Feminicídio: análise da (in)eficácia da Lei nº 13.104/2015 à luz do Direito Penal emergencial

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4. ANÁLISE DO DIREITO PENAL EMERGENCIAL E DO DIREITO PENAL SIMBÓLICO

4.1. O conceito de Direito Penal Emergencial

O Direito Penal emergencial pode ser conceituado como sendo a pronta reposta do estado aos questionamentos e anseios da sociedade barbarizada perante crimes de grande repercussão e do aumento expressivo do número de determinados delitos.

Nesse particular, Araújo (2015, [online]), conceitua que:

Esta ideia de urgência é incompatível com o Direito Penal assentado em critérios de racionalidade democrática, como deve ser o Direito Penal moderno. Uma intervenção penal pautada em critérios de urgência é uma intervenção penal animada por clamor social, intervenção casuística e simbólica, em regra destituída de eficácia. Um Direito Penal emergencial, ou de urgência, destina-se a dar satisfações momentâneas a uma opinião pública abalada por crimes de repercussão.

Portanto, o Estado na intenção de atender ao clamor social, realiza intervenções emergenciais através de leis, como a Lei Maria da Penha e a Lei do feminicídio, ambas têm como intuito a garantia de proteção das mulheres, no entanto, como sabido não são completamente eficazes.

4.2. O conceito de Direito Penal Simbólico

O Direito Penal simbólico pode ser conceituado como sendo o direito das aparências, haja vista que apresenta teoricamente uma imagem mais rigorosa, mas esse rigor é meramente simbólico, uma vez que na pratica não alcança sua eficácia plena, justamente pelo fato da previsão de rigor excessivo o que prejudica a sua aplicabilidade em casos concretos.

Nesse sentido, Talon (2018, [online]), afirma que:

O Direito Penal é um instrumento legítimo utilizado pelo estado para controlar a violência, por meio da tutela dos bens jurídicos mais relevantes.

Entretanto, pelo viés simbólico, o Direito Penal se baseia no medo e na insegurança, tentando gerar uma falsa sensação de que o Estado consegue, por meio das leis penais, alterar subitamente a realidade social.

Noutros termos, por meio da criação de leis mais severas ou do aumento do rigor punitivo (aumento de penas e diminuição de direitos na execução penal, por exemplo), tenta-se tranquilizar a sociedade.

De certa forma, a mídia sensacionalista contribui para a instituição de um Direito Penal simbólico, ao intensificar o interesse da população pela questão criminal, especialmente pela exploração de determinados fatos criminosos como se fossem corriqueiros.

Dessa forma, o Direito Penal simbólico é aquele que via de regra é criada de forma urgente, assim mantendo relação com o Direito Penal emergencial, haja vista que também é uma reposta do estado aos questionamentos da mídia sensacionalista formadores de opinião e ao clamor social que é influenciando pela mídia e pela emoção, baseados na insegurança da sociedade, onde o Estado tenta a partir da criação de leis carregadas de simbolismos e rigor teórico passarem a falsa sensação de tranquilidade e segurança à população, no caso da norma, ponto focal desse estudo, o Estado tenta fazer com que as mulheres se sintam mais seguras, protegidas e menos injustiçadas.

4.3. A relação do Direito Penal Emergencial e do Direito Penal Simbólico com a lei do feminicídio

A Lei nº 13.104/2015 (Lei do feminicídio) se relaciona com o Direito Penal emergencial e o Direito Penal simbólico, porque mesmo após o sancionamento da referida lei os crimes de assassinato contra as mulheres continuam crescendo cada dia mais.

Assim, fica nítido que tanto o Direito Penal emergencial quanto o Direito Penal simbólico foram ferramentas jurisdicionais utilizadas pelo Estado para passar a falsa sensação de segurança, proteção e de combate a violência sofrida pelas mulheres. Nesse sentido Marques e Guimarães (2015, [online]) afirmam que:

O feminicídio enquadra-se perfeitamente no conceito de Direito Penal Simbólico, uma vez que se trata de criminalização de uma conduta originada sem um estudo Político-Criminal, justificada apenas em dados estatísticos de violência contra a mulher, visando, de maneira clara, instituir tranquilidade na população e transparecer que o legislador está cumprindo com seu dever.

Contudo podemos concluir que, o Estado utilizando de ferramentas jurisdicionais, tenta fazer uma “operação tapa buraco”, trabalhando dessa forma na repressão e não na prevenção, tentando “tapar o sol com a peneira” o que geralmente é impossível. Vale ressaltar ainda, que o maior objetivo do Estado ao sancionar a lei do feminicídio é responder aos anseios da população, diante dos crimes bárbaros praticados contra as mulheres. Assim o Estado finge combater as problemáticas sociais através de leis mais severas, com pouca aplicabilidade e eficácia na pratica real, por outro lado nos fingimos ter segurança, pois acreditamos fielmente que é a fata de leis mais rigorosas que causa as impunidades, quando na verdade a impunidade é causada pela falta do devido estudo das politicas criminais que originam leis mais assertivas e “justas”.


5. ANÁLISE CRÍTICA E REFLEVIXIVA ACERCA DA INEFICÁCIA DA LEI DO FEMINICÍDIO NA PREVENÇÃO E REDUÇÃO DA VIOLÊNCIA EM RAZÃO DO GÊNERO NO BRASIL

Analisando todos os dados apresentados nesse estudo, fica nítido que a lei 13.104/2015 (Lei do feminicídio) não atingiu o seu objetivo, ou seja, não tem sido completamente eficaz no combate do delito de feminicídio (Feminicídio é o homicídio doloso cometido contra a mulher por razões da condição de sexo feminino).

Nesse sentido, surgem os seguintes questionamentos: o Estado é capaz de solucionar as problemáticas sociais através de legislações? O feminicídio será solucionado através do rigor das sanções previstas em lei? As mulheres estão realmente protegidas pela lei do feminicídio? Qual é o papel da sociedade na resolução desse fenômeno social? Qual é o papel da mulher no combate a violência de gênero?

Ante o exposto, tentaremos responder os questionamentos levantados, assim respondemos: o Estado não tem sido capaz de trazer soluções para as problemáticas sociais através de legislações, haja vista que mesmo sancionando leis, de caráter emergencial, os crimes continuam acontecendo. Acreditamos que o feminicídio não será solucionado simplesmente através leis mais rigorosas e sim através de programas de educação e conscientização, da desconstrução da imagem da mulher como objeto masculino, dando o devido tratamento merecido por elas, como sujeito de direitos e deveres e de forma equitativa como se prevê a Constituição Federal de 1988. As mulheres infelizmente não estão realmente protegidas, o que ela tem é uma proteção teórica, teórica porque na prática elas continuam sendo assassinadas. O papel da sociedade na resolução desse fenômeno social (feminicídio) é o de combater o machismo, de combater a descriminação, de educar e conscientizar nossas crianças que serão a população adulta formadora de opinião em breve. Por fim, mas não menos importante, o papel da mulher no combate a violência de gênero é de extrema importância, haja vista que elas são o principal alvo da tutela, mas para que seja efetivo ela tem que denunciar não se calar, romper as barreiras como já vem fazendo a anos no Brasil e no mundo.

Assim, Gonzaga (2018, p. 118) explica que:

[...] São esses caminhos que a mulher percorre na sistemática da criminalidade que fazem com que surja uma adequada criminologia feminista, de modo a espancar esse tipo de pensamento retrógrado, por meio da criação de leis e de tratamento igualitário entre seres humanos, independentemente do gênero, devendo ser feita uma compensação legal por causa de anos a fio em que houve a desigualdade de tratamento.

Pode ser citado como exemplo de resultado dos estudos de criminologia feminista a tipificação do crime de feminicídio no Direito Penal brasileiro.

Dessa forma, concluímos que a problemática social do feminicídio está longe de se findar, haja vista que a lei sancionada em caráter emergencial, carregada de simbolismos, e com altos índices de severidade, não foi suficiente para solucionar e muito menos erradicar os assassinatos de mulheres, pelo simples fato delas serem do gênero feminino ou em decorrência de uma relação conjugal mal sucedida.


6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo, buscou averiguar através de fatores históricos sociais, as determinantes que colaboraram para que relacionamentos amorosos se tornem abusivos e violentos ou que os homens tratem as mulheres como objetos, tendo como consequência finalística o feminicídio.

Constatou-se que os fatores contribuintes para a formação de um relacionamento abusivo e violento se inicia, desde a infância, onde a sociedade machista determina o “que é coisa de menino” e o “que coisa de menina”, que “menino veste azul” e “menina veste rosa”, que “lugar de mulher é na cozinha”, que mulher só serve para “pilotar fogão”, dentre outras “piadas” e ditados populares carregados de preconceito, descriminação e machismo, que coloca a mulher em uma posição de inferioridade e relação aos homens. Essas são algumas das heranças negativas infelizmente herdadas por nossa sociedade patriarcal.

Contudo, as mulheres mesmo diante de tantas desigualdades, lutaram e lutam pela garantia de seus direitos constitucionais e humanos. Elas evoluem cada vez mais, no Brasil e no mundo. Essa evolução é consagrada a partir da garantia do acesso a mulher a justiça, e aqui cabe ressaltar que não é acesso ao órgão jurisdicional, mas sim o acesso ao direito material, o direito fático, prova disso é o sancionamento da Lei Maria da Penha no ano de 2006, o que foi um marco histórico, uma legislação pioneira no direito de defesa da mulher.

No entanto a promulgação da Lei Maria da Penha não foi suficiente no combate a violência contra mulher, haja vista que foi necessário a criação de um novo tipo penal, assim foi sancionada no ano de 2015 a Lei do feminicídio, que alterava o artigo 121 do Código Penal, incluindo assim, a qualificadora do feminicídio no rol dos crimes hediondos. Porém esse novo tipo penal também não alcançou o efeito esperado, não teve seu objetivo alcançado, ou seja, não alcançou sua eficácia plena que é a diminuição e a erradicação dos crimes de feminicídio, uma vez que os casos de feminicídio continuam aumentando diariamente.

Ante o exposto, concluímos que o atual cenário dos crimes de feminicídio só será reduzido e talvez até erradicados, a partir da iniciativa estatal de tratativa da raiz do problema, ou seja, o combate ao machismo, ao poder patriarcal, da conscientização da população e passe a garantir de fato os direitos fundamentais da mulheres como previsto em nossa carata magna de 1988.

Por fim, não é da alçada do Direito Penal garantir as mudanças necessárias para que a sociedade possa evoluir de maneira igualitária, sem descriminação, sem preconceito, sem distinção de gênero, essa competência é de todos nos cidadãos, com o devido apoio e colaboração do Estado que se diz democrático de Direito.


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Abstract: The present work aims to analyze the qualifier of feminicide, implemented by law number 13.104 / 2015, in an attempt to reduce homicides against women either in the family and domestic environment or because of gender. The law amended article 121 of the Penal Code to predict feminicide as a qualifier for the crime of homicide, and article 1 of Law No. 8,072/1990 placed femicide in the list of heinous crimes. Thus, the study analyzes the historical aspects of gender violence in Brazil, presents the correlation of law 11.340 / 2006 (Maria da Penha law) with the law of feminicide, conducts a critical and reflective analysis about law 13.104 / 2015 (law of femicide) and Emergency Criminal Law and Symbolic Criminal Law. To conclude, we highlight the growing number of homicides committed against women and the inefficiency of the feminicide law in foreknowledge and combating gender-based violence. The data and positions presented in this study are based on doctrines, jurisprudence, scientific articles published on the subject and legislation.

Key words: Feminicide. Gender. Criminal. Emergency. Symbolic Law.

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