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Aplicação de medidas coercitivas atípicas.

Retenção de passaporte e suspensão da CNH e o direito constitucional de liberdade de locomoção

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28/04/2024 às 11:44
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Análise de uma das inovações trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015, sendo aquela prevista no artigo 139, inciso IV que possibilita aos magistrados a adoção de medidas coercitivas atípicas.

Resumo: A presente pesquisa tem por finalidade analisar uma das inovações trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015, sendo aquela prevista no artigo 139, inciso IV que possibilita aos magistrados a adoção de medidas coercitivas atípicas, com ênfase na suspensão da Carteira Nacional de Habilitação e a retenção de passaporte de devedores em processo de execução. Utilizando o método dedutivo, a presente pesquisa é classificada como exploratória e bibliográfica e sua abordagem é qualitativa, tendo como principal fonte a Constituição Federal, o Código de Processo Civil, Jurisprudências, além de estudos publicados em obras de renomados autores. Sua finalidade de demonstrar se a aplicação de tais medidas viola ou não o direito constitucional de liberdade de locomoção, assim como demonstrar como o Supremo Tribunal Federal tem se posicionado sobre o assunto. Dessa maneira, no desígnio de facilitar a compreensão do leitor, incialmente é feita uma abordagem de forma sucinta quanto à origem, conceito e requisitos da execução, bem como nos principais princípios norteadores que regem o processo executivo até chegar no entendimento jurisprudencial firmado pela mais alta Corte Constitucional do país.

Palavras-chave: Execução. Medidas Atípicas. Suspensão. Carteira Nacional de Habilitação. Apreensão do passaporte.


1. INTRODUÇÃO

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, espelhada na Declaração Universal de Direitos Humanos assinada em Paris no ano 1948, dedicou um capítulo específico para tratar dos Direitos e Garantias Fundamentais inerentes à pessoa humana, que de acordo com a teoria interna, o núcleo essencial de um direito fundamental jamais pode ser violado.

Todavia, com o advento da Lei nº 13.105/15 que instituiu o atual Código de Processo Civil, trouxe importantes inovações para o meio jurídico, entre elas está aquela que por meio de uma cláusula geral autoriza o magistrado à adoção de medidas executivas atípicas em processos de execução de acordo com as peculiaridades de cada caso concreto. Isso porque, no entendimento do legislador, o modelo de execução prevista no antigo Código já não mais atendia seu propósito de forma efetiva, tal qual a satisfação plena do direito material pleiteado.

Dessa forma, no intuito dar maior efetividade ao processo de execução e amparados pelo poder geral de efetivação, insculpido no artigo 139, inciso IV, do Código de Processo Civil, cada vez mais os magistrados começaram a adotar medidas executivas atípicas, como a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação e apreensão de passaporte de devedores executados.

É justamente nessa problemática que a presente pesquisa, utilizando o método dedutivo, procura analisar se as medidas atípicas previstas no artigo 139, inciso IV, do Código de Processo Civil está em consonância com o direito fundamental de liberdade de locomoção e com os principais princípios norteadores do processo executivo.

Para isso, a pesquisa classificada como exploratória e bibliográfica e com uma abordagem qualitativa, utilizando como principal fonte a Constituição Federal, o Código de Processo Civil, Jurisprudências, além de grandes obras de renomados autores, procura introduzir o leitor no universo das execuções civis a fim que possa melhor compreender sobre a atipicidade dos meios empregados no processo de execução, principalmente no que tange a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação e apreensão de passaporte de devedores em processo de execução.


2. DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E SUAS LIMITAÇÕES

É praticamente impossível discorrer sobre direitos fundamentais sem voltar ao tempo do surgimento das primeiras constituições, pois é com a criação das constituições dentro do movimento do constitucionalismo moderno que os poderes estatais foram limitados e os direitos fundamentais foram criados.

O marco histórico desse movimento se deu com a criação das Constituições dos Estados Unidos da América no ano de 1787 e da França de no ano 1791, em que estabeleceu a separação dos poderes e instituiu um rol de direitos e garantias fundamentais, mesmo que minimamente.

No Brasil, a limitação do poder estatal de forma expressiva, só ocorreu com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que espelhada na Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, trouxe em seu bojo um título específico para tratar dos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana. Em seu Título II, os Direitos e Garantias Fundamentais foram expressamente subdivididos em cinco capítulos, sendo eles: Direitos individuais e coletivos; Direitos sociais; Direitos de nacionalidade; Direitos políticos, e por fim, os Direitos relacionados à existência, organização e a participação em partidos políticos (BRASIL, 2020).

Contudo, conforme ensina Virgílio Afonso da Silva (2010, p. 71), os direitos fundamentais têm como função proteger o indivíduo contra intervenções indevidas do Estado. Tal proteção, só pode ser limitada por expressa disposição constitucional também conhecida como “restrição imediata”, ou por meio da criação de lei ordinária fundada na própria Constituição denominada de “restrição mediata”.

A doutrina aborda duas teorias que tratam das limitações dos direitos fundamentais: a interna e a externa. Para a teoria interna (absoluta) o núcleo essencial de um direito fundamental não pode ser violado. Enquanto a teoria externa (relativa), por sua vez, entende que a definição dos limites aos direitos fundamentais é um processo externo a esses direitos. Ou seja, são os fatores externos que irão identificar os limites dos direitos fundamentais, respeitando a análise de cada caso concreto.

Nesse diapasão, abarcada pela teoria externa, a teoria dos “limites dos limites” (schranken-schranken), sustenta a possibilidade de limitação de direitos fundamentais previstos na Constituição por normas infraconstitucionais. Contudo, essa limitação deve estar sempre alicerçada na possibilidade de ampliação da tutela dos direitos fundamentais.

Mas, pode então a lei impor restrições aos direitos fundamentais? A resposta a essa indagação corre por caminhos estreitos e perigosos. Isso porque em determinada situação fática, a aplicação de tal medida pode acirrar uma grande discussão jurídica e doutrinária, uma vez que envolve direitos e garantias fundamentais insculpidos na Carta Magna, e que serão analisados de forma mais detalhada no decorrer desse estudo.


3. EXECUÇÃO CIVIL E SEUS PRINCÍPIOS NORTEADORES

3.1. EXECUÇÃO CIVIL – ORIGEM, CONCEITO E REQUISITOS

Antes de analisar a execução civil no que tange a aplicação de medidas coercitivas atípicas, com ênfase na retenção de passaporte e suspensão de CNH e o direito constitucional de locomoção, é imprescindível discorrer sobre alguns conceitos que notadamente serão de grande importância a boa compreensão do presente estudo.

Inicialmente, é imperioso discorrer sobre a origem da execução. Para isso, Cândido Dinamarco em sua obra Execução Civil (2000), tece comentários importantíssimos sobre a origem da execução civil, contextualizando as diferentes realidades culturais e políticas de uma época em que o Estado não tinha força suficiente para resolver os conflitos, de maneia que restava aos particulares recorrer à força bruta para satisfazer seus interesses.

O autor faz ainda uma abordagem sobre a estatalização, patrimonialização e humanização da execução. Para ele, a história não caminha em linha reta, evoluindo inexoravelmente no sentido das tendências da humanidade e de sua civilização, sem percalços, sem estagnações ou sem retrocessos. E, só após um longo período de importantes mudanças, é que nasceria o título executivo, por influência do direito germânico, onde os negócios entre os particulares poderiam conduzir diretamente à execução forçada, sem prévia cognição, se consubstanciados em instrumentos de determinados tipos, os instrumenta guarentigiata ou confessionata (uma espécie de escritura pública de confissão de dívida).

Dinamarco acrescenta ainda que, uma vez obtida a sentença, a letra de câmbio, o reconhecimento do direito em juízo ou a confissão perante o juiz encarregado, podia o credor promover a execução forçada em juízo, apresentando simplesmente o documento comprobatório do título. De posse do documento era incumbência do juiz fazer uma verificação e, uma vez estando tudo de acordo, era expedido em seguida um mandado, iniciando em seguida a invasão patrimonial em caso de recalcitrância do devedor.

Na tentativa de conceituar a execução e assim propiciar ao leitor uma melhor compreensão sobre a atipicidade dos meios executivos, recorremos ao autor Enrico Tulio Liebman que citado por Dinamarco (2000, p. 223) diz que execução é o

conjunto de medidas pelas quais se invade o patrimônio do devedor, com o objetivo de extrair dali o necessário para a satisfação do credor, independente do concurso da vontade daquele ou mesmo contra ela. [De acordo com Dinamarco estas não são as exatas palavras de Liebman, porém refletem o seu pensamento].

Assim, podemos dizer que a execução civil são atos jurídicos processuais que tem por objetivo proporcionar a satisfação de um direito já reconhecido, que em regra encontra-se previsto num título executivo. Portanto, executar é satisfazer uma prestação devida independentemente da vontade do credor.

Já no que diz respeito aos seus requisitos, o atual Código de Processo Civil ao tratar da execução em seu artigo 786 estabelece que “A execução pode ser instaurada caso o devedor não satisfaça a obrigação certa, líquida e exigível consubstanciada em título executivo.” É com esse fundamento que apontamos os dois requisitos considerados primordiais na execução civil. O primeiro é que deve haver uma obrigação líquida, certa e exigível. E o segundo é que essa obrigação esteja materializada em um título executivo. Pouco importando se a execução corre em fase de processo executivo ou em cumprimento de sentença.

3.2. EXECUÇÃO COMO EXPROPRIAÇÃO E COMO SANÇÃO

É da essência da atividade executiva a invasão forçada no domínio jurídico, pessoal ou patrimonial do executado e, se necessário for, inclusive com “[...] emprego da força física” (BORGES, 2019, p. 36). Nesse diapasão é que dizemos que ninguém recorre ao judiciário com o objetivo de obter apenas uma sentença, uma decisão interlocutória, um mandamento ou uma penhora, pois a finalidade será sempre ter plenamente satisfeito ou realizado um direito já acertado ou definido em título judicial ou extrajudicial.

Assim, considerada como a fase final do processo executivo, a expropriação visa a transferência de bens ou valores do patrimônio do executado para o patrimônio do exequente, nos limites da obrigação devida. Contudo, deve o exequente ter atenção redobrada e traçar a melhor estratégia para que a execução não se torne um problema. Isso porque, ao solicitar uma penhora, já deve-se ter em mente o destino dessa penhora. Caso o objeto seja um imóvel, por exemplo, deve-se atentar para a sua liquidez, se é facilmente alienável. E se for entrega de coisa, o que será feito com ela.

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A compreensão da execução pela perspectiva da expropriação deixa evidente pelo menos dois aspectos. O primeiro é que se deve fazer uma análise da execução como um todo, de forma mais ampla possível, e não somente a partir de seus atos constitutivos. O segundo, seria pensar na possibilidade de obtenção de êxito na penhora de determinada coisa, mesmo sabendo ser o bem de difícil alienação, quando se tem clara intenção de adjudicá-lo. Contudo, de nada adiantaria centralizar esforços e alcançar o sucesso na realização de um único ato se este não levar à entrega da prestação devida, ou a satisfação do exequente.

Já a execução vista sob a perspectiva de sanção, Carnelutti (2000, p. 288) entende que ela surge quando a pretensão, mesmo reconhecida juridicamente, não é satisfeita. Para ele, basta que o executado descumpra o mandado jurídico para que seja possível aplicar a sanção mediante a execução forçada. É nesse contexto que, ainda segundo Carnelutti, o processo civil pode ser divido em dois momentos: processo jurisdicional e processo executivo. O primeiro utilizado para esclarecer o direito, enquanto o segundo utilizado para fazer valer a força estatal, no sentido de cumprir o direito reconhecido e até então não realizado.

Desse modo, ainda sob o prisma de execução como sanção, Liebman (1986, p. 2) compartilha do mesmo entendimento de Carnelutti. Para ele, as sanções são medidas impostas pelas leis como consequência da inobservância dos preceitos legais. Ele entende que bastaria a existência de sistemas de sub-rogação para que o devedor se sentisse psicologicamente pressionado a realizar a prestação, temendo passar por situação vexatória de ver seu bem penhorado.

3.3. PRINCÍPIOS NORTEADORES DA EXECUÇÃO CIVIL

3.3.1. Princípio da Nulla Executio Sine Título (Não há execução sem título)

Não há execução sem título que a embase, porque na execução, além da permissão para a invasão do patrimônio do executado por meio de atos de constrição judicial (por exemplo, penhora, busca e apreensão, imissão na posse), o executado é colocado numa situação processual desvantajosa em relação ao exequente. Esse foi o entendimento da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao julgar o REsp. 700.144/MT, sob relatoria do Min. Luiz Fux.

Nessa mesma linha, Dinamarco (2000, p. 457-458), diz que é “preciso que haja uma probabilidade de que o crédito representado no título efetivamente exista para justificar essas desvantagens que serão suportadas pelo executado”.

Já Araken de Assis (2010, p. 120) leciona que

[...] a execução das prestações pecuniárias baseia-se em título judicial, isto é, não há como executar um sujeito de direito sem pretexto concreto e sedimentado – traduzido no título executivo – capaz de assegurar a existência de um crédito cediço a ser recebido pela pessoa do exequente.

Dessa maneira, o principal objetivo desse princípio é conferir maior segurança jurídica ao executado, haja vista que uma mera alegação sem qualquer fundamento poderia levar o executado à condição de réu num processo de execução, podendo chegar à constrição judicial de seus bens. Por esse motivo exige-se que haja um título que garanta ou que demonstre ao menos uma probabilidade de existência de crédito.

3.3.2. Princípio da Patrimonialidade

O princípio da patrimonialidade traduz a proibição da execução pessoal, inadmitindo-se que ela recaia sobre o corpo do devedor, salvo exceção estritamente admitida no direito pátrio, como por exemplo, a prisão civil por dívida de alimentos. A lei das XII Tábuas, felizmente faz parte de um passado, o qual não merece ser ressuscitado.

Portanto, a execução é sempre real, e nunca pessoal, em razão de serem os bens do executado os responsáveis materiais pela satisfação do direito do exequente. Assim, a proibição de que o corpo do devedor responda por suas dívidas, deixando de lado a visão de execução como forma de vingança privada do credor, é vista como um progresso que o processo de execução adquiriu durante seu desenvolvimento histórico.

Mas, a clara representação da humanização que o processo executivo adquiriu com o passar dos tempos, não se limitou a coibir a execução do corpo do devedor, mas limitou também a responsabilidade patrimonial ao valor da dívida. Chegou-se ao ponto de criar a impenhorabilidade de bens, como por exemplo, o disposto no artigo 833 do atual Código de Processo Civil.

3.3.3. Princípio do Resultado

Tendo o processo de execução a finalidade única de satisfazer o direito do exequente, ele acaba por ter um único desfecho, podendo ser normal ou anômalo. Dizemos que execução chega a seu final normal quando é bem sucedida, ou seja, quando se verifica a entrega ao exequente exatamente aquilo que receberia se não necessitasse do processo de execução, mediante sentença declaratória, nos termos do artigo 924 do CPC.

Já o final anômalo do processo de execução, assim como ocorre no de conhecimento e cautelar, se dá com sua extinção sem julgamento do mérito, nos termos do artigo 485 do CPC, ou com o acolhimento integral dos embargos à execução com fundamento na inexistência do direito material do autor.

Dessa forma, por ter a execução esse único objetivo é que se fala em princípio de resultado ou desfecho único. Uma vez que a única forma de prestação que pode ser obtida em tal processo é a satisfação do direito do credor, visto que na execução não se discute mérito, busca-se apenas a satisfação do direito.

3.3.4. Princípio da menor onerosidade

Como dito no tópico anterior, o processo de execução não é instrumento de exercício de vingança privada, e nada justifica o executado sofrer mais do que o necessário. Assim, sempre que possível, é imprescindível valer-se de outros meios que também possa levar a satisfação do direito do credor. É sob essa premissa que o princípio da menor onerosidade se fundamenta, uma vez que também está insculpido no Código de Processo Civil, quando em seu artigo 805 institui que “Quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado.”

Entretanto, tal princípio deve ser interpretado à luz do princípio da efetividade da tutela executiva, sem a qual o processo não passa de enganação, pois em busca de ter seu direito atendido, o exequente criará gravames ao executado. No entanto, o que se pretende evitar é o excesso, o exagero desnecessário de tais medidas, como por exemplo, não permitir que um bem do devedor seja alienado em leilão judicial por preço vil.

Sendo assim, o magistrado, sempre pautado pela razoabilidade e proporcionalidade, deverá descobrir um meio-termo a fim de evitar situações de sacrifício exagerados tanto ao exequente como ao executado.


4. MEIOS EXECUTÓRIOS: EXECUÇÃO DIRETA E INDIRETA

Os instrumentos utilizados pelo Estado como sanção executiva para forçar o devedor a cumprir com determinada obrigação são chamados de meios executivos de sub-rogação (execução direta) e coerção (execução indireta). Pois é através deles que o judiciário atuará, de forma a aplicar a regra jurídica concreta e assim promover a satisfação do direito tutelado pelo credor.

Na execução por sub-rogação ou direta, o Estado-Juiz substitui o devedor, independentemente de vontade e colaboração, ou seja, o juiz tomará as providências que deveriam ter sido tomadas pelo devedor. Um exemplo claro é a penhora de bens e alienação, onde na obrigação de entrega de bem, o devedor podendo e não fazendo, o Estado por meio da sub-rogação o fará; ou ainda, se o devedor não cumpre a obrigação de pintar o muro, o Estado autoriza a contratação de outro pintor, que o faça às expensas do devedor.

Ainda nessa esteira, Assis (2016, p. 77) ensina que a sub-rogação abrange a expropriação, o desapossamento e a transformação, nos termos dos artigos 825, 806, §2º e 817, respectivamente, todos do CPC.

Já na execução por coerção ou indireta, o Estado-Juiz irá promover a execução com a colaboração do devedor, forçando que ele próprio cumpra a obrigação. Aqui, ocorre a imposição por meio de coerção psicológica, de maneira que a fazer o executado cumpra com a prestação devida. As astreintes ou multas diárias, são exemplos muito úteis aplicadas em obrigação de natureza personalíssima, assim como a inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes, termos do artigo 782, § 3º.

Ao falar sobre a execução por coerção, Assis (2016, p. 77) instrui que “a coerção utiliza a ameaça de prisão (art. 528, caput e § 3.º) e de imposição de multa em dinheiro (v.g., art. 814, caput)”. Influenciando diretamente sobre sua psique, o Estado-Juiz força o credor a cumprir com sua obrigação, fazendo com que ele reflita sobre a sua situação e chegue à conclusão de que é mais vantajoso cumprir com o que deve do que arcar com males maiores.

Sendo assim, mesmo com parte da doutrina, tratando-a inicialmente com certa desconfiança, preconceito e má vontade, os meios de coerção indireta são uma realidade no processo contemporâneo. Tal mudança deveu-se ao fato de ser consideradas menos onerosas e mais eficazes, uma vez que ela não envolve elevados custos, com por exemplo, gastos com pessoal para a realização da penhora, custos gerados pelo depósito do bem, gastos na alienação etc.

4.1. MEDIDAS ATÍPICAS INDUTIVAS E MANDAMENTAIS

No tópico anterior, discorremos sobre as medidas sub-rogatórias e coercitivas. Agora, abordaremos mesmo que suscintamente, sobre as medidas indutivas e mandamentais trazidas expressamente no artigo 139, inciso IV do CPC.

A palavra indutiva significa estimular, incentivar, proceder por indução. Logo uma medida indutiva é aquela em que se busca oferecer ao executado um benefício, uma recompensa, como estímulo ao cumprimento de uma decisão judicial. Nas palavras de Carreira (2018, p. 243), as medidas indutivas

São aquelas que trazem um incentivo ao cumprimento do conteúdo da decisão judicial. Trata-se do positive reinforcement, ou da técnica psicológica do reforço positivo aplicado ao direito, ocorrendo um fortalecimento do comportamento positivo de cumprir a decisão. Aquele que cumprir a decisão espontaneamente receberá uma vantagem por isso. Por esse motivo, devem ser as primeiras medidas a serem tomadas, se estiverem disponíveis, para garantir o cumprimento de decisão judicial.

No entanto, medidas indutivas não se confundem com medidas coercitivas, uma vez que estas se diferenciam pela natureza da sanção estabelecida. Haja vista que enquanto as coercitivas caracterizam-se pelo temor imposto ao executado, cuja desobediência ensejaria uma sanção enquanto castigo, as medidas indutivas, pelo contrário, buscam incentivar o obrigado a dar cumprimento à ordem judicial como ocorre nos casos previstos no artigo 827, §1º do Código de Processo Civil.

Assim, no desígnio de diferenciá-las, Meireles (2018, p. 550) explica que

A diferença está que, nas medidas coercitivas, busca-se impor ao obrigado uma sanção enquanto castigo, ou seja, uma sanção negativa, que pode ser um mal econômico (v.g., multa), social (v.g., banimento), moral (v.g., 42 advertência), jurídico (v.g., perda da capacidade) ou até mesmo físico (v.g., açoites). Óbvio que nem todas essas sanções são permitidas no nosso ordenamento jurídico. [...] Em suma, em face do descumprimento da decisão, o devedor sofre um prejuízo. Tem afetado sua situação jurídica de forma desfavorável.

Já nas medidas indutivas se busca oferecer ao obrigado uma vantagem, um “prêmio”, como incentivo (coação premial) ao cumprimento da decisão judicial. Daí porque a doutrina denomina essa sanção como premial. Busca-se, com essas medidas, provocar, incentivar, a prática do ato de forma mais atraente, ainda que com sacrifício à situação jurídica [mais favorável] de outrem.

Já a respeito das medidas mandamentais também prevista no Código de Processo Civil em seu artigo 139, inciso IV, a doutrina diverge na medida que enquanto uma parte não a consideram como uma medida, mas sim um “[...] efeito típico decorrente das ordens judiciais, que, por sua vez, pode veicular medidas indutivas ou sub-rogatórias” (MARINONI, 2016, p. 273). Outra parte defende que tais medidas são sim medidas, e não apenas um efeito das decisões judiciais. Para essa parte da doutrina, medidas mandamentais são aquelas decisões judiciais em que o magistrado expede uma ordem mandamental que se não cumprida, acarreta no crime de desobediência previsto no artigo 330 do Código Penal.

Contudo, as medidas mandamentais podem ser empregadas desde que com cautela, devendo a mesma ser utilizada como última opção. É cabível nas hipóteses de cumprimento das obrigações de fazer, não fazer, entrega de coisa, podendo também ser determinadas nas ações que objetivam a prestação pecuniária, como por exemplo, “[...] na ordem para que o devedor indique onde estão seus bens penhoráveis, para exibição de coisa ou documentos etc”. (MEIRELES, 2018, p. 549-550)

4.2. PRINCÍPIO DA ATIPICIDADE DOS MEIOS EXECUTIVOS

Por determinado período vigorou no ordenamento jurídico processual brasileiro o entendimento que os meios executivos deveriam ser apenas típicos. Ou seja, cabia ao magistrado impor apenas aquelas medidas executivas expressamente estipuladas em lei. Tal limitação impedia que o juiz pudesse entregar de forma efetiva a tutela pleiteada pelo credor, tendo em vista que a legislação não atendia às necessidades exigidas pelo caso concreto.

O Código de Processo Civil de 2015, entre tantas outras inovações, trouxe em seu bojo o princípio da atipicidade dos meios executivos, visando cobrir as lacunas deixadas pela legislação anterior e, assim, proporcionar uma tutela jurisdicional efetiva, justa e em tempo razoável. Para isso, o magistrado conta o amparo legal previsto no artigo 139, inciso IV que permite ao juiz a determinação de “[...] todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.” (BRASIL, 2015)

É o poder geral de efetivação das decisões judiciais que permite a aplicação de tais medidas atípicas. Sobre ele, o enunciado 48 da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM), que assim dispõe:

O art. 139, IV, do CPC/2015 traduz um poder geral de efetivação, permitindo a aplicação de medidas atípicas para garantir o cumprimento de qualquer ordem judicial, inclusive no âmbito do cumprimento de sentença e no processo de execução baseado em títulos extrajudiciais. (ENFAM, Enunciado 48, p. 5)

Assim, visando sempre a satisfação do direito do exequente, o magistrado passa a gozar de maior liberdade, podendo escolher quais medidas típicas e atípicas poderão ser aplicadas ao caso concreto, assumindo definitivamente uma postura mais ativa e participativa no processo de execução. Entretanto, na mesma proporção que concede ao magistrado um enorme poder, também gera uma grande responsabilidade, uma vez que a aplicação equivocada pode causar grandes prejuízos e violações aos direitos e garantias do executado.

4.3. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE APLICADO À MEDIDA EXECUTIVA ATÍPICA

Uma vez escolhido a medida atípica a ser aplicada, esta deve ser passada pelo crivo da proporcionalidade, na qual não deve ser observada apenas a vantagem ocasionada pela medida, mas também as restrições que ela poderá causar.

Nesse sentido, o artigo 8º do Código de Processo Civil dispõe:

Art. 8º. Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e as exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência. (BRASIL, 2015).

A adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito são elementos ou subprincípios que devem ser observados ao aplicar a proporcionalidade ao caso concreto. Nesse contexto, Thiago André Pierobom de Ávila, diz que a necessidade “[...] significa a utilização, entre as várias aptas, da mais benigna, mais suave, menos restritiva” (ÁVILA, 2007, p. 19). Já a respeito da adequação, Gustavo Ferreira Santos assevera que “[...] cuida-se de uma relação de causalidade entre a medida a ser adotada pelo Estado e o fim que visa alcançar” (SANTOS, 2006, p. 108-109). E por fim, a proporcionalidade em sentido estrito versa basicamente da ponderação entre os direitos, bens, interesses e valores envolvidos.

Já, para o professor Humberto Ávila, o critério da proporcionalidade deve ser visto como um

Postulado estruturador da aplicação de outros princípios que concretamente se imbricam em torno de uma relação de causalidade entre um meio e um fim, não possuindo aplicabilidade irrestrita. Sua aplicação depende do elemento sem os quais não pode ser aplicada. Sem um meio, um fim concreto e uma relação de causalidade entre eles não há aplicabilidade do postulado da proporcionalidade em seu caráter trifásico. (2013, p. 183-184)

De todo o modo, a medida executiva atípica adotada pelo magistrado deve estar revestida do princípio da proporcionalidade, para que, em havendo conflitos entre princípios ou regras, é este que seguramente deverá ser empregado com a finalidade de definir qual será empregado.

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Sobre o autor
Alicio Fabio Martins

Bacharel em Administração pela Universidade Luterana do Brasil – ULBRA, Ano 2013 e acadêmico do 10º período de Direito no Centro Universitário São Lucas Ji-Paraná.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Alicio Fabio. Aplicação de medidas coercitivas atípicas.: Retenção de passaporte e suspensão da CNH e o direito constitucional de liberdade de locomoção. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7606, 28 abr. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/86519. Acesso em: 2 nov. 2024.

Mais informações

Artigo científico apresentado à Banca Examinadora do Centro Universitário São Lucas Ji-Paraná, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito.

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