Feminicídio: análise da (in)eficácia da Lei nº 13.104/2015 à luz do Direito Penal emergencial

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O trabalho analisa o impacto da Lei do Feminicídio na redução da violência contra a mulher no Brasil. Apesar das mudanças legais, a eficácia da legislação ainda é questionada diante do aumento contínuo dos casos de homicídio feminino.

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar a qualificadora do feminicídio, implementada pela Lei nº 13.104/2015, na tentativa de reduzir os homicídios contra a mulher, seja no ambiente familiar e doméstico ou por motivo de gênero. A Lei alterou o artigo 121 do Código Penal para prever o feminicídio como qualificadora do crime de homicídio, e o artigo 1º da Lei nº 8.072/1990 inseriu o feminicídio no rol dos crimes hediondos. Assim, o estudo analisa os aspectos históricos da violência de gênero no Brasil, apresenta a correlação da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) com a Lei do feminicídio, realiza uma análise crítica e reflexiva sobre a Lei nº 13.104/2015 (Lei do Feminicídio), o Direito Penal Emergencial e o Direito Penal Simbólico. Para concluir, evidenciamos o aumento no número de casos de homicídios praticados contra as mulheres e a ineficácia da Lei do feminicídio na prevenção e redução da violência de gênero. Os dados e posicionamentos apresentados neste estudo têm como fonte doutrinas, jurisprudências, artigos científicos publicados sobre o tema e legislação.

Palavras-chave: Feminicídio. Gênero. Direito Penal. Emergencial. Simbólico.

Sumário: 1. Introdução. 2. Contexto histórico da violência de gênero no Brasil. 2.1. O conceito de violência de gênero. 2.2. A Lei Maria da Penha como pioneira na defesa da mulher. 2.3. A ascensão da mulher brasileira a partir da garantia do direito ao acesso à justiça. 3. Análise da Lei do Feminicídio (Lei nº 13.104./2015). 3.1. O conceito de feminicídio. 3.2. Os tipos de feminicídio. 3.3. A qualificadora do feminicídio é de natureza jurídica objetiva ou subjetiva? 3.4. A violência contra a mulher no Brasil tem raça e classe social definidas?. 3.5. A correlação da Lei Maria da Penha com a Lei de Feminicídio. 3.6. A crescente numérica dos casos de feminicídio no Brasil durante a pandemia do Covid-19. 4. Análise do Direito Penal Emergencial e do Direito Penal Simbólico. 4.1. O conceito de Direito Penal Emergencial. 4.2. O conceito de Direito Penal Simbólico. 4.3. A relação do Direito Penal Emergencial e do Direito Penal Simbólico com a Lei do Feminicídio. 5. Análise crítica e reflexiva acerca da (in)eficácia da Lei do Feminicídio na prevenção e redução da violência em razão do gênero no Brasil. 6. Considerações finais. Referências Bibliográficas.


1. INTRODUÇÃO

As mulheres no Brasil e no mundo, lutaram e lutam, há muito tempo por respeito, garantia de direitos e acima de tudo por igualdade, cada vez mais as suas conquistas são notórias isso em todas as searas da vida e das sociedades. Mas infelizmente, ainda travam uma dura e grande batalha diária contra a violência sofrida por elas, essa violência sofrida pela mulher pode acontecer por meio de agressões físicas, psicológicas e sexual. Esse fenômeno não acontece somente no ambiente familiar mas também em empresas, em escolas e faculdades e na sociedade de modo geral. Nesse sentido, foi promulgado no dia nove de março de 2015 a Lei nº 13.104/2015 denominada como a Lei do feminicídio, a ei foi criada com o intuito de conferir mais proteção as mulheres, reduzir os números de crimes praticados contra elas e punir de maneira mais severa os autores de crimes contra as mulheres.

A Lei nº 13.104/15 alterou o art. 121, do CP, para nele incluir a qualificadora de feminicídio. A implementação da qualificadora mostra situação de violência praticada contra a mulher, em um contexto que se caracteriza pelo sentimento de poder e submissão praticada pelo homem. O exposto no art. 121, parágrafo 2°, do CP, se refere às situações qualificadoras do homicídio, a saber, as qualificadoras subjetivas e a objetiva. Esta lei é mais um resultado, da expansão do direito penal como colecionador de respostas para todo problema social existente e que não se consegue solução sem a previsão em legislação expressa. Dessa forma, o homicídio praticado contra a mulher deve ser punido como homicídio qualificado, quando estivermos diante do que crime praticado em razão do sexo feminino ou que tenha sido praticado no ambiente familiar e doméstico. Ademais, o feminicídio foi também incluso no rol dos crimes hediondos pelo artigo 1° da Lei nº 8.072/1900.

O presente estudo adota uma abordagem expositiva, analítica, crítica e reflexiva acerca da Lei do feminicídio que é a temática central da pesquisa, mas não deixando de abordar também, as correlações das outras legislações convergentes no mesmo intuito de mais garantia de proteção, respeito e segurança as mulheres. Como exemplo temos a Lei Maria da Penha, que coloca em exame também, o Direito Penal emergencial e o Direito Penal simbólico e a conexão de ambos com as legislações promulgadas, a partir da urgência e emergência de dar uma resposta concreta e severa ao clamor social que anseia por justiça.

Diante do exposto, o presente trabalho foi elaborado com base em dados estatísticos, pautado em doutrinas, legislação, jurisprudências, artigos científicos publicados sobre o tema, teve sua estrutura dividida em quatro capítulos, de forma a possibilitar o desenvolvimento coerente, didático e facilitar a compreensão da temática central apresentada.


2. CONTEXTO HISTÓRICO DA VIOLÊNCIA DE GÊNERO NO BRASIL

No Brasil e no mundo, desde os primórdios as mulheres sofrem com a imposição do machismo e do poder patriarcal, ou seja, as mulheres eram e dependendo da localização geográfica ainda são submetidas às ordens de seus pais e irmãos quando crianças e de seus maridos, companheiros e namorados quando na vida adulta. Assim, sofriam e sofrem as mazelas da falta de informação, educação, desenvolvimento pessoal e profissional, limitadas muitas vezes as tarefas domésticas, procriação e criação dos filhos, sofrendo com maus tratos físicos e psicológicos, subjugando a mulher muitas vezes a situação de coisa como se elas fossem objetos e os homens seus proprietários. Nesse sentido, Moraes (2008, p.495) destaca que a "desigualdade atinge especialmente as mulheres, que são mais pobres que os homens, ganham menores salários e assumem maiores responsabilidades".

Os elementos contribuintes para os homicídios praticados contra as mulheres são vários, devendo ser destacados, as heranças socioculturais, o machismo, a falta de estrutura familiar, dependência afetiva, dependências socioeconômicas, falta de acesso à informação e à educação, manutenção de um status social e a diferença de força física entre o homem e a mulher. Assim, as mulheres que decidem dar um basta nessas relações abusivas e absurdas, são alvos de violências físicas e psicológicas, sendo que em sua maioria acontecem no âmbito doméstico, exposta aos olhares atentos dos filhos, constituindo assim um lar desestruturado e um enorme prejuízo educacional aquela criança, e na pior das hipóteses o que era violência física ou psicológica acaba se tornando homicídio, onde essas mulheres são assassinadas dentro de seus lares, por seus companheiros, maridos e namorados.

Ante o exposto, é notória a necessidade de se proteger a mais as mulheres, haja vista que se tornou uma questão de saúde e segurança pública. Nesse sentido, no ano de 2012, foi instaurada uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), que após o levantamento de dados, realização de estudos, pesquisas e estáticas, foi constatado uma assustadora realidade no Brasil, as mulheres eram absurdamente alvos de abusos e violência de todos os tipos e também de homicídio. Com isso ao fim dos trabalhos realizados pela CPMI no ano de 2013, trabalhos esses que foram de grande valia para a criação do projeto de lei do feminicídio, que no ano de 2015 se converteu na Lei nº 13.104/2015 (Lei do feminicídio). A Lei altera o art. 121. do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, alterando também o art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos.

2.1. O conceito de violência de gênero

A violência de género pode ser definida com violência física, moral e psicológica sofrida por qualquer pessoa ou grupo de pessoas sobre a base de seu sexo ou gênero que impacta de maneira negativa em sua vida, identidade e bem-estar social, seja ele físico, moral ou psicológico.

Aplicando o conceito ao tema estudado, a violência de gênero é a violência física, moral ou psicológica, sofrida pela mulher sobre o pilar de ser do sexo feminino que impacta de forma negativa todas as searas da sua vida. Nesse sentido, afirma Knippel (2019, [online]) que “gênero é uma construção social, cultural e antropológica que reflete a relação de poder e subordinação do homem sobre a mulher, originada de um conjunto de papéis sociais desejados, numa óptica patriarcal e machista.”

Lado outro, para Safiotti (2002, p. 197. apud Knippel 2019, [online]) a violência de gênero

é o conceito mais amplo, abrangendo vítimas como mulheres, crianças e adolescentes de ambos os sexos. No exercício da função patriarcal, os homens detêm o poder de determinar a conduta das categorias sociais nomeadas, recebendo autorização ou pelo menos tolerância da sociedade para punir o que se lhes apresenta como desvio.

Diante o exposto, podemos dizer que a violência de gênero é a violência praticada contra aqueles que são mais vulneráveis nas relações sociais e interpessoais, tomando por base a ideia de subordinação e dominação, ambas definições são influências negativas da herança sociocultural do machismo e poder patriarcal que por muito tempo imperou em nossa sociedade.

2.2. A Lei Maria da Penha como pioneira na defesa da mulher

A partir da promulgação da Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, o Brasil em 7 de agosto de 2006, passa a ter uma legislação pioneira na defesa dos direitos da mulher, que confere mais rigidez nas sanções aplicadas aos autores de violência no ambiente familiar e doméstico. Nesse sentido, há a previsão, por exemplo, da possibilidade de prisão preventiva e da prisão em flagrante dos autores das agressões.

A Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) ganhou esse nome em homenagem à farmacêutica bioquímica, Maria da Penha Fernandes, que no ano de 1983 ficou paraplégica após sofrer duas tentativas de homicídio, hoje tipificado como feminicídio, por parte de seu marido a época, o economista colombiano Marco Antônio Heredia Viveros. Que teve sua prisão realizada somente no ano de 2002, ou seja, 19 anos após o cometimento do crime, isso só foi possível graças à luta por justiça da senhora Maria da Penha Fernandes e intervenção do Tribunal Interamericano de Direitos Humanos, que fizeram recomendações e cobraram uma resposta exemplar do Estado brasileiro no caso dela. Além disso, Maria da Penha Fernandes foi reconhecida e homenageada nacionalmente e internacionalmente pela sua fundamental contribuição por mais essa conquista para as mulheres e ainda atua ativamente na conscientização das mulheres em relação aos benefícios trazidos pela lei Maria da Penha.

A Lei não tem apenas o objetivo de coibir, prevenir e de punições mais rigorosas para os agressores, mas também, tem o intuito de erradicar a violência doméstica e familiar contra as mulheres. Assim, prevê ainda meios de proteção, tem propósito educacional e visa a realização de políticas públicas de proteção as mulheres e conscientização da sociedade de maneira geral.

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Dessa forma, são notórios os vários benefícios trazidos desde a entrada em vigor da Lei nº 11.340/2006. Ela é considerada uma inovação em no ordenamento jurídico brasileiro, entretanto, infelizmente a lei Maria da Penha não é completamente eficaz no combate a violência doméstica e familiar sofrida pelas mulheres, uma vez que é visível que os crimes cometidos contras elas continuam acontecendo diariamente em todo o Brasil e ainda, no ano de 2015 houve a necessidade de implementar a qualificadora do feminicídio no artigo 121 do código penal, como mais uma mecanismo na defesa das mulheres.

2.3. A ascensão da mulher brasileira a partir da garantia do direito ao acesso à justiça

Como é de conhecimento de todos, as mulheres continuarem sendo vítimas de todos os tipos de violência, apesar desse triste fato, elas estão em grande ascensão em todos as searas da vida e da sociedades, seja no quesito profissional, como a ocupação de cargos de liderança e chefia de grandes corporações, como a senhora Claudia Sender Ramirez, que foi CEO e atualmente é a vice-presidente da LATAM Brasil (empresa de companhia área), seu nome consta na lista da revista Forbes como uma das dez mulheres brasileiras mais poderosas, seja no ramo do empreendedorismo, como a senhora Luiza Helena Trajano Inácio Rodrigues, empresaria brasileira que comanda a rede de lojas de varejo Magazine Luiza e outras empresas integradas a sua holding e atualmente é considerada a mulher mais rica do Brasil, seja na política, como a senhora Dilma Vana Rousseff, economista por formação, e a primeira mulher a ser de presidente da república do Brasil, seja no campo jurídico, como a senhora Cármen Lúcia Antunes Rocha, que é jurista, professora e magistrada brasileira, atual ministra do Supremo Tribunal Federal, seja no esporte, como a futebolista Marta Vieira da Silva, atleta brasileira que foi eleita por seis vezes como a melhor jogadora de futebol do mundo ou seja na carreira militar como a Tenente Coronel Luciene da Silva Demenicis, que é a primeira mulher do Quadro de Engenheiros Militares a comandar uma organização militar, ela comanda uma unidade em Brasília-DF.

Diante de tantos exemplos de brasileiras bem sucedidas, é notório o progresso das mulheres e isso tem como ponto focal a garantia dos direitos delas, principalmente o de acesso a justiça. Contudo, vale ressaltar a diferença entre acesso a justiça do acesso ao poder judiciário, haja vista que o acesso à justiça é a garantia e viabilização do direito á justa ordem jurídica e não de acesso ao poder judiciário, que é assegurar o direito acesso à instituição estatal.

Nesse sentido, os avanços legislativos no que tange a garantia dos direitos fundamentais e humanos das mulheres brasileiras tem importantes marcos no nosso ordenamento jurídico, a partir do sancionamento da Lei nº 11.340/2006 (lei Maria da Penha) e a Lei nº 13.140/2015 (Lei do feminicídio), haja vista que ambas garantem mais proteção e segurança as mulheres. Mas ainda existe uma grande lacuna entre direitos formais e direitos de fato, lacuna essa que enquanto não for preenchida, não teremos a eficácia plena da garantia dos direitos fundamentai e humanos do gênero feminino.


3. ANÁLISE DA LEI DO FEMINICÍDIO (LEI 13.104/2015)

Neste capítulo iremos analisar a Lei nº 13.105/2015 (Lei do feminicídio), para isso iremos conceituar o feminicídio, examinar os tipos de feminicídio, a sua natureza jurídica, alguns assuntos polêmicos que permeiam o tema e pôr fim a exposição dos números estatísticos dos crimes de feminicídio no Brasil.

3.1. O conceito de feminicídio

O feminicídio é o homicídio doloso praticado contra a mulher em decorrência do fato dela ser mulher, ou seja, misoginia e menosprezo pela condição feminina ou discriminação de gênero, fatores que também podem envolver violência sexual ou em decorrência de violência doméstica.

De acordo com a Lei n°13.104/2015, o feminicídio consiste no homicídio praticado “contra a mulher por razões e menosprezos da condição de sexo feminino, para fins legais e de acordo com os incisos I e II do parágrafo 2°-A,do art. 121. do Código Penal, o crime cometido no contexto de violência doméstica e familiar, em como no crime de descriminação a condição de mulher.

Nesse sentido, Masson, (2018, p. 73), conceitua que “feminicídio é o homicídio doloso cometido contra a mulher por razões da condição de sexo feminino.” Já para De Los Ríos (2012 apud RODRIGUES, 2018, p. 29) feminicídio seria o:

[...] genocídio contra mulheres e ocorre quando as condições históricas geram práticas sociais que permitem atentados violentos contra a integridade, a saúde, as liberdades e a vida das meninas e mulheres. No feminicídio concorrem, em tempo e espaço, danos contra mulheres cometidos por conhecidos e desconhecidos, abusadores ou assassinos individuais ou em grupo, ocasionais ou profissionais, que levam à morte cruel de algumas de suas vítimas. Nem todos os crimes são arquitetados ou realizados por assassinos em série: podem ser em série ou individuais, e alguns são cometidos por conhecidos, parentes, namorados, maridos, companheiros, familiares, visitantes, colegas e companheiros de trabalho; também são perpetrados por desconhecidos e anônimos, e por grupos mafiosos de delinquentes ligados a modos de vida violentos e criminosos. No entanto, todos tem em comum o fato de acreditarem que as mulheres são utilizáveis, dispensáveis, maltratáveis e descartáveis. E, claro, todos concordam em sua infinita crueldade e são, de fato, crimes de ódio contra as mulheres.

Ante o exposto, é importante apontar a distinção entre o crime feminicídio e o crime de femicídio, mesmo ambos sendo tipos de homicídio, o feminicídio é o homicídio doloso praticado contra a mulher em razão do gênero, em razão dela ser do sexo feminino, já o femicídio é todo homicídio praticado contra as mulheres.

3.2. Os tipos de feminicídio

Realizando a análise da qualificadora do feminicídio podemos identificar dois tipos da prática do feminicídio, sendo eles o crime praticado no sentido da violência doméstica e familiar e o crime praticado no sentido do menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Nesse sentido, o primeiro tipo de feminicídio é o praticado no ambiente familiar e doméstico, as vitimas dessa modalidade são esposas, noivas e namoradas que sofrem as mazelas de um relacionamento amoroso abusivo, desrespeitoso, violento e até humilhante, com isso as mulheres que tomam atitude de dar um basta na relação e querem se separar dos companheiros agressores, acabam sendo alvos da fúria e da não aceitação deles e infelizmente acabam muitas das vezes se tornando uma vitima fatal, ou seja, são assassinadas dentro de seus próprios lares, muitas vezes na frente dos filhos e familiares.

Já o segundo tipo de feminicídio é o praticado em qualquer lugar, as vítimas dessa modalidade são pessoas do gênero feminino ou que se identificam e se reconhecem como mulher, ou seja, são as mulheres, os transgêneros (corresponde a uma pessoa cuja identidade de gênero coincide com o sexo biológico), as transexuais (é um indivíduo cuja identidade de gênero difere em diversos graus do sexo biológico) e as trasvestis (corresponde ao indivíduo do sexo masculino que usa roupas e adota formas de expressão de gênero femininas mas que não necessariamente deseja mudar suas características primárias), que são brutalmente assassinadas pelo simples fato delas serem do gênero feminino, ou seja, acontece o ato de misoginia e discriminação de gênero, que podem incluir violência sexual e física, pois, nesses casos, as mulheres são vistas como objetos.

Diante do exposto, podemos concluir que há sim duas modalidades da prática do crime de feminicídio, que se diferenciam pelos motivos e às vezes locais do cometimento dos assassinatos, mas tendo como denominador comum o gênero feminino como vítimas.

3.3. A qualificadora do feminicídio é de natureza objetiva ou subjetiva?

No que tange à definição da natureza jurídica do crime de feminicídio, trata-se de assunto de alta complexidade, uma vez que a doutrina tem posicionamento divergente acerca da qualificadora do feminicídio possui natureza objetiva ou subjetiva.

A qualificadora de caráter objetivo é aquela relacionada ao modo e meio de execução do crime. Já a qualificadora de caráter subjetivo é aquela atrelada ao que levou o delito ser praticado, ou seja, é aquela referente à motivação do crime.

Para Nucci (2019, p. 126), a natureza jurídica do feminicídio é objetiva, dessa forma, afirma que:

Trata-se de uma qualificadora objetiva, pois se liga ao gênero da vítima: ser mulher. Historicamente, sempre predominou o androcentrismo, colocando o homem no centro de tudo, em oposição à misoginia, justificando um ódio às mulheres, mais fracas fisicamente e sem condições de ascensão social.

Já para Masson (2018, p. 75), a natureza jurídica do feminicídio é subjetiva, dessa forma, afirma que:

O feminicídio constitui-se em circunstância pessoal ou subjetiva, pois diz respeito à motivação do agente. O homicídio é cometido por razões de condição de sexo feminino. Não há nenhuma ligação com os meios ou modos de execução do delito. Consequentemente, essa qualificadora é incompatível com o privilégio, que a exclui, afastando o homicídio híbrido (privilegiado-qualificado).

O Superior Tribunal de Justiça tem adotado o posicionamento de caráter objetiva, acerca da natureza jurídica da qualificadora do feminicídio, nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. MEIO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA E FEMINICÍDIO. PLEITO DE AFASTAMENTO DAS QUALIFICADORAS. ALEGADA AUSÊNCIA DE CONGRUÊNCIA LÓGICA COM OS TERMOS DA ACUSAÇÃO. TESE DEFENSIVA NÃO DEBATIDA NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS SOB ESSE PRISMA. SÚMULAS 282 E 356/STF. INEXISTÊNCIA DE PROVA ACERCA DA MOTIVAÇÃO RELACIONADA À CONDIÇÃO DE SER MULHER. IRRELEVÂNCIA. ÂNIMO DO AGENTE. ANÁLISE DISPENSÁVEL DADA A NATUREZA OBJETIVA DO FEMINICÍDIO. PRECEDENTES. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE LINGUAGEM. NÃO OCORRÊNCIA.

1. A ausência de debate no acórdão sob o prisma trazido nas razõesdoespecialatrai,à espécie,a incidência das Súmulas 282 e 356/STF, ante a falta de prequestionamento, não bastando, para afastar referido óbice, a alegação no sentido de que sempre se insurgiu contra a sua manutenção, e sob o mesmo fundamento (fl.196), uma vez que o prequestionamento consiste na apreciação da questão pelas instâncias ordinárias, englobando aspectos presentes na tese que embasa o pleito apresentado no recurso especial (AgRg no REsp n. 1.795.892/RN, Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, DJe 27/9/2019).

2. A jurisprudência desta Corte de Justiça firmou o entendimento segundo o qual o feminicídio possui natureza objetiva, pois incide nos crimes praticados contra a mulher por razão do seu gênero feminino e/ou sempre que o crime estiver atrelado à violência doméstica e familiar propriamente dita, assim o animus do agente não é objeto de análise (AgRg no REsp n. 1.741.418/SP, Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 15/6/2018)

3. Não constitui excesso de linguagem o parágrafo acrescido exclusivamente a título de reforço argumentativo da linha de raciocínio exposta na decisão questionada, máxime quando desprovido de qualquer alusãomeritória.

4. Agravo regimentalimprovido.

(AgRg no AREsp 1454781/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019)

Dessa forma, a doutrina não chega a uma só definição acerca da natureza jurídica do feminicídio, porém, levando em consideração o posicionamento do STJ, a corrente doutrinaria que é mais acertada é a que considera que a qualificadora do feminicídio tem natureza objetiva, visto que o motivo que leva a matar é a razão do sexo feminino, e tal motivo está relacionada condição do gênero feminino.

3.4. A violência contra a mulher no Brasil tem raça e classe social definidas?

Via de regra a violência sofrida pelas mulheres brasileiras não tem raça ou classe social definidas, haja vista que, nas classes sociais mais abastadas e nas classes mais pobres os crimes cometidos contra as mulheres acontecem diariamente.

Porém, é notório que as mulheres negras e pobres são as maiores vítimas do crime de feminicídio, esse fenômeno criminal ganhou o nome de “feminicídio negro”, ou seja, o feminicídio cometido contra mulheres negras. Em uma reportagem veiculada na internet no ano de 2019, no site humanista – Jornalismo e Direitos Humanos, foi informado que 58% da violência sofrida contra a mulher ocorre dentro da sua própria casa, pelo seus maridos, companheiros, namorado, noivos e que 58% dos crimes de feminicídio no pais são praticados contra as mulheres negras.

Nesse sentido, a mesma reportagem informa ainda que, o Brasil no ano de 2018, ocupava o 5° (quinto) lugar no ranking mundial de feminicídio em uma lista de 83 (oitenta e três) países, 84% dos crimes de feminicídios foram praticados pelos companheiros das vítimas, foram registrados 1.173 casos de feminicídio no ano de 2018 em todo o Brasil e que a população negra feminina é quem sofre 65% dos casos de violência obstétrica (violência contra a mulher gestante), entre os principais fatores a ilegalidade do aborto.

Contudo, pode se concluir que as mulheres negras brasileiras são as maiores vítimas da violência doméstica e do crime de feminicídio. Uma possível explicação para tal fenômeno, pode ser a desigualdade social, essa desigualdade é atribuída a um enorme atraso da população negra que sofreu as mazelas da escravidão. Sendo assim, historicamente a população negra tem um atraso social, educacional, profissional entres outros, via de regra por terem sidos escravizados e não sendo tratados humanamente por um longo período de tempo no Brasil e no mundo, essa desigualdade criada a partir da premissa descrita acima é um dos principais fatores de a população negra brasileira ser tão marginalizada e serem os maiores alvos de violência, no que tange o foco do estudo, explica porque as mulheres negras e pobres são as maiores vítimas da violência de gênero.

Por fim, o machismo também é fator determinante para o cometimento do delito em análise, a ideia de que a mulher é tratada como objeto e que o homem pode tudo, inclusive decidir se a mulher vive ou morre, fazem parte do machismo que está impregnado em nossa sociedade e as mulheres negras são os maiores alvos do machismo.

3.5. A correlação da lei Maria da Penha com a lei do feminicídio

É notória a relação da lei 11.340/2006 (Maria da Penha) e a Lei nº 13.104/2015 (feminicídio), haja vista que ambas têm como intuito conferir mais segurança, proteção, evitar e reprimir a violência de sofrida pelas mulheres, seja no ambiente doméstico ou não.

A Lei Maria da Penha foi sancionada em sete de agosto de 2006, e mesmo trazendo consigo mecanismos revolucionários como as medidas cautelares de urgência, não foi suficiente e nem completamente eficaz na conferência de mais segurança e proteção sobre a vida das mulheres, haja vista que em decorrência do aumento dos números de homicídios praticados contra mulheres, em nove de março de 2015 foi sancionada a lei do feminicídio, a criação da lei complementar se fez necessário, implementando assim a qualificadora do feminicídio, prevista no parágrafo 2° do artigo 121 do código penal.

Diante do exposto, podemos apontar dois pontos bases em que ela se relacionam, uma vez que fica claro que a correlação da lei Maria da Penha com a lei do feminicídio se dá porque ambas as leis têm como escopo a conferência de mais segurança, respeito, garantia dos direitos fundamentais e de combater a discriminação, a impunidade, a violência contra as mulheres, de conscientização e erradicação da violência de gênero sendo esse o primeiro ponto de relacionamento entre elas. Por fim, cabe ressaltar que infelizmente ambas as normas não alcançaram sua eficácia plena, haja vista que os delitos continuam acontecendo, seja no âmbito da Maria da Penha, ou seja, na seara do feminicídio eles assustadoramente continuam acontecendo, e esse é o segundo ponto de relacionamento entre as regulamentações.

Portanto, conclui-se que as leis supracitadas mantem uma correlação tanto em seus pontos positivos, ou seja, tendo a mulher como alvo de proteção, quanto em seus pontos negativos, ou seja, a sua ineficácia na garantia dessa proteção as mulheres.

3.6. A crescente numérica dos casos de feminicídio no Brasil durante a pandemia do covid-19

É sabido, que os casos de feminicídio no Brasil infelizmente cresce cada dia mais, haja vista que uma grande parte dos casos de homicídios praticados contra as mulheres são amplamente divulgados na televisão, rádios e matérias jornalísticas na internet.

Nesse sentido, iremos apontar dados numéricos apresentados por algumas dessas matérias jornalísticas exibidas na internet. A matéria publicada em 01/06/2020 no site agência Brasil, informa que os casos de feminicídio cresceram 22% em 12 estados brasileiros durante a pandemia, já os números da violência contra a mulher caíram em apenas três estados. Nessa sequência a matéria informa:

Na primeira atualização de um relatório produzido a pedido do Banco Mundial, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) destaca que os casos de feminicídio cresceram 22,2%, entre março e abril deste ano, em 12 estados do país, comparativamente ao ano passado. Intitulado Violência Doméstica durante a Pandemia de Covid-19, o documento foi divulgado hoje (1º) e tem como referência dados coletados nos órgãos de segurança dos estados brasileiros.

[...] Nos meses de março e abril, o número de feminicídios subiu de 117 para 143. Segundo o relatório, o estado em que se observa o agravamento mais crítico é o Acre, onde o aumento foi de 300%. Na região, o total de casos passou de um para quatro ao longo do bimestre. Também tiveram destaque negativo o Maranhão, com variação de 6 para 16 vítimas (166,7%), e Mato Grosso, que iniciou o bimestre com seis vítimas e o encerrou com 15 (150%). Os números caíram em apenas três estados: Espírito Santo (-50%), Rio de Janeiro (-55,6%) e Minas Gerais (-22,7%).

(Publicado em 01/06/2020 - 14:34 Por Letycia Bond - Repórter da Agência Brasil - São Paulo)

Já o portal G1, em 02/06/2020, informa que os casos de feminicídio cresceram 41,4% no estado de São Paulo durante a pandemia do civid-19. A comparação apresentada na matéria é referente aos meses de março e abril de 2020 comparados com o mesmo período do ano de 2019. Assim informa:

Os casos de feminicídio aumentaram 41,4% no estado de São Paulo nos meses de março e abril de 2020, comparados com o mesmo período do ano anterior. Os dados fazem parte do estudo “Violência Doméstica durante a pandemia de Covid-19“, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgados nesta segunda-feira (1º). A pesquisa foi feita em 12 estados e a média nacional de aumento de casos de feminicídio foi de 22,2%, praticamente metade do aumento em São Paulo. [...]

(Por Bárbara Muniz Vieira, G1 SP - São Paulo - 02/06/2020 07h24)

O portal G1 também veiculou outra matéria em 16/09/2020, na qual a ela informa que houve um aumento de 2% nos casos de assassinatos de mulheres no Brasil, no primeiro semestre de 2020 em relação ao mesmo período do ano de 2019. Informando assim:

[...] Nos primeiros seis meses de 2020, 1.890 mulheres foram mortas de forma violenta em plena pandemia do novo coronavírus – um aumento de 2% em relação ao mesmo período de 2019.

O número de feminicídios, quando as mulheres são mortas pelo simples fato de serem mulheres, também teve uma leve alta. Houve 631 crimes de ódio motivados pela condição de gênero.

(Por Clara Velasco, Felipe Grandin, Gabriela Caesar e Thiago Reis, G1 16/09/2020 05h01)

Abaixo serão apresentados gráficos ilustrativos do aumento dos casos de feminicídio no Brasil antes do período da pandemia e depois da pandemia do coronavírus (covid-19).

Fonte: G1 - Feminicídios já representam 35% do total de assassinatos de mulheres no país — Foto: Rodrigo Sanches/G1

Fonte: G1 - O número de homicídios caiu, mas o de feminicídios cresceu mais uma vez no Brasil — Foto: Guilherme Gomes/G1

Fonte: G1 - Brasil registra aumento de homicídios de mulheres no 1º semestre — Foto: Juliane Monteiro/G1

De acordo com os dados apresentados, a partir das pesquisas feitas no site agência Brasil e no portal de notícias G1, fica demonstrado que há uma crescente numérica nos casos de feminicídio no Brasil, principalmente nesse período pandêmico.

Vale ressaltar, que os números apresentados nesse estudo, não relatam 100% da realidade atual, haja vista que muitos crimes ainda estão sob investigação, portanto não entram na contagem e ainda existe um indicie bem alto de subnotificação, ou seja, no período de pandemia muitas mulheres vítimas de violência deixaram de fazer a devida notificação as autoridades competentes, o que também contribui para um resultado não exato do dados.

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