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Substituição tributária, não cumulatividade e pagamentos fracionados

31/07/2006 às 00:00
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            O princípio da não cumulatividade tem sido enfocado como se fosse vinculado de modo necessário, condicionado, aos casos de múltiplos pagamentos. Alguns doutrinadores o têm confundido com o esquema de pagamentos fracionados em função de cada transferência de propriedade, ocorrente em cada venda, em cada escambo mercantil etc.

            Enfocando mal a incidência múltipla ou polifásica do ICMS sobre os valores agregados, ocorrentes com relação a cada contribuinte, pregam que, não havendo na substituição tributária uma sequenciada dedução de créditos fiscais, perfaz-se um desrespeito ao princípio anticumulação inserto na LCN.

            A doutrinação descuidada, superficial, quanto aos objetivos e ideais mais amplos e elevados, pode confundir, desinformar – e assim, precipitando jurisprudência de semelhante teor, prejudicando o pleno entendimento da funcionalidade da TVA, retardar a lenta evolução do sistema.

            A não cumulatividade, que consiste em simples não reincidência de um tributo sobre a mesma base de cálculo, é apropriada para as indiretas incidências polifásicas, mas funciona perfeitamente e continua indispensável nos casos de incidência direta e pagamentos únicos, naturalmente integralizados (como no IVV), e com os integralizados artificialmente (como nos casos de substituição tributária) ou unifásicos e integrais (como na importação de bens por pessoa física).

            O IVV monofásico, direto sobre o EVA mais o restante do faturamento, parece um IVC sem reincidência cumulativa. Ele tem débito absoluto (relacionado diretamente à obrigação tributária) sem créditos fiscais. Ao atingir o total do faturamento cobrindo de uma só e única vez o somatório dos econômicos valores agregados, ou o EVA integralizado, mostra ser não cumulativo de modo claro e incontestável.

            O IVV funciona como que por um diferimento de incidência e de pagamento para o final do fluxo de coisas comerciáveis, serviços ou mercadorias. Situando-se em um dos extremos, possibilita um raro caso de justa substituição tributária num esquema ortodoxo e racional.

            A função dos créditos fiscais é conduzir os cálculos para a justeza da tributação do valor agregado (TVA), pela via do jogo de minuendos e subtraendos em respeito ao princípio da não cumulação. Os adeptos do culto do obsoleto classificam a busca da exatidão como perniciosa interferência da economia no campo do direito. Contudo, perniciosa é a torcida manipulação de dados por conveniências eventuais.

            O sistema ideal – o direto (tax on base) – é inexeqüível, tanto quanto é impraticável a apuração periódica do lucro, num fluxo normal de administração de compras, vendas, estocagem etc., com custos alteráveis em função de curso de tempo e de variáveis eventos. No sistema coletivo, o uso de créditos fiscais gera naturais saldos fluentes ao longo do tempo. Ocorre então a tendência contínua para a convergência exata com os resultados dos somatórios de virtuais incidências indiretas e unitárias e/ou das incidências diretas. [01]

            O princípio da não cumulatividade, que permite atingir o EVA indiretamente, deve, em cada caso, verificar cada contribuinte. Seu objetivo é estabelecer direitos e obrigações em dupla correspondência, pelo contribuinte e pela fazenda pública. Ele é a via pela qual a LCN estabelece a tributação do valor agregado (TVA) brasileira, determinando em síntese:

            "Abata-se do débito calculado todo o imposto cobrado em transações anteriores".

            O princípio da equivalência das cargas, que deduzimos no início da década dos setenta, visa à necessidade de parametrar a busca de exatidão. Ele visa à determinação da carga total para evitar incorretos ônus para os contribuintes e/ou prejuízos para a Fazenda Pública. Ele absorve e traduz para uma linguagem matemática ou técnica o princípio da não cumulatividade permitindo a constatação:

            "O somatório dos pagamentos fracionados (ou o algébrico das cargas dos valores agregados) depois de retificado pela regra do ‘buttoir’, deve equivaler ao débito fiscal da operação de maior valor, geralmente a última, calculado com a maior alíquota".

            O princípio da não cumulatividade indispensável na incidência indireta e polifásica sobre EVAS pode e deve ocorrer em qualquer outro esquema de incidência do ICMS, envolvente ou não de entidades não comerciais.

            O uso de créditos fiscais calcado no princípio anticumulação classifica um imposto no grupo da TVA ou do IVA, indireto como em outras nações. Se fosse viável a incidência direta, ocorreria uma obrigação tributária pela simples aplicação da alíquota sobre o EVA, em esquema virtual, mas útil como paradigma por não envolver discussões sobre restrição ou ampliação de créditos.

            Quando à confusão sobre a virtual incompatibilidade entre o princípio e a substituição tributária, com rigor, o enfoque não deveria se dar sobre a não cumulação, um mero efeito, e sim sobre a integralização em uma base única, das múltiplas incidências relativas a cada valor agregado, a importante causa. Quando a base integralizada corresponde ao somatório das múltiplas bases, o princípio da equivalência das cargas revela a justa e procurada exatidão.

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            Mas fora dos casos da substituição tributária com sua integralização de bases, a impossibilidadade de contínua determinação do EVA em prazos curtos para formação de base para cálculo direto motivou a incidência indireta com dois cálculos objetivos: o minuendo sobre o faturamento como no sistema do IVM e IVC, da primeira metade do século passado, e o atual subtraendo relativo ao mesmo tipo de cálculo em transação anterior com a mesma mercadoria.

            A integralização de valores em uma base única para o cálculo simplificado ocorrente com o diferimento tanto de débitos quanto de créditos fiscais pode ser irrelevante em respeito ao princípio da não cumulatividade. A substituição tributária muitas vezes favorece em demasia ao fisco, prejudicando contribuintes, e até em paralelo premiando injustamente outros. [02]

            Pode ser eventualmente justa com pontos vulneráveis, ou ser considerada instável resultante de contradição entre dispositivos da LCN; pode ser acusada de muitas inconveniências mas não pode ser tachada de ofensiva ao princípio da não cumulatividade pela simples causa da integralização das bases de cálculo. [03]

            A confusão quanto à virtual incompatibilidade entre o princípio e a incidência unifásica tem resultado de enfoque desajustado também nos casos de pagamentos de ICMS relativos à importação de bens efetiváveis conforme a legislação vigente por pessoas físicas.

            Num destes casos, em fase de julgamento, um acórdão conteve um equivocado voto mencionante de impossibilidade de exigência quanto a pessoa física (quando só ao comerciante seria possível a compensação do que fosse devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal) e do argumento de que, pela não ocorrência de circulação de mercadoria, não haveria como aplicar o princípio da não cumulatividade.

            A incidência do ICMS na importação de bem por pessoa física, determinada por lei, como deveria, é concretizável. A circulação, mera expressão intitulante do imposto, ocorre, quando é exportada a mercadoria e antes que o importador a converta em bem por eventual, personal e reformável opção. Quanto à compensação, ela só é indispensável quando existam créditos dedutíveis, e nem sempre as operações anteriores envolvem o Distrito Federal, o mesmo ou outro Estado federado.

            A incidência unifásica não comporta deduções, e por ser integral e ocorrente sobre a última transação sem repetição, não comporta superposição nem cumulação de imposto. E assim, de modo lógico e claro, é harmônica com o princípio da não cumulatividade.


REFERÊNCIAS COMPLEMENTARES

(CONTIDAS NO E-BOOK DO MESMO AUTOR "UMA SÍNTESE FISCAL - DO IVC AO IVA")

SIGLAS

EVA- Econômico valor agregado
ICMS- Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
IVC- Imposto sobre Vendas e Consignações
IVM- Imposto sobre Vendas Mercantís
IVV- Imposto sobre Vendas a Varejo
LCN- Lei Constitucional Nacional
TVA- Tributação sobre Valor Agregado

GLOSSÁRIO – VERBETES: ALÍQUOTA, BASE DE CÁLCULO, CARGA TRIBUTÁRIA, CONTRIBUINTE, CRÉDITO FISCAL, DÉBITO FISCAL, ESQUEMA, IMPOSTO, INCIDÊNCIA, MERCADORIA, PAGAMENTOS, PRINCÍPIOS, PROPRIEDADE, REGRA DO "BUTTOIR", REINCIDÊNCIA, SISTEMA, SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA, TVA, VALOR, VENDA.


Notas

            01

A convergência se exata com o esgotamento dos estoques e do fluxo de débitos/créditos fiscais físicos. Se o esquema engloba créditos fiscais financeiros, amplos, a perfeição da convergência fica condicionada ao acúmulo de faturamento que ultrapasse o valor dos custos do ativo imobilizado.

            02

Veja o artigo "O diferimento e os paradoxos da isenção"

            03

A substituição tributária pode ocasionar injustiças com a transferência formalizada de obrigações desvinculada dos direitos. No caso de antecipação ela permite outras torções além da conhecida subversão da ordem: a injusta anteposição de obrigações e créditos tributários presumidos a fatos geradores apenas virtuais.
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Sobre o autor
Flávio Diamante

bacharel em Ciências Contábeis, fiscal de Tributos Estaduais em Minas Gerais, chefe de Departamento de Tributos e de Consultas Tributárias, presidente de órgão julgador em primeira instância administrativa, aposentado pela SEF/MG, professor de legislação aplicada e administração tributária em cursos abertos

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIAMANTE, Flávio. Substituição tributária, não cumulatividade e pagamentos fracionados. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1125, 31 jul. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8703. Acesso em: 21 nov. 2024.

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