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Dúvidas com o Windows WGA?

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          À Sorrelfa

          Dizer simplesmente a verdade resolveria. Parece difícil que consumidores possam se interessar por esse software, e a Microsoft sabe disso, e ao que parece, sabendo disso, tentou dourar a pílula de modo a levá-los a concordar com a instalação "do pacote". Mas foi pilhada nos detalhes, digamos, não-mailciosos, da mesma forma que o foi a Sony-BMG no começo de 2006, com o seu rootkit espião que se fazia passar por ferramenta de proteção contra cópia não autorizada de CDs musicais. Vale lembrar que, naquele caso, a Microsoft demorou muito tempo para dizer qualquer coisa ligeiramente favorável à privacidade e à proteção contra os riscos decorrentes dos seus clientes. Agora, talvez estejamos diante da razão para aquela reticência.

          Depois das declarações da Microsoft, David Berlind destaca pontos obscuros que remanescem. Dentre esses, sobre a licença: Não se trata apenas da questão de quando o consentimento é solicitado. Trata-se, principalmente, daquilo para o qual se solicita consentimento, em face do que faz, à sorrelfa, o objeto contratual da licença. Na licença, sobre seu objeto contratual se lê:

          "Esse software é um pré-lançamento da versão do software destinado a atualizar as medidas tecnológicas no Windows XP projetadas para prevenir contra o uso não licenciado do Windows XP.

          Ao usar esse software, você estará aceitando esses termos. Caso não aceite esses termos, não use o software. Como descrito abaixo, usar alguns de seus recursos também funciona como consentimento de sua parte para a transmissão de certas informações padrão do computador para serviços baseados na Internet."

          ["This software is a pre-release version of the software intended to update the technological measures in Windows XP which are designed to prevent unlicensed use of Windows XP.

          By using the software, you accept these terms. If you do not accept them, do not use the software. As described below, using some features also operates as your consent to the transmission of certain standard computer information for Internet-based services."]


          Dúvidas se acumulam

          Até aqui, o problema da licença se resume ao usuário só ser avisado do mato em que está entrando no meio do caminho, com a primeira componente já instalada, quando lhe é dito que está instalando programa insuficientemente testado que usa silenciosamente a Internet para enviar dados afora. Porém, ao ser avisado que certas informações serão enviadas do seu computador à Microsoft, e de que o uso de certos rescursos desse software serão interpretados como consentimento para tal, nada no restante da licença informa sobre que "certas informações" são essas, quais "certos recursos" são esses, ou como se pode "não usá-los".

          Ainda, a licença descreve tal envio no contexto de "serviços", o que implica em o usuário legítimo estar obtendo algo valioso disso tudo. Mas o que ele está obtendo, na verdade, além do que já teria direito pelo que pagou, são apenas interrupções importunas, à custa da necessidade da fornecedora do sistema que está usando manter seu modelo negocial rentável. Um modelo que só tem -- ou já tem -- 30 anos.

          A não-malícia é sutil, as dúvidas se acumulam. De acordo com a Microsoft, a ferramenta de Notificação (a segunda instalada) não envia nenhum informação identificável pessoalmente ao usuário [personal idendifiable information], pelo que somos levados a concluir que, ao menos no dispositivo citado acima, a licença deve estar se referindo à ferramenta de Validação (a primeira instalada, antes de mostrada a licença). A menos que a verdade sobre o que faz uma e outra esteja sendo omitida, ou propositadamente despistada, nas declarações oficiais da empresa.


          Direito ao "sim"

          Continua a licença:

          "Quando você instala o software na sua plataforma, ele irá checar para se certificar que você tem uma cópia validamente licenciada do Microsoft Windows XP ("Windows XP") instalada. Se você tem uma cópia genuína do Windows XP, voce recebe benefícios especiais, que estão listados no seguinte link: http://go.microsoft.com/fwlink/?linkid=39157

          · Se o software detecta que você não está rodando uma cópia genuína do Windows XP, a operação do seu computador não será afetada de maneira alguma. Entretanto, você receberá uma notificação e lembretes periódicos para instalar uma cópia licenciada genuína do Windows XP. O recebimento automático de atualizações estará limitado a apenas aquelas críticas para a segurança.

          · Você não poderar desinstalar o software mas pode suprimir os lembretes colocando o ícone do software na lata de lixo do sistema."

          ["When you install the software on your premises, it will check to make sure you have a genuine and validly licensed copy of Microsoft Windows XP ("Windows XP") installed. If you have a genuine copy of Windows XP, you receive special benefits, which are listed on the following link: http://go.microsoft.com/fwlink/?linkid=39157.

          · If the software detects you are not running a genuine copy of Windows XP, the operation of your computer will not be affected in any way. However, you will receive a notification and periodic reminders to install a genuine licensed copy of Windows XP. Automatic Updates will be limited to receiving only critical security updates.

          · You will not be able to uninstall the software but you can suppress the reminders through the software icon in the system tray."]

          A primeira parte desse dispositivo parece estar se referindo à ferramenta de Validação (a primeira instalada), já que fala da checagem para certificar que o usuário tem uma cópia válida do Windows XP. A menos que a outra componente (instalada após concordância com a licença) também faça tal checagem. Mas a parte final, que avisa sobre a impossibilidade de desinstalação, de que componente fala? De ambas? Caso afirmativo (até onde se sabe, seria o caso), então o usuário terá instalado no seu sistema um programa que o espiona, que não pode ser desinstalado, que não teria sido suficientemente testado, implementado com uma tecnologia (ActiveX) que sabidamente vulnera esse sistema, e que não lhe dá a oportunidade de dizer sim ou não à instalação, quando esta se insinua entre "atualizações" e "atualizações de alta prioridade". Não-malícia, sim?


          Mais enganoso

          E como não poderíamos olvidá-la, a cláusula de privacidade:

          "NOTA SOBRE PRIVACIDADE: O processo de validação do software não indentifica você e é usado apenas para o propósito de relatar a você se você tem ou não uma cópia genuína do Windows XP. O software não coleta ou envia qualquer informação pessoal sobre você à Microsoft. O único propósito do software é informá-lo se você tem ou não instalado uma cópia genuína do Windows XP. Entretanto, a Microsoft pode coletar e publicar dados agregados sobre o uso do software."

          ["PRIVACY NOTICE: The validation process of the software does not identify you and is used only for the purpose of reporting to you whether or not you have a genuine copy of Windows XP. The software does not collect or send any personal information to Microsoft about you. The sole purpose of the software is to inform you whether or not you have installed a genuine copy of Windows XP. However, Microsoft may collect and publish aggregated data about the use of the software."]

          Essa é o dispositivo da licença que parece mais enganoso. Nele, diz-se que o processo de validação não coleta, nem envia à Microsoft, nenhuma informação pessoal do usuário (seria o mesmo que "identificáveis pessoalmente ao usuário"?). Porém, a empresa já afirmou, em declarações a respeito do WGA em seu site, que a ferramenta de Validação faz as duas coisas, já que o endereço IP e o número de série do HD são individuais, e portanto, pessoalmente associáveis ao usuário. Assim, esta cláusula da licença parece estar se referindo, através do substantivo "the software", à ferramenta de Notificação. Todavia, alguma ação, que o contexto nos faz presumir seja executada por the software, é ali chamada de "processo de validação" [validation process].

          O que só pode significar, de duas, três: ou a ferramenta de Notificação também faz validação, ou a Microsoft nunca solicita o consentimento do usuário para enviar a si certas informações que coleta, já que esse dispositivo afirma que o "processo de validação", cujo propósito único seria o de notificar o usuário, não envia esse tipo de informação [personal identifiable information]. Se tal licença pretende definir como seu objeto ambas componentes do WGA, ela é inadequada e incorreta, pois algum processo do WGA coleta e envia à Microsoft informações individuais associáveis, e portanto, identificáveis pessoalmente ao usuário, que precisa ser disso informado para dar consentimento esclarecido no contrato que instrumentaliza a mesma.

          Desta sorte, somos levados a buscar, na tal licença, explicações sobre o que faz a ferramenta de Validação, aquela que admitidamente coleta e envia à Microsoft informações identificáveis pessoalmente ao usuário.


          O condão do mau exemplo

          Essas explicações parecem estar restritas à seção 3.

          "3. SERVIÇOS BASEADOS NA INTERNET. A Microsoft provê serviços baseados na Internet com este software. Esses serviços podem ser alterados ou cancelados a qualquer momento.

          a. Consentimento para Serviços baseados na Internet. O recurso de software descrito abaixo conecta à Microsoft ou a sistemas computacionais provedores de serviço através da Internet. Em alguns casos, você não receberá aviso em separado quando a conexão ocorrer. Você pode desligar esse recurso ou não usá-lo. Para mais informação sobre esse recurso, veja http://go.microsoft.com/fwlink/?LinkId=56310. Ao usar esse recurso, voce consente a transmissão dessas informações. Microsoft não usa essas informações para identificar ou contactar você.

          i. Informação sobre o computador. O software usa protocolos Internet, que enviam à Microsoft informações sobre o computador, tais como a chave do produto Windows XP, nome do fabricante do computador, versão do sistema operacional, ID de produto do Windows XP, informação sobre a BIOS do computador, configuração de idioma do usuário e versão da linguagem do Windows XP.

          ii. Uso das informações. Podemos usar as informações sobre o computador para melhorar nossos softwares e serviços. Podemos também repassá-las a terceiros, tais como vendedores de hardware e software. Eles podem usar tais informações para melhorar a forma como seus produtos operam com softwares Microsoft."

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          ["3. INTERNET-BASED SERVICES. Microsoft provides Internet-based services with the software. It may change or cancel them at any time.

          a. Consent for Internet-Based Services. The software feature described below connects to Microsoft or service provider computer systems over the Internet. In some cases, you will not receive a separate notice when they connect. You may switch off this feature or not use it. For more information about this feature, see http://go.microsoft.com/fwlink/?LinkId=56310. By using this feature, you consent to the transmission of this information. Microsoft does not use the information to identify or contact you.

          i. Computer Information. The software uses Internet protocols, which sends to Microsoft computer information, such as your Windows XP product key, PC manufacturer, operating system version, Windows XP product ID, PC BIOS information, user locale setting, and language version of Windows XP.

          ii. Use of Information. We may use the computer information to improve our software and services. We may also share it with others, such as hardware and software vendors. They may use the information to improve how their products run with Microsoft software."]

          A alínea a. fala de conexões com sistemas provedores de serviço, de avisos ao usuário sobre algumas dessas conexões, e de recuros que o usuário pode desligar ou não usar. Mais de quais recursos está a falar? Seriam as conexões? Seriam os avisos? Seriam os não-avisos? Outro dispositivo da licença (o que contém link para "benefícios", citado acima) dá a entender que se pode desligar avisos, mas as dúvidas aqui persistem. Após o link acima, de ineficácia legal já comentada, o que segue tem o mesmo condão do citado mau exemplo hospitalar, de um médico que queira extrair a vesícula de um paciente anestesiado para extração do apêndice. Como é possível, considerando o que aqui se revela (e não se revela), não usar o recurso que consente o envio de "certas informações"? Que recurso, usos e informações são essas?


          Paciente pagante

          A licença não fala de quando ou quais "informações sobre o computador" serão enviadas. Apenas através de alguns exemplos [such as...] o item i. pretende descrevê-las. A licença não fala, por exemplo, nem do endereço IP nem do número de série do HD, informações individuais admitidamente enviadas. A licença não explica, nem permite ao usuário avaliar, em que sentido as informações não explicitadas e enviadas poderiam, ou não, oferecer, quando agregadas, meios de se identificar pessoalmente o usuário. A licença não explica, nem permite avaliar, em que sentido um usuário pode "usar" seu objeto contratual, ou dele obter um "serviço".

          Seria serviço notificar o usuário de que ele está rodando cópia pirata do XP, tendo ele comprado a dita cuja em boa fé, se outro alguém no mundo já tiver validado a sua, através do WGA, com a mesma "chave de produto", como já denunciam alguns? Ou seria isso um desserviço? Para extrair da linguagem técnica dessa licença algum sentido legal, há que se presumir que ela pretende definir como objeto contratual as duas ferramentas que compõem o WGA. Mas o que quer que venha a ser esse sentido, ele só se revela depois de instalada sua primeira componente (a ferramenta de Validação), sem opção de desinstalação, exceto talvez pela reinstalação de todo o sistema, porém sem mais direito a atualizações, exceto às consideradas críticas.

          Críticas, mas em que sentido? No sentido apêndice-médico-vesícula? Críticas no sentido de incluir softwares que se comportam exatamente como espiões, sobre as quais o consumidor não tem como saber, técnica ou legalmente (veja abaixo), o que fazem com e no seu computador, de cuja insuficiência relativa a testes (beta pre-release) ele só fica sabendo durante a instalação, de cuja recusa as consequências podem ser também nefastas (desatualização). Combate à pirataria é, de fato, algo crítico. Todavia, um problema que é do negócio do médico não deveria lhe servir de motivo para por em risco a saúde do paciente pagante.

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Sobre o autor
Pedro Antônio Dourado de Rezende

professor de Ciência da Computação da Universidade de Brasília (UnB), coordenador do programa de Extensão Universitária em Criptografia e Segurança Computacional da UnB, ATC PhD em Matemática Aplicada pela Universidade de Berkeley (EUA), ex-representante da sociedade civil no Comitê Gestor da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REZENDE, Pedro Antônio Dourado. Dúvidas com o Windows WGA?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1108, 14 jul. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8650. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Este artigo é derivado, por tradução e adaptação, do artigo <a href="http://www.groklaw.net/article.php?story=20060608002958907">"Microsoft´s Calling Home Problem: It´s a Matter of Informed Consent"</a>, de Pamela Jones, editora do portal Groklaw, publicado em 11 de junho de 2006 sob licença (CC) NC-ND 2.0. Este artigo é publicado e distribuído sob <a href="http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/2.0/deed.pt">licença (CC) NC-ND 2.0</a>. Versão 1, de 30 de junho de 2006.

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