Artigo Destaque dos editores

Alexis de Tocqueville.

Liberdade e igualdade na democracia da América

Exibindo página 1 de 2
Leia nesta página:

Observamos o caráter inovador de Tocqueville enquanto estudioso dos fatos políticos que se faziam presentes na América e no mundo quase dois séculos atrás.

Resumo: No presente texto, que se baseia, principalmente, nas obras de Alexis de Tocqueville e no contexto histórico no qual o autor se insere, buscamos identificar a essência de seu pensamento, transportando-o para o tema mais importante de sua visão teórica: a democracia. Tema esse que o autor estuda de forma prática nos Estados Unidos, realizando comparações com seu país: a França, e outros como a Inglaterra e os da América do Sul. Diante desse difícil tema, conseguimos identificar, no entanto, dentro do pensamento político filosófico do autor, o que parece ser a causa fundamental do problema democrático, qual seja, a conciliação entre a igualdade e a liberdade, uma vez que a forma como uma solução se aplica a uma, instaura, posteriormente, na base da outra, buscando, assim, manter um equilíbrio. Desse modo, examinamos o tema e procuramos, pelo enorme leque de conteúdo que o autor nos dá, a resposta para como a igualdade e a liberdade podem ser exploradas no contexto democrático, levando em consideração seus vícios e suas virtudes.

Palavras-chave: Alexis de Tocqueville. Democracia. Igualdade. Liberdade.


INTRODUÇÃO

Alexis de Tocqueville nasce em 29 de julho de 1805, em Paris, na França, onde, também, conquista sua licenciatura em direito no ano de 1826. Nesse sentido, o filósofo político se situa em um período pouco posterior ao fim da Revolução Francesa, período esse, aliás, fortemente marcado pela vontade acentuada de mudança na estrutura política e social do povo. Um povo, ademais, que, guiado pelos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, ainda veio a sofrer para de fato concretizar esses valores na política do país, pois, mesmo depois da revolução, ainda teve como líder o imperador Napoleão Bonaparte, e depois, acreditando ter superado a monarquia de vez, e instalado a república, recebeu um golpe do sobrinho de Napoleão: Luís Napoleão Bonaparte.

Apesar de a França não possuir resultado imediato em relação a instalação da democracia em sua plena forma ou pelo menos de modo estável, ela conseguiu inspirar diversos outros países com seus ideais contrários à monarquia, à nobreza e à interferência canônica na política. Dentre eles, o mais promissor foi alvo de interesse de Tocqueville, que via os resultados do vento da revolução soprando nos países esclarecidos e insatisfeitos com o absolutismo: Os Estados Unidos da América. Esse país, ou melhor, esse conjunto de Estados autônomos que, após a conquista de sua independência na Batalha de Yorktown, recebe da Inglaterra o reconhecimento de sua força.

Com o subterfúgio de ir até os Estados Unidos para estudar seu sistema prisional, no ano de 1831, Tocqueville faz a viagem que lhe dá material mais do que suficiente para produzir a sua maior obra e uma das maiores obras político-filosóficas do mundo: A Democracia na América, transformando seu objetivo inicial em um acessório de sua viagem.

Dessa forma, em sua estadia de 9 meses nos Estados Unidos, Tocqueville conseguiu visitar a maior parte dos Estados que ali se formavam e adquirir um conhecimento histórico formidável do povo americano, como também, de suas políticas internas, na verificação de suas leis; e de sua cultura, na observação das tendências comportamentais dos cidadãos. Para isso, o autor realiza, também, comparações entre as sociedades democráticas que se formavam nos Estados Unidos a de outros países, como na Inglaterra e na França, buscando, por conseguinte, instruir de forma articulada, a influência positiva ou negativa que algumas civilizações trouxeram para com as características que hoje se dão na então intitulada democracia americana.

Desde a sua chegada, Tocqueville se impressionou com o modo como a população americana era engajada na política, o que lhe fez identificar uma certa soberania popular no país. Ao contrário do que ocorria em sua nação (França), a política, nos EUA, era mais prática do que teórica. No entanto, por influência do pensamento de Jean-Jacques Rousseau, e também das constatações históricas, Tocqueville identificou que essa soberania poderia conter vícios, ou vir a formá-los. O que lhe motivou a procurar criticar a democracia, como ele bem diz em sua obra: não por odiá-la, mas por respeitá-la, pois, se não he é contrária, deve lhe ser sincera e identificar suas falhas, tendo em mente a fortificação de suas bases, uma vez que, solucionadas consideravelmente todas as mazelas e todos os seus vícios, vivenciaria, assim, por elementos que só os americanos conseguiram instaurar notoriamente, a real aplicação da democracia.

Com isso, a respeito da igualdade, Tocqueville, a considerando o grande objetivo da democracia, fez grandes estudos sobre a sua influência e consequências na vida democrática, trazendo, desse modo, de forma estrutural, características que propiciam o império despótico de poucos, que governam muitos igualmente desgraçados, ou tirânico, da maioria contra minorias, o primeiro, como consequência da igualdade, se manifesta pela desconsideração de direitos políticos sociais; o segundo, como consequência natural da democracia, se forma quando as minorias não possuem garantias sobre seus direitos políticos.

E se, de certa forma, foram necessárias diversas revoluções ao longo dos séculos na busca dessa igualdade, veremos que, do mesmo modo, ela tende a brotar novamente nos Estados Unidos, mas dessa vez com os outros povos que habitam o local, senão o povo europeu: os negros e os índios. Ou seja, Tocqueville demonstra que a busca pela igualdade sempre afetará quem está por baixo, e essa luta pode levar a consequências catastróficas, mas esperadas.

Além disso, na ideia de liberdade, o autor demonstra certa prudência ao considerar a pretensão de liberdade dos antigos diferente da pretensão de liberdade dos modernos, pois, além de épocas distantes, seus contextos são extremamente diferentes, em imediato plano, pelo fato de a democracia dos antigos ser passível de participação conjunta, onde todos possuem ampla participação na vida política, e portanto, seus desejos se confundem com os sociais, por estarem mais próximos em objetivos e meios. Já a liberdade moderna traz consigo uma gama de preceitos individualistas, pois, diante de sociedades cada vez maiores, encontrar homogeneidade se torna uma tarefa imensamente difícil. Desse modo, o autor considera a questão dos direitos como fundamentais na formação de uma noção de liberdade subjetiva. O que, de certa forma, se torna, também, uma garantia contra o abuso de poder.

E, desse modo, uma de suas maiores preocupações em relação a democracia, se volta para a questão da conciliação entre a igualdade e a liberdade, pretendendo evitar, por assim, um retrocesso aos modelos monárquicos e aristocráticos que possuíam base e ainda um pouco de força em seu país de origem, onde a igualdade se dividia em hierarquia e a liberdade se limitava a poucos. E, por consequência, o autor procura uma nova aplicação, mais segura, tendo o conhecimento de seus vícios, da igualdade e da liberdade dentro da democracia. Realizando, para isso, comparações históricas entre o que foi, como se sucedeu e o que pode vir a ser na sociedade.


DEMOCRACIA

Na França, antes de sua mais importante revolução, o modelo social que predominava era a aristocracia, composta pelos entes do topo da pirâmide francesa, conjuntamente com o clero, parte da igreja que, decerto, contribuiu na formação de um corpo social mais restrito, com pouca ou nenhuma liberdade social. Logo, para exemplificar, temos duas das camadas mais distantes hierarquicamente: os nobreza e servos. É possível analisar que se evidenciava ali um corpo social minoritário mais abastado e uma maioria serva e carente de recursos.

Num sistema absolutista, as nuances e dificuldades do povo ou quaisquer que sejam as propostas que enfoque na aplicação da igualdade, são completamente desrespeitadas e encobertas pela falsa proposta de melhoria, propostas essas que, na realidade, estão seguindo eminentes caminhos de escravidão e desigualdades. Logo, a historicidade faz parte da mais relevante construção intelectual, haja vista ser necessário analisar parâmetros anteriores e realizar comparativos para que, com isso, falhas sejam corrigidas e os acertos reiterados. Nesse contexto, Tocqueville, no debate acerca da melhoria do sistema de convívio supracitado, buscou indagar, quais seriam e quais poderiam ser os meios e as regiões que, de forma parcial ou total, melhor aplicariam o sentido mais concreto de democracia.

É imediato considerar que, com a revolução francesa, o mundo viveu um certo abalo nas bases monárquicas e aristocráticas que vinham predominando na forma de governo e sociedade nos mais diversos países. Esses que, passaram, por sua vez, a enxergar uma nova oportunidade de busca da tão sonhada igualdade e liberdade na vida prática. Não diferente, os Estados Unidos, munidos pela força transformadora e inspiradora da revolução, desejam a liberdade, e pela diferença que sentiam de seu povo em relação aos ingleses, lutam pela conquista de sua independência, o que se torna um motor para a fomentação da democracia.

Nos Estados Unidos, não houve reinado e nem aristocracia, pois era colônia e não possuía escassez de terras. O que se torna um fator crucial para a formação dos modelos democráticos idealizados na França. Além disso, o grande diferencial dos norte-americanos para os outros países se deve a sua cultura religiosa puritana, bem como ao catolicismo e ao imenso esclarecimento da população, principalmente as situadas na Nova Inglaterra.

Por ter conquistado sua independência por suas próprias forças, ademais, os americanos conseguiram criar a noção de responsabilidade civil na imensa maioria dos cidadãos dos Estados, pois, acreditavam que o que estava se formando derivava de seus esforços e trabalhos. Essa responsabilidade se tornou de suma importância para a construção de novas leis e para a atribuição de direitos de modo igual, além da criação de uma enorme vontade política, pois os rumos do Estado, bem como sua independência, dependiam e decorreram da ação de todos.

A democracia nasce, dessa forma, nos Estados Unidos, por meio de uma ampla contribuição popular na sua formação e na sua estrutura. Não dependendo de líderes supremos, pois não concordavam que depois de se tornarem livres deveriam se sujeitar ao ímpeto de um líder soberano, tendo conhecimento de suas consequências negativas na Europa. E não dependendo de líderes religiosos no poder, pois sabiam limitar seu campo de atuação para a moral. Ou seja, de um povo esclarecido, uma democracia esclarecida e resistente aos vícios se inicia na América.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Da soberania do povo e a sua participação na política

Uma das mais importantes características da sociedade norte americana reside no seu poder. Ao se deparar com o país, Tocqueville, de início, nos chamou a atenção para como o povo era ativo na vida política, e com essa atividade, por conseguinte, identificamos no povo americano a razão de ser de toda a lei existente no país.

Se manifestam avidamente, também, se utilizando do aparato do voto universal, que, segundo Tocqueville, todos os Estados haviam aderido para elegeram seus representantes e reivindicarem suas necessidades mais importantes. No entanto, pode-se dizer que o voto é um meio pontual, dentre as mais diversas maneiras de manutenção do poder democrático, e que consegue, por si, expressar a vontade social. Como bem ressalta o autor:

Na América, o povo nomeia aquele que faz a lei e aquele que a executa; ele mesmo constitui o júri que pune as infrações à lei. Não apenas as instituições são democráticas em seu princípio, mas também em todos os seus desdobramentos. Assim, o povo nomeia diretamente seus representantes e os escolhe em geral todos os anos, a fim de mantê-los mais ou menos em sua dependência. É, pois, realmente o povo que dirige e, muito embora a forma do governo seja representativa, é evidente que as opiniões, os preconceitos, os interesses, até as paixões do povo não podem encontrar obstáculos duradouros que os impeçam de produzir-se na direção cotidiana da sociedade. (Tocqueville, 2005, p.197)

Como bem ressalta o autor, por mais que a população americana não detivesse, em sua totalidade, aparatos científicos sobre o Direito ou sobre uma política legislativa, nada a impedia de participar na criação das leis que iriam guiar o seu país, como também, não encontram limites para a sua manifestação de vontade perante seus representantes, sendo esses, desse modo, aplicadores da vontade social, e não apenas seus líderes. Todas as decisões que fossem contrárias ao interesse do povo, irão, por consequência, carecer de legitimidade e potencialmente a própria sociedade iria derrubar o representante de seu cargo.

Nos Estados Unidos, como em todos os países em que o povo reina, é a maioria que governa em nome do povo. Essa maioria se compõe principalmente dos cidadãos pacatos que, seja por gosto, seja por interesse, desejam sinceramente o bem do país. Em tomo deles agitam-se sem cessar os partidos, que procuram atraí-los em seu seio e fazer deles um apoio. (Tocqueville, 2005, p.197)

Assim, para Tocqueville, os partidos políticos possuem grande influência na soberania popular, não ficando a população à mercê de seus interesses, mas simpatizando com suas causas mais universais. Como é o caso da grande dicotomia entre o partido Republicano e o partido Democrata, que até hoje se fazem notórios. Inicialmente, nos lembra o autor: a causa dos partidos se mostravam diante da questão de limitar o poder do povo ou aumentá-lo.

No entanto, nos indica, existem duas classes, em qualquer nação, que possuem pretensões de meios contrárias: a rica e a pobre. Verifica-se que, diante de um líder representante da população pobre, e ele mesmo pobre, seu interesse será de gastar as finanças públicas sem medo que isso lhe afete, pois enxerga nisso um ato de utilidade. Já uma pessoa rica, ao chegar no poder, trabalha com cautela, pondera os seus ganhos e as suas perdas e toma decisões com medo de que seus bens sejam atingidos.

Associa, desse modo, Tocqueville, o rico ao aristocrata, que aparenta não se gabar de suas riquezas, mas que, em um momento de crise, logo se mostrará contrário a massa pobre. O autor não nos diz que sempre, nos partidos, encontraremos tendências ou objetivos democráticos ou aristocráticos, nos diz, do contrário, que sem que se perceba, o próprio partido pode estar carregando traços da aristocracia, o que se torna um perigo se não bem limitado.

Todavia, para Tocqueville, não existiam, em sua época, partidos que ameaçassem a democracia norte americana, pois a opinião pública se encontrava fracionada e o interesse dos partidos possuíam apenas base material, como a disputa perene entre o sul cultivador e o norte manufatureiro a respeito da liberdade de comércio.

Desse modo, o partido político não representa uma contrariedade aos interesses sociais democráticos, mas sim a causas materiais, que podem variar com as circunstâncias. E, por conseguinte, nos é verificado, novamente, a importância da população no exercício habitual de sua soberania nos Estados Unidos e na própria eleição dos partidos e a sua livre criação. Pois, como diz Tocqueville, na América o povo é deus do seu próprio destino.

Do Espírito público nos Estados Unidos

Para Tocqueville, os homens possuem um amor instintivo pela pátria em que nasce, um amor que não possui razões lógicas, mas que, com o tempo, acaba por se identificar com as características do país, sua história, seu povo e suas conquistas e crises. Para ele, desse modo, esse amor seria como uma religião, onde não existe razão, apenas crença e sentimento. Sendo possível que esse amor à pátria se identifique, depois, com uma conquista de um líder, confundindo o patriotismo com um ato de poder que, no entanto, após sua conquista, rapidamente desaparece.

Não obstante, ele enxerga um outro tipo de amor, dessa vez um amor racional à pátria, no entanto, mais duradouro. Esse patriotismo racional decorreria, por assim, da relação entre o cidadão e a lei, na interação entre vontades e direitos que se confundem e que, desse modo, acontece quando o cidadão está em acordo com o interesse do país e está satisfeito com suas leis, pois elas contribuem para o seu bem estar. Essa pessoa, acreditando ser bom desejar, desse modo, a prosperidade do país, realiza suas funções políticas com responsabilidade e amor, supondo, posteriormente, que a prosperidade do país será seu fruto, bem como seu bem estar.

De onde vem então o amor à pátria dos americanos? Para Tocqueville, o patriotismo estadunidense decorre da participação política dos cidadãos, haja vista que muitos não nasceram no território, nem constituíram um apego histórico, pois se situavam em uma nova terra.O americano, pois, se coloca no lugar de criador de seu próprio país, de modo que, a medida em que se aprofunda nas suas participações, se enxerga cada vez mais como contribuinte para a prosperidade de todos. Isso se torna tão evidente, que, Tocqueville, nos diz:

A América é, pois, um país de liberdade, em que, para não magoar ninguém, o estrangeiro não deve falar livremente nem dos particulares, nem do Estado, nem dos governados, nem dos governantes, nem dos empreendimentos públicos, nem dos empreendimentos privados; de nada enfim que lá existe, a não ser talvez do clima e do solo. Ainda assim encontramos americanos prestes a defender um e outro, como se tivessem contribuído para formá-los. (Tocqueville, 2005, p.277)


DEMOCRACIA E IGUALDADE DE CONDIÇÕES

A ideia de igualdade, para Tocqueville, se mostra como um fato na democracia. Ou seja, é insofismável que a igualdade seja um aspecto estrutural de uma sociedade democrática, pois, caso contrário, não encontraríamos no povo uma plena liberdade para pretenderem ao que lhe fossem de interesse, bem como não veríamos mudanças na estrutura social.

Entre os novos objetos que me chamaram a atenção durante minha permanência nos Estados Unidos nenhum me impressionou mais do que a igualdade das condições. Descobri sem custo a influência prodigiosa que exerce esse primeiro fato sobre o andamento da sociedade; ele proporciona ao espírito público certa direção, certo aspecto às leis; aos governantes, novas máximas e hábitos particulares aos governados. (Tocqueville, 2005, p.7)

No entanto, apesar de um fato para a democracia americana, a igualdade, segundo ele, sempre fez parte do desejo humano. Evidenciando, assim, que mesmo em épocas aristocratas francesas, em que a igualdade era setorizada, a humanidade buscava novos aparatos para sua elevação social, para a sua tentativa de se igualar aos mais poderosos.

Isso é perceptível, claramente, com a classe burguesa, essa que, inicialmente se instalara nas mais baixas camadas sociais, logo percebeu sua importância para a economia do país e reivindicou o seu reconhecimento com todas as suas forças através de diversas revoluções.

Não diferente, a nobreza, que, ao se notarem como uma classe de poucos homens, que detinham a maior parcela de terras e, desse modo, o monopólio das extrações de matérias primas, não tardaram em mostrar sua força e a exigir um lugar ao lado das mais altas classes do Estado.

Ademais, Tocqueville nos diz que, inicialmente, igualdade se instala, no governo pré-revolução francesa, por meio da igreja. Que também se mostrara forte e influente no meio social e, portanto, merecedora de poderes mais elevados, e logo toma seu lugar ao lado da nobreza. Desse modo, a população pobre, aproveitando a elevação social da igreja e a falta de exigências materiais do clero para se tornarem papas ou padres, consegue se elevar aos patamares sociais de um nobre.

Desse modo, percebe-se que os meios para se alcançarem o poder vão se multiplicando, na medida em que a ideia de nascimento, e de herança, perpetuada pela nobreza, se enfraquece de modo substancial. Pois, no momento em que vemos pessoas de classes consideradas inferiores no poder, toda a construção de superioridade nobre se esvazia.

Mas de onde decorre a vontade de igualdade? Para Tocqueville, que era cristão, a vontade de igualdade é colocada no ser humano pelo seu criador: Deus. Ou seja, a vontade que o ser humano sente para se colocar diante do seu semelhante na mesma posição decorre de uma influência inteligível e, portanto, providencial, e, desse modo, não depende da vontade humana. O ser humano, se situa, por consequência, como um objeto da vontade divina de igualar a todos os seus filhos.

O desenvolvimento gradual da igualdade das condições é um fato providencial. Possui suas principais características: é universal, é duradouro, escapa cada dia ao poder humano; todos os acontecimentos, bem como todos os homens, contribuem para ele. (Tocqueville, 2005, p.11)

O que se entende, por conseguinte, da igualdade para Tocqueville? Bem como a conceituação de democracia, ou a sua definição, o autor não nos coloca diante de uma resposta conceitual para a igualdade. No entanto, podemos perceber que ela se mostra diante de características imprescindíveis para a sua conjectura. Essas características, a saber, se mostram na capacidade, ou possibilidade de cada pessoa poder se situar onde quiser em relação ao corpo social construído, onde aquele que é pobre, não precisa ser sempre pobre, e não transmite sua pobreza para seus filhos, bem como, aquele que é rico poderá vir a ser pobre. Dessa maneira, a igualdade recebe importantes contribuições dos direitos individuais para evitar a estagnação social.

Da importância dos direitos

Para Tocqueville, a ideia de direitos aos povos nasce não de uma obrigação imposta violentamente, mas de uma sucessão de meios dos quais eles se identifiquem e utilizem os mesmos como princípios de manutenção e de reivindicação. O direito político, exemplificando, tornar-se-á um dos mais importantes, uma vez que o exercício do mesmo contribui não só na construção da sociedade, como também na relação social que existirá dentro dessas mediações.

Esses direitos contribuem, de forma acentuada, na elaboração de um senso de virtude aos cidadãos, uma vez que ao estabelecer um ponto de ligação entre seus semelhantes, se é possível delimitar em uma sociedade os conceitos de direitos, sendo, na ausência deles, a inexistência de uma verdadeira sociedade, nem tampouco, democrática. Esclarece, Tocqueville, que na américa, é notoriamente possível analisar que esse desejo e essa busca eventual ao exercício da cidadania, se dá não só pelo objetivo que existe entrelaçado materialmente, como sendo, também, uma construção intelectual que faz os cidadãos buscarem respeitar e determinar limites uns aos outros sobre seus direitos, na busca de preservá-los. Para exemplificar tal afirmativa, expõe Tocqueville:

Vemos como isso funciona com as crianças, que são homens, ressalvadas a força e a experiência. Quando a criança começa a se mexer no meio dos objetos externos, o instinto leva-a naturalmente a dispor de tudo o que encontra à sua mão; ela não tem a ideia da propriedade dos outros, nem mesmo a da existência; porém, à medida que aprende o valor das coisas e que descobre que, por sua vez, pode ser despojada das suas, toma-se mais circunspecta e acaba respeitando em seus semelhantes o que deseja que respeitem nela. (Tocqueville, 2005, p.278)

Na América, o direito a propriedade é, acima de tudo, um dos divisores sobre a transparência da real distinção da América com outros países, não por existir a falta da propriedade, mas pela propriedade aqui possuir um caráter pessoal e emancipacionista, onde ela é discutida e respeitada. Diferentemente de outras regiões onde ela é debruçada em inquietudes e queixas sobre seu real pudor, caracterizada, nessas regiões, como um meio que prende e cria o proletariado.

O direito político atrelado à propriedade faz nascer nos indivíduos, um caráter de pertencimento ao todo, buscando, assim, realizar coletivamente, aquilo que o mesmo desejaria para si. Contudo, esse sentimento de coletivismo, quando atingidos a um patamar de igualdade de condições, e, portanto, de direitos, passa a produzir nos indivíduos, uma inversão copernicana de objetos, onde seus olhares não mais se voltam para o coletivo, mas para si mesmo, pois possui tantos direitos já consolidados que seus interesses se pautam, agora, na consolidação de seu bem-estar.

Do individualismo como consequência da igualdade

A grande preocupação de Tocqueville, nesse tópico, se volta para a consequência negativa que surgia da igualdade. Pois, após a sua conquista, o futuro de cada pessoa se torna incerto, não existe mais estagnação social e não existe riqueza hereditária. E, desse modo, a preocupação social se volta para a consolidação do seu bem-estar.

A Igualdade de condições, dessa maneira, torna a todos igualmente independentes entre si. O que torna, por sua vez, a luta pelos direitos políticos, ou a sua execução, uma vontade secundária nos indivíduos, que, por vezes, se confunde com um contratempo à sua busca perene da prosperidade individual.

Dessa forma, os indivíduos que se mantêm afastados da política de seu país, assumem consequências negativas como ficarem desinformados quanto às decisões que são tomadas por aqueles que os representam e, desse modo, todos os direitos políticos que não são aproveitados pela sociedade, ficam sendo utilizados por poucos.

O exercício de seus deveres políticos lhes parece um contratempo incômodo que os distrai de sua indústria. Se se trata de escolher seus representantes, de dar mão forte à autoridade, de cuidar em comum da coisa comum, falta-lhes tempo: não seriam capazes de dissipar esse tempo tão precioso em trabalhos inúteis; são brincadeiras de gente ociosa que não convém a homens graves e ocupados nos interesses sérios da vida. Essa gente crê seguir a doutrina do interesse, mas só têm dela uma ideia grosseira e, para zelar melhor pelo que chamam seus negócios, negligenciam o principal, que é permanecer donos de si mesmos. (Tocqueville, 2005, p.172)

Como cegos satisfeitos com o seu bem-estar, ou preocupados apenas em construí-lo, a população democrática entrega nas mãos de líderes unitários todos os poderes políticos que lhe cabem. Desse modo, observa Tocqueville, cria-se na democracia, uma tendência de centralização governamental e administrativa.

A centralização governamental seria a responsabilidade política entregue a união de fomentar leis gerais, ou principiológicas para a estruturação das administrações citadinas, que por sua vez, cuidaria de criar leis específicas. O perigo de ter a população distante dessa ação política se torna evidente, pois, sem a expressão dos interesses da sociedade, o representante fica livre para impor os seus.

E, apesar de a necessidade uma união forte, para se manter um país unido, mais necessária se torna a comuna, ou seja, a organização das cidades, pois, a união se coloca distante do povo, e a cidade é o mais acessível para a participação política, é onde de fato o indivíduo constrói seu senso cívico, no entanto, quando essa administração está igualmente centralizada, por vontade dos próprios governados, suas decisões, como as da união, podem tomar caráter arbitrário.

A grande diferença dos Estados Unidos para o resto do mundo é que, em nenhuma das federações, existe centralização administrativa, ou seja, as cidades se encontram livres para tomarem suas decisões e guiarem o governo local com base nas suas necessidades mais sensíveis, com o grande apoio da população local, que, em pequeno número, sempre se mostra mais ativa do que as grandes massas.

Todavia, em frente a esse desinteresse consequencial que parece tomar a população que conquista os ideais de igualdade condições, as aspirações ou ameaças despóticas tendem a se instalar aos poucos no seio da política democrática.

Do individualismo como fonte do Despotismo

Chegado ao ápice dessa liberdade atômica oriunda do maior nível de igualdade, Tocqueville diz que, os cidadãos passam a não mais se importar uns com os outros, e a não se interessarem pelo futuro de seus comuns, de forma que, se tocam, mas não se sentem. Passam, destarte, a se satisfazerem com as condições favoráveis para o seu bem-estar, sem se preocupar com os rumos que seu país toma.

Desse jeito, Tocqueville acredita que, a medida em que os cidadãos estão apenas preocupados com sua prosperidade, o Estado apenas lhe serve como um pai serve ao filho, e, nessa forma patriarcal, guia os indivíduos aos seus bens lhes dando suporte. No entanto, tal qual Aristóteles já mencionava, o governo patriarcal se baseia em uma soberania de seu líder, que enxerga nos cidadãos massas que sempre estará submetida aos seus cuidados.

Assim, a medida em que os cidadãos se conformam com o auxílio do Estado, nada mais lhes interessa. Conquanto, o líder, com o papel de serviçal da sociedade em seus interesses egoístas, naturalmente, acaba por limitar a necessidade de liberdade da sociedade em troca de segurança e tranquilidade pública.

Dessarte, os cidadãos da democracia se submetem a uma servidão não aparente, pois, mesmo não exercendo seus poderes e direitos políticos, ainda acreditam que estão submetidos a sua própria vontade pois o líder é eleito por eles. A soberania popular, dessa forma, passa a limitar-se a uma máscara utilizada por um governo despótico para guiar os rumos do Estado conforme lhe convém enquanto apreciar o bem estar da população.

Das barreiras ao individualismo

Para Tocqueville, o único jeito de retirar os indivíduos da frente do espelho, ou seja, da frente de assuntos pessoais, é dando-lhes meios para que possam se unir em grupos e, desse modo, exercerem a solidariedade. Dessa forma, grupos políticos como a comuna ou grupos morais como a igreja exercem grande influência nessa questão.

Uma das cidades norte americanas que mais lhe chamaram a atenção foi a Nova Inglaterra, segundo Tocqueville, nela as pessoas estão tão próximas dos assuntos públicos que elas mesmas se sentem parte dos rumos da cidade e reconhecem a importância de suas opiniões para a fomentação dos avanços públicos.

O habitante da Nova Inglaterra prende-se à sua comuna, porque ela é forte e independente; interessa-se por ela, porque colabora para dirigi-la; ama-a, porque não tem de queixar-se de sua sorte; deposita nela sua ambição e seu futuro; envolve-se em cada incidente da vida comunal. (Tocqueville, 2005, p. 80)

A comuna, portanto, se torna um importante aliado do cidadão para a formação de sua virtude cívica, tanto pela sua proximidade quanto pela sua atração por possuir força independente. Assim, a comuna é para o cidadão como sua casa, nela reforça sua importância em frente aos assuntos públicos bem como reconhece as vontades de outras pessoas, atuando de modo que reforça a sua soberania e constrói sua solidariedade.

Outra barreira forte para o individualismo consiste na religião. Tocqueville a enxerga, ademais, como um fator fundamental para a formação do povo americano. Desse modo, percebemos que o povo americano carrega traços que foram motivos de sua fuga da Inglaterra, baseados em uma religião cristã puritana, na população do norte, tendem a desejar a prosperidade econômica bem como seguirem preceitos e regras cristãs de convivência social.

Dessa forma, é comum encontrar na américa certa uniformidade moral decorrente da religião, o que inculta na sociedade, por consequência, uma maior noção de coletividade, pois, seguindo os dogmas da igreja, como o amor ao próximo e a solidariedade para com os menos favorecidos, o povo americano encontra motivos para considerar os fatores conjuntos da população e se absterem de uma prática egoísta.

No sul do país, por outro lado, predomina a religião católica, mas não menos diferente, ela incute as mesmas pretensões que na religião cristã puritana, ressalvadas as pretensões materiais de acúmulo de riquezas, e longe do que se temia na Europa, que a igreja católica incorresse em risco para a democracia, na américa, ela consegue se manter cuidadosamente distante do poder político, exercendo sua influência apenas sobre a moral social.

Para notarmos melhor essa relação entre o catolicismo e o senso de coletividade, e, portanto, mostrar que não há o que temer por sua influência, Tocqueville nos traz uma breve fala de um padre:

"Deus todo-poderoso! Deus dos exércitos! Tu, que mantiveste o coração e conduziste o braço de nossos pais, quando eles defendiam os direitos sagrados de sua independência nacional; tu, que os fizeste triunfar sobre uma odiosa opressão e que concedeste a nosso povo os benefícios da paz e da liberdade, ó Senhor! volta um olhar favorável para o outro hemisfério; olha com piedade um povo heróico que luta hoje como lutamos outrora e pela defesa dos mesmos direitos! Senhor, que criaste todos os homens segundo o mesmo modelo, não permitas que o despotismo venha deformar tua obra e manter a desigualdade na terra. Deus todo-poderoso! zela pelos destinos dos poloneses, toma-os dignos de ser livres! Que tua sabedoria reine em seus conselhos, que tua força seja em seus braços; espalha o terror entre seus inimigos, divide as potências que tramam sua ruína e não permitas que a injustiça de que o mundo foi testemunha há cinquenta anos se consome hoje. Senhor, que tens em tua mão poderosa o coração dos povos e o dos homens, suscita aliados para a causa sagrada do bom direito; faz que a nação francesa se erga enfim e, saindo do repouso em que seus líderes a retêm, venha combater mais uma vez pela liberdade do mundo. "Ó Senhor! não desvies jamais de nós tua face; permite que sejamos sempre o povo mais religioso, assim como o mais livre. "Deus todo-poderoso, ouve hoje nossa prece, salva os poloneses. Pedimos-te isso em nome de teu filho amado, Nosso Senhor Jesus Cristo, que morreu na cruz para a salvação de todos os homens. Amém." (Tocqueville. 2005, p.341)

Assim, seja a religião cristã puritana, ou a religião católica, ambas exercem, igualmente, um importante senso de coletividade nos Estados Unidos, e limitam a possibilidade do despotismo, pois limitam, por sua vez, a possibilidade do individualismo atômico.

Assuntos relacionados
Sobre os autores
Evanilson Kleverson da Silva Melo

Sou estudante de direito na UFAL, e dedico a maior parcela do meu tempo à procura pelo conhecimento, que me vem dos mais diversos meios, e minha persistência nesse modo de vida consiste na vontade de transmitir a maior quantidade possível do conhecimento que adquiro.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, Evanilson Kleverson Silva ; CORREIA, Manoel Max Silva. Alexis de Tocqueville.: Liberdade e igualdade na democracia da América. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7098, 7 dez. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/88094. Acesso em: 19 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos