4. RESPONSABILIDADE DOS INFLUENCIADORES DIGITAIS FRENTE AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Como já visto, não há uma legislação específica sobre influenciadores digitais no Brasil. Todavia, é necessário se atentar ao Código de Defesa do Consumidor e às legislações que se aplicam para publicidade. Este documento estabelece alguns princípios (da vinculação, da identificação, da veracidade e da não abusividade) que devem ser observados com relação à publicidade, inclusive pelos influenciadores digitais, que proíbem a veiculação de publicidade enganosa e publicidade abusiva, por serem atos ilícitos, já que extrapolam os limites da legislação consumerista e infringem os dois principais objetos protegidos pela regulação da publicidade, a saber: a vulnerabilidade do consumidor e os valores sociais.
A fragilidade na análise da responsabilidade dos influenciadores digitais está no fato de que nem sempre os posts feitos são de caráter publicitário, às vezes, o que se tem é uma simples demonstração de conteúdos e autênticos e despretensiosos. Contudo, se os posts foram feitos através de uma parceira paga pelo fornecedor anunciante, deverão identificar explicitamente o caráter publicitário.
Posto que o CONAR determina a obrigação de identificar os conteúdos como publicitários sempre que eles se enquadrarem como tal, seja por meio de vídeos no YouTube, postagens no blog, Facebook, Instagram ou onde quer que seja, cabe aos influenciadores seguir uma diretriz muito simples: transparência. De acordo com o advogado Jean Caristina (2020), autor do site Intervalo Legal e do podcast Consumo e Mercado, a lei
“determina que qualquer publicidade tem de ter a devida identificação sob pena de cair naquele chamado ‘engano’. Precisa ficar claro que o influenciador fez aquela comunicação por motivos financeiros e econômicos. Ou seja, que o influenciador está sendo pago para divulgar um produto. A não identificação publicitária cai na má-fé, e a má-fé gera o engano”. (CARISTINA, 2020).
A identificação publicitária está ligada a transparência. É essencial para que o consumidor consiga compreender se o conteúdo que está consumindo se trata de uma publicidade ou de um review, opinião ou qualquer tipo de manifestação espontânea do influenciador.
O CDC, em seu artigo 36, apresenta esse dever aplicável para todo o mercado publicitário, segundo o qual “a publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal” (BRASIL, 1990). Além disso, o Código proíbe dois tipos de publicidade - a enganosa e a abusiva:
Publicidade enganosa: “qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.”(BRASIL, 1990).
Também ocorre publicidade enganosa por omissão quando se deixa de fornecer uma informação essencial do produto ou serviço ao consumidor.
Publicidade abusiva: “dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.”(BRASIL, 1990).
A prática de qualquer uma dessas modalidades publicitárias pode ensejar em detenção de três meses a um ano e multa. O princípio da boa-fé é o líder orientador do CDC e fundamental de toda a conduta contratual que traz a ideia de cooperação, respeito e fidelidade nas relações contratuais. A boa-fé deve estar presente também nos anúncios publicitários, pois é através da publicidade que o consumidor tem um primeiro contato com o produto e serviço que almeja adquirir.
Dessa forma, caso as qualidades atribuídas aos produtos e serviços não sejam condizentes com a realidade, a indicação feita pelo influenciador digital confronta diretamente os princípios da boa-fé e da confiança que são assegurados no CDC, segundo o qual a boa-fé e a confiança, respectivamente, estão previstas como cláusulas gerais nos contratos de consumo:
Art. 51- São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade. (Brasil,1990).
Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, intimamente ligado ao princípio da transparência tem-se princípio da confiança, que consiste na credibilidade depositada pelo consumidor no produto ou contrato a fim de que sejam alcançados os fins esperados. (Brasil,1990).
A confiança é a credibilidade que o consumidor deposita no produto ou no vínculo contratual como instrumento determinante para se alcançar o que se deseja, tal seja um produto ou serviço.
Esse tipo de publicidade desencadeia um comportamento no consumidor, em nível consciente e inconsciente, gerando uma resposta imediata devido ao conceito preexistente que se tem daquela pessoa ou grupo que está testemunhando a favor do produto, agregando-lhe valores como admiração, sucesso, riqueza, beleza, juventude, alegria, internacionalidade, tradição, notoriedade, etc. (CAMPOS, 1966, p. 222).
Os influenciadores digitais são definidos pelo CONAR como propagadores da publicidade testemunhal, e dessa forma assuem a condição de celebridades garantidoras dos produtos e serviços indicados. Guimarães (2001) defende que devem ser aplicadas às celebridades as diretrizes do CDC, inclusive no que concerne a responsabilidade em caso de violação aos direitos dos consumidores, tendo em vista que os influenciadores digitais são pessoas públicas ou famosas que possuem grande notabilidade e são integrantes da cadeia de consumo.
A celebridade, para responder pelos danos causados em decorrência de sua informação, deve ter um benefício, seja ele qual for. Em regra, esse benefício está no cachê previamente recebido ou no ganho na participação das vendas, porém haverá, ainda, responsabilidade da personalidade mesmo que a remuneração seja destinada a um órgão que diretamente esteja a ela ligado, como, por exemplo, um antigo comercial da Honda, feito pela filha de Juscelino Kubitschek, cuja remuneração foi destinada à Fundação JK, ou quando a personalidade doa o cachê para alguma instituição de caridade. (GUIMARÃES, 2001, p.166).
Postagens sem a indicação de que se trata de uma publicidade paga pelo fornecedor, conduz os seguidores a acreditarem que o post aborda uma opinião desinteressada, uma indicação. O influenciador digital tem a obrigação de deixar explícita a sua relação comercial com a empresa do produto divulgado. Para que seja imputada a responsabilidade ao influenciador digital, é necessário verificar se foi concretizada a publicidade antijurídica, devendo-se apurar se houve afronta aos princípios balizadores da atividade publicitária.
Nesse sentido, Lucia Ancona Lopez de Magalhães Dias, afirma que:
Existem mensagens nas quais a função de promover o consumo de certo bem ou serviço não está tão claramente identificada, exibindo a aparência de uma mensagem neutra ou não proveniente do fornecedor do produto sobre o qual discorre e, por isso, pode tornar-se mais influente e eficaz sobre o seu receptor. Tais publicidades são denominadas de ocultas, clandestinas ou camufladas e seu estudo pela doutrina brasileira ainda se revela incipiente, embora o tema seja de extrema importância, em face dos efeitos danosos que tais mensagens podem causar aos consumidores. (DIAS. 2018, p.79.)
Tratando-se, então de uma espécie de publicidade enganosa, pois conduz o consumidor a erro quanto a origem das indicações feitas pelo influenciador digital. Por consequência o profissional da web, deve ser, ao lado do fornecedor anunciante responsável objetiva e solidariamente pelos anúncios ilícitos.
Marques (2007) preleciona em sua obra que o Superior Tribunal de Justiça vem entendendo que a responsabilidade no que tange à publicidade se estende àqueles que a veiculam e àqueles que dela se aproveitam.
Tratando-se de risco profissional (responsabilidade própria do profissional), tratando-se de atuação à qual a lei impõe deveres especiais (através de normas de ordem pública) não transferíveis aos consumidores, nem mesmo através de previsão contratual , terá o fornecedor de suportar a sua falha, responder pela informação mal transmitida, pelo inadimplemento contratual ou pelo ato ilícito eventualmente resultante da publicidade falha. E note-se que a jurisprudência do STJ tem considerado solidária a responsabilidade daquele que veicula e daquele que se aproveita da publicidade (art. 30. c/c 35 e art. 37. do CDC). (MARQUES, op. cit., p. 629-630.)
Tartuce e Neves (2018) “expõe que não se pode olvidar que a confiança e a boa-fé objetiva são princípios de ordem pública e a quebra de tais preceitos gera a responsabilidade sem culpa o que, em regra, está presente em relação à oferta ou à publicidade.” É notório que o influenciador digital integra a cadeia de consumo, com o fornecedor anunciador, e dessa maneira, devem observar a tais princípios.
Com o descumprimento direto de tais princípios que se encontram regulamentados no CDC que se apura, portanto, responsabilidade objetiva, visto que os influenciadores estão em vantagem quando comparados aos consumidores, os quais são aparte vulnerável da relação consumerista.
No que tange o Código de Defesa do Consumidor, seu artigo 2º, classifica consumidor como toda pessoa, física ou jurídica, que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Fornecedor, nos termos do artigo 39, é toda pessoa que desenvolve atividade de produção, montagem, criação construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Ademais, tem se a figura do fornecedor equiparado, conceito criado por Leonardo Bessa, o qual defende que além daqueles que se enquadram no artigo 39 do referido Código, também deve ser considerado fornecedor terceiro que, na relação de consumo serviu como intermediário ou ajudante para a realização da relação principal, mas que atua frente ao consumidor como se fosse próprio fornecedor.
Cabe trazer à baila, que o próprio CDC excepciona alguns casos de fornecedor por equiparação, como o dos comerciantes em matéria de responsabilidade por defeitos de produtos (artigos 12 e 13), cuja responsabilidade será apenas subsidiária.
Filomeno (2018, p. 298) estabelece que, na mensagem publicitária, figuram três personagens: o anunciante, o agente publicitário e o veículo. Segundo o autor, o primeiro e o próprio fornecedor, definido pelo CDC, em seu artigo 3º, o agente publicitário é o profissional que cria, produz, a publicidade e, por fim, o veículo é qualquer meio de comunicação em massa que leve as mensagens publicitárias até seus destinatários, consumidores ou potenciais consumidores. Nesse caso, o influenciador digital seria o agente publicitário.
A solidariedade na cadeia de consumo, está prevista no artigo 7º do CDC “tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.” (BRASIL, 1990). A ocorrência da solidariedade advém do princípio da confiança, com “todos coobrigados pelo dever de reparação dos danos aos consumidores”. (BRASIL, 1990). Assim, ao se asseverar pela responsabilidade objetiva dos influenciadores digitais, tem-se por premissas que eles:
a) fazem parte da cadeia de consumo, com o fornecedor anunciante, respondendo solidariamente pelos danos causados;
b) recebem privilégio econômico;
c) se relacionam diretamente com seus seguidores que a partir do momento que adquirem o produto ou serviço indicado pelo influenciador dentro da publicidade, torna-se consumidor.
A vista disso, é categórico que todos os consumidores se atentem as compras de produtos e a utilização de serviços, tomando como alicerce a propaganda de um influenciador digital, visto que hoje a debilidade perante a era tecnológica é intensificada, fazendo com que a praticidade e ansiedade em se obter algo, leve a um consumo desvantajoso. Devendo ser cautelosa a forma que as publicações são divulgadas nas redes sociais.
4.1. Estudo de caso – Bianca Andrade (Boca Rosa)
Contratada pela administradora Juliana Bittencourt para maquiá-la antes da festa, em 2014, a influenciadora digital Bianca Andrade Da Silva, mais conhecida como Boca Rosa, não apareceu no horário combinado e precisou pagar indenização pelo ocorrido.
O processo nº 0003348-72.2015.8.19.0203, tramitou na 7ª Vara Cível da cidade do Rio de Janeiro, e foi finalizado com um acordo entre as partes, no qual a influenciadora pagou a título de indenização por danos morais e materiais aquantia de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) a noiva.
A requerente da ação supracitada, contratou a influenciadora digital para a prestação de serviço, tendo como motivação o fato de que a mesma se destacava dentre o mundo das redes sociais e por conseguinte demostrava ter grandes habilidades para a realização do serviço, que no caso em apreço era a realização da maquiagem na autora no dia do seu casamento.
A prestação de serviço desenvolvida pela bloguer, como qualquer outra, deve respeitara vulnerabilidade do consumidor. A questão discutida na justiça reforça que a temática é nova e não se tem ainda legislação específica que regularmente tais relações de consumo. Contudo, o influenciador digital deve responder, caso incorra em erro.
4.2. Estudo de caso – Virgínia Fonseca
Vem firmando o entendimento que o influenciador digital tem responsabilidade objetiva nas relações consumeristas. Com entendimento, o Juizado Especial Cível de Barra Mansa, no processo nº 0019543-02.2019.8.19.0007, condenou a influenciadora digital Virgínia Fonseca a restituir uma mulher em R$ 2.639,90 reais (dois mil seiscentos e trinta e nove reais e noventa centavos). A autora da ação comprou um celular iPhone 8 Plus na loja indicada por Virgínia, mas não recebeu o aparelho. A ré recorreu, mas o pedido foi negado.
A influencer anunciou, em suas redes sociais o celular e informou os dados da loja para adquiri-lo. A mulher, então, entrou em contato com os anunciantes e fez o pagamento do iPhone. Porém, não o recebeu e depois descobriu que a promoção se tratava de um golpe aplicado em todo o país. No projeto de sentença, homologado pela juíza de direito Lorena Paola Nunes Boccia, o juiz leigo Rafael da Silveira Thomaz afirmou que não há relação de consumo entre a influencer e a sua seguidora. Ainda assim, ele ressaltou que Virgínia responde objetivamente pela falha na compra do iPhone, com base no artigo 927 do Código Civil.
O dispositivo estabelece que
"... haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem...” (BRASIL, 1990.)
Segundo o juiz leigo, a atividade normalmente desenvolvida por Virgínia Fonseca implica expor produtos de terceiros à venda. Nisso, os itens ficam sob sua chancela e "indiscutível influência". Afinal, sem a influenciadora digital, a autora não teria comprado o celular, pois soube da oferta por meio das redes sociais de Virgínia. Como se trata de uma atividade habitual, que gera lucros à influencer, ela responde pelos danos decorrentes, avaliou o juiz leigo.
A decisão mencionada confirma que os influenciadores digitais podem responder por propaganda enganosa de produto.