Embora prevista pela Constituição de 1988, a criação das Defensorias Públicas, em todos os Estados, até hoje não foi integralmente cumprida essa previsão. Em Santa Catarina, ela ainda não existe; o atendimento aos carentes é feito por advogados indicados pela OAB/SC e remunerados pelo Estado, nos termos de um Convênio. No Maranhão, recentemente, foi assinado outro convênio desse tipo, entre a Prefeitura de São Luís e a OAB/MA. A Defensoria Pública da União já existe, mas não funciona, por absoluta carência das condições mínimas necessárias, a começar pela realização de concurso público, para a contratação de um número suficiente de Defensores.
Em São Paulo, somente em janeiro deste ano foi criada a Defensoria Pública, mas apesar disso foi mantido o Convênio, através do qual são contratados, pelo Estado, mais de 50 mil advogados, indicados pela OAB/SP, para trabalharem na assistência judiciária aos carentes.
O Jornal do Advogado da OAB/SP, disponível na Internet no endereço: http://www.oabsp.org.br/jornal/materias.asp?edicao=96&pagina=2457, noticiou que o empenho da OAB/SP garantiu "a manutenção do convênio de assistência judiciária em bases mais vantajosas para os advogados e para a entidade". Mais claro, impossível. Parece que, inadvertidamente, o redator da notícia esqueceu a costumeira alegação de que o convênio é necessário, principalmente, para "resgatar a cidadania dos pobres".
Também de acordo com as informações do Presidente da OAB/SP, Luiz Flávio Borges D’Urso: "Foi um ano de batalha, mas valeu a pena: a Lei Complementar nº 988, que criou a Defensoria Pública no Estado de São Paulo e entrou em vigor em 10 de janeiro de 2006, contemplou todos os pleitos da OAB-SP em prol dos advogados. A nova lei manteve o convênio de assistência judiciária, em termos mais favoráveis do que o atual. Primeiro, porque a tabela de honorários passa a ser definida em conjunto pela Ordem e pela Defensoria. E, segundo, porque a Defensoria passará a ressarcir a Seccional das despesas e investimentos necessários ao funcionamento do convênio, que hoje somam cerca de R$ 12 milhões ao ano".
Na minha opinião – que é também a de vários doutrinadores e a do Supremo Tribunal Federal, as atividades específicas da Defensoria Pública devem ser desempenhadas, exclusivamente, por integrantes da carreira, concursados e dotados de todas as garantias constitucionalmente previstas. De acordo com o art. 134 da Constituição Federal, cabe à Defensoria Pública prestar assistência jurídica às pessoas carentes, que não podem pagar advogado.
No entanto, a OAB/SP preferiu garantir o emprego – e, talvez, o voto -, dos advogados conveniados, em vez de exigir, conforme deveria, nos termos do art. 44 de seu Estatuto, a instalação da Defensoria, o que somente agora foi feito, dezessete anos depois, descumprindo-se a Constituição Federal e a Constituição do Estado de São Paulo. E o descumprimento continuará, talvez, por mais dez anos, por exigência da própria OAB/SP, com a manutenção desse convênio. Ressalte-se que existem outros convênios, com diversos Municípios do Estado de São Paulo, cujos números são desconhecidos, mas que talvez empreguem mais uns vinte ou trinta mil advogados.
Assim, a nova lei paulista é inconstitucional. Evidentemente, o fato de que o advogado seja "essencial à administração da justiça", nos termos do art. 133 da Constituição Federal, não significa que a OAB possa sair por aí, atendendo a todos os pobres que eventualmente precisem de assistência judiciária – as estatísticas demonstram que eles devem ser uns cem milhões, aproximadamente -, e recebendo, em pagamento, dinheiro público. Pagamento feito, aliás, conforme dito acima pelo Presidente da OAB/SP, de acordo com "tabela de honorários (...) definida em conjunto pela Ordem e pela Defensoria". Não haveria dinheiro suficiente para atender a tanto pobre...
Pois bem: para piorar, um pouco mais, as coisas, a OAB Federal entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, no STF, questionando a Lei nº 6.094/2000, do Estado do Espírito Santo, que autorizava o Poder Executivo a contratar, temporariamente, defensores públicos. Essa ADI (nº 2229-6) foi julgada procedente, o que significa que, no Espírito Santo, o Estado não pode contratar defensores públicos sem concurso. No Estado de São Paulo, porém, eles continuam sendo contratados, de acordo com o já referido convênio.
Como se justifica, portanto, que, em São Paulo, a OAB defenda a constitucionalidade do Convênio com o Estado, se ele serve exatamente para a mesma coisa, ou seja, contratar defensores para os carentes, temporariamente. Com a agravante, que todos conhecem, de que esses convênios da OAB já são bem antigos. Por que será que a OAB Federal não ajuizou, também, uma ADI contra esse Convênio?
Se houver alguma justificativa jurídica para isso, eu agradeceria muito, se alguém me informasse.