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Criminologia da complexidade:

reflexões epistemológicas

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09/03/2021 às 13:35
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4 CRIMINOLOGIA CRÍTICA

Em contraposição à abordagem etiológica, Baratta (2002, p. 159) considerou que:

Quando falamos de ‘Criminologia crítica’ [...], colocamos o trabalho [...] de uma teoria materialista, ou seja, econômico-política, do desvio, dos comportamentos socialmente negativos e da criminalização; um trabalho que leva em conta instrumentos conceituais e hipóteses elaboradas no âmbito do marxismo.

A Criminologia crítica investiga os processos de representação ou de percepção sobre o fenômeno criminoso e as instituições repressivas, rejeitando qualquer explicação etiológica ou causalista sobre o criminoso e a delinquência.

Trata-se de uma Criminologia institucionalista, entendendo que o crime é um constructo social, cultural, ou estrutural, quer dizer, não é um dado ontológico natural ou médico, mas produto de uma representação da estrutura social ou contexto em que vive o delinquente que é percebido pelos outros como desviante.

Na abordagem da Criminologia crítica, “[...] a criminalidade não é uma qualidade ontológica, mas um status social atribuído através de processos (informais e formais) de definição e mecanismos (formais e informais) de reação” (BARATTA, 2002, p. 118).

A ontologia desse programa de pesquisa estuda o cotidiano e a cultura da criminalidade e da violência, contando com a ajuda fundamental da Sociologia e da Antropologia cultural. Por esse viés programático, estupro, homicídio, pedofilia, por exemplo, revelariam não a maldade da pessoa enquanto indivíduo isolado, mas do sistema econômico, social, político e cultural incorporado pelo indivíduo; transformando assim o criminoso em vítima do sistema.

Em outras palavras:

Para a Criminologia crítica o sistema positivo e a prática oficial são, antes de tudo, o objeto de seu saber. [Essa Criminologia deve] examinar de forma científica a gênese do sistema, sua estrutura, seus mecanismos de seleção, as funções que realmente exerce, seus custos econômicos e sociais e avaliar, sem preconceitos, o tipo de resposta que está em condições de dar, e que efetivamente dá, aos problemas sociais reais (BARATTA, 2002, p. 215).

A Criminologia crítica é uma ciência processualista, quer dizer, investiga a ocorrência da criminalidade levando em consideração o contexto social capitalista, bem como o processo institucional de criminalização, ou de rotulação da pessoa como tipo penal criminoso.

Na abordagem marxista proposta por Baratta (2002, p. 163):

A crítica da ideologia do direito privado consiste, pois, em reconstruir a unidade dos dois momentos, desmascarando a relação desigual sob a forma jurídica do contrato entre iguais, mostrando como o direito igual transforma-se no direito desigual. Este é o primeiro aspecto da crítica marxista do direito: o aspecto relativo ao contrato. Sob o segundo aspecto, aquele relativo à distribuição, a desigualdade substancial é vista como o acesso desigual aos meios de satisfação das necessidades. Na sociedade capitalista, o princípio da distribuição deriva, imediatamente, da lei do valor que preside à troca entre força de trabalho e salário. Também deste segundo ponto de vista, a igualdade formal dos sujeitos de direito se revela como veículo e legitimação de desigualdade substancial.

A metodologia do programa de pesquisa da Criminologia crítico-marxista utiliza o método dialético, produzindo publicações que mostram que o ideal da igualdade penal é dissonante com a realidade.

Na pesquisa empírica, é realizado trabalho de campo, pesquisa de opinião, análise do discurso e dos dados estatísticos dentro de uma abordagem interdisciplinar da sociologia criminal ligada com outras áreas do conhecimento.

Além da dialética são utilizados os métodos de abordagem conhecidos como: etnometodologia; interacionismo simbólico; e estruturalismo.

No interacionismo simbólico, a descrição dos comportamentos em relação a certas normas não se efetua de maneira automática, pois se trata de uma operação intelectual problematizadora que inclui a interdependência de indivíduos e instituições. O interacionismo simbólico e social investiga a qualidade das vivências, a circulação dos discursos, a linguagem cotidiana e a cultura, buscando conhecer as percepções e classificações que incidem na identificação dos desvios e crimes na sociedade.

A etnometodologia é uma técnica da Antropologia que descreve os acontecimentos e as vivências de cada grupo sem perder de vista a totalidade do sistema social (BARATTA, 2002, p. 87).

Finalmente, o estruturalismo parte da concepção de que as estruturas são entidades reais na sociedade e funcionam com o objetivo de controlar o comportamento dos indivíduos. Segundo Marx, a estrutura do capitalismo é desumana, e incentiva a relação de exploração do Homem pelo Homem.

Em suma: Baratta reforçou a importância do interacionismo e da etnometodologia a fim de conhecer os comportamentos mais simples até alcançar construções mais complexas que dizem respeito à totalidade social.

Segundo a explicação do autor:

Os desvios sucessivos à reação social (compreendida num primeiro momento através da incriminação e da pena aplicada pelas instituições) são fundamentalmente determinados pelos efeitos psicológicos que tal reação produz no indivíduo objeto da mesma; o comportamento desviante (e o papel social correspondente) sucessivo à reação torna-se um meio de defesa e de ataque ou de adaptação em relação aos problemas manifestos e ocultos, criados pela reação social ao primeiro desvio (BARATTA, 2002, p. 90).

O método de trabalho da Criminologia crítica na versão do autor Baratta inclui uma axiologia embasada no abolicionismo penal. Há um esforço crítico nesse tipo de abordagem em acelerar o processo de descriminalização e consequentemente em promover a extinção do sistema carcerário e do Direito Penal. “De todas as formas, a ideia reguladora de uma política criminal alternativa implica a superação do sistema penal” (BARATTA, 2002, p. 222).

Citando o filósofo Radbruch, Baratta (2002, p. 222) destacou a esse respeito que “a melhor reforma do Direito Penal não consiste em sua substituição por um Direito Penal melhor, mas sua substituição por uma coisa melhor que o direito”. Entretanto, além da concepção marxista, existe no interior da Criminologia crítica a abordagem liberal, que admite a necessidade de recompor a ordem penal por meio de novas práticas eficientes e minimalistas.

Para a Criminologia liberal, são necessários novos estímulos sociais e estatais para que o sujeito se afaste da atividade criminosa. Nessa direção, o sistema prisional deve ser revigorado, recebendo maior grau de racionalidade e eficiência. Segundo os criminalistas liberais: “as normas e os valores sociais que os indivíduos transgridem ou dos quais se desviam são universalmente compartilhados, válidos a nível intersubjetivo, racionais, e presentes em todos os indivíduos, imutáveis etc. (BARATTA, 2002, p. 87).

Baratta (2002, p. 152) afirmou que a Criminologia liberal trata a criminalidade:

Como um fenômeno social a-histórico, portanto, em linha de princípio, ineliminável. Mas se a criminalidade é um fenômeno social ineliminável, o são, também, as suas causas. A luta contra a criminalidade, por isso, não pode mais significar a luta contra as causas da criminalidade, mas somente para tornar efetivas as medidas de controle social como único meio para reduzir a amplitude da criminalidade.

Na base do programa de pesquisa da criminologia crítica organizado pelo especialista Baratta encontram-se duas teorias: a do materialismo-histórico marxista; e a do labeling approach.

A Criminologia crítica desse mesmo autor pretende construir:

Uma teoria materialista (econômico-política) do desvio, dos comportamentos socialmente negativos e da criminalização, e elaborar as linhas de uma política criminal alternativa, de uma política das classes subalternas no setor do desvio: estas são as principais tarefas que incumbem aos representantes da Criminologia crítica, que partem de um enfoque materialista e estão convencidos de que só uma análise radical dos mecanismos e das funções reais do sistema penal, na sociedade tardo-capitalista, pode permitir uma estratégia autônoma e alternativa no setor do controle social do desvio, ou seja, uma “política criminal” das classes atualmente subordinadas (BARATTA, 2002, p. 197).

A teoria marxista enfatiza que:

Na atual fase de desenvolvimento da sociedade capitalista, o interesse das classes subalternas é o ponto de vista a partir do qual se coloca uma teoria social comprometida não na conservação, mas na transformação positiva, ou seja, emancipadora, da realidade social. O interesse das classes subalternas e a força que elas são capazes de desenvolver são, de fato, o momento dinâmico material do movimento da realidade. Uma teoria da sociedade dialeticamente comprometida no sentido supradito, é uma teoria materialista (isto é, econômico-política) da realidade que encontra as suas premissas em particular, ainda que não exclusivamente, na obra de Marx e no materialismo histórico que dela parte (BARATTA, 2002, p. 158).

Aplicando a sua teoria crítico-marxista, Baratta (2002, p. 166) considerou que:

O aprofundamento da relação entre Direito Penal e desigualdade conduz, em certo sentido, a inverter os termos em que esta relação aparece na superfície do fenômeno descrito. Ou seja: não só as normas do Direito Penal se formam e se aplicam seletivamente, refletindo as relações de desigualdade existentes, mas o Direito Penal exerce, também, uma função ativa, de reprodução e de produção, com respeito às relações de desigualdade.

Baratta reconheceu que a abordagem liberal do labeling approach lançou luz sobre o fato de que o poder de criminalização e o exercício desse poder estão estreitamente ligados à estratificação e à estrutura competitiva da sociedade pluralista (BARATTA, 2002, p. 112).

De acordo com Juarez Cirino dos Santos, no prefácio da obra do autor Baratta (2002, p. 11):

A análise do labeling approach constitui um momento de grande lucidez do texto: a criminalidade não seria um dado ontológico pré-constituído, mas realidade social construída pelo sistema de justiça criminal através de definições e da reação social; o criminoso não seria um indivíduo ontologicamente diferente, mas um status social atribuído a certos sujeitos selecionados pelo sistema penal (Prefácio, 2002, p. 11).

Na perspectiva do labeling approach, Goffman afirmou que o estigma é um “rótulo social negativo” que surge no cotidiano a fim de proteger os tipos ideais de pessoas e comportamentos.

Na América dos anos de 1960, Goffman (2004, p. 109) percebeu que:   

[...] há só um tipo de homem que não tem nada do que se envergonhar: um homem jovem, casado, pai de família, branco, urbano, do Norte, heterossexual, protestante, de educação universitária, bem empregado, de bom aspecto, bom peso, boa altura e com um sucesso recente nos esportes. Todo homem americano tende a encarar o mundo sob essa perspectiva, constituindo-se isso, num certo sentido, em que se pode falar de um sistema de valores comuns na América. Qualquer homem que não consegue preencher um desses requisitos ver-se-á, provavelmente - pelo menos em alguns momentos - como indigno, incompleto e inferior; em alguns momentos, provavelmente; ele se encobrirá e em outros é possível que perceba que está sendo apologético e agressivo quanto a aspectos conhecidos de si próprio que sabe serem, provavelmente, considerados indesejáveis. Os valores de identidade gerais de uma sociedade podem não estar firmemente estabelecidos em lugar algum, e ainda assim podem projetar algo sobre os encontros que se produzem em todo lugar na vida quotidiana.

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A estigmatização desenvolve práticas violentas de rotulação e de julgamento sobre a vítima que resultam em traumas, antipatias, recalques, medos, agressividade, etc., fazendo com que as relações microssociais se tornem ainda mais conflituosas e imprevisíveis no cotidiano.

No processo social de rotulação: 

[...] acreditamos que alguém com um estigma não seja completamente humano. Com base nisso, fazemos vários tipos de discriminações, através das quais efetivamente, e muitas vezes sem pensar, reduzimos suas chances de vida: Construímos uma teoria do estigma; uma ideologia para explicar a sua inferioridade e dar conta do perigo que ela representa, racionalizando algumas vezes uma animosidade baseada em outras diferenças, tais como as de classe social. utilizamos termos específicos de estigma como aleijado, bastardo, retardado, em nosso discurso diário como fonte de metáfora e representação, de maneira característica, sem pensar no seu significado original (GOFFMAN, 2004, p. 8).

Ao praticar a estigmatização, o cidadão conservador defende no dia a dia o interesse do padrão a todo custo e de forma alienada acaba esquecendo que ele próprio pode possuir defeitos ou desvios sociais.

Curiosamente, a maioria das pessoas não consegue ser fiel ao padrão ideal colocado pela sociedade; e procurando evitar os infortúnios de sua “deficiência” na comunidade, muitas pessoas escondem as suas falhas ou defeitos físicos e diferenças perseguindo outros indivíduos que apresentem outros defeitos físicos ou comportamentais, como forma de desviar a atenção sobre o seu problema particular que também chama a atenção pela discrepância em relação ao tipo ideal de beleza ou atitude dominante.

A vítima da estigmatização manifesta diversas respostas comportamentais: de um lado, a agressividade contra a sociedade; de outro lado, a passividade ou aceitação do estigma; e no meio desses extremos, pode apresentar inúmeras reações intermediárias, disfarçadas entre o ódio e resignação social.

Segundo Goffman, o estigma destrói a saúde mental do eu, gerando pessoas emocionalmente desajustadas, inquietas, agressivas, violentas, ou acomodados. Conforme descreveu o autor dessa teoria:

Em vez de se retrair, o indivíduo estigmatizado pode tentar aproximar-se de contatos mistos com agressividade; mas isso pode provocar nos outros uma série de respostas desagradáveis. Pode-se acrescentar que a pessoa estigmatizada algumas vezes vacila entre o retraimento e a agressividade, correndo de um para a outra, tornando manifesta, assim, uma modalidade fundamental na qual a interação face-to-face pode tornar-se muito violenta. O indivíduo estigmatizado pode, também, tentar corrigir a sua condição de maneira indireta, dedicando um grande esforço individual ao domínio de áreas de atividade consideradas, geralmente, como fechadas, por motivos físicos e circunstanciais, a pessoas com o seu defeito. Isso é ilustrado pelo aleijado que aprende ou reaprende a nadar, montar, jogar tênis ou pilotar aviões, ou pelo cego que se torna perito em esquiar ou em escalar montanhas. Finalmente, a pessoa com um atributo diferencial vergonhoso pode romper com aquilo que é chamado de realidade, e tentar obstinadamente empregar uma interpretação não convencional do caráter de sua identidade social (GOFFMAN, 2004, p. 18).

Na estigmatização, os conservadores se preocupam apenas com os papéis e as imagens coletivas e não propriamente com as pessoas reais, de carne e osso. Reforçando esse fato, Goffman (2004, p. 117) explicou que:

O normal e o estigmatizado não são pessoas, e sim perspectivas que são geradas em situações sociais durante os contatos mistos, em virtude de normas não cumpridas que provavelmente atuam sobre o encontro. E já que aquilo que está envolvido são os papéis em interação e não os indivíduos concretos, não deveria causar surpresa o fato de que, em muitos casos, aquele que é estigmatizado num determinado aspecto exibe todos os preconceitos normais contra os que são estigmatizados em outro aspecto.

A estigmatização dos indivíduos que pertence a determinado segmentos raciais, religiosos ou étnicos também serve para afastá-los da competição no mercado; além disso, é utilizada para desvalorizar aquelas pessoas que têm desfigurações físicas, causando restrição na escolha de parceiros.

A recomendação política coerente com essa teoria é desmontar ou refazer os tipos ideais; educar as pessoas para aceitarem as falhas e diferenças humanas; e reforçar o pluralismo onde a diferença pessoal seja encarada como virtude da comunidade. É preciso também considerar que as normas sociais não mudam por decreto, mas através de uma nova cultura assimilada pacificamente.

Em outra obra, intitulada “Manicômios, prisões e conventos”, Goffman (1974) descreveu a origem, o funcionamento e os resultados das instituições totais, que segundo ele, se caracterizam por cuidar da vida integral da pessoa por um determinado período de internação.

Segundo Goffman, as instituições totais [que são totalitaristas devido ao excesso de totalidade institucional sobre a vida dos internos] exercem controle e planejamento através de uma elite do poder que controla a massa populacional dos internos.

O dia a dia nesse tipo de instituição será tão perverso que o próprio indivíduo deverá avaliar e julgar publicamente o desenvolvimento do seu próprio eu, reconhecendo objetivamente se o seu próprio comportamento evoluiu e se ele se tornou exemplar perante a vontade do sistema.

No presídio, a vida privada do condenado desaparece, sendo modelada uma nova identidade pública do indivíduo. A regra é obedecer às autoridades oficiais da instituição. Todo mundo deve ser submisso, e quanto mais submisso, mais exemplar se torna o encarcerado.

De acordo com a teoria do sociólogo Goffman, o eu fica desnudado; a anatomia do corpo do apenado é exposta; sua intimidade não existe mais. O prisioneiro toma banho, come, defeca, dorme, mas todos os internos têm conhecimento dessa rotina exposta coletivamente. Também as visitas de parentes são públicas e simultâneas. O tempo e o espaço da relação sexual são controlados pela instituição. O apenado perde conforto, autonomia, e liberdade de escolha.

Portanto, no presídio o eu do condenado não é mais autônomo, e sofre uma constante série de mortificações e mutilações. Goffman concluiu assim que o presídio existe para negar a existência da pessoa, massacrando o ego do condenado.

Confirmando essa opinião, os egressos entrevistados na época pelo autor dessa teoria confessaram que o tempo da cadeia foi inútil. Eles afirmaram, ainda, que não ganharam nada de bom quando estavam no presídio. O egresso se sentia angustiado, sofria impotência perante o novo mundo que não o recebeu com satisfação e por esse motivo sentia-se alijado da Modernidade. A sua linguagem pessoal ficou também viciada ao ambiente do presídio. Seu modo de raciocinar e seus conhecimentos profissionais também não contribuíram na reinserção social visto que o preconceito impossibilita o renascimento social.

Consequentemente, o ex-apenado ganha um novo rótulo: é uma criatura inútil, incapaz, derrotada, sem autoestima, sem controle do seu eu; enfim, é desatualizado e desqualificado para concorrer no mercado de trabalho e viver normalmente na sociedade moderna.

O cárcere, segundo Baratta (2002, p. 167), em sua visão marxista:

[...] representa, em suma, a ponta do iceberg que é o sistema penal burguês, o momento culminante de um processo de seleção que começa ainda antes da intervenção do sistema penal, com a discriminação social e escolar, com a intervenção dos institutos de controle do desvio de menores, da assistência social etc. O cárcere representa, geralmente, a consolidação definitiva de uma carreira criminosa. O cárcere é um instrumento de formação de uma população criminosa.

Completando sua argumentação, Baratta (2002, p. 198) ressaltou que:

As estatísticas indicam que, nos países de capitalismo avançado, a grande maioria da população carcerária é de extração proletária, em particular, de setores do sub proletariado e, portanto, das zonas sociais já socialmente marginalizadas como exército de reserva pelo sistema de produção capitalista. [...] a mesma estatística mostra que mais de 80% dos delitos perseguidos nestes países são delitos contra a propriedade. Estes delitos constituem reações individuais e não políticas às contradições típicas do sistema de distribuição da riqueza e das gratificações sociais próprias da sociedade capitalista [...].

Na praticologia do programa de pesquisa da Criminologia crítica o problema fundamental é o mito da igualdade penal. As alternativas em relação a esse problema sugerem a descriminalização progressiva associada com a extinção gradual do cárcere.

O mito da igualdade penal apresenta as seguintes características (BARATTA, 2002, p. 90):

  1. O Direito Penal protege igualmente todos os cidadãos contra ofensas aos bens essenciais, nos quais estão igualmente interessados todos os cidadãos (conforme o princípio do interesse social e do delito natural).
  2. A lei penal é igual para todos, ou seja, todos os autores de comportamentos antissociais e violadores de normas penalmente sancionadas têm iguais chances de tornar-se sujeitos, e com as mesmas consequências, do processo de criminalização (conforme o princípio da igualdade).

Contraditando o mito da igualdade penal, a Criminologia crítico-marxista procura mostrar que:

  1. O Direito Penal não defende todos e somente os bens essenciais, nos quais estão igualmente interessados todos os cidadãos, e quando pune as ofensas aos bens essenciais o faz com intensidade desigual e de modo fragmentário.
  2. A lei penal não é igual para todos, e o status de criminoso é distribuído de modo desigual entre os indivíduos.
  3. O grau efetivo de tutela e a distribuição dó status de criminoso é independente da danosidade social das ações e da gravidade das infrações à lei, no sentido de que estas não constituem a variável principal da reação criminalizante e da sua intensidade.

Nesse quadro, o uso alternativo do Direito Penal exige, na concepção do autor Baratta:

Uma análise realista e radical das funções efetivamente exercidas pelo cárcere, isto é, uma análise do gênero daquela aqui sumariamente traçada, a consciência do fracasso histórico desta instituição para os fins de controle da criminalidade e de reinserção do desviante na sociedade, do influxo não só no processo de marginalização de indivíduos isolados, mas também no esmagamento de setores marginais da classe operária, não pode deixar de levar a uma consequência radical na individualização do objetivo final da estratégia alternativa: este objetivo é a abolição da instituição carcerária. A derrubada dos muros do cárcere tem para a nova Criminologia o mesmo significado programático que a derrubada dos muros do manicômio tem para a nova psiquiatria (BARATTA, 2002, p. 203).

Baratta (2002, p. 202) propôs o “uso alternativo” do Direito Penal, sugerindo novas opções de controle social, não menos rigorosos, que podem se revelar, em muitos casos, até mais eficazes do que as regras tradicionais de combate à criminalidade.

A abolição do cárcere tem duas razões:

  1. Inutilidade do sistema prisional enquanto controlador da criminalidade e por seus claros efeitos de estigmatização e marginalização, após o desvio primário e a entrada do indivíduo em tal bastilha.
  2. E falha na reinserção do condenado em uma sociedade portadora da ideologia dominante, que se funda em estereótipos e conceitos formulados pelo senso comum, trazendo o jargão lei e ordem contra tudo e contra todos aqueles que não perfazem sua noção de igualdade, mitigada por uma consciência obscurecida a qualquer tipo de solidariedade.

Além de defender a extinção do sistema punitivo penal, Baratta afirmou que é necessário mudar a mentalidade da opinião pública. O efeito da mídia e a imagem da criminalidade transmitida pelos veículos de comunicação provocariam, segundo o mesmo autor:

Processos de indução de alarme social que, em certos momentos de crise do sistema de poder, são diretamente manipulados pelas forças políticas interessadas, no curso das assim chamadas campanhas de ‘lei e ordem’, mas que, mesmo independentemente destas campanhas, limitadas no tempo, desenvolvem uma ação permanente para a conservação do sistema de poder, obscurecendo a consciência de classe e produzindo a falsa representação de solidariedade que unifica todos os cidadãos na luta contra um ‘inimigo interno’ comum (BARATTA, 2002, p. 204).

Diante dessa realidade apontada pela Criminologia midiática, Baratta (2020, p. 205) admitiu:

Quão essencial é, para uma política criminal alternativa, a batalha cultural e ideológica para o desenvolvimento de uma consciência alternativa no campo do desvio e da criminalidade. Trata-se, também neste terreno como em tantos outros, de reverter as relações de hegemonia cultural, com um decidido trabalho de crítica ideológica, de produção científica, de informação. O resultado deve ser o de fornecer à política alternativa uma adequada base ideológica, sem a qual ela estará destinada a permanecer uma utopia de intelectuais iluministas. Para este fim é necessário promover sobre a questão criminal uma discussão de massa no seio da sociedade e da classe operária.

Duas metas devem ser alcançadas pelo pesquisador:

  1. Mostrar a distribuição desigual das etiquetas ou tipos penais.
  2. E aprofundar o conflito existente na sociedade ao invés de contemplar o discurso ideal de harmonia.

Na tentativa de minimizar o impacto do Direito Penal na sociedade, Baratta definiu a seguinte agenda de trabalho:

  1. Criminalizar e penalizar as condutas antissociais das classes dominantes.
  2. Penalizar condutas corruptas das classes políticas.
  3. Diversificar procedimentos punitivos.
  4. Desinstitucionalizar o sistema penal.
  5. E despenalizar condutas selecionadas para penalização.

Em geral, a Criminologia crítica procura deixar claro que existe uma:

[...] necessária distinção programática entre política penal e política criminal, entendendo-se a primeira como uma resposta à questão criminal circunscrita ao âmbito do exercício da função punitiva do Estado (lei penal e sua aplicação, execução da pena e das medidas de segurança), e entendendo-se a segunda, em sentido amplo, como política de transformação social e institucional. Uma política criminal alternativa é a que escolhe decididamente esta segunda estratégia, extraindo todas as consequências da consciência, cada vez mais clara, dos limites do instrumento penal. Entre todos os instrumentos de política criminal o Direito Penal é, em última análise, o mais inadequado (BARATTA, 2002, p. 201).

Por último, o programa de pesquisa da Criminologia crítica focaliza um contexto marcado pela estrutura sócioeconômica desigual onde se desenvolve a problemática empírica e teórica da criminalidade.

Baratta explicou que:

Só descendo do nível fenomênico da superfície das relações sociais, ao nível da sua lógica material, é possível uma interpretação contextual e orgânica de ambos os aspectos da questão. Mas isto ultrapassa os limites das teorias de médio alcance, e implica um deslocamento do ponto de partida para a interpretação do fenômeno criminal, do próprio fenômeno para a estrutura social, historicamente determinada, em que aquele se insere (BARATTA, 2002, p. 99).

Antecedendo o debate das medidas educativas e de reinserção social, a Criminologia crítica deve realizar um exame radical do sistema de valores e dos modelos de comportamento presentes na sociedade em que se pretende reinserir o preso. O exame sociológico deve levar à conclusão de que a verdadeira reeducação precisa começar pela sociedade, e não pelo condenado; ou seja, antes de pretender modificar a pessoa do criminoso é preciso transformar a estrutura capitalista da sociedade, que é criminógena, atacando-se, portanto, a raiz da exclusão.

Fundamentando o seu ponto de vista revolucionário, Baratta fez a seguinte advertência:

Nós sabemos que substituir o Direito Penal por qualquer coisa melhor somente poderá acontecer quando substituirmos a nossa sociedade por uma sociedade melhor, mas não devemos perder de vista que uma política criminal alternativa e a luta ideológica e cultural que a acompanha devem desenvolver-se com vistas à transição para uma sociedade que não tenha necessidade do Direito Penal burguês, e devem realizar, no entanto, na fase de transição, todas as conquistas possíveis para a reapropriação, por parte da sociedade, de um poder alienado, para o desenvolvimento de formas alternativas de autogestão da sociedade, também no campo do controle do desvio (BARATTA, 2002, p. 207).

 As características gerais da criminologia crítica são as seguintes (Open University: Introduction to critical criminology, 2019):

  1. A ação humana é voluntarística (em diferentes graus), ao invés de ser determinada (em algumas formulações, as ações são voluntárias em determinados contextos);
  2. A ordem social é pluralista ou conflituosa, ao invés de ser consensual;
  3. Algumas teorias críticas baseiam-se na análise marxista e partem da premissa de que políticas econômicas capitalistas reforçam a miséria;
  4. As estratégias de criminalização são estratégias de controle de classe, raça e gênero que são conscientemente usadas para despolitizar a resistência política e controlar economicamente bairros e grupos politicamente marginalizados;
  5. O pânico moral sobre o crime é manipulado pelos grupos dominantes com a função de desviar a atenção sobre os conflitos estruturais inerentes;
  6. As categorias jurídicas que afirmam ser neutras em termos de raça-gênero favorecem direta ou indiretamente os homens brancos;
  7. A agenda criminológica deve ser expandida para incluir os danos sociais ignorados ou subestimados no discurso dominante, envolvendo gênero, racialização, violência, pobreza, guerra, crimes dos poderosos, crime ambiental, crime de estado, violência pública e crimes contra a humanidade.

Entende-se na Criminologia Marxista que os crimes cometidos pelo proletariado são delitos compreensíveis ou aceitáveis em alguns casos pois representam estratégias de sobrevivênca ou de resistência à dominação da classe dominante burguesa.

Estranhamente, uma característica essencial da Criminologia crítico-marxista é sua abordagem etiológica que descreve o Capitalismo como causa dos crimes tanto praticado pelos pobres necessitados como pelos ricos ambiciosos (AKERS & SELLERS, 2013). 

Os marxistas acreditam que “o Capitalismo torna os homens mais individualistas e mais propensos à prática do crime”. Os militantes avaliam que o Capitalismo é um “sistema virado para a obtenção do lucro e a competição, [é] propício ao exacerbamento do egoísmo, e [é] hostil ao florescimento dos sentimentos de altruísmo e solidariedade” (DIAS & ANDRADE,1997, p. 27).

Infelizmente, a Criminologia Marxista aplicada nos países capitalistas não criticou a Criminologia Marxista em vigor na União Soviética, nos anos de 1970, na mesma época em que começou a fazer sucesso na América Latina. Se tivesse criticado provavelmente colocaria em xeque os seus dogmas, uma vez que os mesmos horrores cometidos no sistema da justiça criminal do capitalismo aconteciam no socialismo.

De fato, nos países capitalistas, marxistas e simpatizantes ideológicos fizeram a Criminologia Crítica prosperar desde os anos de 1970; porém, nos países socialistas esse modo de produção do conhecimento desenvolveu uma trajetória intelectual oposta, ou seja, anticrítica. 

Sobre esse fato, Dias & Andrade (1997, p. 25) mostraram que, na evolução da criminologia soviética, existem três períodos:

  1. Entre 1917-1930, houve um período de liberdade de investigação com espaço aberto aos não marxistas, florescendo diversos pontos de vista, interdisciplinaridade e posicionamentos críticos em relação às experiências científicas dos países capitalistas, além de surgirem vários Institutos de pesquisa criminal.
  2. Entre 1930-1956, época do estalinismo, houve um silenciamento quase total da Criminologia. As ciências criminais viveram num período de monarquia do direito criminal, como instrumento de terror ao serviço de eliminação dos inimigos de classe, da industrialização e da coletivização. A Criminologia assumiu feição lombrosiana e logo depois foi perdendo seu caráter sociológico para ser uma área presa ao Direito Criminal.
  3. A partir de 1956, depois um Congresso do Partido Comunista, ressurgiu a Criminologia como ciência fundamental na elaboração de políticas criminais, e nesse sentido foram escutadas as vozes oficiais e as reclamações dos juristas; foram pesquisadas as causas do crime e o problema da reincidência; e foram propostas novas medidas preventivas. Emergiu uma Criminologia utilitarista. Nessa nova fase houve reconhecimento de que os crimes que existiam no contexto socialista representavam resquícios do sistema capitalista: “a conclusão é, pois, a de que é fora de uma tal sociedade que se encontra a explicação. Fora de seu tempo, por um lado: do que se trata é resíduos, subsistentes na consciência dos cidadãos socialistas, do modelo de comportamento capitalista. Fora do seu espaço, por outro lado, como influência da propaganda (o imperialismo) dos países capitalistas, divulgando os seus falsos valores e contribuindo para a difícil erradicação dos resíduos capitalistas”. Diante dessa avaliação, resultou uma Criminologia etiológica, lombrosiana, biopositivista, propondo medidas preventivas, terapêuticas e penais que fossem eficazes para acabar com a influência do Capitalismo ainda residual na cultura soviética.

A Criminologia Marxista a partir dos anos de 1970, na versão do italiano Baratta, foi progressivamente utilizada por pesquisadores ocidentais inconformados com o sistema dominante, sobretudo nos países latino-americanos. Impressionou a Criminologia desse autor pois além de criticar o Positivismo e o Liberalismo, criticou também o próprio Marxismo.

Sobre a Criminologia Positivista, Baratta realizou os seguintes procedimentos críticos:

Em primeiro lugar, abandonou o idealismo positivista da ordem e progresso; e introduziu o idealismo socialista defendo o ideal de uma sociedade pós-capitalista.

De acordo com Baratta (2002, p. 207), a vitória do sistema socialista resultaria na superação do Direito Penal burguês; entretanto, advertiu que:

[...] substituir o Direito Penal por qualquer coisa melhor somente poderá acontecer quando substituirmos a nossa sociedade por uma sociedade melhor, mas não devemos perder de vista que uma política criminal alternativa e a luta ideológica e cultural que a acompanha devem desenvolver-se com vistas à transição para uma sociedade que não tenha necessidade do Direito Penal burguês, e devem realizar, no entanto, na fase de transição, todas as conquistas possíveis para a reapropriação, por parte da sociedade, de um poder alienado, para o desenvolvimento de formas alternativas de autogestão da sociedade, também no campo do desvio.

O idealismo de esquerda do autor postulou que:

Em uma sociedade livre e igualitária; e é longo o desenvolvimento que leva a ela; não só se substitui uma gestão autoritária por uma gestão social do controle do desvio, mas é o próprio conceito de desvio que perde, progressivamente, a sua conotação estigmatizante, e recupera funções e significados mais diferenciados e não exclusivamente negativos (BARATTA, 2002, p. 207).

No idealismo de esquerda do autor:

A sociedade igualitária é aquela que deixa o máximo de liberdade à expressão do diverso, porque a diversidade é precisamente o que é garantido pela igualdade, isto é, a expressão mais ampla da individualidade de cada homem, portanto, que consente a maior contribuição criativa e crítica de cada homem à edificação e à riqueza comum de uma sociedade de  “livres produtores”, na qual os homens nã0 são disciplinados como portadores de papéis, mas respeitados como portadores de capacidades e de necessidades positivas. [...] Marx expressou a definitiva superação do direito desigual, em uma sociedade de iguais, em uma fórmula que queremos relembrar aqui: “de cada um segundo as suas capacidades, a cada um segundo as suas necessidades” (BARATTA, 2002, p. 208).

Em segundo lugar, Baratta foi radicalmente contra o procedimento etiológico-positivista, mas não deixou de usar a etiologia marxista considerando o Capitalismo como causa distante dos crimes; enquanto as causas próximas seriam geralmente os estigmas e a distribuição desigual do poder criminal, político e econômico na sociedade. 

Em terceiro lugar, Baratta rejeitou o estereótipo de que os desviantes e criminosos seriam criaturas anormais e antissociais. Entretanto, produziu outra imagem, romântica na visão dos adversários, a do criminoso portador de um germe social revolucionário que o militante de esquerda poderia cultivar, nesse caso, desalienando a sua rotulação penal a partir de um intenso trabalho de crítica racional sobre o sistema ideológico-criminal e a estrutura capitalista.

Em outro momento Baratta fez novas adaptações críticas em cima do Liberalismo.

Em primeiro lugar, reconheceu que a Criminologia Liberal fez revolução teórica no século XVIII, contrapondo-se ao Positivismo e autoritarismo, e depois a partir de 1930 fez outra revolução teórica com a Escola de Chicago.

Segundo palavras do próprio autor (BARATTA, 2020, p. 153):

A ideologia substitutiva construída pelas teorias liberais contemporâneas da criminalidade é uma ideologia complexa, que supera os pressupostos éticos e metafísicos que ainda se aninham na ideologia penal da defesa social (princípio do bem e do mal, princípio de culpabilidade etc.) para pôr o controle social do desvio na típica plataforma tecnocrática, reformista e eficientista que caracteriza a mediação política das contradições sociais nos sistemas de máxima concentração capitalista.

Apesar desse reconhecimento histórico, Baratta enfatizou que a Criminologia Liberal não é capaz de iluminar a raiz da criminalidade. Em sua avaliação ideológica, as teorias liberais apresentam por natureza uma crítica rasante sobre a realidade capitalista. 

Em segundo lugar, Baratta fez um processo de releitura materialista do legado liberal. Nesse sentido, observou as situações conflitivas do cotidiano e o processo de criminalização como duas consequências das relações sociais inerentes ao modo de produção capitalista. 

Em terceiro lugar, Baratta inferiorizou a Criminologia Liberal, rotulando-a de ciência idealista, visto que ela acredita no ideal de uma sociedade justa, fraterna, democrática, humana e equilibrada, mantendo as desigualdades econômicas.

Em quarto lugar, Baratta exaltou os instrumentos conceituais e hipóteses teóricas de Marx & Engels. Entretanto, ressaltou que a utilização do marxismo deve ser feita de maneira livre do dogmatismo. Para ele, o marxismo é um edifício teórico aberto, e que como qualquer outro, pode e deve ser continuamente controlado mediante a experiência e o confronto crítico; e sem preconceitos com os argumentos e os resultados provenientes de outros enfoques teóricos.

Em quinto lugar, Baratta afirmou que não basta só criticar a realidade; é preciso operacionalizar mudanças culturais, ficando evidente assim o realismo de esquerda da Criminologia.

No nível descritivo, Baratta reconheceu que existem muitos resultados significativos no âmbito da sociologia liberal contemporânea. Entretanto, por meio do marxismo cultural, diferentemente, a análise criminológica será impelida a um nível mais profundo de reflexão com o objetivo de compreender a função histórica do sistema penal.

A intenção da Criminologia marxista é superar o nível da visibilidade sociológica da desigualdade (a esfera da distribuição dos bens positivos ou negativos), para segundo palavras do próprio autor, penetrar na lógica objetiva da desigualdade entre classes que reside invisivelmente na estrutura das relações sociais de produção. Portanto, a Criminologia deve ser descritiva, reflexiva e propositiva [mas será também etiológica, embora esse detalhe fique mascarado pelo autor e pelos adeptos da Criminologia Marxista!].

Em sexto lugar, Baratta desenvolveu o realismo de esquerda, apontando estratégias pedagógicas; propondo meios alternativos à política institucional dominante; e incentivando a opinião pública a rever os estereótipos criminais, além das definições, teorias e práticas penais correntes na sociedade contemporânea.

Semelhantemente ao que pensam os marxistas gramscianos, considerou o criminalista Baratta que a opinião pública é vulnerável à ideologia burguesa, experimentando vícios e valores alienantes que legitimam o sistema penal, e perpetuam no dia a dia o mito da igualdade penal e da defesa social.

Segundo Baratta, é na opinião pública que se desenvolvem processos de projeção da culpa e do mal e também se realizam as funções simbólicas da pena, analisadas pelas teorias psicanalíticas da sociedade punitiva. Nessa perspectiva, a intenção é reverter as relações de hegemonia cultural através da crítica ideológica, envolvendo racionalidade teórica e educação libertadora.

O resultado da pesquisa crítica deve produzir uma política alternativa de solução de conflitos, confrontando a dogmática penal vigente. Nesse processo, é necessário promover um debate libertador em massa, especialmente com a participação da classe operária (BARATTA, p. 204, 205).

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Sobre o autor
Heraldo Elias Montarroyos

Professor de Criminologia; associado 4, da FADIR - UNIFESSPA

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONTARROYOS, Heraldo Elias. Criminologia da complexidade:: reflexões epistemológicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6460, 9 mar. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/88040. Acesso em: 19 abr. 2024.

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