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Ocorrência policial: legítima defesa e a doutrina da resposta não convencional

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11/01/2021 às 22:03
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LEGITIMA DEFESA Vs. RESPOSTA NÃO CONVECIONAL

Humberto Wendling, na obra Policiais – Coletânea, no artigo “O desconhecimento que mata a legítima defesa” discorre de forma clara e objetiva, como a morte de um policial é tratada pela população e pelo próprio Estado.

Sempre que um criminoso mata um policial, o assunto é tratado como algo natural, tendo em vista que seu trabalho é perigoso, e o policial sabia disso desde o princípio, mas assim mesmo, assumiu o risco. Com esse raciocínio, o criminoso fez seu papel e cometeu o crime; o policial cumpriu o seu dever, enfrentou o perigo em benefício do inocente e morreu

(WENDLING, OLIVEIRA, Humberto Wendling Simões de. p.255)

Como explanado, em um confronto armado, a neutralização de uma ameaça, esteja ela na posse de uma arma ou não, exige abordagem multidisciplinar, e não puramente jurídica, com a simples “subsunção do fato à norma”, a análise do fato deve considerar os fatores que influenciam o comportamento dos envolvidos, e principalmente, ter em mente que os agentes da lei que atuam no caso, como seres humanos, também têm medos e receios de perder sua vida, embora atuem, aceitem o risco e estão dispostos, a enfrentar situações altamente perigosas.

A aplicação dos dispositivos legais sob uma ótica estritamente jurídica e acadêmica, sem considerar os aspectos fáticos e operacionais essenciais para a solução da ocorrência, coloca em risco a vida e integridade física dos envolvidos (vítima, agressor e policiais), além de gerar insegurança aos agentes da lei.

Diante da impossibilidade de prever o resultado legal de sua ação, policiais narram que, durante os momentos que antecedem a tomada de decisão, seus pensamentos são invadidos por ideias de que serão punidos com processos penais, administrativos, afastamentos da atividade policial entre outros, o que os faz hesitar e, esta hesitação, poderá lhe custar a vida.

Entendemos que a aplicação da doutrina da resposta não convencional por policiais, não afasta a excludente de ilicitude, legítima defesa, própria ou de terceiro, conforme dispõe o art. 25. do Código Penal “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”, e deve ser reconhecida pelo Poder judiciário.

São requisitos, cumulativos, para o reconhecimento da legítima defesa, que agente tenha atuado contra: a) uma agressão injusta; b) atual ou iminente; c) para defender direito próprio ou alheio; e, d) usando moderadamente dos meios necessários.

A doutrina policial em estudo é aplicada por policiais nos casos em que, resistindo aos comandos policiais, um indivíduo, armado ou não, passa a representar uma ameaça ao policial ou a terceiros (avança sobre o policial ou terceiro, porta objeto que pode causar lesões, como facas, pedaços de madeira, arma de fogo, etc.).

A visualização presença dos três primeiros requisitos, não é de difícil constatação. No entanto, a doutrina da resposta não convencional fica no limite do quarto requisito “uso moderado dos meios necessários”, e vem justamente para, com o auxílio de disciplinas extrajurídicas, impedir interpretações subjetivas, buscando apresentar uma solução objetiva e com fundamento científico, para a atuação policial.

O Professor, e Promotor de Justiça, Rogério Sanches Cunha, explica o que deve, juridicamente, ser entendido como “uso moderado dos meios necessários”:

“Para repelir a injusta agressão (ataque), deve o agredido usar de forma moderada o meio necessário que servirá na sua defesa (contra-ataque).

Entende-se como necessário o meio menos lesivo à disposição do agredido no momento da agressão, porém capaz de repelir o ataque com eficiência.

Encontrado o meio necessário, deve ser ele utilizado de forma moderada, sem excessos, o suficiente para impedir a continuidade da ofensa.”

(CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao 120). p.267/268)

O art. 23. parágrafo único do Código Penal prevê “O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo”.

Deve ser reconhecido, no entanto, que a expressão "excesso" pressupõe uma inicial situação de legalidade, seguida de um atuar extrapolando limites. O exagero, decorrendo de dolo (consciência c vontade) ou culpa (negligência), será punível”.

(CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao 120) p.276)

O Promotor de Justiça, Cleber Masson, aponta a necessidade de ser observada as circunstâncias que envolvem os fatos, não havendo uma fórmula matemática, rígida para sua aplicação.

O calor do momento da agressão, todavia, impede sejam calculados os meios necessários de forma rígida, e matemática. Seu cabimento deve ser analisado de modo flexível, e não e doses milimétricas. A escolha dos meios deve obedecer aos reclamos da situação concreta de perigo, não se podendo exigir uma proporção entre os bens em conflito.

O meio necessário, desde que seja o único disponível ao agente para repelir a agressão, pode ser desproporcional em relação a ela, se empregado moderadamente. Imagine-se um agente que, ao ser atacado com uma barra de ferro por um desconhecido, utiliza uma arma de fogo, meio de defesa que estava ao seu alcance. Estará caracterizada a excludente

(MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado: Parte Geral - Vol I. P.458)

Durante a análise do “excesso”, é o momento em que Promotores, Defensores, Juízes e, principalmente, Delegados de Polícia, devem conhecer ao menos a existência da doutrina policial (circunstâncias fáticas e operacionais), evitando julgamentos sob influência da mídia (jornais e filmes de TV), opinião pública e na opinião de “especialistas em segurança” que somente conhecem operações policiais em livros e teses acadêmicas.

Aqui, destacamos o papel importante e fundamental da análise dos fatos realizada pelo Delegado de Polícia. Trata-se de um profissional que, embora operador do direito, possui formação policial, e tem a obrigação de conhecer a doutrina policial, tendo em vista que esta lhe é ministrada durante sua formação nas Academias de Polícia.

Dessa forma, note-se que a doutrina da “Resposta Não Convencional” observa os parâmetros da legalidade, da necessidade, da proporcionalidade e da razoabilidade, pois simplesmente ensina que não há uma verdade absoluta em confrontos armados e que, por tratar-se de questão de sobrevivência, enquanto não cessar a injusta agressão, não cessará a resistência.”

(LEANDRO, Allan Antunes Marinho. p.69).

Com efeito, o conhecimento da ciência policial pelo Delegado de Polícia, em razão de os demais operadores do direito não ter o conhecimento acerca da ciência policial, pode auxiliar nas tarefas de analisar e decidir sobre os fatos, considerando as circunstâncias reais que atuam durante uma ocorrência com disparos de arma de fogo, evitando julgamentos baseados no “senso comum”, ou pior, valorados pela mídia.


CONCLUSÃO

A análise de ocorrências com disparos de arma de fogo por policiais e a interpretação da normal demanda estudo complexo envolvendo não apenas a ciência jurídica, mas também a ciência policial, que abrange uma diversidade de disciplinas.

Deve-se a fim de compreender as alterações psicológicas e fisiológicas que ocorrem nos envolvidos, conhecimentos de balística, e ciência policial de combate e disparo de arma de fogo.

Também é importante para tornar mais previsível as consequências legais da atuação policial, permitindo que suas ações sejam analisadas de forma séria e justa.

Destaca-se a importância da ciência policial para o esclarecimento do Magistrado, e a imprescindibilidade do conhecimento desta matéria pelos policiais e, principalmente, pelo Delegado de Polícia, vez que deverá relatar a investigação. Como responsável pelo indiciamento, caberá a ele conjugar de forma clara, conhecimentos jurídicos e policiais para a melhor solução do caso.

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Por fim, o conhecimento e aplicação da doutrina policial pelo Poder Judiciário, como órgão imparcial e contramajoritário, vai evitar a contaminação da opinião pública pela mídia e seus “especialistas” que, buscando muito mais o aumento da audiência que a exposição da verdade, propalam falácias tendenciosas, gerando terrível desinformação.

A doutrina policial vem para apresentar ao mundo jurídico os fundamentos científicos da atuação policial, responsável pela fiscalização e manutenção da lei.


BIBLIOGRAFIA

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CUNHA NETO, João da. Balística para Profissionais do Direito. São Paulo: Clube dos Autores, 2020.

CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao 120) – 4º Ed. rev., ampl., e atual. – Salvador: JusPODIUM, 2016.

ESCUDERO, Tiago Gonçalves. Cumprimento de Mandado de Prisão: Aspectos Jurídicos, Operacionais e Táticos. Nov. 2019. Disponível em <https://jus.com.br/artigos/78052/cumprimento-de-mandado-de-prisao-aspectos-juridicos-operacionais-e-taticos>. Acesso em: 07 de junho de 2020.

ESCUDERO, Tiago Gonçalves. Gerenciamento de Crise – A Interferência Externa na Atuação Policial. Jun. 2019. <https://jus.com.br/artigos/74386/gerenciamento-de-crise-a-interferencia-externa-na-atuacao-policial>. Acesso em: 19 de novembro de 2020.

ESCUDERO, Tiago Gonçalves. Ocorrência Policial Contra Agressor Armado com Faca: A Regra de Tueller. Jun. 2020. <https://jus.com.br/artigos/83089/ocorrencia-policial-contra-agressor-armado-com-faca-a-regra-de-tueller>. Acesso em: 20 de novembro de 2020.

LEANDRO, Allan Antunes Marinho. Armas de Fogo e Legítima Defesa: A desconstrução de oito mitos. 1º Ed - Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016.

GROSSMAN, Dave. On Combat: The Psychology and Physiology of Deadly Conflict in War and in Peace, 4º edição, Killology Research Group, LCC. E-Book.

MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado: Parte Geral – Vol. I. 11º Ed – Rio de Janeiro: Forense: São Paulo: Método, 2017.

OLIVEIRA, Humberto Wendling Simões de, Autodefesa contra o crime e a violência – Um guia para civis e policiais, Uberlândia: Edição do Autor, 2018.

OLIVEIRA, Humberto Wendling Simões de, Policiais – Coletânea, Uberlândia: Edição do Autor, 2019.

OLIVEIRA, Humberto Wendling Simões de, Sobrevivência Policial: Morrer não faz parte do plano, Uberlândia: Edição do Autor, 2018.

SOUZA, Marcos Vinicius Souza de. Abordagem Policial. Setembro 2020 <https://www.ctte.com.br/post/abordagem-policial-50.html> . Acesso em: 13 de novembro de 2020.

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FERREIRA, Fábio. O mito do Stopping Power. Disponível em: <https://www.defesa.org/o-mito-do-stopping-power/>. Acesso em 20 de novembro de 2020.


Notas

1 https://jus.com.br/artigos/78052/cumprimento-de-mandado-de-prisao-aspectos-juridicos-operacionais-e-taticos

https://jus.com.br/artigos/83089/ocorrencia-policial-contra-agressor-armado-com-faca-a-regra-de-tueller

2 BASULTO, Armando, Seven Things You Must Know Before Leave Your House With Your Gun: 10 Seconds to Fight. Disponível em: https://shielddefensetraining.com/wp-content/uploads/2014/07/7_things_you_must_know_v3.pdf . Acesso em: 29/11/2020

3 GROSSMAN, Dave. On Combat: The Psychology and Physiology of Deadly Conflict in War and in Peace.

4 https://www.youtube.com/c/PoliceActivity/

5 https://www.ctte.com.br/post/abordagem-policial-50.html

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Sobre o autor
Tiago Gonçalves Escudero

Sobre o autor: Ex-Militar da Força Aérea, onde atuou no Batalhão de Infantaria. Atuou, ainda, como advogado em São Paulo, e posteriormente como Analista (Assistente Jurídico) no Ministério Público do Estado de São Paulo, principalmente, no Grupo de Combate à Lavagem de Dinheiro e Delitos Econômicos - GEDEC. Atualmente, é Delegado de Polícia Civil no Estado de Santa Catarina.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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