Capa da publicação A ilegalidade do inquérito das Fake News (INQ 4781)
Capa: Rosinei Coutinho/SCO/STF

A ilegalidade do inquérito das Fake News (INQ 4781)

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04/12/2020 às 15:09

Resumo:


  • O inquérito 4781, conhecido como inquérito das fake news, foi instaurado pelo STF para investigar possíveis atos caluniosos e difamatórios contra seus membros.

  • O inquérito foi alvo de críticas devido à falta de definição do objeto da investigação, violação do princípio da especialidade e do juiz natural, e por configurar uma quebra do sistema acusatório.

  • A ADPF 572 foi ajuizada questionando a validade do inquérito, porém, o STF decidiu por 10 votos a 1 pela continuidade do mesmo, com divergência do Ministro Marco Aurélio Melo.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

6. JULGAMENTO DA ADPF 572

O partido Rede Sustentabilidade ajuizou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 572, por meio da qual questionou a validade do Inquérito nº 4.781.

A legenda alegou ausência de indicação de ato praticado nas dependências do STF, bem como falta de identificação dos investigados e dúvida quanto à sujeição destes à jurisdição da Corte. Sustentou, ainda, que, salvo exceções constitucionais expressas, não compete ao Poder Judiciário conduzir investigações criminais.

A Rede Sustentabilidade também argumentou que haveria necessidade de representação do ofendido para a apuração dos crimes contra a honra, além da inexistência de justa causa para a instauração de inquéritos fundados em fatos indefinidos. Ademais, apontou que o procedimento não fora submetido à livre distribuição, em desacordo com o que determina o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF).

Em 29 de maio de 2020, o partido pediu a extinção da ação, sem resolução do mérito.

O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, decidiu, por 10 votos a 1, que o inquérito deveria prosseguir, tendo divergido apenas o Ministro Marco Aurélio Mello.

No voto do então Presidente Ministro Dias Toffoli, constou o seguinte trecho:

“A instauração deste inquérito se impôs e se impõe não porque o queremos, não porque o gostemos, mas porque não podemos banalizar ataques e ameaças ao STF, guardião da Constituição Federal. Trata-se de prerrogativa de reação institucional, necessária em razão da escalada das agressões cometidas contra o Tribunal, contra seus membros e contra seus familiares, das quais a Corte não pode renunciar, em especial quando se verifica a inércia das instituições.”

O Ministro Toffoli alegou que o Tribunal e seus ministros vinham sendo alvo de ataques e ameaças à integridade e à honorabilidade perpetrados por milícias digitais, que buscariam desestabilizar o STF e o Estado Democrático de Direito. Fundamentou seu voto na prerrogativa de reação institucional, afirmando que tomou a iniciativa diante da inércia dos órgãos competentes em coibir tais agressões.

Todos os ministros, com exceção do Ministro Marco Aurélio Mello, acompanharam o voto do relator, Ministro Edson Fachin. Em seu voto divergente, o Ministro Marco Aurélio afirmou:

“Estamos diante de um inquérito natimorto, e isso há de ser verificado desde a sua instauração — um inquérito do fim do mundo, sem limites. Acolho o pedido formulado na ADPF para fulminar o inquérito, pois o vício inicial contamina toda a tramitação. Não há como salvá-lo, em que pese a ótica revelada posteriormente pela Procuradoria-Geral da República. Ressalto que, inicialmente, o inquérito foi coberto por sigilo; receio muito as coisas misteriosas. O acesso dos possíveis investigados e da própria PGR somente se deu após trinta dias. Não pode a vítima instaurar inquérito. Uma vez formalizado o requerimento, cumpre observar o sistema democrático da distribuição, sob pena de criarmos um juízo de exceção, em contrariedade ao principal rol das garantias constitucionais da Carta de 1988. Neste ponto, o sistema acusatório é diametralmente oposto ao sistema inquisitorial. É como voto.”

O Ministro utilizou a expressão “natimorto”, termo jurídico que indica que o ato processual nasce viciado, isto é, contaminado por nulidade insanável. Assim, sustentou a falta de legitimidade do STF para instaurar o inquérito, sob a ótica da Constituição Federal e do Código de Processo Penal, reafirmando a violação ao sistema acusatório.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

É característica do Estado moderno a proteção dos administrados, em contraposição ao Estado absolutista existente outrora. Para tanto, são necessários mecanismos eficazes de controle e proteção contra o próprio Estado, dentre os quais se destaca a possibilidade de anulação de processos e procedimentos judiciais quando estes nascem de forma ilegal ou viciada.

Esse, portanto, deve ser o destino do Inquérito nº 4.781, instaurado de ofício pelo Supremo Tribunal Federal, em consonância com o Código de Processo Penal, em seu artigo 564, ipsis litteris:

Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos:

I – por incompetência, suspeição ou suborno do juiz;

II – por ilegitimidade de parte. (Grifei.)

De forma resumida, a instauração do Inquérito nº 4.781, mantida pelo Supremo Tribunal Federal, mostra-se flagrantemente inconstitucional, pois viola o artigo 129 da Constituição Federal de 1988, especialmente em seus incisos I e VIII, que dispõem:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

(...)

VIII – requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicando os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais. (Grifei.)

Pode-se concluir, portanto, que o Inquérito nº 4.781 é juridicamente nulo, por vício de origem e afronta direta ao sistema acusatório e às funções constitucionais do Ministério Público.

Cumpre destacar que o presente trabalho não pretende esgotar a discussão, tampouco advogar em favor de eventuais delinquentes que possam ter atentado contra os membros do Excelso Pretório. O que se busca evidenciar é a necessidade de se estabelecer limites claros entre a interpretação analógica da lei e a invasão de competências alheias, de modo a evitar o ressurgimento de um Judiciário absolutista, incompatível com os princípios basilares do Estado Democrático de Direito.

Vivemos tempos em que a desinformação deixou de ser o maior inimigo da razão, dando lugar a um perigo ainda mais insidioso: o excesso de informação. Muitas vezes, a abundância de dados sem o devido discernimento equivale, no campo intelectual, ao excesso de palavras para quem ainda não domina a língua — sabe repeti-las, mas não compreende sua conjugação ou flexão.

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Em uma era em que temos acesso a quase toda a literatura mundial, paradoxalmente não nos tornamos melhores escritores.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

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O ESTADO DE S. PAULO. Entenda o inquérito das fake news contra o STF. São Paulo, 2019. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,entenda-o-inquerito-das-fake-news-contra-o-supremo,70002795934. Acesso em: 1 jul. 2020.

G1. Por 10 votos a 1, STF decide que inquérito das fake news deve continuar. Rio de Janeiro, 26 maio 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/ao-vivo/stf-julgamento-inquerito-das-fake-news.ghtml. Acesso em: 1 jul. 2020.

REIS, Alexandre Cebrian Araújo; GONÇALVES, Rios. Direito Processual Penal Esquematizado. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

ULIANO, André Borges. Entenda por que o inquérito instaurado por Dias Toffoli é ilegal. Instituto Politeia / Gazeta do Povo, Curitiba, 2020. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/instituto-politeia/inquerito-toffoli-ilegal/. Acesso em: 1 jul. 2020.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pronunciamento do Presidente Dias Toffoli sobre a instauração do Inquérito nº 4.781 (das Fake News). Canal da TV Justiça, Brasília, 2019. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=fSRtZLbmNFc. Acesso em: 1 jul. 2020.


Abstract: The purpose of this article is to demonstrate, from a legal-technical perspective, the invalidity of Inquiry No. 4781, popularly known as the “Fake News Inquiry,” instituted by the Brazilian Supreme Federal Court (Supremo Tribunal Federal – STF) to investigate alleged libelous and defamatory acts against its members and their respective reputations. There has been significant criticism regarding the very object of the investigation, which appears somewhat obscure, given the impossibility of reaching all users of the primary means of communication employed to disseminate the so-called fake news. Furthermore, questions have arisen concerning the appointment of the case rapporteur, which has brought to light a clear violation of the accusatory system and ultimately led to the filing of an ADPF (Claim of Breach of Fundamental Precept) by the political party Rede Sustentabilidade. The research methodology adopted in this study was bibliographic, encompassing both printed and online academic sources. The findings and conclusions demonstrate the nullity of Inquiry No. 4781, which was instituted in violation of the principles of the natural judge, the rule of specialty, and the accusatory criminal procedure system.

Keywords: Fake News; police inquiry; Brazilian Supreme Federal Court.

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