Lei de Drogas: Dilemas, conflitos e perspectivas

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O artigo trata do uso de drogas no mundo, seu patrocínio para a deterioração da sociedade. Faz uma análise da lei de drogas, suas inovações em relação ao usuário de drogas. Discute os seus dispositivos legais e traz jurisprudências pertinentes ao tema.

Lei de Drogas: Dilemas, conflitos e perspectivas

É preferível prevenir os delitos a ter de puni-los; e todo legislador sábio deve antes procurar impedir o mal que repará-lo, pois uma boa legislação não é mais do que a arte de proporcionar aos homens a maior soma de bem-estar possível e livrá-los de todos os pesares que se lhes possam causar, conforme o cálculo dos bens e dos males desta existência”.

(Cesare Beccaria)

O problema do uso e do tráfico de drogas no mundo não é recente, é grave, e complexo, pois abarca vários aspectos, sejam eles políticos, econômicos, sociais, jurídicos e de saúde. O Relatório Mundial de Drogas 2019, realizado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), aponta que a demanda de droga no mundo tem aumentado e mostra que 11 milhões de pessoas injetaram drogas em 2017 e destes, 5,6 milhões tem hepatite C e 1,4 milhões vivem com HIV, se tornando um problema de saúde pública. Segundo o relatório 35 milhões de pessoas vivem com transtornos decorrentes do uso de drogas e esse é um problema mundial que afeta a qualidade de vida das pessoas universalmente (UNODC). Esse consumo de drogas na sociedade em escala mundial fez com que a produção e o comércio ilegal evoluíssem consideravelmente.

No que se refere ao aumento indiscriminado do consumo de drogas e seu patrocínio para a deterioração da sociedade, Carvalho expõe que:

[...] O problema do consumo e do abuso de drogas               afeta todas as classes da sociedade, se tornando problema de saúde pública. O aumento do número de dependentes físicos e psíquicos vem aumentando consideravelmente a cada ano, e faz com que países e organizações internacionais adotem medidas urgentes de caráter preventivo e repreensivo, na tentativa de reduzir ao máximo o maléfico causado por esse problema. Infelizmente, no Brasil não está sendo diferente, nesse diapasão, a lei protege a saúde da coletividade como bem jurídico principal (2008, p. 17).

Nesse contexto, salientamos a importância do estudo sobre esse tema a partir da análise da Lei 11.343/06 (lei de drogas) que eliminou a pena de prisão para os usuários e dependentes. Este trabalho limita-se a demonstrar questões sobre os crimes de porte e posse de drogas ilícitas, analisando suas características, tipificação, sanções e influência no contexto social. Tendo-se a ciência que o uso de drogas ilícitas no Brasil constitui conduta de infração penal, punindo-se a   aquisição, o porte, o depósito e o transporte de alguma substância entorpecente ilícita para uso próprio.  Segundo Gomes (2008, p. 121-122) a posse de drogas para consumo pessoal deixou de ser formalmente ―crime, mas não perdeu seu conteúdo de infração (de ilícito).

O termo drogas possui várias acepções que dependem da sua abordagem como veremos a seguir. De acordo com o Dicionário Aurélio ( 2017) “Droga é toda substância usada com propósitos químicos, farmacêuticos, em tinturaria etc. ... e pode levar à dependência física ou psicológica; narcótico, entorpecente: tráfico de drogas”.

   No campo das ciências da saúde, de acordo com o Glossário  de Álcool e Drogas da Secretaria Nacional de Políticas de Drogas, temos o seguinte conceito drogas referendado pela Organização Mundial de Saúde.

Se refere a toda substância com potencial para prevenir ou curar uma enfermidade ou aumentar a saúde física ou mental e, em farmacologia, como toda substância química que modifica os processos fisiológicos e bioquímicos dos tecidos ou dos organismos. [...] Na linguagem coloquial, o termo costuma referir-se concretamente às substâncias psicoativas e, frequentemente, de forma ainda mais concreta às drogas ilegais. (BRASIL, 2010, p.57).

Nesses termos, podemos dizer que para OMS a droga é uma substância que interfere no funcionamento do organismo, que pode ser um antibiótico, o álcool, a maconha, o crack. São drogas que podem ser consideradas lícitas ou ilícitas.

Segundo Cruz (2011) as funções das drogas são múltiplas no organismo, tendo o poder de agir no cérebro, ou seja, nas funções mentais, alterando o estado de consciência, melhorando seu estado de espírito, alterando as emoções. Mas o autor ressalta que drogas são todos os fármacos e não somente as substâncias que são alvo de controle pelo Estado.

 A Lei 11.343/06 ,  em seu artigo 1º, parágrafo único, conceitua drogas como “as substâncias ou produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União”. Essa lei no seu parágrafo 1 º institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad; e o autoriza a prescrever medidas para prevenção do uso indevido de drogas, a atenção e reinserção social de usuários e dependentes, o seu o tratamento e o combate ao narcotráfico. E torna também como sua competência a proposta de criação de normas penais incriminadoras ao Poder Legislativo.

Vale destacar que de acordo com o art. 66 da Lei 11.343/06, enquanto não for atualizada a terminologia de drogas mencionada no artigo 1º da citada lei, as drogas continuam sendo relacionadas na portaria SVS/MS nº 344, de 12 de maio de 1998.Portanto, cause a ingestão de uma substância cause dependência, e não conste da lista dessa portaria, não será considerada droga para fins penais.

O usuário de substâncias tóxicas ao longo da história foi considerado um criminoso, um fora da lei, e sua conduta foi equiparada a periculosidade de um traficante. Porém, o uso de drogas não é crime e nunca foi, a criminalização é feita quanto ao porte de drogas. A doutrina clássica, seguida de algumas jurisprudências coloca que o bem jurídico tutelado no combate às drogas, mesmo no porte para consumo é a saúde pública, justificando que a degradação causada por ela põe em risco integridade social, e não se limita ao usuário (SOUZA, 2012)

Corroborando com essa ideia Greco Filho ( 1995,p. 19)  realça,  “a  razão jurídica da punição daquele que adquire, guarda ou traz consigo para uso próprio é o perigo social que sua conduta representa” E no entendimento desse autor “mesmo o viciado, quando traz consigo a droga, antes de consumi-la, coloca a saúde pública em perigo, porque é fator decisivo na difusão dos tóxicos” (Ibid., p. 119.)COMENTAR

Atualmente, a grande discussão em torno da Lei nº 11.343/ 2006 se dá em torno da distinção entre usuários/dependentes químicos e traficantes de drogas. Pensando em implantar um sistema nacional de políticas públicas sobre drogas, surge a partir de então duas proposições:

A necessidade de reinserção social do usuário e a sua conscientização quanto aos comportamentos de risco assumidos, bem como a indispensável repressão ao tráfico ilícito de drogas. [...] a implementação de novas políticas públicas para a circulação ilegal de drogas no país estabeleceu estratégicas aos direitos fundamentais aos cidadão, a partir de atividades de engajamento de participação social nas atividades de conscientização e prevenção. (CALEGARI; WEDY, 2008, p. 134).

Essas são inovações da lei em relação ao tratamento do usuário de drogas, onde a base das políticas públicas de drogas está fundamentada na necessidade de reinserção do usuário à sociedade e na inclusão social do cidadão, na perspectiva de torná-lo menos vulnerável ao uso indevido de drogas. (CALEGARI; WEDY, 2008, p. 135).

Entretanto, para que se possa vislumbrar a linha divisória que distingue o portador de entorpecentes destinado ao tráfico,  daquele para fins de consumo pessoal, torna-se  necessário considerar diversos fatores presentes no caso concreto. Vejamos por exemplo que com a Lei nº 11.343/ 2006, não se deve  prender o usuário ao ser flagrado pela polícia, mas sim, lavrar o termo de forma específica e detalhada para ser processado no Juizado Especial Criminal, com a finalidade de responder algumas medidas cabíveis de acordo com  o artigo 28 da Lei de drogas atual.

A Lei de Drogas traz em seu capítulo III intitulado “ Dos Crimes e das Penas”, fatos típicos, estabelecendo assim, a penalização. O artigo 28 da Lei de Drogas atual, trouxe inovação quanto a despenalização do porte para uso de drogas, prevendo penalidades alternativas, mas sem previsão de pena de prisão. Logo, esse artigo registra: 

Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, será submetido às seguintes penas: I – advertência sobre os efeitos das drogas; II – prestação de serviços à comunidade; III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

Esse dispositivo legal do artigo 28 da Lei 11.343/2006, tem gerado várias discussões e até mesmo divergência quanto a questão do uso e do porte de drogas. Pois, na sequência o § 2º desse artigo traz:

 “Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente”. (grifos nossos).

    Pelo exposto, é perceptível que não é fácil descobrir se a droga é ou não para o consumo pessoal, assim a legislação cuidou de estabelecer critérios para essa distinção, relacionando a quantidade da substância apreendida, ao local e a conduta do portador.

 Nesta seara, Silva (2016) enfatiza que uma das modificações da nova lei é o tratamento especial que será dado ao usuário de drogas. Pois não mais poderá ser aplicada pena privativa de liberdade para o usuário, entretanto, compreende-se que a conduta de porte de droga para consumo pessoal continua sendo considerada crime. E o autor completa o pensamento ao dizer:

As penas restritivas de direitos elencadas no Código Penal são aplicadas autonomamente, não possuindo qualquer relação com as penas privativas de liberdade. Elas não são cominadas abstratamente no tipo penal. Há a substituição das penas privativas de liberdade pelas restritivas de direitos, desde que preenchidos os requisitos previstos no art. 44 do Código Penal. Essa substituição dar-se-á quando da imposição da pena pelo Juiz na sentença, que fará uma análise da viabilidade da substituição.  (SILVA, 2016, p.45)

Nesta linha de pensamento, Brasileiro Lima (2008) fala sobre a despenalização da pena, ou seja, passa-se a adotar com a Lei 11.343/06 o conceito de despenalização que significa na concepção desse autor em adotar  “processos, medidas substitutivas ou alternativas, de natureza penal ou processual, que visam, sem rejeitar o caráter criminoso da conduta, dificultar, evitar ou restringir a aplicação da pena de prisão ou sua execução ou, pelo menos, sua redução”.(P. 47)

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Em assim sendo, vejamos um julgado sobre usuário de drogas:

Agravo Regimental, Recurso Especial. DIREITO PENAL DOSIMETRIA. ACUSADO QUE ADMITE POSSE DE DROGA PARA USO PRÓPRIO. ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. NÃO INCIDÊNCIA. PRECEDENTES.1.De acordo com entendimento deste Superior Tribunal de Justiça, nas hipóteses em que o réu admite a posse de drogas para uso próprio não há confissão da prática do delito de tráfico de drogas, não tendo aplicação a atenuante do artigo 65, inciso III, alínea d, do Código penal. Precedentes.2.Agravo regimental Improvido. (Recurso do Superior Tribunal de Justiça STJ - Agravo Regimental no Recurso Especial : AgRg no REsp 1641789 SC 2016/0318362-1. Órgão  julgador T6-Sexta turma. Relator: Ministra Maria Thereza de Assis Moura.Julgamento: 5 de abril de 2018.Publicação: DJe 16/04/2018.

Segundo a relatora, trata-se de agravo regimental, interposto, para afastar a aplicação da atenuante da confissão espontânea. Logo, o entendimento do STJ, é que cabe a atenuante da confissão espontânea, quando utilizada para convencimento do julgador conforme súmula 545 do STJ, prevista no artigo 65, III, d, do Código Penal. Porém, a relatora e demais ministros do colegiado chegam à conclusão, que quando o réu admite a propriedade da droga, mas alega que esta é destinada a seu consumo próprio, impossibilita o reconhecimento da atenuante prevista no artigo supra citado do Código Penal. Nesses termos, não se reconhece a traficância, tornando o agravo regimental improvido.(BRASIL, STJ, REsp 1641789 SC 2016/0318362-1).

É necessário que os legisladores façam distinção daqueles que são usuários e estão portando a droga, dos que estão com esta para fins de tráfico, pois mesmo que por vezes pessoas sejam abordadas por estarem com quantidade considerável de drogas, não significa que estas façam parte do esquema de tráfico de drogas. Geralmente os locais onde estes usuários buscam a droga são favelas, pois há mais facilidade na compra. As favelas em sua grande maioria a um fluxo muito grande de tráfico e algumas há a ausência do poder do estado.

Sabemos da precariedade vivida pelos moradores de comunidades carentes, estes convivem todos os dias com a falta de recursos básicos como água encanada, educação, sáude, esgoto, segurança, lazer, ou seja, são descriminalizados e negligenciados pelo estado, onde este se faz ausente, com essa ausência fica aberta uma lacuna referente a uma presença de poder nessas localidades, fazendo ser nítido um lugar de liderança disponível e que este venha a ser disputado.

Um dos fatores que contribuem para o aumento do tráfico nessas localidade, em consequência disso ocorrem as guerras entre os criminosos, por uma figura de líder com poder autoritário, por controle, comercialização ilegal e por territorialidade, vindo a existir o chamado “poder paralelo” instaurado e governado por milícias e facções criminosas, onde estes “governadores” ditam suas próprias regras no crime organizado e na população que habita as comunidades, dentre as atividades realizadas está o tráfico de drogas, que corre livre pela ineficácia do poder constitucional nessas localidades.

Os usuários nem sempre residem em comunidades, sendo assim se deslocam até as favelas para adquirir as drogas e para satisfação do vício, através de uma linha aberta para sua obtenção de forma estratégica, porém não menos perigosa. Diante da falta de poder estatal, fica mais fácil obter o ilícito sem que ocorra fiscalização e possível abordagem, a depender da comunidade. Sendo assim, muitos usuários fazem compras em grande quantia, não com o objetivo de consumo imediato, mas para evitarem o risco de voltarem brevemente aos locais de venda, vulgo boca de fumo.

         “[...] Se as penas cominadas para a posse de droga para consumo pessoal são exclusivamente alternativas, não há que se falar em “crime” ou em “contravenção penal”, consequentemente, o art. 28 contempla uma infração sui generis (uma terceira categoria, que não se confunde nem com o crime nem com a contravenção penal). (GOMES. 2004, p. 118 e 119)

Conforme narrado por Luiz Flávio Gomes, o porte de drogas para uso pessoal não se configura crime nem contravenção penal, o dispositivo legal do art. 28 da lei nº 11.343 não prevê penas de prisão, detenção ou reclusão, para aquele que possuir ou cultivar a droga para cunho pessoal. Entretanto, este poderá ser penalizado com advertência, prestação de serviço ou medidas sócio educativas, preferencialmente voltado para áreas de recuperação de usuários e viciados, narrado conforme art. 28, incisos I, II e III, §§ 1º e 5º:

“Art. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I - advertência sobre os efeitos das drogas;

II - prestação de serviços à comunidade;

III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

§ 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.”

“§ 5º A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas.”

As penas listadas acima terão prazo de no máximo 5 meses podendo este vir a ser maior em caso de reincidência com prazo de 10 meses, isto a depender do entendimento juiz que levará em conta a natureza do ilícito, a quantidade, o local que foi adquirido, de que forma foi adquirida, circunstância sociais e pessoais e por fim se há antecedentes criminais do agente e sua conduta, conforme exposto no art. 28 da lei nº 11.343/06, §§2º ao 4º.

No  caput do artigo 33 e o §1º, inciso I da Lei de Drogas, está explícito as várias formas de produção, preparo e oferta da droga. Podemos perceber então que é um tipo penal de ação múltipla, ou seja, se o indivíduo praticar mais de uma ação com relação a droga, responderá por uma pena prevista par o tipo. O caput se refere ao tráfico da própria substância entorpecente, enquanto que o § 1º, inciso I, faz alusão à matéria-prima ou produto químico destinado à preparação de drogas. E o inciso III do § 1º do art. 33 fala da punição da conduta do indivíduo que tem a posse, a guarda ou consente que terceiros dele se aproprie para o tráfico ilícito de drogas.

Vejamos um julgado que trata da questão do tráfico de drogas:

Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul TJ-MS - Apelação Criminal : APR 0020649-46.2018.8.12.0001 MS 0020649-46.2018.8.12.0001APELAÇÃO CRIMINAL MINISTERIAL – TRÁFICO DE DROGAS – PEDIDO DE AFASTAMENTO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI Nº 11.343/06 – POSSIBILIDADE – GRANDE QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA E MODUS OPERANDI – CIRCUNSTÂNCIAS QUE INDICAM DEDICAÇÃO AO CRIME - REGIME PRISIONAL ALTERADO PARA O FECHADO – RECURSO PROVIDO. ºSe o contexto dos acontecimentos, a quantidade e a natureza da droga apreendida (308 Kg de maconha ) evidencia-se que o acusado dedicava-se a atividade criminosa, não faz jus a benesse do 4§ do art. 33 da Lei 11.343/06. O regime inicial de pena adequado ao condenado por crime de tráfico de drogas quando apreendido mais de 308 k de maconha, é o fechado, ainda que seja primário  e sua pena tenha sido fixada entre 4 e 8 anos nos termos do §3º, do art. 33, do CP.Publicação – 09-01-2020.

Conforme exposto, o julgado evidencia a prática de tráfico em razão da grande quantidade e natureza da substância apreendida. Importante destacar excerto da obra “Tóxicos” do autor Renato Marcão(2007,p.353) citando  Jayme Walmer de Freitas, que nos ensina : “ em crises de tóxicos, na fixação da pena-base, o juiz dará prevalência à natureza e quantidade da substância ou produto (circunstâncias objetivas); em seguida, a personalidade e a conduta social do agente (circunstâncias subjetivas).

Tendo em vista o tema abordado no percurso desse trabalho, podemos perceber que o principal foco da Lei de Drogas é a saúde pública, ou seja, evitar o dano à saúde do usuário e da coletividade.Para Rocco(1996,p.41), a tutela da saúde pública não é infringida quando o usuário inala a maconha, ou ingere algum líquido, pois a auto-lesão não se pune na doutrina tradicional, porque se existisse previsão legal, teria que haver punição ao suicida bem como aos alcoólatras.

Nesse contexto, é imprescindível uma distinção entre usuário e dependente de drogas, pois, na concepção de Gomes (2008,p.10), não é regra um usuário de drogas se converter num dependente.Corroborando com o pensamento de Gomes(2008), Casa Grande (2010, p. 17) refere que “O usuário é consumidor eventual, capaz de controlar o seu desejo de buscar a droga. O dependente é um doente, com desejo invencível de consumir, capaz de buscar a droga a qualquer custo.

Ademais, Gomes (2008) ressalta

Há dois sistemas legais pra se decidir sobre se o agente (que está envolvido com a posse de droga) é usuário ou traficante: a) sistema de qualificação legal (fixa-se, nesse caso, um quantum diário para o consumo pessoal; até esse limite legal não há de se falar tráfico); b) sistema do reconhecimento judicial ou policial (cabe ao juiz ou a autoridade policial analisar cada caso concreto e decidir sobre o enquadramento típico). A última palavra é a judicial, de qualquer modo, é certo que a autoridade policial (quando o fato chega ao seu conhecimento) deve fazer a distinção entre o usuário e o traficante. (GOMES, 2008, p. 163).

A sociedade estigmatiza tanto o usuário como o dependente de drogas ilícitas, entretanto, a dependência é relativa para o indivíduo que a consome, pois alguns apresentam mais vulnerabilidade que outros.Muitas vezes o uso de medicamentos sem prescrição médica pode causar também dependência e os que consomem drogas ilícitas, as consumem por inúmeros motivos que não cabe aqui expor.Porém, é importante ressaltar que todo sujeito dependente de drogas, um dia foi um usuário comum, usando-a ocasionalmente. O que diferencia o consumidor comum para o dependente químico é que neste tem crisews de abstinência e seu organismo não consegue reagir sem a droga.Porém, nem todo usuário de droga torna-se um dependente.

Assim, Silva (2006, p. 73) refere que que o Poder Púbico deveria ser obrigado a disponibilizar algum tipo de tratamento para os usuários e dependentes,vez que, a grande maioria das famílias dos usuários não tem condições econômicas para arcar com o tratamento, uma vez que o nosso sistema de saúde é muito carente no que se relaciona ao tratamento especializado ao uso e dependência de drogas.

Nesse sentido, Silva(2006, p.36) refere:

É lamentável que a norma em comento não tenha previsto a aplicação de medida de tratamento para os casos de infrator viciado, ainda que fosse através de transações, fugindo com isso de toda a finalidade deste normativo, que, pelo que se depreende das medidas a serem aplicadas, centra-se na prevenção. [...] observa-se que a norma obriga o juiz determinar ao poder publico que disponibilize ao infrator viciado tratamento especializado. Entretanto, não possibilita ao julgador determinar coercitivamente que o acusado se submeta a tal tratamento. 

Neste contexto, percebemos que o Poder Público tem inúmeras deficiências em relação ao atendimento aos usuários de drogas, vez que não possui clinicas especializadas o suficiente para atender atender a demanda de dependentes químicos; sendo proporcionado tratamento pelo Estado, somente aqueles determinados nos artigos 45 e 46 da Lei de Drogas, ou seja, os inimputáveis, considerados incapazes para compreender o caráter ilícito do ato.

Vimos conforme exposto,  que o problema do uso de drogas alcança vários setores da sociedade, seja a família, a escola, as comunidades, sendo imprescindível um trabalho de orientação e prevenção.Portanto, instituições como a família, a escola e a igreja, podem realizar um trabalho de  prevenção e redução do uso de drogas, sendo necessário para os que trabalham na escola, uma formação continuada sobre o tema, para que possa desenvolver projetos que façam parte do projeto político pedagógico da escola, envolvendo toda a comunidade escolar.

Assim, podemos concluir que esse é um tema que desperta preocupação no país e que o assunto assunto das drogas permeia quase todos os campos de debates, sem distinção de classe social nem nível intelectual, credo, raça, cor. Precisamos ter uma visão crítica e consciente no trato do tema – as drogas, destarte nenhuma família está livre dessa triste realidade social que abrange principalmente a classe menos favorecida da sociedade, causando danos psicológicos e emocionais aos que foram atingidos por ela.

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Sobre os autores
Maria Lúcia da Silva Cabral

Estudante do 8ºPeríodo de Direito. Graduada em Biologia/ Especialização em Educação Ambiental e Mestrado em Educação pela UFPE.

Keiliane de Freitas Silva

Estudante do 8º período de Direito Estagiária em escritório de advocacia

Informações sobre o texto

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