Os atletas profissionais de futebol no direito do trabalho

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02/12/2020 às 19:02
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4. Lei Pelé

Antes de começar a análise da Lei 9.615/98 é importante ressaltar que tal dispositivo está longe de ser perfeito, até mesmo pela lenta marcha que o mundo do direito tem em relação ao mundo dos fatos.

Segundo Grisard (2003), logo ao chegar ao conhecimento público, gerou-se um debate, fez-se notório o fato de que a nova lei teria seu foco quase que exclusivamente ao futebol. Apesar de ser o esporte mais popular no país e render mais lucro em todos os seus meios, uma lei não poderia tratar exclusivamente de apenas um esporte, deixando de aprofundar-se em outros de também grande relevância a nível mundial, como o vôlei, basquete e outros, inclusive individuais.

Dentre os principais temas da nova lei estão a organização da Justiça Desportiva, a regulamentação das ligas independentes, os bingos, a obrigatoriedade da constituição dos clubes em empresas, a natureza do desporto nacional e as formas de seu fomento pelo Estado e o contrato de trabalho do atleta.

Para Maria Pessoa (2019), um dos pontos mais polêmicos deste novo dispositivo, é a transformação dos clubes em empresas, o que resultaria na perca de essência da prática desportiva e desvirtuaria a atividade deste mercado.

Conforme Grisard (2003), a obrigatoriedade que a lei trazia para que os clubes adotassem a forma empresarial para que só assim pudessem participar de competições oficiais partia da pretensão de evitar a falta de transparência nas atividades administrativas e na contabilidade dos clubes, visto as obscuridades que acontecem nestes setores.

Veja-se o que comentou Inácio Nunes (p. 34, 1998):

Bem se sabem os motivos que levaram o Congresso Nacional a aprovar esta obrigatoriedade. Ela seria desnecessária se a escrituração contábil dos clubes fosse confiável e se a ela tivessem acesso representantes da Receita Federal e do Ministério Público. Como a intervenção do Ministério Público nas entidades de administração e prática de desportos foi rechaçada, a fiscalização da Receita Federal nas empresas será efetiva. E a escrituração contábil terá que ser confiável. Principalmente no que tange às transações internacionais.

Embora tal medida tenha sido adotada, é de praxe vê-se a cada ano um grande clube diferente sofrendo com más gestões, transações que por vezes tentam driblar o regulamento e valores que transcendem a realidade.

Outro aspecto muito relevante a respeito da Lei Pelé foi o fim do passe, porém este assunto será abordado posteriormente.

Como foi dito anteriormente, o novo dispositivo apesar de ter sido de grande ajuda no que diz respeito à evolução do direito desportivo, ainda assim deixou lacunas, que seriam posteriormente supridas pela Lei nº 12.395, de 16 de março de 2011, a qual será estudada juntamente a constituição dos contratos dos atletas profissionais de futebol.


6. Direitos dos trabalhadores como direitos fundamentais

Antes de adentrar diretamente na estrutura e funcionamento do contrato do atleta profissional, é importante destacar que os direitos do trabalhadores previstos na Constituição Federal, em seu artigo 7º, o qual ostenta um extenso rol taxativo de direitos como por exemplo: direito a aposentadoria; seguro desemprego; repouso semanal; etc. Tratam-se esses, de direitos fundamentais, dessa forma tal proteção constitucional não poderá ser afastada, salvo em casos previstos na própria carta Magna.

Conforme narra Deziderio (2019) os direitos fundamentais não só possuem a função de proteger os trabalhadores das possíveis arbitrariedades do Poder Público, mas também impõem ao Estado que apresente medidas a fim de melhorar as condições de trabalho.

Segundo Romita (2007) os direitos fundamentais dos trabalhadores possuem forte ligação com o princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que visa a garantir a liberdade, igualdade, solidariedade, cidadania e justiça.

O texto constitucional também, em seu 1º artigo, apresenta o trabalho não só como um simples direito de todo cidadão, mas sim como um direito intimamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana. O mesmo acontece no caput do artigo 170 da Carta Magna, qual seja:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social[...].

E assim também é o entendimento do professor Ipojucan Demétrius Vecchi (p. 75, 2009):

O trabalho nao pode ser tratado numa visao meramente utilitarista/economicista, como muitas vezes é visto, mas, sim, levar em conta que está elevado como um dos pilares de nossa sociedade, na qual o trabalho não pode ser gênese de esvaecimento de quem o presta, mas, sim, uma fonte de dignidade e consideração pela pessoa que o presta.

Segundo Abal (2016), o artigo 7º da constituição trata-se de uma reprodução do que dispõe a Declaração Universal de Direitos Humanos e outros documentos internacionais de direitos humanos, sendo assim, garantindo ao trabalhador condições justas e favoráveis de trabalho.

Conforme o pensamento de Romita (2007), os trabalhadores são titulares de direitos em duas dimensões, primeiramente como cidadãos e posteriormente como sujeito de uma relação de trabalho subordinado. Dessa forma entende-se que o cidadão ao ingressar em determinada empresa, tornando-s empregado, não abre mão dos direitos fundamentais que era anteriormente titular, mas sim obtém um novo conjunto de direitos fundamentais como trabalhador.

Dessa forma, os direitos dos trabalhadores previstos na Constituição Federal, podem ser oponíveis ao Estado, tanto quanto a particulares, neste caso, o empregador. Portanto, tais direitos não podem ser flexibilizados, nem tampouco renunciados pelos trabalhadores, seja através de contrato, convenções coletivas ou acordo. Exceto nos casos previsto na própria Carta Magna, Abal (2007).


7. O contrato de trabalho do atleta profissional de futebol

Decorrida esta breve exposição a respeito da história do surgimento e história do esporte no país, bem como acerca de sua evolução enquanto profissão e na esfera legislativa, agora pode-se adentrar ao que é o núcleo do presente estudo, o contrato de trabalho do jogador de futebol.

O contrato de trabalho trata-se do “acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego”, conforme previsto no artigo 442, da CLT. Para Nolasco (2014), é o dispositivo pelo qual as partes pactuantes deverão ajustar direitos e deveres recíprocos.

Ainda que apresente natureza trabalhista, o contrato do atleta de futebol apresenta algumas peculiaridades. A primeira delas é em relação a sua duração, enquanto nos demais usuais contratos de trabalho o prazo para seu término é, em via de regra, indeterminado, o atleta ao firmar vínculo a um clube o faz por tempo previamente determinado. Isso ocorre pelo fato que a profissão apresenta caráter transitório, Procopio Filho (2018).

Outra grande diferença em relação aos outros habituais contratos é a forma, nos demais contratos é possível que sejam feitos de forma expressa ou tácita, enquanto no contrato do jogador de futebol só poderá ser feita de forma escrita e em instrumento próprio, Linhares (2018).

Após destacar algumas das peculiaridades as quais possuem o contrato empregatício do atleta profissional de futebol, pode-se passar ao estudo das partes que compõe tal instrumento.


8. Sujeitos contratuais

Os contratos de trabalho, quanto aos seus sujeitos, possuem um cenário binário, ou seja, contêm duas partes, quais sejam o empregador e o empregado, no presente caso sendo respectivamente representados pelo clube e atleta.

A definição de empregador está prevista no artigo 2º, da CLT, onde dispõe da seguinte forma:

Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.

§ 1º - Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.

Enquanto empregado trata-se de “toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”, como prevê o artigo 3º, da CLT.

Contudo, tal conceito de empregador não pode ser aplicável quanto ao contrato de trabalho de um atleta profissional, uma vez que a Lei Pelé em seu artigo 28 explica que o contrato deverá ser firmado entre atleta e “entidade de prática desportiva”, veja-se:

Art. 28. A atividade do atleta profissional é caracterizada por remuneração pactuada em contrato especial de trabalho desportivo, firmado com entidade de prática desportiva, no qual deverá constar, obrigatoriamente:

I - Cláusula indenizatória desportiva, devida exclusivamente à entidade de prática desportiva à qual está vinculado o atleta, nas seguintes hipóteses:

a) transferência do atleta para outra entidade, nacional ou estrangeira, durante a vigência do contrato especial de trabalho desportivo;

b) por ocasião do retorno do atleta às atividades profissionais em outra entidade de prática desportiva, no prazo de até 30 (trinta) meses;

Dessa forma, apenas poderá ser empregador de atleta profissional uma pessoa jurídica considerada uma entidade de prática desportiva e que contenha todas as especificidades e formalidades previstas, como registro em uma Federação Estadual e na Confederação Brasileira de Futebol, Linhares (2018).

Segundo Abal (2016), um clube só poderá considerar-se empregador assim que estiver adequadamente registrado e habilitado pela CBF e Federações Estaduais. Além disso, para que este mesmo possa participar de torneios internacionais, é preciso que esteja em conformidade com os regramentos da CONMEBOL (Confederação Sul-Americana de Futebol), no caso sul-americano, e da FIFA (Federação Internacional de Futebol e Associação).

É de suma importância destacar que o contrato do atleta com seu procurador ou agente desportivo, pessoa física ou jurídica, não irá gerar vínculo desportivo, dessa forma, não poderá ser considerado contrato trabalhista, visto que tal dispositivo apenas concede a possibilidade de representação e assessoramento do atleta, sendo assim, tampouco irá gerar vinculo empregatício, conforme artigo 27-C da Lei Pelé.

De acordo com Linhares (2018), a CLT também traz a definição de empregado de forma incompleta, uma vez que o empregado também é toda pessoa física que presta serviços não eventuais, sob dependência do empregador e com o objetivo de auferir remuneração.

Para Zainaghi (2015), apenas a subordinação não é o bastante para que ocorra a caracterização do vínculo empregatício, a exemplo de um jogador que jogue apenas uma partida e que deverá atender às orientações do técnico (empregado do clube), e nem por isso estará diante de um contrato de trabalho. Destaca-se também que de acordo com o entendimento do renomado jurista o requisito de empregabilidade está relacionado ao número de partidas que o atleta participa e não ao trabalho realizado no clube durante a semana, como acontece com os demais trabalhadores.

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Sendo assim, para caracterização do vínculo é necessária a prática continuada do futebol, participação constante nos jogos, para que se possa caracterizar um empregado-atleta.


9. Forma do contrato

O contrato de trabalho do jogador profissional de futebol deve ser feito unicamente de forma expressa, ou seja, escrito em contrato especial de trabalho desportivo, diferenciando-se da formal comum dos demais trabalhadores, qual seria, a assinatura na a subscrição da Carteira de Trabalho e Previdência Social do trabalhador, Procópio Filho (2018).

Tal obrigatoriedade ocorre pelo fato de que a FIFA (Federação Internacional de Futebol e Associação), determina que o atleta só terá regular condição de jogo, após o registro de seu contrato na entidade de administração da modalidade, que no Brasil trata-se da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), Linhares (2018).

Ainda segundo o disposto no artigo 28, § 5º, da Lei Pelé, o jogador só terá seu vínculo formalizado após o registro do contrato especial de trabalho desportivo na entidade de administração do desporto.

Esse registro deve seguir especificamente o previsto no artigo 13 do Regulamento Nacional de Registro de Transferência de Atletas, onde dispõe o seguinte:

Art. 13. - O registro do atleta na CBF é requisito indispensável para a sua participação em competições oficiais organizadas, reconhecidas ou coordenadas pela CBF, por Federação, pela CONMEBOL e/ou pela FIFA.

§1º - O registro do atleta é limitado a um único clube, exceto nos casos de cessão temporária, e, em qualquer hipótese, submete-se incondicionalmente aos Estatutos e Regulamentos da FIFA, da CONMEBOL, da CBF e da respectiva Federação.

§2º - O registro e a atuação do atleta submetem-se às seguintes limitações:

I) O atleta somente pode ser registrado por 3 (três) clubes durante uma temporada;

II) O atleta que já tenha atuado por 2 (dois) clubes durante uma temporada, em quaisquer das competições nacionais do calendário anual coordenadas pela CBF, não pode atuar por um terceiro clube, mesmo que esteja regularmente registrado.

Contudo, conforme Abal (2016), há uma diferença entre “condição legal” e “condição de jogo” quanto à regulamentação do atleta para atuar pelo clube. A condição legal dar-se-ia posterior ao registro do contrato em federação competente. Enquanto a condição de jogo só seria obtida após a confirmação do registro do atleta no BID (Boletim Informativo Diário), nos casos dos jogadores registrados na CBF. Dessa forma, o jogador que não teve seu nome inscrito no BID, não possui condições de atuar pelo clube contratante.

O Código Brasileiro de Justiça Desportiva dispõe em seu artigo 214 penalidades aos clubes que escalarem ou mesmo incluírem na súmula da partida jogadores em situação irregular:

Art. 214. Incluir na equipe, ou fazer constar da súmula ou documento equivalente, atleta em situação irregular para participar de partida, prova ou equivalente.

PENA: perda do número máximo de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente, e multa de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais).

§ 1º Para os fins deste artigo, não serão computados os pontos eventualmente obtidos pelo infrator.

§ 2º O resultado da partida, prova ou equivalente será mantido, mas à entidade infratora não serão computados eventuais critérios de desempate que lhe beneficiem, constantes do regulamento da competição, como, entre outros, o registro da vitória ou de pontos marcados.

§ 3º A entidade de prática desportiva que ainda não tiver obtido pontos suficientes ficará com pontos negativos.

§ 4º Não sendo possível aplicar-se a regra prevista neste artigo em face da forma de disputa da competição, o infrator será excluído da competição.

Sendo assim, para que um jogador obtenha uma situação regular para que possa atuar profissionalmente por um clube é necessário que haja um contrato especial trabalhista desportivo, que deve ser obrigatoriamente escrito e que esteja regularmente inscrito em federação competente, bem como sua essencial publicação na associação desportiva.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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