Na prática judiciária, é recorrente a ocorrência de erro na indicação da autoridade coatora em sede de mandado de segurança, sobretudo em razão da complexa repartição das competências administrativas no âmbito do nosso Direito Administrativo.
E, a depender do caso concreto, diversas serão as consequências do cometimento do aludido erro pelo autor e diferentes os procedimentos a serem adotados pelo magistrado.
Com efeito, caso a correção da autoridade coatora indicada erroneamente implicar, por consequência, a alteração da parte ré, por pertencer a correta autoridade coatora a pessoa jurídica diferente, tem-se entendido, majoritariamente na doutrina e na jurisprudência pátrias, que o magistrado deverá, de plano, extinguir o processo sem resolução de mérito. Isso porque, tanto o CPC/1973 (arts. 41 e 264) quanto o NCPC (art. 108) estabelecem que a modificação das partes do processo só é possível nos casos expressos em lei, sendo que a questão ora tratada não conta com tal previsão legal.
Por outro lado, na hipótese em que a correção da autoridade coatora não implicar a alteração do polo passivo do processo, ou seja, no caso em que tanto a autoridade coatora indicada erroneamente quanto a correta autoridade coatora pertencerem a mesma pessoa jurídica, tem-se entendido pela possibilidade de o juiz corrigir tal erro, inclusive de ofício, procedimento esse que, no meu entender, concretiza os princípios da celeridade e da economia processuais.
Vale destacar, por fim, a cada vez mais aplicada “teoria da encampação”, segundo a qual, sem que haja a correção formal acima mencionada pelo magistrado, é possível que a autoridade coatora apontada equivocadamente preste as informações e integre a relação processual no lugar da autoridade coatora correta, desde que presentes três requisitos, quais sejam, a autoridade erroneamente apontada seja hierarquicamente superior àquela que seria a correta, que ela defenda a legalidade do ato impugnado e que a sua permanência não acarrete a modificação da competência absoluta para julgamento do mandado de segurança.
Nesse sentido os seguintes julgados do colendo Superior Tribunal de Justiça:
“TRIBUTÁRIO. PROCESSO CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. AUTORIDADE COATORA. LEGITIMIDADE. ISS. EMPRESA PRESTADORA DE TRABALHO TEMPORÁRIO. BASE DE CÁLCULO QUE ABRANGE, ALÉM DA TAXA DE AGENCIAMENTO, OS VALORES RELATIVOS AO PAGAMENTO DOS SALÁRIOS E ENCARGOS SOCIAIS REFERENTES AOS TRABALHADORES CONTRATADOS PELA "EMPRESA DE TRABALHO TEMPORÁRIO". 1. É aplicável a teoria da encampação em casos de mandado de segurança sempre que, cumulativamente, estiverem cumpridos os seguintes requisitos: (i) discussão do mérito nas informações; (ii) subordinação hierárquica entre a autoridade efetivamente coatora e a apontada como tal pela inicial e (iii) inexistência de modificação de competência. (...) (STJ, Resp 1185275, Rel. Min. Mauro Campbell, p. 23/09/11)”
“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSUAL CIVIL. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO SECRETÁRIO DE ESTADO. TEORIA DA ENCAMPAÇÃO. INAPLICABILIDADE. MODIFICAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADUAL. 1. O Secretário de Fazenda do Estado de Pernambuco é parte ilegítima para figurar no polo passivo de mandado de segurança em que se discute auto de infração lavrado em decorrência do não pagamento de ICMS. 2. "A teoria da encampação é aplicável ao mandado de segurança tão-somente quando preenchidos os seguintes requisitos: (i) existência de vínculo hierárquico entre a autoridade que prestou informações e a que ordenou a prática do ato impugnado; (ii) ausência de modificação de competência estabelecida na Constituição Federal; e (iii) manifestação a respeito do mérito nas informações prestadas." (REsp nº 818.473/MT, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, in DJe 17/12/2010). 3. Inaplicabilidade da teoria da encampação, pena de ampliação indevida da competência originária do Tribunal de Justiça, que não abrange a competência para julgar mandado de segurança impetrado em face de ato do Diretor de Administração Tributária. Precedentes. 4. Agravo regimental improvido (STJ, AgRg no RMS 33189, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, p. 24/02/11)”.
Na mesma linha a lição do doutrinador Júlio César Bebber:
“A jurisprudência denomina de encampação a superveniente assunção da prática do ato impugnado por autoridade que diretamente não o praticou. Assim, se o impetrante erroneamente indicar como autoridade coatora o superior hierárquico da autoridade que ordenou a prática do ato impugnado e ele prestar informações defendendo o ato praticado, assumirá a coautoria desse ato (encampando-o). Dar-se-á, então, por corrigida automaticamente a errônea indicação da autoridade coatora, exceto se essa circunstância provocar a modificação de competência.”[Mandado de Segurança Coletivo e Individual na Justiça do Trabalho. 2a. ed. São Paulo: Ed. LTr, 2015, p. 73]
Nesse passo, em relação à questão posta, tem-se que, se a correção da autoridade coatora implicar, por consequência, a alteração da parte ré, não é possível levá-la a cabo, devendo, nesse caso, o magistrado extinguir o processo sem resolução de mérito. No entanto, se tal alteração não implicar a modificação do polo passivo, o magistrado, inclusive de ofício, poderá corrigir o equívoco encontrado, em atenção aos princípios da celeridade e economia processuais. Tem-se aplicado, ainda, a “teoria da encampação”, nas hipóteses em que os respetivos requisitos se encontrarem presentes.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, conclui-se, em relação à questão posta, que, se a correção da autoridade coatora implicar, por consequência, a alteração da parte ré, não é possível levá-la a cabo, devendo, nesse caso, o magistrado extinguir o processo sem resolução de mérito. No entanto, se tal alteração não implicar a modificação do polo passivo, o magistrado, inclusive de ofício, poderá corrigir o equívoco encontrado, em atenção aos princípios da celeridade e economia processuais. Tem-se aplicado, ainda, a “teoria da encampação”, nas hipóteses em que os respectivos requisitos se encontrarem presentes.