O Prefeito Municipal, através de liminar em ação civil pública por ato de improbidade administrativa concedida pelo juiz da Comarca, foi afastado do cargo que ocupava pelo prazo de sessenta dias.
Devidamente intimado da decisão, em tempo hábil, recorreu pretendendo o efeito suspensivo no agravo, o qual lhe foi negado pelo desembargador relator.
Pois bem, inconformado com a manutenção da decisão a quo, interpôs agravo regimental, tendo este o mesmo resultado aplaudindo a liminar de afastamento do cargo público.
Dias após, vencido na segunda instância, pelo menos até o julgamento do mérito do agravo, medida cautelar é proposta junto ao Superior Tribunal de Justiça, onde, em caráter liminar, o Prefeito consegue reassumir o cargo público.
Outro fato real: mais uma vez, agora através de ação popular, o autor consegue a concessão da liminar para a suspensão do horário de verão em território estadual. No mesmo dia, mediante recurso da Procuradoria da República, o Tribunal Regional Federal suspende os efeitos da liminar de primeiro grau, também por liminar.
Dois exemplos, dentre uma gama infindável que acontecem todos os dias em nosso país as concessões e quedas de liminares, de forma instantânea que acabam por deixar a população extasiada.
Muitas das vezes aquilo que era novidade na conversa com os amigos na esquina do barzinho, deixou de ser, visto que um corajoso juiz já mudou o rumo dos fatos.
Liminares, instrumentos colocados à disposição de partes processuais que necessitam de um provimento jurisdicional de urgência, mas que também são utilizadas para a solução política de interesses conflitantes.
Em que pese a gravidade da afirmação acima, a realidade, infelizmente, tem sido esta, os operadores do direito e a população em si assistem atônitos à disputa jurídica no campo liminar, tão somente, para acalmar interesses.
Existiria má-fé do Poder Judiciário, sim pois é este quem aprecia os motivos e requisitos para concedê-la ou não? Ou existiria a utilização do sistema processual pátrio para conseguir interesses escusos?
Estas são algumas indagações que, por ora, ficarão no ar.
Reflitamos outro ponto: a liminar consiste na obtenção prévia e antecipada daquilo que só se obteria ao final, quando da prolação da sentença. Fundada em requisitos, quais sejam, fummus boni iuris e periculum in mora, o magistrado, antevendo a existência destes no caso concreto, antecipa os efeitos da sentença.
Tal instrumento tem uma importância fundamental dentro de nosso sistema processual, que, monstruoso e anacrônico, agoniza em um leito hospitalar (tanto é assim que o próprio Presidente do STJ, Ministro Paulo Costa Leite, vê a necessidade urgente de uma reforma judiciária que preze a estruturação dos juizados especiais que possuem procedimento célere pelo menos segundo a vontade do legislador).
Sim, o problema também passa pela efetividade de nosso processo que, entre nós, tem caráter instrumental.
É oportuna a citação: A proliferação das medidas cautelares nada mais é do que fenômeno oriundo das novas exigências de uma sociedade urbana de massa, que torna inaceitável a morosidade jurisdicional imposta pelas formas tradicionais de tutela. (Luiz Guilherme Marinoni, Tutela Cautelar e Tutela Antecipatória, 1ª ed., RT, p.17/8).
O legislador fez sua parte para evitar que o sistema, uma vez moroso, tivesse efetividade, através das tutelas de urgência (processo cautelar e tutela antecipada).
Contudo, e aqui voltamos nas indagações deixadas no ar, estamos assistindo a utilização de tutelas de urgência de forma desregrada, muitas das vezes.
Discute-se muito sobre a necessidade da limitação do "poder" do Presidente da República em utilizar-se de medidas provisórias, mas, não seria a liminar a medida provisória do Judiciário?!?
Esta é uma questão que deveria nos preocupar. Através da medida provisória (que, como as liminares, também precisam preencher requisitos para serem válidas) o executivo tem resolvido vários problemas ou jogado para um futuro um pouco distante esta solução. E o judiciário, não estaria agindo da mesma forma?
O fato de uma liminar ser concedida para após ser cassada pelo tribunal é ponto que merece reflexão, pois atesta incongruências. Respeitada a liberdade de cada julgador e seu posicionamento frente ao direito e ao social, ainda há liminares que não deveriam ser concedidas (e por isso são cassadas) e liminares bem substanciadas (que, sem explicações, são cassadas).
Não se pretende aqui um ataque ao Judiciário como instituição, mas a realidade é preocupante. Afaste-se a má-fé dos julgadores, mas a indústria das liminares ou o direito iô-iô está acontecendo todos os dias em nosso país.
Há que se repensar no sistema processual civil. Há que se realizar uma reforma judiciária dotando a justiça de maior estrutura para a solução mais rápida de conflitos de interesses. Há que ter maior cuidado na concessão de uma tutela de urgência, da mesma forma que deve haver o cuidado para valorá-la em instância superior, por certo que sim.
Nós operadores do direito defendemos um Judiciário forte, estruturado, que resolva conflitos de forma célere e profunda, que não aceite o instrumento da liminar para postergar soluções, nos moldes das medidas provisórias do Executivo federal.