Em razão da sua ausência, o único meio de promover o seu cumprimento pelos partidos políticos é o manejo da representação do art.30-A com a finalidade de apurar condutas em desacordo com as normas da lei, "relativas à arrecadação e gastos de recursos". A ausência de publicação dos relatórios, discriminando os valores arrecadados e os gastos realizados, implica a presunção relativa de condutas em desacordo com a lei, que poderão, em sendo demonstradas, gerar a cassação do registro de candidatura ou do diploma dos eleitos.
O único inconveniente desta norma é que ela posterga a indicação dos doadores dos recursos para a prestação de contas final, de modo que não haverá acompanhamento pela internet das empresas ou pessoas físicas que fizeram as doações. É certo que essa medida protege os doadores durante o período eleitoral, evitando que sejam acossados pelos partidos que não receberam as suas dádivas, ou que tenham recebido em valor menor do que os concorrentes. Nada obstante, diminui sobremaneira a transparência que a norma parecia conceder aos gastos eleitorais durante o transcorrer da campanha.
"Art. 30.... ....................................................................
§ 1º A decisão que julgar as contas dos candidatos eleitos será publicada em sessão até 8 (oito) dias antes da diplomação.
.................................................................................... " (NR)
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A nova redação decorre da maior importância que passou a ter o processo de julgamento das prestações de contas de campanha, que não ficará restrito a uma mera análise formal e contábil dos gastos, conciliando receita e despesa. A cognição da prestação de contas deverá ser mais profunda, razão pela qual será dada prioridade às contas dos eleitos, cuja decisão sobre elas deverá ser publicada em sessão até 8 (oito) dias antes da diplomação.
Há algumas questões a serem consideradas. Com o surgimento crescente de hipóteses legais de cassação imediata de registro ou diploma de candidatos eleitos, com a sua substituição pelo segundo colocado (eleições majoritárias) ou primeiro suplente (eleições proporcionais), poderá ocorrer um tratamento diferenciado em desfavor (mais uma vez) do candidato eleito, beneficiando os seus substitutos, que poderiam em tese assumir o mandato perdido por aqueles sem que suas contas fossem anteriormente apreciadas. Assim, para que a norma não seja injusta, faz-se necessário que o substituto apenas possa ser diplomado e empossado no lugar do candidato eleito e afastado após o julgamento das suas contas pelo tribunal eleitoral responsável pela sua apreciação.
Em linguagem objetiva: o candidato, beneficiário direto da cassação provisória ou definitiva do diploma do candidato eleito, apenas poderá ser diplomado e empossado no mandato eletivo após o julgamento de suas contas, que, sendo rejeitadas, poderá ensejar a representação do art.30-A.
Essa questão, que poderia parecer óbvia e simples, suscita um outro problema: e se a análise das contas do segundo colocado ou do primeiro suplente beneficiário ocorrer posteriormente aos prazos para o ajuizamento das ações eleitorais, quid juris? Existe, afinal, prazo decadencial para manejo da representação do art.30-A? Parece-nos que aqui o Tribunal Superior Eleitoral mais uma vez será chamado a colmatar essa lacuna, dando uma solução para o vácuo legislativo. Sobre essas sérias questões, passo a tratar detidamente na glosa ao art.30-A.
"Art. 30-A. Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral relatando fatos e indicando provas e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos.
§ 1º Na apuração de que trata este artigo, aplicar-se-á o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990, no que couber.
§ 2º Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado."
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O art.30-A foi, sem dúvida, a principal inovação trazida pela Lei n0 11.300/2006, equiparável à introdução do art.41-A no ordenamento jurídico brasileiro. O seu § 20 criou um novo ato jurídico ilícito (captação ou gastos ilícitos de recursos para fins eleitorais) cominando-lhe a sanção de negação ou cassação do diploma do candidato eleito. A captação ilícita de recursos para fins eleitorais é toda aquela que esteja em desacordo com a Lei n0 9.504/97, advinda de qualquer daquelas entidades previstas no art.24 ou, ainda que de origem em si mesma não vedada, sejam recursos que não transitem pela conta obrigatória do candidato (caixa dois) e, ao mesmo tempo, sejam aplicados indevidamente na campanha eleitoral, guardada a distinção com a hipótese de abuso de poder econômico, prevista no § 3º do art.22.
Outrossim, reputam-se gastos ilícitos de recursos para fins eleitorais aqueles realizados sem a observância das normas da Lei n0 9.504/97, como gastos para a confecção de brindes, botons, bonés, outorga de prêmios, doações para eleitores ou pessoas jurídicas (associações, por exemplo), pagamento de artistas para a realização de eventos em prol da candidatura, etc.
Para que se ingresse com a representação prevista no art.30-A não basta que se afirme a existência de possível infração às normas de arrecadação e gastos de campanha: é necessário que a petição inicial relate fatos concretos e indique provas. Indicar provas não é produzi-las desde já. Se para a comprovação dos fatos alegados há a necessidade de documentos que se encontram em poder de terceiros, basta que a petição indique quais são os documentos e em poder de quem eles se encontram, pedindo que sejam eles juntados aos autos por determinação judicial.
Relatar fatos, de outra banda, não é genericamente denunciar a ocorrência de possível ilicitude, sem descrevê-los minimamente e com segurança. Não se pode ajuizar representação, com esteio no art.30-A, alegando que o partido político arrecadou ilicitamente recursos, sem afirmar as razões mínimas de sua convicção. Aí não haveria relato de fatos, mas exposição de suposições genéricas. Relatar fatos é precisar acontecimentos concretos da campanha eleitoral que impliquem afronta à legislação e possam ser apurados mediante a instrução processual.
Insisto, por ser importante: a representação do art.30-A não é um pedido de investigação administrativa para que o Corregedor Eleitoral abra um inquérito para a apuração de fatos. Trata-se de ação de direito material processada, no que couber (prescreve a lei), pelo rito da ação de investigação judicial eleitoral (AIJE). Ou seja, utilizar-se-á o rito da AIJE com a exclusão dos incisos XIV e seguintes do art.22 da LC 64/90, dando à sentença que a julgar efeitos imediatos, sem que incida o art.15 da LC 64/90 (é dizer, independentemente do trânsito em julgado da sentença de procedência).
Inegável, portanto, que a sanção de cassação do diploma dos eleitos, ou o impedimento a que seja emitido em seu favor, é espécie de inelegibilidade cominada simples, razão pela qual o art.30-A padece da mesma inconstitucionalidade do art.41-A e do art.73 da Lei n0 9.504/97. As críticas que faço ao desrespeito ao § 90 do art.14 da CF/88 estão detalhadamente expostas nas minhas Instituições de direito eleitoral. 6a. ed.. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, pp.311 ss., razão pela qual deixo aqui de tratar sobre o tema, nada obstante lembre que o Tribunal Superior Eleitoral considera constitucional a aplicação da sanção de cassação do registro ou do diploma, de vez que não seriam, para a sua jurisprudência, hipóteses de inelegibilidade.
A representação do art.30-A pode ser proposta após o pedido de registro de candidatura, relatando fatos que revelem a arrecadação ou o gasto indevido de recursos de campanha, em desrespeito à legislação eleitoral. Todavia, qual o prazo final para a sua propositura? É consabido que o julgamento das contas dos candidatos eleitos deverá ocorrer em até oito dias antes da diplomação, quando terão os interessados conhecimento dos aspectos dos gastos de campanha que poderão ensejar o ajuizamento da representação do art.30-A. Assim, seria lícito aplicar à representação do art.30-A, analogicamente (e sem criação judicial de decadência!), o prazo de 15 (quinze) dias após a diplomação para o ingresso da ação, na forma do art.14, § 10 da CF/88. Essa seria uma possibilidade hermenêutica estribada no ordenamento jurídico, observando o princípio da limitação temporal das lides eleitorais, evitando que o prolongamento indefinido da possibilidade de ataques judiciais aos mandatos eletivos. A estabilidade dos mandatos obtidos nas urnas ficaria salvaguardada.
Todavia, a experiência tem demonstrado que os fatos ilícitos de arrecadação e gastos de campanha são normalmente flagrados após o pleito e a diplomação, meses após o término do processo eleitoral. O escândalo investigado pela CPMI dos Correios flagrou a aplicação de recursos ilícitos em campanha eleitoral presidencial quase dois anos depois do prélio, sem que houvesse qualquer remédio jurídico próprio para atacar o diploma do candidato beneficiário. O mesmo ocorreu em conhecida e florida capital de um dos Estados da federação, em que o tesoureiro da campanha denunciou, por se sentir preterido politicamente, todo o esquema do caixa dois de campanha. Também não houve aqui conseqüências eleitorais.
A questão a saber é se o art.30-A introduziu no ordenamento jurídico eleitoral uma ação sem prazo decadencial, que poderia ser manejada a qualquer tempo após as eleições e enquanto durasse o mandato dos eleitos, atacando fatos ilícitos que apenas venham a chegar ao conhecimento público posteriormente ao período eleitoral. É uma possibilidade hermenêutica válida, porém de efeitos práticos complexos. Parece-me que o art.30-A, assim interpretado, poderia ir ao encontro da tendência da atual jurisprudência do TSE de combater com efetividade a corrupção eleitoral, com decisões que tenham executividade imediata. Porém, isso também é certo, deixaria indefinidamente em aberto o mandato do candidato eleito, que estaria sempre submetido à possibilidade de demandas judiciais, a qualquer tempo e por qualquer dos legitimados.
Penso eu, por isso mesmo, que a melhor interpretação é aquela que adota o prazo da AIME (quinze dias após a diplomação) para todas as representações eleitorais, exceção feita à AIJE por abuso de poder econômico ou político, que continuaria tendo como dies ad quem a diplomação dos eleitos. Aos ilícitos descobertos posteriormente, ficariam eles submetidos a sanções políticas, como o impeachment ou a cassação por quebra de decoro parlamentar, em sendo o caso.
Vejamos, entretanto, como a jurisprudência do TSE se comportará sobre o tema.
Uma última questão importante: se o candidato eleito tiver o seu diploma cassado em razão da representação do art.30-A, qual será a conseqüência jurídica para o segundo colocado nas eleições majoritárias? Penso que se deva aplicar ao art.30-A a mesma jurisprudência formada para o art.41-A: havendo nulidade de mais de 50% dos votos válidos, novas eleições; em caso contrário, assumiria o segundo colocado.
Nada obstante, poderia o TSE também se inclinar por aplicar ao art.30-A a jurisprudência que passou a ser adotada para a AIME: compreender que a cassação do diploma não implica a nulidade dos votos dados ao candidato eleito, razão pela qual não haveria necessidade de novas eleições, sempre assumindo o segundo colocado. Afinal, como já venho salientando nos meus escritos e em minhas palestras ministradas em todo o País, com o "ocaso da inelegibilidade" a jurisprudência eleitoral operou uma verdadeira desconstrução do ordenamento jurídico eleitoral brasileiro, tomando opções hermenêuticas sem um compromisso prévio com o direito positivo predisposto. Assim, bastaria ao TSE afirmar que a cassação do diploma em razão do art.30-A não gera inelegibilidade nem a nulidade dos votos e, sem mais outras ponderações, sustentar que o segundo colocado no pleito assume o mandato.
Mais uma vez, não há solução a priori. Teremos que aguardar o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral a partir dos casos concretos que lhe sejam submetidos. O Direito Eleitoral está se transformando, de forma acentuada e preocupante, no direito do caso, sem qualquer sistematicidade ou meio prévio de controle pela comunidade aberta dos intérpretes.