Uma visão do sistema previdenciário brasileiro.

Impactos, impasses e desafios político-jurídicos nos 30 anos da Constituição Cidadã

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Foi proposta reforma da previdência, com inúmeros ataques às características sociais do sistema e que afetam e comprometem profundamente o paradigma sobre o qual foi construída a previdência social no Brasil.

Resumo: A previdência social não surgiu abruptamente quer seja no mundo ou no Brasil e, apesar de ser conhecida pelo seu escopo de benefícios de aposentadoria e políticas sociais, seus primórdios tinham propósitos mais voltados para benefícios sociais do que para seguro social, como se vê hoje. Ela emergiu da necessidade social de proteção contra riscos de diversos tipos aos quais os seres humanos estavam expostos. No Brasil, iniciou-se como forma privada voluntária, e sequencialmente foi evoluindo com intervenção estatal cada vez maior, chegando a constituição de 1988 que estabeleceu a “Previdência Social” como a conhecemos hoje. Recentemente, foi proposta reforma da previdência, com inúmeros ataques às características sociais do sistema; trata-se de medidas propostas com o cunho de se manter a estabilidade do sistema previdenciário brasileiro, mas que afetam e comprometem profundamente o paradigma sobre o qual foi construída a previdência social no Brasil.

Palavras chave: Previdência, Regime Geral, Regime Próprio, Idade, Benefício.


Introdução

Numa sociedade tão desigual com a brasileira, a constituição federal positivou, em seu artigo sexto, a previdência social no rol de direitos sociais a que todos os brasileiros poderiam usufruir (BRASIL, 1988). Contudo, nesses 30 anos de existência da nossa carta magna, a previdência social sofreu inúmeros ataques que a afastaram de sua função primária de amparar os trabalhadores impossibilitados ou no final de suas vidas laborais, o que acarretou o sentimento de não atingimento da Justiça Social plena, tal como pregava Lyra Filho.

Para identificar essas disparidades, foi realizada uma revisão bibliográfica e documental com o fito de verificar o surgimento da previdência como um direito social no Brasil, os impactos e impasses dos diferentes sistemas de previdência em vigor no ordenamento jurídico brasileiro e os desafios político-jurídicos de unificação dos sistemas em busca da promoção de um regime igualitário.


A previdência como um direito social

Miguel Reale, em sua obra jusfilosófica, intitulada a Teoria Tridimensional do Direito, afirma que a ontologia do Direito, se dá em três dimensões, sendo estas, Fato, Valor e Norma, e que sem a dialética entre elas, a existência do Direito não se solidifica.

De acordo com a compreensão tridimensional de Reale, a norma adquire valor objetivo quando une os fatos aos valores da comunidade. Desta forma, o Direito não se limita a ser mera vontade do Estado ou mesmo do povo, na verdade, ele é o reflexo da soma da cultura de um local com a sua época, resultando um processo histórico. Partindo desse pressuposto, surge a indagação quanto à validade ou valoração de normas jurídicas, contra hegemônicas, baseadas na autoridade política de governantes que não possuem, perante a maioria da comunidade, legitimidade para representá-la e que destoa completamente da Dialética entre as dimensões do Direito (REALE, 1994).

Historicamente, a Previdência Social surge quando, do crescimento das cidades, acompanhado de avanço no desenvolvimento industrial, os trabalhadores passam a sofrer diversos acidentes laborais e estavam constantemente expostos aos riscos, sendo necessário a “criação de mecanismos de proteção por parte das empresas no contexto do trabalho” (SANTOS JUNIOR, 2017).

No Brasil, não foi diferente; com o passar dos anos e a promulgação de cada nova Constituição, a proteção previdenciária foi se emoldurando e criando corpo, conforme descrito por Nolasco:

“1 - Constituição de 1824 - O primeiro documento legislativo a tratar sobre a Previdência Social no Brasil [...], a qual dedicou o inciso XXXI de seu art. 179 a tal escopo. Tal dispositivo garantia aos cidadãos o direito aos então denominados “socorros públicos”.

2 - Constituição de 1891 – Previu em seu bojo dois dispositivos relacionados à Previdência Social, quais sejam, o art. 5º e o art. 75, sendo que o primeiro dispunha sobre a obrigação de a União prestar socorro aos Estados em calamidade pública, se tal Estado solicitasse, e o último dispunha sobre a aposentadoria por invalidez dos funcionários públicos.

[...] Dentre os documentos legais editados durante o referido período, merece destaque a Lei Elói Chaves (Decreto Legislativo n. 4.682/1923).

3 - Constituição de 1934 - O sistema tripartide de financiamento da Previdência Social, tal qual o conhecemos hoje, foi previsto inicialmente na Constituição de 1934.

[...] foi a primeira no Brasil a prever que o trabalhador, o empregador e o Estado deveriam contribuir para o financiamento da Previdência Social, o que significou um grande progresso de tal Instituto em nosso país.

4 - Constituição de 1937 - O art. 137, alínea m, da Constituição Federal de 1937 instituiu seguros em decorrência de acidente de trabalho, sendo eles os seguros de vida, de invalidez e de velhice.

5 - Constituição de 1946 – [...] importante destacar que a Constituição brasileira de 1946 não representou nenhuma mudança de conteúdo no que tange à Previdência Social se comparada com a Constituição anterior. Não obstante, é no bojo desta Constituição que cai totalmente em desuso o termo “seguro social”, o qual foi substituído, pela primeira vez em termos constitucionais no Brasil, pelo termo “Previdência Social”.

6 - Constituição de 1967 (Emenda n. 1 de 1969)- A maior inovação trazida pela Constituição Federal de 1967, no que diz respeito à Previdência Social, foi a instituição do seguro desemprego. Ademais, importante salientar também que foi neste texto constitucional que ocorreu a inclusão do salário família, que antes só havia recebido tratamento infraconstitucional.

7 - Constituição de 1988 - Conforme se sabe, a Constituição Federal brasileira de 1988 marca o retorno de um Estado democrático de direito em nosso país, tendo contemplado vários direitos e garantias fundamentais aos cidadãos. ” (NOLASCO apud SANTOS JUNIOR, 2017, p. 5).

O Sistema de Seguridade Social, conforme estabelecido na Constituição Federal de 1988, em seu art. 194; é composto por um complexo conjunto de políticas sociais, onde a tríade de direitos à saúde, à previdência e à assistência social (BRASIL, 1988) sustentam a ideia da plataforma. A Previdência Social se diferencia da Seguridade Social, pela sua especificidade, onde a condição é de contribuição recíproca, para que o segurado possa usufruir futuramente de um benefício financeiro e consequentemente da vida social, quando não mais possuir capacidade laboral.

A Previdência Social, alicerça-se nos direitos fundamentais positivados no art. 1º incisos II, III e IV da carta magna, dentre os quais, “a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa” (BRASIL,1988); está conformada dentre os objetivos fundamentais (art. 3º inciso IV) da República Federativa do Brasil os quais buscam “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (BRASIL,1988) e, está enumerada entre os direitos sociais previstos no art. 6º, os quais asseguram a todos os cidadãos o direito “a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados” (BRASIL,1988). Desta forma, “A Previdência Social constitui um sistema básico de proteção social, de caráter público, institucional e contributivo, que tem por finalidade segurar de forma limitada os trabalhadores” (AGUIAR, 2018).

Em uma sociedade tão desigual como a brasileira, a atuação de organizações como a Rede Nacional de Grupos de Pesquisas e Extensões em Direito do Trabalho e da Seguridade Social (RENAPEDTS) podem alertar a sociedade civil acerca de ataques que afrontam diretamente os direitos sociais, na medida em que “... se explicita no país uma forte articulação para destruir, por vias transversas, a Constituição Federal de 1988, especificamente na parte pertinente aos direitos trabalhistas e sociais”.(RENAPEDTS, 2016). Neste esteio, a flexibilização e a relativização de direito sociais surgem como eufemismos para as elites esconderem das classes operárias suas reais intenções:

“tais iniciativas provocam maior acumulação do capital e, consequentemente, agravam os problemas econômicos estruturais, além de trazerem mais sofrimentos à classe trabalhadora, com reflexos no custeio da Seguridade Social e, por conseguinte, na eficácia dos direitos sociais, retroalimentando o argumento em prol de novas reduções, sendo que este foi, ademais, o caminho percorrido pela política econômica brasileira, desde 1964, sem qualquer efeito positivo, como se sabe” (RENAPEDTS, 2016).

Com um ataque direto ao Direito à previdência social, o que se vê em aplicação se diferencia definitivamente daquilo que Miguel Reale definiu como “Direito”, onde; em nome da prevalência do capitalismo sobre a vontade social, se tenta estabelecer mudanças no direito, que estão aquém da realidade social e que vão de encontro aos anseios da população, não adquirindo “valoração” e, desta forma, a tridimensionalidade que evidentemente o “fato” exige.


Os impactos e impasses dos diferentes sistemas de previdência em vigor

Após a promulgação da carta magna de 1988, alguns ajustes significativos foram realizados nos diferentes regimes de previdência social. O primeiro ocorreu em 1993, por meio da Emenda Constitucional (EC) nº 3/1993 que instituiu o princípio contributivo para os regimes de previdência dos servidores públicos (BRASIL, 1993). Cinco anos depois, a EC nº 20/1998 trouxe grandes inovações ao estabelecer tempo mínimo de contribuição tanto para os trabalhadores em geral quanto para os servidores públicos, bem como norma programática para criação de um regime de previdência complementar na União, Estados, Distrito Federal e Municípios (BRASIL, 1998).

Desta forma, o sistema previdenciário pátrio passou a apresentar três institutos distintos, quais sejam:

  1. Regime Geral de Previdência Social – RGPS: dirigido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e aplicável a todos os trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e aos servidores públicos vinculados a ente federativo que não tenha regime próprio instituído.

  2. Regime Próprio de Previdência Social – RPPS: aplicável apenas aos servidores públicos titulares de cargo de provimento efetivo da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

  3. Regime de Previdência Complementar – RPC: aplicável aos servidores públicos que ingressaram no serviço público após a criação de lei específica de iniciativa do respectivo Poder Executivo, podendo impor o valor do benefício de aposentadoria do servidor limitado ao teto do RGPS.

A coexistência desses diferentes regimes proporciona um abismo social enorme na distribuição de recursos destinados a previdência social. Enquanto o RGPS limita o valor máximo dos benefícios pagos a R$ 5.656,80[4] (cinco mil, seiscentos e cinquenta e seis reais e oitenta centavos), os RPPS podem pagar aposentadorias que chegam a atingir o teto constitucional, como é o caso dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), políticos e membros da magistratura.

Com o advento do RPC aplicado aos diversos entes da Federação que aderiram ao que está preconizado no art. 40 §§ 14, 15 e 16 da constituição federal, os novos servidores públicos passaram a ter regras mais próximas dos trabalhadores sob a égide da CLT, perdurando apenas a diferença entre idades e tempos de contribuição mínimos. Contudo, o cerne das disparidades entre o RGPS e os RPPS reside nas imensas diferenças previstas nas regras de transição para aposentação.

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No RGPS, o trabalhador ordinário possui três regras de aposentadoria em vigência, conforme informações disponíveis no sítio eletrônico do INSS[5]:

  1. Regra 85/95 progressiva: é a soma da idade com o tempo de contribuição do contribuinte, sendo 85 (oitenta e cinco) anos para mulheres e 95 (noventa e cinco) anos para homens evoluindo até 90/100. Não há idade mínima para essa regra e exige-se pelo menos 15 (quinze) anos de contribuição mínima. O valor do benefício é calculado segundo fator previdenciário[6].

  2. Regra 30/35 anos de contribuição: é o tempo total de contribuição do contribuinte, sendo 30 (trinta) anos para mulheres e 35 (trinta e cinco) anos para homens. Para casos de carência, considera-se 15 (quinze) anos efetivamente trabalhados. Não há idade mínima para essa regra, sendo o valor da aposentadoria calculado com base no fator previdenciário.

  3. Regra para proporcional: Exige-se uma idade mínima de 48 (quarenta e oito) anos para mulheres e 53 (cinquenta e três) anos para homens. O tempo total de contribuição é de 25 (vinte e cinco) anos somados ao adicional para mulheres e 30 (trinta) anos somados ao adicional para homens. O adicional de tempo corresponde a 40% do tempo que faltava para o cidadão atingir o tempo mínimo da proporcional que era exigido em 16/12/1998 (30 anos para homens e 25 anos para mulheres).

Já para os servidores públicos vinculados aos diversos RPPS, o levantamento feito pela Fundação Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil, conforme a Cartilha dos Servidores Públicos (ANFIP, 2014) aponta as seguintes regras comuns:

  1. Aposentadoria por tempo de contribuição e idade: 60 (sessenta) anos de idade para homens e 55 (cinquenta e cinco) anos para mulheres; 35 (trinta e cinco) anos de contribuição para homens e 30 (trinta) para mulheres; 10 (dez) anos de efetivo exercício no serviço público (federal, estadual, municipal ou distrital) e 5 (cinco) anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria. O cálculo de benefício depende do ano de ingresso no serviço público e se vincula, normalmente, as últimas remunerações percebidas.

  2. Aposentadoria por idade: 65 (sessenta e cinco) anos de idade para homens e 60 (sessenta) para mulheres, 10 (dez) anos no serviço público e 5 (cinco) anos no cargo. Da mesma, os cálculos dos proventos de aposentadoria dependem da entrada no serviço público e é feito com base nas últimas remunerações recebidas.

Diante dessas diferenças, as elites econômicas têm envidado esforços no sentido de demonizar e generalizar o conceito perante a opinião pública de que todos os servidores públicos são, em certa medida, “privilegiados” e causadores do déficit previdenciário, sendo imperiosa a necessidade de se reformar o sistema.


Os desafios político-jurídicos de unificação dos sistemas

A discussão e a proposição de ideias e modelos de unificação dos sistemas previdenciários, baseados na criação de um regime único de Previdência Social, em que trabalhadores dos setores público e privado respondam pelas mesmas regras, não são um tema novo no cenário político-jurídico brasileiro. Debates no sentido de promover a fusão da previdência brasileira existem desde a década de 1940 (GONDIM, 1968).

A principal justificativa para a unificação e para as reformas propostas sempre passa pelo discurso da necessidade de garantir o equilíbrio e a saúde financeira do sistema de previdência, principalmente levando em consideração o envelhecimento da população e a piora da razão entre contribuintes e beneficiários (COSTANZI, 2018).

Com o objetivo de promover reformas na previdência social, após o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, o governo federal apresentou a PEC no 287, de dezembro de 2016, que se propõe modificar as regras dos RGPS e RPPS. Em resumo, a PEC 287 possui efeitos bastante amplos, propondo diversas alterações, dentre elas: a instituição de uma idade mínima para todas as aposentadorias do RGPS; o aumento da idade mínima nos RPPS; a revisão da regra de cálculo dos benefícios; a extinção da aposentadoria por tempo de contribuição; a convergência ou harmonização das regras entre os diferentes regimes, classes e sexos; a eliminação da aposentadoria especial do professor; a alteração no cálculo do valor das pensões por morte; a vedação da acumulação de pensão com aposentadoria e a instituição obrigatória da previdência complementar nos RPPS (BRASIL, 2016).

As justificativas para a unificação entre os diferentes sistemas de previdência invariavelmente passam também por pretensos ideais de igualdade, de modo que os trabalhadores da iniciativa privada obtivessem os mesmos direitos e privilégios que são concedidos aos funcionários públicos em seus regimes especiais de previdência. Entretanto, é preciso estar atento às verdadeiras intenções que permeiam a discussão, uma vez que a depender dos moldes das reformas implantadas, os direitos das duas classes de trabalhadores poderiam ser igualados e diminuídos. Dessa forma, promove-se a retirada de direitos sob o manto da expansão da isonomia, ou seja, haverá menos direitos para todos invariavelmente.

As supostas correções das injustiças existentes nos modelos previdenciários atuais promovidas pelas reformas pretendidas têm o potencial de funcionar como uma grande fábrica de injustiças legalmente instituídas. Como ensinado por Roberto Lyra Filho, o casamento entre a lei e o Direito nem sempre é duradouro:

"Direito e Justiça caminham enlaçados; lei e Direito é que se divorciam com frequência. Onde está a Justiça no mundo? Pergunta-se: Que Justiça é esta, proclamada por um bando de filósofos idealistas, que depois a entregam a um grupo de" juristas ", deixando que estes devorem o povo? A Justiça não é, evidentemente, esta coisa degradada. Isto é negação da Justiça, uma negação que lhe rende, apesar de tudo, a homenagem de usar seu nome, pois nenhum legislador prepotente, administrador ditatorial ou juiz formalista jamais pensou em dizer que o" direito "deles não está cuidando de ser justo. Porém, onde fica a Justiça verdadeira? Evidentemente, não é cá, nem lá, não é nas leis (embora às vezes nelas se misture, em maior ou menor grau); nem é nos princípios ideais, abstratos (embora às vezes também algo dela ali se transmita, de forma imprecisa): a Justiça real está no processo histórico, de que é resultante, no sentido de que é nele que se realiza progressivamente" (LYRA FILHO, 2005, p.85).

Assim, as reformas da previdência sempre se apresentarão como um processo dialético, já que de um lado estarão os trabalhadores buscando pela manutenção dos seus direitos e do outro lado estará o capital financeiro e as grandes organizações, que são os reais detentores do poder nessa relação desigual. Os interesses dessa classe dominante residem na redução de direitos para que possam prevalecer fundos privados sobre os fundos públicos e para que possa existir um Estado desregulamentado que favoreça a elite (FALEIROS, 2000).


Conclusão

A estratégia utilizada pela classe dominante consiste na tentativa de atribuir ao servidor público a qualificação e a imagem de privilegiado, de detentor de direitos extravagantes e em última instância, de detentor da culpa de qualquer crise fiscal, fazendo com que a opinião pública se volte contra essa parcela de trabalhadores e apoie a diminuição ou corte de seus direitos. Como é trazido por Marques (2003) e Mota (2007), as aposentadorias dos servidores públicos não são as grandes responsáveis pelos desequilíbrios das contas públicas no Brasil. De fato, a realidade é que ao:

“[...] comparar a renda da vida toda, isto é, do período da atividade e da aposentadoria, entre um servidor e um assalariado do mercado formal do setor privado, verificaremos que elas tendem a ser iguais, indicando que os servidores não constituem segmento privilegiado” (MARQUES, 2003, p.29).

No discurso de austeridade e de demonização do servidor público promovido pela elite, há uma clara intenção de despolitizar a questão da previdência e de suas necessárias reformas (OLIVEIRA, 2017). A discussão acerca da questão previdenciária é propositalmente reduzida a argumentos técnicos, que transparecem a ideia de neutralidade político-ideológica e buscam mascarar os interesses da classe dominante, invariavelmente contrários àqueles dos cidadãos que terão seus direitos ofendidos, como traz o trecho:

“Um importante ponto que precisa ser desmistificado no debate é o argumento recorrente de que não haveria necessidade de reforma da Previdência porque existiria um superávit na Seguridade Social. A polêmica, deixando de lado questões ideológicas, é de cunho eminentemente contábil e não altera em absolutamente nada a realidade: o gasto público, a necessidade de comprometimento significativo da carga tributária e a efetiva situação fiscal continuam sendo rigorosamente os mesmos” (COSTANZI, 2018, p.146).

À luz do Direito, ao se tratar da questão da aposentadoria, três questões deveriam ser levantadas. A primeira, de acordo com a legislação vigente, avalia de maneira positivista se alguém tem o direito ao benefício. A segunda deve analisar a realidade social dos aposentados e a situação real da previdência. E por fim, a terceira deve avaliar se a lei e se a situação em que se encontram os aposentados são justas (MONTORO, 1981). Essa é uma análise abrangente e que busca a promoção de uma verdadeira justiça social, o que deveria ser buscado quando se trata de direitos sociais.

A ideia de luta por direitos em um processo dialético inserida na questão da previdência inevitavelmente remete aos ideais e princípios do Direito Achado na Rua, especificamente ao aspecto possivelmente assumido pelo Direito como ferramenta da luta de classes (SOUSA JUNIOR, 2015). O que seria a obtenção de direitos por parte da classe trabalhadora frente aos interesses contrários da classe dominante senão uma materialização empírica do Direito funcionando como impulsionador da luta de classes?

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Sobre os autores
Victor Hugo Costa Dias

Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Sistemas Eletrônicos e de Automação da Universidade de Brasília (PGEA/UnB), Mestre em Engenharia Biomédica pela Universidade de Brasília (UnB), Especialista em Ciências Forenses pelo Instituto de Estudos Farmacêuticos (IFAR), Graduado em Engenharia Mecatrônica pela Universidade de Brasília (UnB). Perito Criminal da Seção de Crimes contra a Pessoa do Instituto de Criminalística da Polícia Civil do Distrito Federal (SCPe/IC/PCDF). Aluno do curso de Direito da Universidade de Brasília (UnB)

Claudio Marcelo Albuquerque Nascimento Silva

Especialização em Administração Pública pela Universidade da Força Aérea (UNIFA), Graduado em Engenharia da Computação pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), Analista Judiciário, apoio especializado – Análise de Sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Aluno do curso de Direito da Universidade de Brasília (UnB)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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