Orçamento público e a garantia dos direitos fundamentais.

Uma análise pautada no atual governo Bolsonaro

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11/11/2020 às 11:56
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O trabalho busca analisar o instituto do orçamento público brasileiro e destrinchar o seu papel na efetiva garantia dos direitos fundamentais individuais e coletivos previstos na atual constituição. Discutindo a relação da gestão pública nesse quadro.

Resumo: O presente paper busca analisar o instituto do orçamento público brasileiro e destrinchar o seu papel na efetiva garantia dos direitos fundamentais individuais e coletivos previstos na atual constituição. Estes direitos foram um marco na era constitucional sob a qual o país se desenvolve atualmente, embora seja indiscutível que essa seara das benesses essenciais protegidas solenemente pela Carta Magna é assolada por uma precariedade. Seja na falta de abrangência, não conseguindo oferecer os bens e serviços a todos. Seja na má qualidade daquilo que eventualmente é oferecido. O trabalho pretende fazer uma análise principiológica do orçamento público, estabelecendo a relação entre este e a (in)eficiência da prestação no que concerne os direitos fundamentais. Ainda, se pretende discutir ainda a relação da gestão pública, especificamente do atual governo Bolsonaro, na manutenção dessa situação precária e, não obstante, no seu agravamento; uma vez que se observa que a gestão bolsonarista está neste momento prometendo contingenciamentos das receitas destinadas à educação, essas que equivalem a meros R$ 2 bi enquanto, como será mostrado na pesquisa, desperdiça cerca de R$ 20 bi por problemas na arrecadação e perdoa dívidas rurais do agronegócio que giram em torno de R$ 17 bi, estando o próprio presidente no rol daqueles que tiveram suas multas perdoadas pelo Ibama.

Palavras-chave: Direitos Fundamentais. Orçamento Público. Políticas Públicas. Governo Bolsonaro. Contingenciamento de Verbas da Educação. (In)eficiência da Garantia de Direitos Fundamentais.

Sumário: 1 Introdução. 2. A relação entre o orçamento público e a efetivação dos direitos fundamentais. 2.1. Dos conceitos acerca dos institutos analisados. 2.2. Análise principiológica do orçamento público e a sua relação com a implementação dos direitos fundamentais. 2.3. Análise da (in)eficiência orçamentária para atender aos direitos fundamentais no atual governo Bolsonaro. 4. Conclusão. Referências.


1. INTRODUÇÃO

O constitucionalismo brasileiro, nos últimos anos, vem dando destaque redobrado às possibilidades de eficácia dos direitos fundamentais garantidos na Constituição de 1988, denominada apropriadamente de Constituição Cidadã.

Neste contexto, através das normas programáticas inseridas no texto solene, que determinam a realização de diversos direitos fundamentais brasileiros, em oposição à realidade fática da insuficiência desta prestação estatal, temos a necessidade imperiosa de criação de estudos concretos e propostas tangíveis que nos ajudem a melhor compreender como se dá esse abismo – entre o que é prometido e o que é realmente oferecido – e de que forma ele pode ser progressivamente superado.

Não é possível conceber o Estado moderno e suas atribuições complexas perante a sociedade sem um robusto e autônomo estudo das finanças estatais. As atividades financeiras do Estado estão inteiramente misturadas às realizações de seus serviços públicos. Nesse sentido:

Pode-se concluir que o Direito Financeiro é o conjunto sistemático de princípios e normas que regula a atividade financeira do Estado; no tocante aos seus órgãos executores e aos meios de obtenção de receitas. Assim, o conteúdo de suas relações jurídicas que engloba as finanças públicas, insere-se no campo do direito público. Cuida da disciplina do processo de financiamento das despesas efetivadas em função dos encargos cometidos aos órgãos públicos. (NASCIMENTO, 1999, p.10)

A parte que mais nos interessa no nosso recorte seria referente ao orçamento e ao planejamento financeiro do Estado. Mais especificamente, no primeiro capítulo deste trabalho, falaremos das relações entre essas atividades estatais e a efetivação dos direitos fundamentais previstos constitucionalmente.

O Brasil presenciou recentemente uma tendência de judicialização de demandas a respeito de políticas públicas e econômicas. O pleito pelo fornecimento público de medicamentos no Supremo Tribunal Federal é provavelmente a ramificação mais notável e estudada desse fenômeno, mas não é a única.

Também não é novidade a elaboração e disseminação de soluções jurídica dessas situações – notavelmente, a popularização da chamada “reserva do possível” (que, resumidamente, se traduz na prestação dos direitos sociais à medida da capacidade dos cofres públicos) (SARLET, 2017). Por entender que esse tema já recebe atenção suficiente, nosso enfoque não recairá inteiramente sobre ele, embora se aproxime, em alguns momentos.

Embora tenhamos verificado melhorias significativas nas últimas décadas, é indiscutível que o Brasil tem índices socioeconômicos assustadores, com uma porção substancial de sua população vivendo sob condições materiais abaixo daquelas que podemos considerar razoáveis para a manutenção de uma vida digna – chamado “mínimo existencial” (BARROSO, 2010, p. 212).

No entanto, é simplório demais o fundamento de que a manutenção de brasileiros nessas condições penosas acontece em razão de não haver capacidade orçamentária o suficiente para realizar as prestações públicas mínimas e devidas para reverter este quadro. Destrincharemos melhor esta questão no segundo capítulo deste trabalho.

Pode-se dizer que de fato os montantes reservados para gastos sociais significam muitas vezes uma porcentagem bem significativa dos gastos públicos. Todavia, esses gastos não se traduzem na efetiva garantia dos direitos fundamentais mínimos para a população. Muito disso se explica pelo mau desempenho da administração governamental, mas esta explicação tampouco serviria de maneira absoluta e inteiramente satisfatória.

Não é possível compreender a completude da atividade estatal sem envolver a sua atividade financeira. A compreensão do fenômeno orçamentário, em toda sua complexidade é indispensável para a apreensão de algumas das insuficiências das prestações públicas à população.

O Estado é um fato social de tamanha complexidade que precisa ser analisado em concomitância com várias das suas esferas. Se quisermos atribuir às instituições estatais, a sua devida responsabilidade, de modo que possamos fazer destas as cobranças que lhes couberem, a atividade financeira não pode continuar sendo vista como uma manifestação secundária e obscuramente técnica, incapaz de participar de instrumentalizações políticas relevantes. É a partir deste ensejo que se desenvolverá o capítulo final desta pesquisa.

Diante disso, questiona-se: de que modo o Estado brasileiro pode ser capaz de prover todas as garantias fundamentais escritas na Constituição sob o atual quadro econômico de crise financeira?

Nada obstante, no decorrer deste trabalho foram elencadas hipóteses com o intuito de encontrar a resposta ao referido questionamento, a primeira aduz: Tendo em vista a real situação de precariedade dos recursos públicos e a limitação do orçamento como instrumento garantidor dos direitos fundamentais, perceber-se-á que serão necessárias medidas drásticas de contingenciamento de setores sociais para garantir a fluidez de outros, especialmente essenciais.

Por outro lado, já em uma segunda previsão, a partir dos estudos feitos neste trabalho, far-se-á indiscutível que o orçamento público disponível atualmente no Brasil é capaz de atender suficientemente às demandas sociais pela garantia de seus direitos básicos sem quaisquer cortes ainda mais profundos na sua gama de prerrogativas. Sendo necessário, simplesmente, a melhor administração de tais recursos e maior atenção às searas nas quais se está deixando de arrecadar descabidamente por conta de favoritismos políticos.

Nesse sentido, primeiramente, fica evidente a contribuição acadêmica que esse trabalho atribui ao cenário jurídico brasileiro de hoje. Tendo em vista a recente mudança do executivo brasileiro, sob o governo Bolsonaro, vê-se um grande impasse acerca das verbas e orçamentos públicos, inclusive sob a ameaça de contingenciamento das verbas educacionais, bem como a iminente necessidade de uma reforma previdenciária simplesmente na tentativa de puxar o país da crise financeira na qual se vê inserido.

Por fim, faz-se válido acrescentar que para o autor esse tema também é carregado de importância e necessidade de discussão tendo em vista que não há razão coerente o suficiente para justificar uma mudança no polo de proteção individual, como vem ocorrido. Um Estado que não só não tem usado o seu orçamento de maneira devida a fim de alocar os recursos necessários para satisfazer os direitos fundamentais de todos, como também agora tem a intenção de privar a coletividade do próprio acesso à educação pública.

Desse modo, a metodologia aqui apresentada logra aspecto dialético no que tange ao método, visto que se trata de um método de investigação da realidade através do estudo de sua ação mútua, apresentando uma desestruturação de todo e qualquer conhecimento inflexível, pronto e acabado. Um método que objetiva desconstruir e transformar o objeto de estudo. Quanto aos objetivos infere um caráter bibliográfico, na medida em que pode se fundamentar tanto como um trabalho independente como em uma pesquisa preambular de trabalhos posteriores, pois todo e qualquer trabalho científico presume uma pesquisa bibliográfica preliminar (LAKATOS; MARCONI, 2010).

Além disso, a metodologia de Lakatos entende a metodologia como um programa de investigação historiográfica, de modo que se utiliza da história para localizar mudanças de problemas progressivas ou degenerativas. O tratamento dado ao Direito Financeiro evoluiu com a sociedade, assim, para melhor compreendê-lo se faz necessária uma visita à sua própria história, aos seus fundamentos; na medida em que é algo que ainda está sendo, constantemente, construído, e somente será possível localizar as mudanças observando sua evolução na sociedade (LAKATOS; MARCONI, 2010).

Sendo, assim, pertinente que se faça a interpretação, quanto à possibilidade discutida neste PAPER, à luz das mudanças evocadas, bem como de princípios constitucionais como a isonomia; devido às mudanças da sociedade e, consequentemente, do Direito. Esse olhar só é possível através de uma investigação que não se limita à hodiernidade (LAKATOS; MARCONI, 2010).

E, portanto, o objetivo desse trabalho é analisar como as mudanças trazidas pelo atual governo, acabam por manter uma situação de desigualdade na garantia dos direitos fundamentais de todos, bem como limita. ainda mais uma situação que já era precária – através dos possíveis cortes e restrições os institutos federais de educação superior.


2. A RELAÇÃO ENTRE O ORÇAMENTO PÚBLICO E A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.1. DOS CONCEITOS ACERCA DOS INSTITUTOS ANALISADOS

Primeiramente, é pertinente iniciar a análise no que concerne os direitos fundamentais. Estes que se dividem tradicionalmente em três gerações, sendo a primeira geração a que terá parte nesta análise, tendo em vista que é essa que contém os direitos fundamentais (FERNDANDES, 2016).

Os direitos fundamentais de primeira geração se veem historicamente conectados ao liberalismo, de modo que presumem além do papel estatal na sua efetivação, também uma atuação negativa por parte do Estado, isto é, presume-se uma certa omissão da administração público no que tange os direitos de liberdade e de propriedade, por exemplo, não interferindo diretamente no assuntos privados de cada indivíduo (FERNDANDES, 2016).

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Não obstante, a garantia de direitos de primeira precisa igualmente de atenção orçamentária, já que para garantir o direito à liberdade e à propriedade temos instituições estatais que contarão com um orçamento especialmente alocado a si com a intenção de agir por essa garantia.

Essa necessidade de garantir os direitos fundamentais versus a capacidade do Estado de providenciar essa condição a todos devido aos limites orçamentários advindos da receita finita que o poder público dispõe, origina então o princípio da reserva do possível.

Nesse sentido, é preciso atentar para a vontade expressa do Constituinte originário que atribui ao Estado o encargo de atuar positivamente na concretização dos direitos de primeira e terceira geração – direitos fundamentais e sociais – em um esforço gradativo e programático de anular as nítidas desigualdades sociais. A função do poder público, portanto, é assegurar pelo menos o mínimo de condições para se possa viver com dignidade. (SARLET; FIGUEIREDO, 2007)

Já a respeito do orçamento público, observar-se-á que, a priori este instituto era compreendido como nada além de um documento de natureza contábil, cuja função principal era conter as previsões de receita orçamentária do Estado e, também, reunir as autorizações para gastos que seriam por este efetuado no respectivo exercício (GIACOMONI, 1985).

É evidente que não se falava em qualquer vínculo entre as Leis orçamentárias com a concretização dos planos de governo, tampouco dos interesses coletivos. O orçamento público não possuía qualquer relação programática associada à governabilidade do país pela respectiva gestão.

Sumariamente as funções do orçamento se limitavam a buscar o equilíbrio das contas públicas a fim de evitar o aumento equivocado dos gastos públicos, de modo a impedir que o Estado viesse a comprometer demais o seu orçamento sem maior necessidade (GIACOMONI, 1985). Logo, percebe-se que a função orçamentária era apenas de controle das finanças estatais, haja visto que fazia análise dos gastos em concomitância com as receitas públicas.

Entretanto, com instauração da Constituição cidadã de 1988 e a mudança para o Estado Social que hoje se faz vigente, houve também mudanças na postura do Estado no que concerne à sua forma de atuação. O orçamento passou por um desenvolvimento próprio, saindo na neutralidade que antes incorporava, tornando-se uma ferramenta de suma importância à Administração Pública acerca da programação financeira e controle econômico do Estado (DAL BEM PIRES; MOTTA, 2006).

Essa mudança se entrelaça com a inserção no texto solene de objetivos, metas, programações. Todas estas associadas a políticas públicas que através do orçamento público, encontrarão forma para cumprir todos os ensejos constitucionais que, a partir de então, funcionarão como parâmetro para assegurar que o Estado caminha em direção a um contexto de maior eficiência na gestão, bem como eficiência na garantia e manutenção dos direitos de primeira geração (DAL BEM PIRES; MOTTA, 2006).

Posto isso, perceber-se-á que o entendimento contemporâneo acerca do orçamento pública se interliga de maneira direta com a idealização e implementação de políticas públicas que consonem com o que está previsto no instrumento orçamentário, realizando a pretensão constitucional de adequar os direitos fundamentais – de maneira igualitária – a todos os brasileiros que deles quiserem dispor.

De outro modo, é possível dizer ainda que foi a partir da ascensão do Estado Social, com implemento da Constituição Cidadã, que consequentemente se originou esse ímpeto do Poder Público – pela própria subordinação que a Carta Magna impõe – de efetivar com a maior precisão possível os direitos fundamentais através das políticas de governo. Tudo isso com objetivo final de garantir a ordem coletiva.

2.2. ANÁLISE PRINCIPIOLÓGICA DO ORÇAMENTO PÚBLICO E A SUA RELAÇÃO COM A IMLPEMENTAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

O Princípio da Eficiência do Orçamento Público foi inserido no ordenamento jurídico brasileiro a partir da Constituição de 1988, este é encontrado topologicamente nas disposições versadas pelo artigo 37 do texto solene. Neste são elencados diversos princípios voltados à administração pública, dentre os quais se destaca o princípio da eficiência (DE MENEZES CARVALHO; DE LIMA, 2015).

Para o professor e ministro Alexandre de Moraes:

Princípio da eficiência é o que impõe à administração pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, rimando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitarem-se desperdícios e garantir-se maior rentabilidade social. (MORAES, 1999, p. 30, apud MENEZES CARVALHO; DE LIMA, 2015 ).

É o princípio da eficiência do orçamento público que garante à administração pública o direcionamento correto, de modo que essa utilize da melhor maneira possível os recursos financeiros disponíveis. É uma relação de custo/benefício com intuito de atingir o melhor cenário para a população (DE MENEZES CARVALHO; DE LIMA, 2015).

Através desse parâmetro, faz-se a correspondência entre o custo do serviço prestado pelo poder público e o benefício que deste resultará à população. Outrossim, quanto maior for a eficiência do serviço prestado pelo Poder Público, maior também será o benefício resultante para a sociedade, tendo, portanto, baixo custo.

Este princípio em muito irá se relacionar com o princípio da economicidade, que também voltado à administração pública. Este se manifesta no ímpeto que o Estado possui de produzir o máximo de resultado em fornecimento de bens e serviços com a menor receita possível para tanto.

Essa eficiência aliada à economicidade de ambos os princípios que orbitam o orçamento público objetiva, portanto, o menor custo, produzindo o maior benefício possível, de qualidade. De modo que, assim, se reforça a eficácia também das normas sociais, bem como aumenta a capacidade de abrangência do sistema – caminhando para um país mais igualitário, onde todos possuem os mesmos direitos fundamentais (DE MENEZES CARVALHO; DE LIMA, 2015).

Desde a promulgação da última Constituição, com a nova era constitucional que o Brasil se encontra, desenvolveu-se uma relação muito próxima entre o orçamento público e as políticas governamentais, uma vez que são essas que vão dar possibilidade a garantia dos direitos fundamentais do coletivo. De maneira que, por conseguinte, se faz indispensável uma política financeira que comporte todos objetivos estabelecidos através das Leis Orçamentárias (DE ABREU; CÂMARA, 2015).

É preciso que haja essa política orçamentária forte e bem definida para que seja possível concretizar os anseios constitucionais. E, é pertinente compreender que essa síntese do orçamento público possui natureza eminentemente política, de modo que é o gestor que elabora os objetivos programáticos e os insere no seu plano de governo, que, posteriormente, virão a integrar as leis orçamentárias. Nascendo assim o orçamento público que será a principal ferramenta para garantir a eficiência na prestação dos direitos (DE ABREU; CÂMARA, 2015).

2.3. ANÁLISE DA (IN)EFICIÊNCIA ORÇAMENTÁRIA PARA ATENDER AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO ATUAL GOVERNO BOLSONARO

É interessante iniciar essa seção com a conhecida metáfora do cobertor curto que muito é utilizada quando se falando na temática de orçamento público, associada à questão das incumbências estatais e o limite de atuação que o mesmo tem, em face da sua receita.

Segundo essa metáfora, tem-se um cobertor curto, incapaz de cobrir simultaneamente todas as partes do corpo. Isto é, se cobre os pés, vai deixar de cobrir as mãos. No entanto, se tenta cobrir essas, não consegue então envolver os pés. Ou seja, acaba sendo necessário levar em consideração que a soma do capital produzido, entre os brasileiros, durante um ano (produto interno bruto) não é superior a seiscentos bilhões de dólares, o que equivale a um trilhão e meio de reais.

De fato, o Brasil possui seus méritos no que tange a economia, sendo bastante considerável. Entretanto, quando se divide o PIB pelos habitantes do país, conclui-se que a renda per capita brasileira é baixa, sendo um pouco acima de 12 mil reais ano.

Dessa maneira, faz-se extremamente necessário que os recursos públicos sejam administrados com coerência e por mãos capazes, pois uma vez que se prossiga com cautela e ciência da real situação financeira da nação, a precaução com escassez permite, dentro dos parâmetros do tesouro nacional, concretizar políticas públicas realistas.

É indiscutível que o acesso aos direitos fundamentais bem como a eficiência do Estado hoje em prover, de maneira igualitária, este acesso a todos os brasileiros é extremamente baixa. É correto concluir, através da própria metáfora que se introduziu a pouco que isso ocorre por limite nas verbas estatais.

O que é preciso sim discutir é até que ponto a falta de eficiência no cumprimento das normas que garantem os direitos fundamentais da coletividade é devido à falta de orçamento e até que ponto o problema é de fato um problema de gestão, um problema político que assola o Brasil há décadas.

Trata-se de estabelecer de modo continuado as ações voltadas para a sua realização num horizonte de tempo factível. Lamentavelmente, o que tem ocorrido na trágica experiência orçamentária brasileira, é que o poder público muitas vezes se vê autorizado a estabelecer contingenciamentos arbitrários.

O que se observa no atual governo Bolsonaro é que, em um país que já experimenta uma precária conjuntura no que concerne à proteção dos direitos fundamentais constitucionalmente garantidos, bem como a eficácias das normas que deveriam proteger o mínimo existencial de cada brasileiro, busca-se cortar e diminuir ainda mais setores fundamentais, como o da educação.

O que se percebe, ao analisar com profundidade, é que o problema é na gestão e não no orçamento, como normalmente se presume de imediato. “Dados da Secretaria de Orçamento Federal (SOF) mostram que o bloqueio das verbas destinadas aos investimentos e ao custeio das universidades totalizou R$ 2,052 bilhões”.

No entanto, o presidente Jair Bolsonaro quer perdoar a dívida do agronegócio, que atualmente constitui um rombo de gritantes R$ 17 bilhões (ZAIA, 2018). É claro que essa atitude é mercada de interesse pessoal e não leva nenhum dos princípios da administração pública, tampouco do orçamento em questão. Isso se faz óbvio quando se descobre que o próprio Bolsonaro está na lista dos que tiveram multas ambientais anistiadas pela decisão (TAVARES; MAISONNAVE, 2019).

O fato ocorreu em 2012 quando o atual presidente Jair Bolsonaro foi multado em R$ 10mil por praticar pesca irregular em Angra dos Reis (RJ). Em 2018, sob a vigência do governo Michel Temer, o nome de Bolsonaro foi retirado do cadastro de pessoas físicas e jurídicas que têm dívida com a União uma vez que superintendência do Ibama no Rio de Janeiro anulou a respectiva multa (TAVARES; MAISONNAVE, 2019).

Além disso, o “Ibama (hoje) deixa de arrecadar até R$ 20 (bilhões) em multa por demora na digitalização de processos” (ODILLA, 2019). Isso equivale à dez vezes o corte/contingenciamento que se está querendo aplicar nas verbas da educação. Dez vezes mais.

Outra medida cabível e deveras preferível em vez de limitar ainda mais os recursos para educação, seria estudar uma possível tributação das igrejas no país, haja visto que o Brasil é laico e apenas o mercado evangélico hoje movimenta bilhões, constituindo fortunas de inúmeros pastores que hoje se veem inseridos no próprio cenário político que os protege. E como é de praxe, Jair Bolsonaro fez questão de se reunir com a bancada evangélica em maio deste ano para lhes garantir que as igrejas iam continuar isentas de tributação (LINDNER, 2019).

Pode-se dizer trazer até o estudo que fez a BBC, como solução alternativa às medidas que se pretende tomar no orçamento da educação. Nesse, observou-se que “um em cada quatro deputados é sócio, diretor ou presidente de empresa com débito em aberto com a Receita Federal ou o INSS”. No total, “são 134 parlamentares que somam uma dívida de R$ 487,5 milhões” (MOTA, 2019).

Trazendo tudo isso às claras, perceber-se-á que não é por falta de dinheiro que a gestão de Jair Bolsonaro está “contingenciando” os provimentos da educação brasileira. Dinheiro há e hoje, se desperdiça, se perdoa e se rasga no país se isso convir aos interesses daqueles tomando as decisões.

Vive-se hoje em uma realidade social na qual é evidente que os direitos fundamentais não chegam a todos; a saúde não é de todos; a educação é seletiva. Ao ponto de o governo precisar estipular uma política de cotas para garantir a chance de concorrência daqueles à margem do sistema. Política essa que é amplamente fraudada e utilizada por quem não deveria e há bem pouca fiscalização nesse quesito.

Por isso se insiste na tese de que cabe ao poder público consignar no orçamento público as dotações necessárias para a realização progressiva dos direitos. É preciso destinar o foco do poder público para os reais problemas de orçamento que o Brasil vive, é preciso destinar esforços para onde há desperdícios e onde se pode deixar de perder dinheiro, não tirar de onde já não se tem muito.

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Sobre o autor
Raphael Felipe Machado Campos

Graduando do 7º período do curso de Direito da UNDB.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Paper apresentado à disciplina de Direito Financeiro do Centro Universitário UNDB. Professora orientadora: Ma. Mari-Silva Maia da Silva.

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