Dos crimes contra a liberdade sexual e contra família

Exibindo página 2 de 6
12/12/2020 às 19:46
Leia nesta página:

2. VIOLAÇÃO SEXUAL MEDIANTE FRAUDE

A redação do art.215 do CP dispõe que:

“Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima:

Pena—reclusão, de dois a seis anos.

Parágrafo único--- Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também a multa.

O crime de violação sexual mediante fraude, é um delito conhecido pela doutrina como um “estelionato sexual”. Consiste em praticar a conjunção carnal ou outro ato libidinoso, com alguém, através de fraude ou outro meio que não deixe a vítima manifestar livremente a sua vontade. Entende-se por fraude, qualquer meio empregado que engane a vítima a fim de que esta tenha uma errada percepção da realidade e acabe consentindo o ato sexual. A fraude tanto pode ser empregada para criar a situação de engano na mente da vítima como para mantê-la em tal estado que acabe facilitando para que ocorra o ato sexual. Já a expressão “outro meio” trata-se de uma forma genérica, analógica das condutas serem praticadas, isto é, além da fraude o agente pode se utilizar qualquer outra forma para atingir a execução do crime, a exemplo disso, é o caso do emprego da ameaça. Cabe salientar que é indispensável que a vítima tenha sido ludibriada ou iludida. Nesse sentido, não há que se falar em “violação sexual mediante fraude” quando uma mulher “empresta” o seu corpo em troca de pagamento.

2.1 BEM JURÍDICO TUTELADO

O bem jurídico protegido é a liberdade sexual do homem e da mulher, que tem sua vontade viciada em decorrência do emprego de fraude pelo sujeito ativo. De forma abrangente se protege a dignidade sexual do homem e da mulher, englobando a liberdade sexual e o direito de escolha. Em outras palavras, este tipo penal tem como finalidade principal garantir a todo ser humano o direito de escolha consciente nas relações sexuais.

2.2 SUJEITO ATIVO

Qualquer pessoa, homem ou mulher, pode ser o autor deste delito, pois não se exige qualidade ou condição especial deste sujeito. Já em relação ao sujeito passivo, em regra qualquer sujeito poderá sofrer essa conduta, a exceção para essa regra são os menores de 14 anos, nesse caso, o crime será de estupro de vulnerável. Quem também poderá ser vítima desse crime, é a pessoa que por qualquer motivo não possui capacidade para oferecer resistência.

2.3 SUJEITO PASSIVO

Em regra, qualquer pessoa, com exceção do menor de quatorze anos que não poderá ser vítima, pois o crime será de estupro de vulnerável. Quem também é sujeito passivo deste crime, é a pessoa que não oferece resistência, por qualquer motivo. Caso o agente empregue fraude para praticar ato sexual com menor de quatorze anos, responderá pelo crime mais grave que é o de estupro de vulnerável. (Art. 217-A).

2.4. ELEMENTO SUBJETIVO: ADEQUAÇÃO TÍPICA

O elemento subjetivo do delito violação sexual mediante fraude, é o dolo baseado na vontade consciente do agente em ter conjunção carnal com a vítima, ou a praticar outro ato libidinoso diverso da conjunção carnal, ou de permitir que com ela se pratique, com emprego de fraude ou outro meio que a impeça ou dificulte a sua livre manifestação de vontade. Salienta-se que o dolo somente se configura com a presença da consciência e da vontade simultaneamente. Faltando o dolo não há que se falar em crime, pois não há previsão da modalidade culposa.

2.5 CONSUMAÇÃO

O crime consuma-se no momento em que ocorre a conjunção carnal, com a introdução do pênis na vagina da vítima, ainda que parcialmente, independentemente se o agente teve sua lascívia satisfeita, isto significa que não é necessário que a conjunção carnal tenha sido completa quando o agente pratica ato libidinoso diverso da conjunção carnal.

2.6 TENTATIVA

A tentativa é possível quando o sujeito emprega a fraude, porém não tem êxito na realização do ato libidinoso por qualquer razão alheia à sua vontade, como, por exemplo, o agente consegue induzir a vítima em erro, em razão da fraude que ele empregou, mas não consegue ou é impedido a praticar o ato libidinoso. Em outras palavras, a execução é fracionada e por isso pode ocorrer a sua interrupção, a exemplo, na situação em que a vítima se dá conta de que foi enganada antes que o ato seja praticado.

2.7 CAUSAS DE AUMENTO DA PENA.

Aplicam- se ao crime de violação sexual mediante fraude as causas de aumento de pena dos arts.226 e 234-A do Código Penal que prevê a majoração da pena pela metade nas hipóteses em que o agente se trata de ascendente, padrasto, irmão e cônjuge da vítima.

2.8 QUANTO AS CLASSIFICAÇÕES

Trata-se de crime comum, não exigindo qualidade especial do sujeito ativo; material, exige-se o resultado naturalístico; de forma vinculada, pois necessita-se que seja praticado com o emprego de fraude ou outro meio similar; comissivo, implica uma ação do agente; instantâneo, cujo resultado não se protrai no tempo; de dano, consuma-se somente quando há efetiva lesão ao bem jurídico tutelado; unissubjetivo, isto é, pode ser praticado por um só sujeito; plurissubsistente, isto é, composto por uma pluralidade de atos além de ser admitida tentativa.

2.9 AÇÃO PENAL

Com o advento da Lei n. 13.718/18, a ação penal pública que na legislação anterior era condicionada à representação da vítima, exceto nos casos em que a vítima fosse menor de dezoito anos, passou a ser incondicionada, isto significa que, o estado não precisa mais da autorização da vítima para investigar o crime.

2.10 VIOLAÇÃO MEDIANTE FRAUDE X ESTUPRO DE VULNERÁVEL

Em algumas situações o crime de violação sexual mediante fraude equipara-se ao crime de estupro de vulnerável é o que prevê o parágrafo §1° do art.217 que traz a seguinte redação – “que por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência “, ou seja, se algo reduza totalmente a capacidade de discernimento da vítima este crime será de estupro de vulnerável na forma equiparada. Isto porque o crime de estupro de vulnerável abarca o sujeito passivo que não tem o necessário discernimento para a prática do ato, em razão de doença mental, enfermidade ou qualquer outro motivo que impeça essa pessoa a ter o conhecimento da situação fática ou a possibilidade de oferecer resistência.

Importa mencionar que a distinção entre os tipos penais mencionados se dá em razão da capacidade de resistência da vítima, assim esta tiver condições de consentir ou resistir, o crime será de violação mediante fraude. Contudo se a capacidade de resistência da vítima for nula, o crime será de estupro de vulnerável.


3. IMPORTUNAÇÃO SEXUAL

3.1 CONSIDERAÇÕES.

Em resposta ao clamor social após um caso em que um indivíduo que costumava adentrar em ônibus do transporte público em São Paulo/SP, e pratica masturbação até ejacular no rosto de mulheres que estavam nos assentos do ônibus distraídas. Apesar de ser preso por diversas vezes, sua conduta foi desclassificada para a mera contravenção penal. Após um longo caminho de discussões sobre a tipificação a qual se enquadrava essa conduta que a Lei n.13.718/18 de 24 de setembro de 2018, revogou formalmente o art.61 da lei de contravenções penais que trazia como preceito secundário somente a pena de multa, passando a tutelar essa conduta com um novo tipo no Código Penal, que considera como crime a importunação sexual, previsto no art. 215-A.

A conduta descrita é a seguinte:

“Art.215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”.

A pena prevista é de “reclusão, de 1 a 5 anos, se o ato não constitui crime mais grave”.

Praticar é o mesmo que fazer, executar. A conduta tipificada é praticar ato libidinoso, contra alguém sem a sua permissão. Há a exigência que esse ato libidinoso tenha sido realizado sem a anuência da vítima. O dissenso ou o consentimento da vítima é o elemento primordial para a tipificação ou o afastamento da tipicidade da conduta. Se a vítima consente na prática do ato libidinoso, não há que se falar em crime. No caso concreto, se não estiver presente a discordância da vítima impossibilita a configuração concreta do fato típico.

Vale ressaltar que a subsidiariedade do crime de “Importunação sexual”, é expressa, pois em seu preceito secundário consta que somente é aplicável “ se o ato não constitui crime mais grave”. Como exemplo, o caso em que o agente emprega violência, este responderá pelo crime previsto no art.213(estupro) do Código Penal.

3.2 BEM JURÍDICO TUTELADO

O bem jurídico protegido no crime de importunação sexual é a dignidade sexual da vítima em sentido amplo e em em sentido específico é a liberdade sexual da pessoa, ou seja, o direito de escolher quando, de que forma e com quem irá praticar atos de cunho sexual.

3.3 SUJEITO ATIVO E PASSIVO

Como no estupro, qualquer pessoa poderá cometer esse crime assim como como qualquer pessoa poderá sofrer. As exceções são as mesmas previstas no crime de estupro, que são, as vítimas menores de quatorze anos ou portadora de alguma enfermidade, doença que reduza a sua capacidade de discernimento ou aquelas pessoas que por qualquer outro motivo não possua capacidade de discernimento para a prática do ato, casos em que estaremos tratando do crime de estupro de vulnerável.

3.4 CONDUTA CRIMINOSA

A conduta criminosa corresponde a pratica do ato libidinoso de surpresa e sem o consentimento contra uma pessoa. É exigido que seja praticado o ato libidinoso, isto é um ato que tem como objetivo primordial a satisfação da lascívia. Contudo, a ausência de consentimento da vítima é indispensável para a configuração do crime. Com isso, caso o sujeito tenha permitido, o fato de permitir se considerará excludente de ilicitude.

3.5 ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIAL

Diz respeito ao dolo geral somado ao dolo específico, ou seja, a intenção que o agente tem de praticar o ato libidinoso com a finalidade especial de “satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”. Na ausência do dolo específico (satisfação da própria lascívia ou de terceiro), não se configurará p crime de importunação sexual, um exemplo seria a situação em que o agente por vingança pelo fato dele não ter feito a limpeza do apartamento, ejaculasse em seu colega de república.

3.6 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

O crime consuma-se quando o agente com a intenção de satisfazer sua lascívia ou de terceiros, pratica o ato libidinoso, mas por alguma razão não consegue essa satisfação. No que tange a tentativa esta é possível, pelo crime de importunação mediante fraude se tratar de delito composto por uma pluralidade de atos, isto é, plurissubsistente.

3.7 QUANTO AS CLASSIFICAÇÕES

Trata-se de crime comum, visto que, não há exigência de qualidade especial do sujeito ativo; doloso- não há previsão de conduta na forma culposa; formal-pois não exige satisfação da lascívia; plurissubsistente- é admitida a tentativa; instantâneo- consuma-se em determinado momento, definido no tempo e por último é um delito de forma livre, podendo ser realizado de qualquer modo.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

3.8 AÇÃO PENAL.

A ação penal no delito, ora estudado, é de natureza pública incondicionada. Significa que o estado poderá investigar esse delito mesmo sem que a vítima tenha autorizado.


4. ASSÉDIO SEXUAL

O crime de assédio sexual está previsto no artigo 216-A do Código Penal:

Que dispõe que:

Art.216-A. Constranger alguém com intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.

A pena prevista é de “detenção, de 1 a 2 anos”.

Parágrafo único.

§2° A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 anos.

4.1 CONSIDERAÇÕES

O núcleo do tipo penal é constranger alguém, com intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual. Logo, observa-se como requisito para a execução deste delito, o fim especial de obter vantagem ou favorecimento sexual. O verbo constranger na opinião de alguns doutrinadores, a exemplo Rogério Sanches corresponderá a insistência inoportuna e não coagir ou obrigar como ocorre no crime de estupro. A vítima não será forçada a praticar o ato.

Em relação a superioridade hierárquica e a ascendência o autor Guilherme de Souza Nucci traz a seguinte distinção: a superioridade hierárquica abrange relação laboral, tanto no âmbito do Direito público quanto na iniciativa privada diferentemente da ascendência que está relacionada a reverência. Em que pese, o assédio sexual possua a exigência de uma ação laboral, este poderá ser praticado em qualquer local.

4.2 BEM JURÍDICO TUTELADO

Protege-se a liberdade sexual do homem e da mulher no sentido específico e a dignidade sexual no sentido amplo, esta corresponde ao respeito que cada indivíduo tem em exercer atividade sexual, honradamente.

4.3 SUJEITOS DO CRIME

Sujeito ativo exige uma qualidade especifica do sujeito ativo, abrange homens e mulheres em relações hetero ou homossexuais. Mas há necessidade que o agente seja superior hierárquico ou exerça ascendência sobre a vítima. Igualmente, exige-se qualidade especial do sujeito passivo, assim poderá ser qualquer pessoa, homem ou mulher, desde que se encontre na condição de subordinado ou subalterno. A inexistência de “vínculo de subordinação” entre a vítima e o sujeito ativo afasta a tipicidade da conduta.

4.4 ELEMENTO SUBJETIVO

Só há crime, se o sujeito agir com intenção (dolo) de obter vantagem ou favorecimento sexual, isto significa que o “constrangimento” deve ter como finalidade especial a obtenção de favores sexuais (conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso). Embora, esta finalidade não precisa ser atingida para o crime consumar-se.

4.5 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

A consumação ocorre no momento em que há o mero constrangimento com a intenção de obter vantagem. Assim sendo mesmo que não se chegue “as vias de fatos “, isto é, independentemente da obtenção da vantagem ou favorecimento sexual visados pelo agente. A tentativa é possível quando o constrangimento for feito por escrito, vídeo ou qualquer outro meio similar, e é interceptado por terceiro, antes mesmo da vítima tomar conhecimento.

4.6 CAUSAS DE AUMENTO DA PENA

Conforme o previsto no §2° do art.216-A, a pena será aumentada de um terço se a vítima é menor de dezoito anos. Esse dispositivo foi inserido no Código Penal através da Lei n.12.015/09. Além disso, aplicam-se ao crime de assédio sexual as causas de aumento da pena do art.226, com exceção do que prevê o inciso II, pois sua aplicação constituiria bis in idem.

4.7 QUANTO AS CLASSIFICAÇÕES.

Trata-se de crime próprio, pois o tipo penal exige qualidade especial do sujeito ativo; comissivo - não há possibilidade de o agente praticar o assédio por meio da omissão; formal - não se exige o resultado naturalístico está classificação defendida pela maioria da doutrina; doloso- não há previsão de modalidade culposa; instantâneo – a consumação não se protrai no tempo; unissubjetivo- pode ser cometido por uma única pessoa; plurissubsistente- a conduta pode ser fracionada.

4.8 AÇÃO PENAL

Nos termos do art.225 do Código Penal, a natureza da ação penal, é pública condicionada à representação, com exceção dos casos em que a vítima é menor de dezoito anos, hipótese em que a ação será pública incondicionada. Portanto, a regra é que o Estado necessitará da autorização da vítima para investigar este crime.

Sobre a autora
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Texto elaborado sob orientação da Professora Taiana Levinne Carneiro Cordeiro

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos