Síntese dogmática:
O objetivo desta tese é sustentar a possibilidade de expandir a divulgação do trabalho ministerial na seara de arquivamentos de procedimentos administrativos e inquéritos civis, não a limitando aos meios tradicionais de publicidade. Partiu-se do pressuposto que, se ampliados os canais de comunicação com o público, o princípio constitucional da publicidade será implementado com mais eficiência. Considerou-se ainda que, embora prevista genericamente a publicidade dos arquivamentos de inquéritos civis nas leis orgânicas dos Ministérios Públicos, em regimentos dos Conselhos Superiores ou em atos específicos de Procuradores-gerais do Ministério Público, em muitos Estados não está devidamente disciplinada. Considerando que poderão os Conselhos Superiores do Ministério Público , ao disciplinarem o procedimento do inquérito civil e dos procedimentos administrativos preparatórios, preverem normas de mais efetiva publicidade, sustenta-se a conveniência de comunicação do arquivamento e outras formas de finalização do expediente investigatório aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário locais, bem como a clubes de serviços, sem prejuízo de afixação no átrio da Promotoria de Justiça e do Escritório Regional do Ministério Público. A inspiração dogmática adveio de consulta bibliográfica, especialmente às obras de Hugo Nigro Mazzilli e Geisa de Assis Rodrigues, bem como em práticas adotadas em comarcas da Bahia e que encontraram boa receptividade da comunidade a que foram dirigidas.
Fundamentação:
A doutrina, seguida pelos Regimentos de Conselhos Superiores do Ministério Público, recomendam a publicidade do inquérito civil, inclusive em sua fase de arquivamento, tendo como suficiente a realizada através dos Diários Oficiais e publicações dos Centros de Apoio Operacionais.
A proposta desta tese é de ampliação dos canais de divulgação das decisões do Parquet, na área de direitos transindividuais, para que seu conteúdo alcance o maior número possível de interessados, não se limitando ou contentando apenas com a publicidade meramente formal.
Cabe lembrar que, por fonte constitucional, a publicidade passou a ser princípio regedor da Administração Pública.
O inquérito civil, como procedimento estatal, de natureza oficial [01], está sujeito ao princípio da publicidade. Somente por exceção é que deve ser imposto sigilo às investigações, justificado pela conveniência da própria investigação, por motivo de interesse público, ou em razão do respeito à imagem ou à privacidade das pessoas envolvidas [02]
Segundo Geisa Rodrigues [03], a publicidade das investigações é fundamental para que o Ministério Público preste contas à comunidade a respeito do cumprimento de sua missão institucional, bem como para tornar mais eficaz a tutela dos direitos transindividuais
A Lei nº 7.347/85 dispõe, em seu artigo 9º, §3º, que a análise da promoção de arquivamento pelo Conselho Superior do Ministério Público é objeto de seu poder regimental.
Art. 9º , §3º, A promoção de arquivamento será submetida a exame e deliberação do Conselho Superior do Ministério Público, conforme dispuser seu Regimento.
Nessa matéria, segundo Hugo Nigro Mazzilli [04], o regimento do Conselho Superior tem caráter de complementaridade e assume nível hierárquico superior ao da própria lei orgânica estadual de cada Ministério Público , ou ao de atos regulamentares emanados de outros órgãos ministeriais, como o Colégio de Procuradores de Justiça ou a Procuradoria-geral de Justiça.
Como o Conselho Superior do Ministério Público da Bahia ainda não disciplinou a tramitação do inquérito civil, analisou-se como a matéria está regida em outros estados.
Em São Paulo, por exemplo, verificou-se que se entende satisfeita a publicidade pela publicação no Diário Oficial ou nos boletins dos Centros de Apoio Operacional.
De fato, o Ministério Público do Estado de São Paulo, através do Ato nº 19/94, de 25 de fevereiro de 1994, ao consolidar as normas que regulamentavam o inquérito civil no âmbito naquele estado, previu dispositivos específicos a respeito da publicidade na tramitação, que deveria ser iniciada, inclusive, desde a portaria de instauração do inquérito civil e estendida à promoção de arquivamento, do ajuizamento da ação civil pública e de outras medidas.
Para tanto, os Promotores de Justiça deveriam encaminhar aos Centros de Apoio Operacional da área respectiva, até o dia 5(cinco) de cada mês, cópia de representações, de peças informativas relevantes não referentes a inquéritos civis, das portarias de instauração de inquéritos civis, das promoções de arquivamento, das petições iniciais de ações civis públicas, com indicação do número que tomou o processo e a Vara a que foi distribuído, e das medidas adotadas (art.20).
Ao aprovar o novo Manual de Atuação Funcional dos Promotores de Justiça do Estado de São Paulo, através do Ato nº 168/98, dispositivo semelhante foi elaborado, no Capítulo IV, que trata do Arquivamento do Procedimento Investigatório:
Artigo 372 – Remeter ao Centro de Apoio Operacional Respectivo, até o dia 5 (cinco) de cada mês, cópias das decisões de arquivamento de inquéritos civis, dos procedimentos preparatórios e dos compromissos de ajustamento relativos ao mês anterior.
No Rio de Janeiro, a Resolução do Gabinete do Procurador-Geral de Justiça nº 1066, de 16 de agosto de 2002, regulamentou o inquérito civil público no âmbito do Ministério Público daquele Estado e previu mecanismos de publicidade desde a instauração do expediente. Em seu artigo 15, parágrafo único, previu a publicação das portarias por afixação no átrio das Promotorias ou Procuradorias de Justiça :
Art.15. Parágrafo único. As portarias de instauração de Inquéritos Civis deverão ser afixadas em quadro próprio no local onde estiver sediado o órgão de execução do Ministério Público, pelo prazo de 15 dias.
Quanto aos demais atos, previu sua publicação na imprensa oficial.
Art. 16. Deverão ser publicados na imprensa oficial os seguintes atos:
I – o extrato da portaria que determinar a instauração do Inquérito Civil ou seu desarquivamento;
II – resumo da decisão que indeferir pedido de instauração de Inquérito Civil;
III – resumo da decisão que homologar ou não acolher a promoção de arquivamento do Inquérito Civil e do procedimento preparatório;
IV – qualquer outro ato que, a critério do Promotor de Justiça, a plena publicidade seja justificadamente relevante e necessária.
Na Bahia, a Lei Complementar nº 11/96, em seu artigo 73, inciso VI, faculta ao órgão de execução do Ministério Público , no exercício de suas funções, a publicidade dos procedimentos administrativos não disciplinares que instaurar e das medidas adotadas.
Nos estados analisados, uma das normas foi a de que o interessado fosse cientificado do arquivamento do expediente. Com efeito, se o inquérito civil se iniciou por representação, quando de seu desfecho deve ser cientificado o autor daquele, assegurando-se publicidade ao ato de arquivamento. [05]
A respeito, a Resolução nº 1066 do Gabinete do Procurador Geral do Estado do Rio de Janeiro, em seu artigo 16, previu formas específicas de obter a ciência do representante.
Art.16, § 1º. Nos casos previstos nesta Resolução, a ciência ao representante deverá ser efetuada através de notificação pelo correio com o respectivo aviso de recebimento.§ 2º. Frustrada a notificação pessoal, proceder-se-á na forma prevista no caput deste artigo.
Igualmente o Estado de Minas Gerais, através de súmula do Conselho Superior do Ministério Público, a seguir transcrita, prevê a ciência ao interessado:
ENUNCIADO DE SÚMULA CSMP Nº 13, DE 12 DE AGOSTO DE 1999¹
Inquérito Civil – arquivamento. Ao propor o arquivamento de Inquérito Civil ou das peças de informação, o Promotor de Justiça deverá dar ciência de sua decisão à parte interessada, antes da remessa dos autos ao Conselho Superior do Ministério Público.
Geisa Rodrigues [06] também concorda com a ciência a dada aos participantes do inquérito civil por meio de ofícios ou até de participação no ato da celebração de termos de ajustamento de conduta. Só que não coloca esse conhecimento como publicidade. Diz a autora:
Consideramos como publicidade a divulgação em órgão de notícia oficial ou através dos meios de comunicação. A ciência dada aos participantes do inquérito civil público ou do Procedimento Administrativo por meio de ofícios ou até de participação no ato da celebração, que ocorreu na maior parte dos casos investigados, não foi reputada como publicidade devido ao seu âmbito muito restrito, não sendo suficiente para desempenhar a função de promover o conhecimento de todos os eventuais interessados no deslinde da demanda envolvendo direito transindividual.
No que se refere à promoção de arquivamento do inquérito civil, a publicidade, mais do que a finalidade genérica de comunicar aos interessados o seu desfecho, tem um objetivo específico. Segundo José Luiz Mônaco da Silva [07], com apoio em Hugo Nigro Mazzilli, a publicação tem por finalidade possibilitar que as associações possam oferecer razões e juntar documentos perante o Conselho Superior do Ministério Público, para ver bem examinado o arquivamento do inquérito civil promovido pelo órgão ministerial.
Para que as associações (e qualquer outro interessado) possam exercer tal direito, mister que o Conselho, na forma regimental, faça "publicar na imprensa oficial os dados necessários e fixar prazo adequado para manifestação de eventuais associações interessadas, facultando-se-lhes vista dos autos, ressalvados os casos de sigilo legal.
A respeito da publicação da promoção do arquivamento, dispôs o Conselho Superior do Ministério Público de São Paulo, no artigo 211 de seu Regimento Interno, in verbis:
Art. 211. De imediato, o Secretário fará publicar na imprensa oficial o aviso da existência da promoção do arquivamento, para que associação legitimada ou quem tenha legítimo interesse apresente, querendo, no prazo de 10 (dez dias), razões escritas ou documentos, que serão juntados aos autos.
No entanto, nesta tese, questiona-se o efeito ou alcance dessa publicação, sabidamente ficta. Atinge apenas formalmente o seu objetivo, pois a comunidade, de um modo geral, não fica sabendo do trabalho desempenhado pelo agente ministerial, seja para aceitá-lo, seja para criticá-lo. Tampouco as associações e outros co-legitimados compartilham desse ato administrativo, o que reduz o número de recursos interpostos perante o Conselho Superior do Ministério Público.
A atuação das associações e demais co-legitimados ao exercício da ação civil pública já é nitidamente reduzida frente à atuação do Ministério Público. Hugo Nigro Mazzilli [08] é categórico ao afirmar que "nesses anos todos de vigência dos novos diplomas legais (referindo-se às Leis nº 7.347/85, 7.853/89, 7.913/89, 8.069/90 e 8.078/90), das inúmeras ações movidas, praticamente o foram por iniciativa ministerial.". No mesmo sentido, Antonio Augusto Mello de Camargo Ferraz [09] estima que quase 90% (noventa por cento) das ações sejam de autoria do Parquet.
Quando este, então, sustenta ser caso de arquivamento, poderiam tais entidades prosseguir com o caso ou até recorrer perante o Conselho Superior do Ministério Público, já que sua legitimidade ativa para a ação civil pública é concorrente e disjuntiva. Com a atual sistemática da publicidade, pode ser dada perfeitamente a justificativa de que sequer sabiam da apuração que estava sendo realizada pelo Parquet, quanto mais de seu arquivamento.
O arquivamento, em si, pode contentar a comunidade, porque pode ter sido resolvida a questão no âmago do Procedimento Administrativo ou do inquérito civil e, por esta razão, ter sido arquivado o expediente. Arquivamento não é sinônimo de inação do Ministério Público ou de seu desinteresse pela causa. Pode até representar a solução de forma mais célere do que através de uma ação judicial. Por isto, a divulgação do trabalho do Ministério Público deve ser repensada.
Primeiro, pela publicação única em Diário Oficial, em que não são fornecidos maiores dados do expediente que está sendo arquivado. No Estado da Bahia, por exemplo, dá-se o número do procedimento, a comarca e o nome da parte, comunicando que houve a homologação pelo Conselho Superior do Ministério Público. Em publicação anterior, divulgou-se que foi requerido o arquivamento. Tais dados são insuficientes para o conhecimento da questão por quem não a está acompanhando.
Segundo, embora fonte oficial, sabe-se que o Diário Oficial não é consultado por toda a população. A publicidade é atingida formalmente, mas fica comprometida no cenário real. Isto diminui a transparência e o acompanhamento social dos atos desse agente político, que é o agente ministerial.
Cabe ressaltar ser presunção legal que a publicidade oficial alcance a todos, dotando-os de conhecimento sobre os atos do Ministério Público. Por esta razão, sustenta Geisa Rodrigues [10] a necessidade de implementar o direito à informação através da ampliação da publicidade, pois a informação é fundamental para a democracia, assim como para a tutela dos direitos transindividuais.
Nos casos em que a deliberação pública pode exercer uma influência decisiva sobre a vida de todos, o direito à informação não estará garantido plenamente pela publicidade em diários oficiais. Toda a rede de informação social deve veiculá-la. Essa rede compreende os meios tradicionais de comunicação social, como os jornais de grande circulação, o rádio e a televisão, e meios mais recentes, como a internet, a grande rede mundial de informações.
Salienta Geisa Rodrigues [11] que as instituições técnico-políticas, à evidência, têm sua conformação determinada pelo legislador, em geral, o constituinte, estando legitimadas para o exercício de suas funções. Destaca, no entanto que este exercício deve ocorrer, cada vez mais, sob o influxo do princípio jurídico da democracia. No mesmo sentido sustenta Lucas Randolph [12]:
Uma sociedade se sentirá muito mais democrática se as ações levadas a cabo por funcionários públicos parecerem ter sido realizadas por inspiração da própria sociedade e em seu benefício, sendo conseqüentemente aceitas pelo povo, de alguma maneira, como de sua autoria.
Sustenta-se, destarte, a necessidade de criar mecanismos de publicidade mais próximos da comunidade, partindo-se de experiência adotada na Bahia, desde 1997, a partir da aplicação do artigo 76, inciso VI, da Lei Complementar nº 11/96, já referido.
Trata-se da ampliação da publicidade na comarca em que o Promotor de Justiça atua, com o fornecimento de mais dados sobre o caso e procurando atingir maior público que o eventualmente atingido pelo Diário Oficial. Isto será feito através da afixação de comunicados de arquivamento no átrio do Fórum, da Promotoria e do Escritório Regional, além de remessa à Prefeitura, Fórum e a Câmara de Vereadores, solicitando igual afixação. Nesse comunicado, o Promotor divulga todos os arquivamentos que efetuou e indica a possibilidade de recurso junto ao Conselho Superior do Ministério Público. Declina o número do expediente, seu objeto, o motivo do arquivamento, podendo apontar o nome das partes.
O caso fica mais próximo da comunidade. Pode ser divulgado através do mecanismo de mala-direta, bem como na internet, para aquelas Promotorias que mantêm site, ainda que se argumente que somente parcela da população é usuária dos meios de informática. [13]
São medidas simples que não requerem gastos excessivos. Permitem que o comunicado seja feito caso a caso, nas comarcas de menor movimento forense. Ou de forma mensal, nas comarcas de movimento forense mais intenso.
A sugestão dessa forma de publicidade foi levada ao Conselho Superior do Ministério Público da Bahia, que a adotou, ampliando-a, para que os comunicados fossem encaminhados até para os Clubes de Serviço, conforme publicado no Diário Oficial do Estado nº 17.859, de 20 de dezembro de 2001.
Resolução nº 0389
O Egrégio Conselho Superior do Ministério Público do Estado da Bahia, reunido em sessão ordinária, realizada no dia 04 de dezembro do corrente ano, ao apreciar o Processo nº 2700010072213, oriundo da 5ª Promotoria de Justiça de Barreiras, relativo a sugestão de uniformização do Procedimento de Publicidade no Inquérito Civil, seja na fase inicial com a instauração mediante portaria, seja na fase final com a conclusão pelo arquivamento ou pelo prosseguimento com ação civil pública pertinente,
RESOLVEU
À unanimidade, acompanhando o voto do Exmº. Sr. Dr. Procurador de Justiça Relator, acolher a sugestão no sentido de que fosse recomendado ao Procurador Geral de Justiça a expedição de ato próprio, conforme disposto no artigo 15, inciso XIII, da Lei Complementar nº 11/96, contendo normas abrangentes para observância de publicidade na forma indicada, com divulgação em todos os prédios públicos e clubes de serviços.
Gabinete do Procurador Geral de Justiça, dezembro, 17, 2001.
Em seu voto, sustentou o emitente Relator, Dr. Achiles de Jesus Siquara Filho, o seguinte:
Em primeiro lugar, há de ter-se em conta que nem todas as Promotorias de Justiça possuem igual estrutura capaz de atender uma mesma recomendação, uma vez que apresentam, também, peculiaridades diferentes, devendo realçar que, não raro, a atividade ministerial, quando da abertura do inquérito civil, extrapola os lindes de uma única Comarca, o que impõe seja traçada norma de caráter geral, a fim de evitar-se excessiva preocupação formalística.
Deve-se acentuar, contudo, que há de ter-se presente um mecanismo de publicidade – uniforme – visando resguardar, sobremaneira, o interesse público.
Apesar dessa Resolução, ainda é aguardada a expedição do ato ou a implantação de mecanismos de publicidade mais efetiva no Estado.
Assim como a obra doutrinária de Geisa Rodrigues menciona a publicidade e destaca sua importância,, Luis Roberto Proença [14] também prescreve a publicidade do inquérito civil, embora sustente que pode ser mitigada durante as investigações. Esse sigilo, contudo, não pode persistir, segundo o autor, após a conclusão das investigações, sob pena de tornar-se um procedimento secreto, repudiado pela ordem constitucional.
Referido autor sustenta a necessidade de adaptação da publicidade em relação ao inquérito civil, nos seguintes termos:
Devido a estas peculiaridades da aplicação do princípio constitucional da publicidade a este instrumento de investigação é que se afirma haver uma mitigação do princípio, devendo ele ser adaptado aos fins sociais almejados pela instituição do inquérito civil em nosso ordenamento, realizada também por ordem constitucional. [15]
Igualmente Hugo Nigro Mazzilli [16] é enfático:
Concluídas as investigações, exige-se a publicidade total a tudo o que foi apurado no inquérito civil, exceto, novamente, se for caso de sigilo legal ou de conveniência social, como quando, ainda pendente o ajuizamento de ação cautelar com pedido liminar, da publicidade possa resultar dano ao interesse público. Feitas essas ressalvas, no mais deve-se assegurar publicidade quando do ajuizamento da ação civil pública ou quando do arquivamento do inquérito civil, até mesmo porque, neste último caso, podem os interessados arrazoar perante o Conselho Superior do Ministério Público, visando a obter a reforma do ato de arquivamento. (grifos não originais).
Pode-se argumentar com a falta de hierarquia entre o Ministério Público e a Câmara de Vereadores. Se existente, justificaria que o Promotor de Justiça desse "satisfação" de suas atividades aos edis. Mas não se trata disso. Quer se queira ou não, representam a comunidade. Não podendo atingir a todos os moradores da cidade, a publicidade irá atingir, pelo menos, aqueles que os representam. Deve ser ressaltado que o ofício do Promotor de Justiça, encaminhando o comunicado, é lido no pequeno expediente da Câmara, antes de sua afixação no mural. Como as sessões são acompanhadas por populares, o alcance da medida é muito maior do que se contentar com a publicação única no Diário Oficial. Por vezes as sessões da Câmara de Vereadores são transmitidas por rádios locais, alcançando, ainda mais, a divulgação do arquivamento.
Quanto à questão do sigilo e da privacidade do indivíduo, há mecanismos de sua preservação, mesmo com a ampliação a publicidade, bastando divulgar no comunicado o fato, sem revelar o nome do investigado, se a apuração não foi concludente.
Hugo Nigro Mazzilli sustenta que todo o cidadão e as associações civis legitimadas têm legítimo interesse em saber o objeto e o andamento das ações. Quanto ao nome e privacidade das pessoas, recomenda serem coibidas as exposições indevidas de sua pessoa ou das investigações sobre elas. [17]
Igualmente adverte Geisa Rodrigues [18]:
O princípio da publicidade se aplica ao inquérito civil com as ressalvas ordinárias, ou seja, não podem ser divulgadas as informações cujo sigilo deva ser mantido para proteger o interesse público e o direito à intimidade e à vida privada das pessoas. (...) O Ministério Público deve ter muita parcimônia com o manejo dos dados que detém em função do exercício de suas atribuições, podendo o integrante que inobservou intencionalmente esse direito ser pessoalmente responsabilizado pelos danos causados.
O sistema de comunicado pode ser estendido para outras situações, como para divulgar o aforamento de uma ação civil pública, para que os interessados se habilitem, querendo, como litisconsortes. Ou a realização de termo de ajustamento de conduta.
Neste, há duas sistemáticas. Há agentes ministeriais que arquivam de imediato o inquérito civil, obtido o termo de ajustamento de conduta, remetendo-o ao Conselho Superior do Ministério Público para homologação. Outros esperam o cumprimento do título executivo para depois arquivar o inquérito civil.
Em qualquer dos casos, não há óbice que se comunique à população sobre a realização do termo de ajustamento de conduta. Ao contrário, "é preciso impor mecanismos de participação daqueles que serão afetados e a obrigação de transparência dos atos ou procedimentos administrativos relacionados a tais acordos" [19].
O Professor Paulo Cezar Pinheiro Carneiro [20] vai além, sustentando a necessidade de divulgação específica de sentenças favoráveis obtidas em ações coletivas, cuja execução deva ser individual. Segundo ele, de nada vale um provimento jurisdicional favorável às vítimas de uma determinada ofensa se as mesmas não se podem beneficiar dessa decisão ante a absoluta falta de conhecimento da existência do julgado positivo.
Por fim, vem ganhando corpo a idéia ora sustentada de ampliação dos canais de contato com o público para o efeito de divulgação do trabalho ministerial e acompanhamento até sistemático dos resultados conseguidos. Segundo divulgado no site [21]do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, integrando o projeto "Ministério Público de Portas abertas", no dia quinze de agosto de 2003 será realizada uma visitação pública ao Edifício-sede da instituição. Na oportunidade, será inaugurado o novo Terminal de Informações ao Público, criado para permitir acesso fácil e desburocratizado às informações sobre processos em tramitação e sobre o próprio funcionamento do Parquet do Distrito Federal e Territórios.
Conclusões:
1.Tendo os Conselhos Superiores o poder regimental sobre o reexame dos arquivamentos de inquérito civil, podem disciplinar sua forma de publicidade.
2.Sem prejuízo da publicidade formal do Diário Oficial, a publicidade do arquivamento do inquérito civil pode e deve ser feita na comarca, com mecanismos simples, como a remessa de comunicado aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário locais, para clubes de serviço e afixação no átrio da Promotoria de Justiça e dos Escritórios Regionais.
3.Devem ser criados outros canais de contato com o público para o efeito de divulgação do trabalho ministerial e acompanhamento dos resultados obtidos.
Notas
01
PROENÇA, Luis Roberto. Inquérito Civil. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 39.02
MAZZILLI, Hugo Nigro. O inquérito Civil:investigações do Ministério Público, compromissos de ajustamento de conduta e audiências públicas. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 17903
RODRIGUES, Geisa de Assis. Ação Civil Pública e Termo de Ajustamento de Conduta. Rio de Janeiro : Forense, 2002, p. 8804
MAZZILLI, Hugo Nigro, obra citada, p. 241.05
MAZZILLI, Hugo Nigro. Inquérito Civil : investigações do Ministério Público, compromissos de ajustamento de conduta e audiências públicas. São Paulo:Saraiva, 1999, p. 24006
RODRIGUES, Geisa de Assis. Ação Civil Pública e Termo de Ajustamento de Conduta. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 277.07
SILVA, José Luiz Mônaco da. Inquérito Civil – doutrina, legislação, modelos. São Paulo : EDIPRO, 2000, p. 114.08
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 4ª ed., 1992, p. 132.09
FERRAZ, Antonio Augusto Mello de Camargo. Apud Rodolfo de Camargo Mancuso, Ação Civil Pública. São Paulo:Editora Revista dos Tribunais. 8ª ed. 2002. p. 10910
RODRIGUES, Geisa de Assis. Ação Civil Pública e Termo de Ajustamento de Conduta. Rio de Janeiro: Forense,2002, p. 31.11
Idem, Idem, p. 27.12
LUCAS, Randolph. Apud Geisa de Assis Rodrigues, obra citada, p. 27.13
RODRIGUES, Geisa de Assis. Ação Civil Pública e Termo de Ajustamento de Conduta. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 42 e 198.14
PROENÇA, Luis Roberto. Inquérito Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 4015
Idem, idem.16
MAZZILLI, Hugo Nigro. Inquérito Civil : investigações do Ministério Público, compromissos de ajustamento de conduta e audiências públicas. São Paulo : Saraiva, 1999 p. 182.17
MAZZILLI, Hugo Nigro. Inquérito Civil : investigações do Ministério Público, compromissos de ajustamento de conduta e audiências públicas. São Paulo : Saraiva, 1999. p. 19018
RODRIGUES, Geisa de Assis. Ação Civil Pública e Termo de Ajustamento de Conduta. Rio de Janeiro: Forense, 2002 p. 88.19
LIMA, André apud Geisa de Assis Rodrigues. Obra citada, p. 139.20
CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Apud Geisa de Assis Rodrigues. Ação Civil Pública e Termo de Ajustamento de Conduta. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 4221
http.www.mpdft.gov.br, acesso em 29 de julho de 2003.