VII - Regras de arbitragem institucional
Nos termos dos artigos 5º e 21 da Lei de Arbitragem, as partes, na cláusula compromissória, podem se reportar às regras de algum órgão arbitral institucional – arbitragem institucional – ou podem, ainda, livremente determinar os árbitros que participarão do juízo arbitral e os mecanismos a serem adotados durante a arbitragem – arbitragem ad hoc.
Naquela primeira hipótese, a arbitragem se realiza por intermédio de uma entidade especializada que possui um regulamento próprio e uma relação de árbitros que as partes poderão indicar se não houver consenso entre um ou mais nomes. Para que a arbitragem se instaure dessa forma, as partes deverão estabelecer na cláusula compromissória que, em futuros conflitos, serão utilizados os regulamentos de determinada entidade escolhida.
Ressalte-se que a cláusula compromissória, ao optar pela arbitragem institucional, deverá, outrossim, estabelecer a forma de indicação dos árbitros ou reportar-se às regras de indicação de árbitros estabelecidas pelos Tribunais arbitrais, tendo em vista que o juízo arbitral se institui com a aceitação, pelos árbitros, de sua nomeação. Parece ser conveniente, ainda, que as partes convencionem, com o Tribunal arbitral escolhido, a responsabilidade pela nomeação do árbitro ou árbitros, uma vez que essa nomeação não constitui dever de nenhum órgão.
A opção pela arbitragem institucional vem sendo amplamente utilizada nos diversos países onde a prática arbitral encontra-se mais difundida. As entidades arbitrais apresentam, geralmente, quadros de árbitros distintos em função da especialidade da matéria a ser arbitrada e estabelecem, em seus regulamentos, regras de procedimento a serem adotadas pelas partes e pelos árbitros. Tais entidades, que vêm funcionando como molas propulsoras da arbitragem, em especial no que diz respeito ao comércio internacional, podem desenvolver diversas atividades, dentre elas a estrita organização de arbitragens, a pesquisa, a formação de árbitros e a divulgação dos meios alternativos de solução de controvérsias. Das entidades arbitrais que gozam de maior prestígio em âmbito internacional, merecem destaque a Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional e a Associação Americana de Arbitragem.
A primeira, afirma o professor Carlos Alberto Carmona "que não tem ligações especiais com qualquer país ou governo, inobstante manter sua sede em Paris, sendo certo que mais de 60 países mantêm comitês nacionais. Em conseqüência, os árbitros podem ser de qualquer nacionalidade (atualmente a lista de árbitros conta com nacionais de quarenta e oito países); o processo arbitral pode desenvolver-se em qualquer lugar do mundo (a tendência é escolher um local neutro para a realização da arbitragem, levando-se em conta a lei nacional e os tratados que facilitem o cumprimento do laudo); e as partes podem escolher a língua que pretendem utilizar (as mais empregadas são o inglês, o francês e o alemão). O procedimento para a instauração do juízo arbitral é simples: a parte interessada em dar início à arbitragem envia solicitação neste sentido à Secretaria da Corte, que remete cópia do pedido ao demandado, para que se manifeste sobre a composição do tribunal (um ou três árbitros); se as partes não chegam a um acordo sobre os árbitros ou se alguma das partes não indica árbitro, cabe ao órgão arbitral institucional decidir a respeito, constituindo então o tribunal, que proferirá decisão. É importante ressaltar que a Corte não funciona apenas para indicar árbitros: ao contrário, sua função primordial consiste na supervisão e administração da arbitragem, de tal forma a acompanhar o desenvolvimento dos julgamentos, fazendo a revisão formal dos laudos antes de sua publicação" [04].
No que diz respeito à Associação Americana de Arbitragem, afirma ser essa "uma organização independente, privada, sem fins lucrativos, que oferece serviços e facilidades para a arbitragem. Trata-se de órgão administrativo, que mantém um quadro de árbitros que podem ser escolhidos pelas partes, fornecendo pessoal qualificado para o suporte administrativo da arbitragem, bem como regras para o procedimento arbitral. Segundo resume seu próprio estatuto, os objetivos da Associação são estudar, pesquisar, promover, instaurar e administrar procedimentos para a solução de disputas através do uso da arbitragem, da conciliação e da mediação, entre outros mecanismos. Nas arbitragens comerciais, a principal função da AAA é indicar o árbitro único ou o terceiro árbitro (...) e organizar o procedimento arbitral administrativamente do início ao fim. As novas regras de arbitragem internacional do órgão são bastante flexíveis e privilegiam a vontade das partes. Assim, podem adotar os contratantes o procedimento que quiserem para indicar árbitros, sendo viável indicarem desde logo árbitros de sua confiança, antes ou depois de surgido o litígio. A flexibilidade das regras a AAA permite que as partes optem por árbitro único, ou por um tribunal composto de três ou mais julgadores, deleguem à entidade a indicação dos árbitros ou determinem que cada um aponte o seu e o terceiro seja indicado por estes (ou pela AAA, se não houver consenso), estabeleçam que a AAA submeta a eles uma lista de árbitros, com a possibilidade de cada parte rejeitar os nomes que julgar inaceitáveis, entre tantos outros métodos" [05].
No plano nacional, desempenham importante papel: a Comissão de Arbitragem da Câmara de Comércio Brasil-Canadá, a Comissão de Arbitragem da Câmara Internacional de Comércio do Brasil e o Centro Brasileiro de Arbitragem.
VIII - Vantagens e desvantagens da arbitragem
Deseja-se que a arbitragem venha a se consolidar como "o Poder Judiciário da lex mercatoria", tendo em vista a celeridade e a maior informalidade de seu procedimento, que pode ser definido pelas partes. Essas são, certamente, as mais evidentes vantagens da arbitragem.
É célebre a advertência de Rui Barbosa: "a justiça atrasada não é justiça, senão injustiça, qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito escrito das partes, e assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade". Nesse sentido, a arbitragem surge para desafogar o Judiciário e, ao mesmo tempo, permite às partes a utilização de um meio alternativo de solução de controvérsias, fugindo-se da demora dos conflitos instaurados no Poder Judiciário e dos milhares tipos de recursos e graus recursais existentes em nosso sistema.
Outras são as vantagens da arbitragem. Para se destacar as principais, deve-se fazer referência ao sigilo proporcionado pela arbitragem, uma vez que seu conteúdo fica circunscrito às partes e aos árbitros, que estão obrigados ao sigilo profissional – as provas, a controvérsia, seu valor e decisão através de sentença arbitral não são divulgados. Há, outrossim, a vantagem da especialização do árbitro, que pode ser técnico na matéria da controvérsia, não havendo necessidade de ser advogado ou bacharel em Direito. Isso, muitas vezes, confere ao árbitro mais sensibilidade às questões sobre as quais versam a demanda que se poderia esperar até mesmo de um magistrado.
Mister o reconhecimento, ainda, da conveniência e indispensabilidade da via arbitral nas situações em que há continuidade do relacionamento existente entre as partes após a solução do conflito. A eleição dessa via serviria mesmo como instrumento para o não rompimento do relacionamento existente entre as partes.
Ademais, o árbitro pode decidir com base na eqüidade, diferentemente do magistrado que não pode utilizá-la, ou, quando muito, a utiliza com substancial limitação.
E tal se dá em face de a Lei ser, para o Poder Judiciário, a matéria prima da atividade jurisdicional e o limite de atuação do magistrado, o que não ocorre com o árbitro, que, uma vez autorizado pelas partes, poderá decidir com base no direito positivado pátrio ou estrangeiro ou na eqüidade e nos usos e costumes e também, se for o caso, nas práticas internacionais de comércio.
A arbitragem, em contrapartida, apresenta algumas desvantagens. Pode ocorrer, por exemplo, que, apontando-se como árbitro um expert na matéria de fato sobre a qual versa o litígio, tal profissional pode não ser tão bem versado em leis e, por conseguinte, a demanda não seja solucionada a contento - alguma matéria de direito, eventualmente, poderá não ser apreciada de forma satisfatória pelo expert.
Por outro lado, o árbitro indicado poderá ser um jurista sem conhecimento e experiência requerida pela matéria de fato envolvida na disputa. Esse árbitro analisará com propriedade as questões de direito, mas, eventualmente, poderá pecar na compreensão dos aspectos técnicos que embasam os fatos que originaram a demanda.
É de se ressaltar, ainda, que, no juízo arbitral, cada parte indica o seu próprio árbitro. Corre-se o risco, dessa feita, de que cada um deles atue em defesa dos interesses daquele que o tenha indicado. A imparcialidade da arbitragem, nessa esteira de idéias, é de alguma forma questionável.
Há o risco, outrossim, de que o laudo arbitral esteja eivado de algum vício que revele imperioso o reconhecimento de sua nulidade, o que ocorrerá no Poder Judiciário. Ou seja, a parte inconformada levará a questão à justiça comum, o que fará daquela arbitragem apenas perda de tempo e dinheiro.
Lembre-se, ainda, que a sentença arbitral faz título executivo, eis que os árbitros não são dotados de poder de polícia, de poder de coerção, o que significa que, se a parte vencida não se submeter à decisão dos árbitros, quando condenatória, a parte vencedora terá que ingressar no Poder Judiciário para executar a decisão. Nesse caso, embora não deva ser mais discutido o mérito da questão levada à arbitragem, a execução judicial fica submetida aos procedimentos judiciais ordinários, vale dizer, à interposição de recursos e apresentação das mais diversas medidas protelatórias. A arbitragem, ainda que consiga no mais das vezes se desvencilhar do Poder Judiciário, depende invariavelmente desse para fazer valer as suas decisões.
Finalmente, mencione-se que, ainda nos dias de hoje, a questão do custo da arbitragem ainda se revela como uma desvantagem, pois a arbitragem ainda é muito dispendiosa às partes. Espera-se que, no futuro, com sua maior utilização, sejam criados novos órgãos arbitrais e a arbitragem passe a ser mais acessível, sobretudo às empresas de médio porte. Destaque, nesse passo, que às desvantagens, sobressaem-se as vantagens, sobretudo pela perspectiva de celeridade que a arbitragem traz para a solução de uma controvérsia. A arbitragem, entretanto, não deve ser vista como uma panacéia.
Em primeiro lugar, pelas limitações antes apontadas. Em segundo lugar, porque o árbitro competente e razoável não poderá prescindir da acurada análise das circunstâncias de fato e de direito sobre as quais versa a demanda em prol da busca pela celeridade, mesmo porque, em geral, a controvérsia levada à arbitragem costuma envolver elevados valores e complexos aspectos técnicos a serem compreendidos. Assim, exige-se do árbitro considerável empenho, o que certamente demanda um tempo razoável para a prolação do laudo arbitral.
IX - Conclusões
Há uma tendência mundial ao reconhecimento da arbitragem como "o Poder Judiciário" do comércio internacional – pretende-se, pela arbitragem, assegurar certeza jurídica às partes em conflito, sem perder de vista a agilidade característica das negociações internacionais.
E mais. A lide judicial pressupõe confrontação e domínio de uma parte litigante sobre a outra. Já a cooperatividade representada pela via arbitral, pelo contrário, através da atuação conjunta da vontade das partes, vai ao encontro da manutenção da interação que necessariamente deve continuar existindo entre elas, resultante do novo panorama jurídico-social que se desenha em âmbito internacional.
A continuidade das relações jurídicas entre as partes em conflito, ou melhor, a manutenção da qualidade dessas relações, é valorizada na arbitragem, cujo requisito é exatamente o entendimento das partes, desde a opção pelo juízo arbitral.
Alinhar o Brasil com essa tendência, universal, prestigiadora da arbitragem, significa transpor as prováveis razões consolidadoras da, inúmeras vezes citada, "cultura jurídica anti-arbitragem", fruto da estatização vigente no Brasil no período que precedeu a Lei 9.307/96. Nesse período, com efeito, a autonomia da vontade sucumbia frente ao intervencionismo que se projetava em todas as esferas do meio social. O protecionismo estatal provocava no inconsciente coletivo a convicção de ser o Estado a única instituição apta a solucionar as questões envolvendo os seus jurisdicionados.
Pelo advento da Lei de Arbitragem, deu-se importante passo no sentido de se viabilizar, na prática, a adoção da arbitragem. Ao menos no plano jurídico-normativo, como verificado, os obstáculos que se apresentavam à eficiente inserção da prática arbitral no Brasil foram afastados. Mas, como é cediço, a viabilização prática da arbitragem não depende apenas do plano normativo; depende, sobretudo, da correta interpretação que se fará dos dispositivos legais e sua conseqüente aplicação. Dependerá, ainda, da superação de empecilhos de ordem prática como, por exemplo, o alto custo que hoje uma arbitragem representa.
Nesse contexto, pretendeu-se, nesta oportunidade, analisar alguns dos principais questionamentos concernentes ao tema da arbitragem internacional, a saber: (i) a arbitragem como foro de solução de controvérsias internacionais, (ii) as principais características da Lei de Arbitragem, (iii) a constitucionalidade da Lei de Arbitragem, (iv) o procedimento e a polêmica da homologação de sentença arbitral estrangeira (v) a compreensão dos conceitos de cláusula compromissória e compromisso arbitral, (vi) a escolha da Lei aplicável no juízo arbitral, (vii) a arbitragem institucional, e (viii) as vantagens e desvantagens da arbitragem.
X – Bibliografia consultada
.Carmona, Carlos Alberto, Arbitragem e Processo – um comentário à Lei 9.307/96, São Paulo, Malheiros, 1998.
.Casella, Paulo Borba (coord.), Arbitragem - Lei brasileira e praxe internacional, São Paulo, LTr, 1997.
.Dolinger, Jacob, Direito Internacional Privado, 5.ed, São Paulo, Renovar, 2000.
. Huck, Hermes Marcelo, Sentença Estrangeira e Lex Mercatoria – Horizontes e Fronteiras do Comércio Internacional, São Paulo, Saraiva, 1994.
.Huck, Hermes Marcelo, Deficiências da Arbitragem Comercial Internacional, in Revista dos Tribunais – ano 74 – março de 1985 – vol. 593, São Paulo, Revista dos Tribunais, p. 26.
.Leahy, Edward R.; Bianchi, Carlos J.; The changing face of international arbitration, in Journal of International Arbitration, v. 17, n. 4, Geneva, August, 2000, pp. 19/61.
.Pucci, Adriana Noemi (coord.), Aspectos Atuais da Arbitragem – Coletânea de Artigos dos Árbitros do Centro de Conciliação e Arbitragem da Câmara de Comércio Argentino-Brasileira de São Paulo, Rio de Janeiro, Forense, 2001.
.Rechsteiner, Beat Walter, Arbitragem Privada Internacional no Brasil depois da nova Lei 9.307, de 23.09.1996 – Teoria e Prática, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2001.
.Samtleben, Jürgen, Questões Atuais da Arbitragem Comercial Internacional no Brasil, in Revista dos Tribunais – ano 84 – fevereiro de 1995 – vol. 712, São Paulo, Revista dos Tribunais, p. 51.
.Soares, Guido F. S., Arbitragens Comerciais Internacionais no Brasil – Vicissitudes, in Revista dos Tribunais – ano 78 – março de 1989 – vol. 641, São Paulo, Revista dos Tribunais, p. 29.
. Strenger, Irineu, Arbitragem Comercial Internacional, São Paulo, LTr, 1996.
NOTAS
01 Arbitragem e Processo – um comentário à Lei 9.307/96, São Paulo, Malheiros, 1998, p. 61.
02Direito Internacional Privado. 5.ed, São Paulo: Renovar, 2.000, pp. 349-350.
03 Op. cit., p. 350.
04 Arbitragem e Processo – um comentário à Lei 9.307/96, São Paulo, Malheiros, 1998, p. 94/95.
05 Arbitragem e Processo – um comentário à Lei 9.307/96, São Paulo, Malheiros, 1998, p. 95.