Capa da publicação A ilegalidade do inquérito das Fake News (INQ 4781)
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A ilegalidade do inquérito das Fake News (INQ 4781)

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04/12/2020 às 15:09

Resumo:


  • O inquérito 4781, conhecido como inquérito das fake news, foi instaurado pelo STF para investigar possíveis atos caluniosos e difamatórios contra seus membros.

  • O inquérito foi alvo de críticas devido à falta de definição do objeto da investigação, violação do princípio da especialidade e do juiz natural, e por configurar uma quebra do sistema acusatório.

  • A ADPF 572 foi ajuizada questionando a validade do inquérito, porém, o STF decidiu por 10 votos a 1 pela continuidade do mesmo, com divergência do Ministro Marco Aurélio Melo.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Artigo defende nulidade do Inquérito das Fake News por ferir juiz natural, especialidade e sistema acusatório. É legítimo o STF instaurar e depois julgar investigação sobre si?

Resumo: O presente artigo tem como escopo demonstrar, sob enfoque técnico-jurídico, a invalidade do Inquérito nº 4.781, popularmente conhecido como “Inquérito das Fake News”, instaurado pela Suprema Corte brasileira com o objetivo de apurar possíveis atos caluniosos e difamatórios praticados contra seus membros e suas respectivas honras. Há críticas quanto ao próprio objeto da investigação, que se mostra, de certa forma, obscuro, haja vista a impossibilidade de atingir todos os usuários do meio de comunicação mais utilizado para a difusão das chamadas fake news. Além disso, questiona-se a forma de escolha do relator do caso, circunstância que revela flagrante violação ao sistema acusatório e deu origem à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) ajuizada pelo partido político Rede Sustentabilidade. A metodologia de pesquisa adotada neste trabalho consistiu em pesquisa bibliográfica, com base em livros e artigos, tanto físicos quanto disponíveis na rede mundial de computadores. Os resultados e conclusões alcançados demonstram a nulidade do Inquérito nº 4.781, instaurado em detrimento dos princípios do juiz natural, da especialidade e do sistema penal acusatório.

Palavras-chave: Fake News. Inquérito policial. Supremo Tribunal Federal.


1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O Supremo Tribunal Federal é a Suprema Corte brasileira, órgão de cúpula do Poder Judiciário, cuja principal função é a guarda da Constituição da República. Composto por onze ministros, o STF constitui a instância máxima do Poder Judiciário nacional.

O inquérito policial é uma instituição do Estado Democrático de Direito prevista no diploma processual penal vigente. De modo geral, trata-se de um procedimento administrativo interno da polícia judiciária, cujo objetivo é reunir elementos de informação que possam servir de base para eventual ação penal.

Segundo Fernando Capez (2016, p. 148):

“É o conjunto de diligências realizadas pela polícia judiciária para a apuração de uma infração penal e de sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo (CPP, art. 4º). Trata-se de procedimento persecutório de caráter administrativo instaurado pela autoridade policial. Tem como destinatários imediatos o Ministério Público, titular exclusivo da ação penal pública (CF, art. 129, I), e o ofendido, titular da ação penal privada (CPP, art. 30); como destinatário mediato tem o juiz, que se utilizará dos elementos de informação nele constantes para o recebimento da peça inicial e para a formação do seu convencimento quanto à necessidade de decretação de medidas cautelares.”

(Curso de Processo Penal, 23ª ed., São Paulo: Saraiva, 2016).

Na data de 16 de abril de 2019, a Polícia Federal deflagrou operação decorrente do atípico inquérito instaurado de ofício pelo Supremo Tribunal Federal, em 14 de março de 2019, com a finalidade de investigar notícias fraudulentas (fake news). De relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, o procedimento tornou-se alvo de críticas tanto de leigos quanto de juristas.

O cerne da controvérsia reside na fragilidade da fundamentação jurídica utilizada para a instauração do inquérito, uma vez que o Ministro Dias Toffoli, então Presidente da Corte, baseou-se no artigo 43 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF).

O pronunciamento foi realizado durante sessão plenária, ocasião em que o Excelentíssimo Senhor Ministro Dias Toffoli comunicou a edição da portaria, conforme se depreende de sua fala (in verbis):

“Senhoras e senhores Ministros, Senhora Procuradora-Geral da República, senhores advogados, senhoras e senhores servidores, profissionais da imprensa, senhoras e senhores, faço o anúncio de ato por mim proferido agora pela manhã. Tenho dito sempre que não existe Estado Democrático de Direito, não existe democracia, sem um Judiciário independente e sem uma imprensa livre. Este Supremo Tribunal Federal sempre atuou na defesa das liberdades, em especial da liberdade de imprensa, e de uma imprensa livre em vários de seus julgados. Não há democracia sem um Judiciário independente e sem uma Suprema Corte como a nossa, que é a que mais produz no mundo, a que mais atua. Não há Suprema Corte em todo o mundo, Ministro Celso, que delibere tanto quanto a nossa e que seja tão acionada como a nossa, e nós damos cabo desse dever julgando mais de cinquenta mil processos ao ano.

Leio o ato por mim assinado nesta manhã:

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL — Gabinete da Presidência — Portaria nº 69, de 14 de março de 2019.

O Presidente do Supremo Tribunal Federal, no uso das atribuições que lhe confere o Regimento Interno,

CONSIDERANDO que velar pela intangibilidade das prerrogativas do Supremo Tribunal Federal e de seus membros é atribuição regimental do Presidente da Corte (RISTF, art. 13, I);

CONSIDERANDO a existência de notícias fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas, ameaças e infrações revestidas de animus calumniandi, diffamandi et injuriandi, que atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares,

RESOLVE, como resolvido já está, nos termos do art. 43 e seguintes do Regimento Interno, instaurar inquérito criminal para apuração dos fatos e infrações correspondentes, em toda a sua dimensão.

Designo para a condução do feito o eminente Ministro Alexandre de Moraes, que poderá requerer à Presidência da Corte a estrutura material e de pessoal que entender necessária para a respectiva condução.

(Cf. íntegra do pronunciamento no Canal da TV Justiça: https://www.youtube.com/watch?v=fSRtZLbmNFc, 1min07s a 4min21s).

O presente trabalho tem como objetivo esclarecer o funcionamento dos mecanismos de investigação das polícias judiciárias, a competência para requerer a abertura de inquéritos, as exceções a essa regra e, por fim, demonstrar a invalidade da investigação instaurada pelo STF junto à Polícia Federal, sob os fundamentos de incompetência e ausência de previsão legal.


2.OBJETO DO INQUÉRITO DAS FAKE NEWS

Na data de 14 de março de 2019, o então Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Dias Toffoli, ao tomar conhecimento de possíveis notícias falsas difundidas em redes sociais contra a Corte — notícias essas que configurariam calúnias, ameaças e infrações revestidas de animus calumniandi, diffamandi et injuriandi —, as quais atingiriam os membros do Tribunal e seus familiares, determinou a instauração do inquérito que ficou conhecido como Inquérito das Fake News.

Ocorre que o próprio objeto da investigação foi alvo de críticas, pois não seria, com o perdão do trocadilho, “objetivo”, uma vez que se apresenta indefinido, sem indicar fato concreto a ser investigado. Conforme trecho retirado do site Gazeta do Povo:

“Obviamente isso é um ato flagrantemente abusivo. É incompatível com as liberdades constitucionais uma investigação que não contenha um fato específico que lhe sirva de objeto. Há vários dispositivos que, seguindo as garantias protegidas pela Constituição, caminham nesse sentido: o Código de Processo Penal, por exemplo, em seu art. 5º, § 1º, define que o requerimento para abertura de inquérito deve conter ‘a narração do fato, com todas as circunstâncias’. A resolução do Conselho Nacional do Ministério Público que regulamenta as investigações ministeriais também determina em seu art. 4º que ‘o procedimento investigatório criminal será instaurado por portaria fundamentada, devidamente registrada e autuada, com a indicação dos fatos a serem investigados’.”

André Borges Uliano. Entenda por que o inquérito instaurado por Dias Toffoli é ilegal. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/instituto-politeia/inquerito-toffoli-ilegal/. Acesso em: 01/07/2020.

Por outro lado, conforme lição de Fernando Capez, o inquérito tem precisamente a finalidade de aclarar e apurar a infração penal, sua autoria e materialidade, a fim de que o legítimo titular da ação penal — Ministério Público ou ofendido — possa ingressar em juízo (CAPEZ, 2016, p. 148).


3. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE

O inquérito policial pode ser instaurado por requisição da autoridade policial ou do Ministério Público, conforme dispõe o artigo 40 do Código de Processo Penal (CPP), ipsis litteris:

Art. 40. Quando, em autos ou papéis de que conhecerem, os juízes ou tribunais verificarem a existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia.

Entretanto, o delito objeto do inquérito requerido pelo Supremo Tribunal Federal possui natureza de ação privada. A autoridade policial não pode se recusar a instaurar o inquérito quando houver requisição, pois esta tem natureza determinativa, ainda que não exista subordinação hierárquica. (CAPEZ, 2016, p. 164).

Conforme leciona Fernando Capez:

“Mediante representação do ofendido ou de seu representante legal: de acordo com o art. 5º, § 4º, do Código de Processo Penal, se o crime for de ação pública, mas condicionada à representação do ofendido ou de seu representante legal (CPP, art. 24), o inquérito não poderá ser instaurado senão com o oferecimento desta.”

(CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 165).

Por sua vez, o artigo 43 do Regimento Interno do STF (RISTF) — utilizado como fundamento jurídico para a instauração do Inquérito nº 4.781 — prevê a possibilidade de abertura de inquérito apenas em caso de infração cometida nas dependências do Tribunal, in verbis:

Art. 43. Ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o Presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro Ministro.

§ 1º Nos demais casos, o Presidente poderá proceder na forma deste artigo ou requisitar a instauração de inquérito à autoridade competente.

§ 2º O Ministro incumbido do inquérito designará escrivão dentre os servidores do Tribunal.

É certo que a suposta infração não ocorreu nas dependências do STF. Todavia, o próprio regimento permite que a Corte requisite a instauração de inquérito à autoridade competente (no caso, a Polícia Federal) apenas quando houver ilícito envolvendo autoridade sujeita à sua jurisdição.

Assim, o dispositivo regimental não autoriza a abertura de inquérito para fatos genéricos ou externos à estrutura física da Corte, como é o caso de crimes virtuais, cujos agentes podem atuar de qualquer localidade do globo.

Conclui-se, portanto, que não há subsunção entre o fato e o artigo 43 do RISTF, devendo ser aplicada, no caso, a norma geral do artigo 5º do Código de Processo Penal, que dispõe:

Art. 5º Nos crimes de ação pública, o inquérito policial será iniciado:

I – de ofício;

II – mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.

§ 1º O requerimento a que se refere o nº II conterá, sempre que possível:

a) a narração do fato, com todas as circunstâncias;

b) a individualização do indiciado ou seus sinais característicos e as razões de convicção ou de presunção de ser ele o autor da infração, ou os motivos de impossibilidade de o fazer;

c) a nomeação das testemunhas, com indicação de sua profissão e residência.

§ 2º Do despacho que indeferir o requerimento de abertura de inquérito caberá recurso para o chefe de Polícia.

§ 3º Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito.

§ 4º O inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de representação, não poderá ser iniciado sem ela.

§ 5º Nos crimes de ação privada, a autoridade policial somente poderá proceder a inquérito a requerimento de quem tenha qualidade para intentá-la.

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Dessa forma, constata-se um conflito aparente de normas entre o Regimento Interno do STF e o Código de Processo Penal. Entre os princípios aplicáveis à solução de tal conflito destaca-se o princípio da especialidade, expresso no brocardo lex specialis derogat generali.

Entretanto, o STF viola esse princípio ao sobrepor o seu regimento interno ao Código de Processo Penal, que é a norma especial sobre o procedimento investigatório criminal. Tal entendimento é corroborado pela lição de Fernando Capez (2011, p. 90):

“Especial é a norma que possui todos os elementos da geral e mais alguns, denominados especializantes, que trazem um minus ou um plus de severidade. É como se tivéssemos duas caixas praticamente iguais, em que uma se diferenciasse da outra em razão de um laço, uma fita ou qualquer outro detalhe que a torne especial. Entre uma e outra, o fato se enquadra naquela que tem o algo a mais. [...] Tem-se assim um único fato, o qual, na dúvida entre uma caixa comum (a norma genérica) e uma com elementos especiais, opta-se pela última.”

(CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 90).

Pode-se concluir, com tranquilidade, que o Regimento Interno do STF é norma de caráter geral, pois não se destina a estabelecer regras sobre a competência para instauração de inquérito policial. Assim, a Corte, ao fundamentar-se exclusivamente em seu regimento interno, incorreu em violação ao princípio da especialidade e, por conseguinte, em nulidade do ato de instauração do inquérito.


4. VIOLAÇÃO DO PRINCIPIO DO JUIZ NATURAL

O princípio do juiz natural surge expressamente na Constituição de 1937, embora alguns doutrinadores afirmem que a origem do juiz constitucional remonta aos mais primitivos ordenamentos jurídicos, entre eles a Carta Magna de João Sem Terra, de 1215.

A partir desse marco, o instituto se desenvolveu no sistema anglo-saxão e, posteriormente, foi incorporado às Constituições Americana e Francesa. Na Carta de João Sem Terra, vigente em meio ao sistema feudal, existiam dois tipos de juízes: os inspetores do rei, conhecidos como itinerantes, e outros que, surgindo com o declínio desses primeiros, passaram a exercer a jurisdição de fato.

Com o advento da Petition of Rights (1627) e do Bill of Rights (1688), o juízo extraordinário ex post facto foi proibido, consolidando-se o juiz natural. A criação do direito após a ocorrência do fato ilícito deu lugar à garantia de que o povo teria juízes previamente investidos e leis preexistentes, além de competência pré-fixada para decidir os litígios. Assim, a sociedade conquistou o que se denomina juiz constitucional e sua consequente inderrogabilidade de competência (FERNANDES, Cristina Wanderley. Âmbito Jurídico, 2004).

O constituinte brasileiro, atento à importância da imparcialidade do julgador como condição essencial da função jurisdicional, inseriu na Constituição Federal de 1988 o princípio do juiz natural para assegurar que “não haverá juízo ou tribunal de exceção” (art. 5º, XXXVII, CF) e que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente” (art. 5º, LIII, CF) (REIS; GONÇALVES, 2015, p. 404).

Tais dispositivos configuram mecanismos criados pelo legislador para evitar que o processo e a persecução penal sejam maculados por antecipações de resultado ou por pré-julgamentos, sobretudo quando se conhece previamente a opinião dos julgadores acerca de determinado tema.

Há, contudo, erro grave na técnica jurídica desde a distribuição do feito, que não se deu de forma legal, contrariando os preceitos mais elementares do princípio do juiz natural. O Ministro Dias Toffoli delegou livremente a relatoria ao Ministro Alexandre de Moraes, em desconformidade com o artigo 66 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF), in verbis:

Art. 66. A distribuição será feita por sorteio ou prevenção, mediante sistema informatizado, acionado automaticamente, em cada classe de processo.

§ 1º O sistema informatizado de distribuição automática e aleatória de processos é público, e seus dados são acessíveis aos interessados.

§ 2º Sorteado o Relator, ser-lhe-ão imediatamente conclusos os autos.

(Redação dada pela Emenda Regimental nº 38, de 11 de fevereiro de 2010.)

No mesmo sentido, o artigo 75 do Código de Processo Penal dispõe:

Art. 75. A precedência da distribuição fixará a competência quando, na mesma circunscrição judiciária, houver mais de um juiz igualmente competente.

Parágrafo único. A distribuição realizada para o efeito da concessão de fiança, decretação de prisão preventiva ou de qualquer diligência anterior à denúncia ou queixa prevenirá a da ação penal.

Ironicamente, o próprio STF eleva de maneira desproporcional o artigo 43 de seu regimento interno — fundamento do Inquérito nº 4.781 — e subestima o artigo 66 do mesmo regimento, dando margem ao nascimento de uma discricionariedade perigosa, incompatível com a Constituição Federal e com o Estado Democrático de Direito.


5. VIOLAÇÃO DO SISTEMA ACUSATÓRIO

A ideia de que um único poder não deve concentrar todas as funções do Estado tem origem em John Locke (1632–1704). O Estado, a partir de então, passou a exercer atividades legislativas, executivas e judiciárias de forma distinta. Ao lado de Montesquieu e dos Federalistas, Locke é um dos paradigmas clássicos da teoria da separação dos poderes.

Entre os sistemas penais existentes, o Brasil adota o sistema acusatório, no qual a figura do investigador jamais se confunde com a do julgador. A autoridade judiciária não participa diretamente da investigação, conforme explica Fernando Capez:

“No sistema acusatório, a fase investigatória fica a cargo da Polícia Civil, sob controle externo do Ministério Público (CF, art. 129, VII; Lei Complementar n. 734/93, art. 103, XIII, a a e), a quem, ao final, caberá propor a ação penal ou o arquivamento do caso. A autoridade judiciária não atua como sujeito ativo da produção da prova, ficando a salvo de qualquer comprometimento psicológico prévio. O sistema acusatório pressupõe as seguintes garantias constitucionais: da tutela jurisdicional (art. 5º, XXXV), do devido processo legal (art. 5º, LIV), da garantia de acesso à justiça (art. 5º, LXXIV), da garantia do juiz natural (art. 5º, XXXVII e LIII), do tratamento paritário das partes (art. 5º, caput e I), da ampla defesa (art. 5º, LV, LVI e LXII), da publicidade dos atos processuais e motivação das decisões (art. 93, IX) e da presunção de inocência (art. 5º, LVII). É o sistema vigente entre nós.”

(CAPEZ, Fernando. Criminologia. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 118).

O fato de o Supremo Tribunal Federal requisitar a instauração de inquérito para apurar fatos relacionados à própria Corte foi qualificado como ato inquisitório, em razão de a mesma autoridade instituir a investigação e posteriormente julgá-la.

Esses foram os fundamentos utilizados pela então Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, ao solicitar ao relator do inquérito, Ministro Alexandre de Moraes, o arquivamento do feito. O pedido, no entanto, foi indeferido, sob o seguinte fundamento:

“Não encontra qualquer respaldo legal, além de ser intempestivo e se basear em premissas absolutamente equivocadas, pretender, inconstitucional e ilegalmente, interpretar o regimento da Corte e anular decisões judiciais do Supremo Tribunal Federal.”

Conforme mencionado anteriormente, o inquérito tem por finalidade esclarecer o fato, razão pela qual é juridicamente teratológico que a Suprema Corte exerça simultaneamente funções acusatórias e de julgamento, o que representa flagrante violação ao sistema acusatório.

Embora a jurisprudência seja pacífica quanto à inexistência de contraditório no inquérito policial, é indevido comparar as atribuições da Polícia Judiciária com as do Supremo Tribunal Federal, dada a natureza distinta das funções: a primeira exerce atividade administrativa de investigação, enquanto o segundo desempenha função jurisdicional.

Tal distinção pode ser constatada na seguinte jurisprudência do STJ:

Princípios do contraditório e da ampla defesa no inquérito policial – inexistência:

“(...) Os princípios do contraditório e da ampla defesa não se aplicam ao inquérito policial, que é mero procedimento administrativo de investigação inquisitorial.”

(STJ, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 27 maio 2003, DJ 4 ago. 2003, p. 327.)

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