Artigo Destaque dos editores

Abrandamento jurídico-penal da "posse de droga ilícita para consumo pessoal" na Lei nº 11.343/2006:

primeiras impressões quanto à não-ocorrência de "abolitio criminis"

Exibindo página 2 de 2
30/08/2006 às 00:00
Leia nesta página:

          4. PRIMEIRAS IMPRESSÕES

          4.1. Não houve abolitio criminis em relação à conduta prevista no art. 16 da Lei n. 6.368/76, tendo em vista conduta mais abrangente tipificada no art. 28 da lei n. 11.343/06 (Nova Lei de Tóxicos).

          4.2. Diante da previsão de pena de multa no art. 28, §6º, II, c/c art. 29, a natureza jurídica do art. 28 da Lei n. 11.343/06 é de contravenção penal.

          4.3. Quanto às condutas praticadas na vigência da Lei 6.368/76, não se aplica o disposto no art. 107, III, do Código Penal.

          4.4. O art. 28 da Lei n. 11.343/06 caracteriza novatio legis in mellius, possuindo eficácia retroativa por força do princípio constitucional da retroatividade da lei benigna.

          4.5. Em nenhuma hipótese o possuidor de droga para consumo pessoal ("usuário"), só por este fato, poderá ser mantido na prisão.


          NOTAS

  1. PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, v. 1, p. 147.
  2. Cf. SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível, p. 1.
  3. TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal, p. 79.
  4. MANZINI, Vincenzo. Trattato di diritto penale italiano, v. 1, p. 530.
  5. JIMÉNEZ DE ASUA, Luis. El criminalista, v. 3, p. 188.
  6. PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral, v. 1, p. 147.
  7. O rol de perspectivas conceituais, aqui apresentado, não é exaustivo. Ariel Dotti, v.g., cataloga os conceitos: a) jurídico-legal, "o crime é o fato definido como tal pela lei". E salienta que o conceito assim posto revela, também, um aspecto meramente formal, identificando e limitando o objeto da Criminologia aos fatos que o sistema positivo declara delituosos. Esta perspectiva positivista ainda guardaria adeptos, como os representantes da Criminologia Socialista; b) natural, "o crime é a violação dos sentimentos altruísticos fundamentais de piedade e de probidade, na medida média em que se encontram na humanidade civilizada, por meio de ações nocivas à coletividade.", sendo que tal definição, elaborada por Rafael Garofalo, um dos líderes da Escola Positiva, não alcançou prestígio científico; c) radical, "o crime é toda violação individual ou coletiva dos direitos humanos", conceito introduzido pelos adeptos da Criminologia Radical, transcendente do critério da estadualidade e que, portanto, liberta a criminologia das servidões das ordens politicamente impostas; d) sociológico, "o crime é o comportamento socialmente desviado que produz um dano ou perigo de dano", baseando-se a concepção na deviance como violação ou ruptura de padrões de comportamento comunitário (DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal. Parte geral, p. 299-300).
  8. Nesse sentido, BETTIOL, Giuseppe. Diritto penale, p. 195 apud TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal, p. 80.
  9. PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral, v. 1, p. 148.
  10. A respeito, PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral, v. 1, p. 82-84.
  11. BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal. Parte geral. v. 1, p. 142.
  12. Juarez Cirino dos Santos, citando Schwendinger, leciona que "as definições de um conceito podem ter natureza real, material, formal ou operacional, conforme mostrem a origem, os efeitos, a natureza ou os caracteres constitutivos da realidade conceituada." E complementa, com apoio em Jescheck e Weigend: "definições reais explicariam a gênese do fato punível, importante para delimitar o objeto de estudo da criminologia; definições materiais indicariam a gravidade do dano social produzido pelo fato punível, como lesão de bens jurídicos capaz de orientar a formulação de políticas criminais; definições formais revelariam a essência do fato punível, como violação da norma legal ameaçada com pena; enfim, definições operacionais identificariam os elementos constitutivos do fato punível, necessários como método analítico para determinar a existência concreta de ações criminosas" (SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível, p. 1-2).
  13. Cf. TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal, p. 80; WELZEL, Hans. El nuevo sistema del Derecho Penal, p. 79 apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal. Parte geral, v. 1, p. 142.
  14. Assis Toledo, citando Tourinho Filho, escreve que a punibilidade é uma nota genérica de todo o crime, ao passo que este, quando se apresenta estruturalmente perfeito em todos os seus elementos, é um fato "punível" que reclama necessariamente a pena. A exclusão da punibilidade não suprime a idéia do crime já perfeito; o fato se torna impunível, apesar da existência de um crime anteriormente configurado (TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal, p. 81).
  15. GOMES, Luiz Flávio. Da punibilidade como terceiro requisito do fato punível. Direito Penal – Revista de direito penal e ciências afins. Disponível em: www.direitopenal.adv.br/artigos.asp?id=1058. Acesso em: 6 ago. 2003.
  16. SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível, p. 203 e 271.
  17. BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal. Parte geral, v. 1, p. 144.
  18. BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal. Parte geral, v. 1, p. 273-277.
  19. JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, § 21, I 2, p. 195; § 39, I 1, p. 425; apud SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível, p. 2-3.
  20. Há concepções que se afastam do conceito tripartido, mas que, consensualmente, num plano de razoabilidade, não contam com maior prestígio.
  21. Modernamente, cresce a preferência, por razões de cunho filosófico-ideológico que servem de supedâneo às respectivas teorias, por expressões como fato punível, injusto penal, indiferente penal. Para uma primeira confrontação entre as idéias de tipo legal e tipo de injusto (cf. VARGAS, José Cirilo de. Introdução ao estudo dos crimes em espécie, p. 60-63).
  22. Sobre as contravenções penais, Ariel Dotti diz que, "além de uma lei fundamental dispondo sobre as contravenções penais, i.e., o Decreto-Lei n. 3.688, de 3.10.1941, o sistema contém variados diplomas especiais regulando essa modalidade de infração penal", sendo "diversificados os interesses protegidos: fé pública, símbolos nacionais, igualdade racial etc. A legislação atinente às contravenções penais é também fragmentária e comprometedora de uma eficaz aplicação do sistema penal. Diante da impossibilidade em se promover uma descriminalização radical nesse domínio, mesmo porque advoga-se muito atualmente a necessidade de uma direito administrativo penal como meio de prevenção dos ilícitos mais graves, é fundamental reduzir o elenco dessas infrações ao mínimo razoável" (cf. DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal. Parte geral, p. 14).
  23. Ariel Dotti também frisa que "o pensamento clássico em matéria penal não admite diferença ontológica entre crime (ou delito) e contravenção. Reconhecendo as insuperáveis dificuldades para demarcar as fronteiras enre tais terrenos de ilicitude, o legislador brasileiro foi pragmático [...].A distinção entre crime e contravenção, portanto, é puramente convencional, vale dizer, resulta da natureza da sanção aplicável a uma e a outra dessas infrações, como declara a LICP" (cf. DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal. Parte geral, p. 297-298).
  24. Cf. IENNACO DE MORAES, Rodrigo. O crime do art. 16, da Lei 6.368/76, é infração penal de menor potencial ofensivo? - Leis 9.099/95, 10.259/01 e 10.409/02: a) Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional do Ministério Público/MG, disponível na internet: http://www.pgj.mg.gov.br/ceaf/, http://www.pgj.mg.gov.br/artigos/penal/art19.htm, 10.08.2002. Belo Horizonte/MG; b) IBCCRIM - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, disponível na internet: http://www.ibccrim.org.br, http://www.ibccrim.org.br/doutrinaNacional/0298/index_html, 10.09.2002, São Paulo/SP; c) IBCCRIM - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, disponível na internet http://www.ibccrim.org.br/doutrinaNacional/0359/index_html, 18.11.2002, São Paulo/SP; d) Direito Penal - Revista de Direito Penal e Ciências Afins, Revista n. 26, disponível na internet: http://www.direitopenal.adv.br, http://www.direitopenal.adv.br/artigos.asp?id=784, 17.09.2002. Governador Valadares/MG; e) Boletim do ICP - Instituto de Ciências Penais, ano 3, no 30, outubro de 2002, Belo Horizonte/MG
  25. Não se trata, com efeito, da primeira contravenção prevista fora da LCP nem da primeira vez que a pena está prevista num dispositivo diverso do preceito primário, como poder ser visto nos arts. 3º e 4º da Lei de Introdução ao Código Penal. Aliás, o último aspecto também se verifica nos tipos de injusto em que se prevêem crimes qualificados (preceito primário num artigo, pena em outro).
  26. Cf. JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – parte geral. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 74 e 89.

          REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

          BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal. Parte geral. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. v. 1.

          BRASIL. Código penal. 40. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

          DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

          GOMES, Luiz Flávio. Da punibilidade como terceiro requisito do fato punível. In Direito Penal – Revista de Direito Penal e Ciências Afins. Disponível em: www.direitopenal.adv.br/artigos.asp?id=1058. Acesso em: 6 ago. 2003.

          GRECO, Rogério. Curso de direito penal. Parte geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2002.

          IENNACO DE MORAES, Rodrigo. Causas especiais de exclusão do crime. Porto Alegre, Safe, 2005

          __________. O crime do art. 16, da Lei 6.368/76, é infração penal de menor potencial ofensivo? - Leis 9.099/95, 10.259/01 e 10.409/02: a) Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional do Ministério Público/MG, disponível na internet: http://www.pgj.mg.gov.br/ceaf/, http://www.pgj.mg.gov.br/artigos/penal/art19.htm, 10.08.2002. Belo Horizonte/MG; b) IBCCRIM - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, disponível na internet: http://www.ibccrim.org.br, http://www.ibccrim.org.br/doutrinaNacional/0298/index_html, 10.09.2002, São Paulo/SP; Direito Penal - Revista de Direito Penal e Ciências Afins, Revista n. 26, disponível na internet: http://www.direitopenal.adv.br, http://www.direitopenal.adv.br/artigos.asp?id=784, 17.09.2002. Governador Valadares/MG; d) Boletim do ICP - Instituto de Ciências Penais, ano 3, no 30, outubro de 2002, Belo Horizonte/MG

          JESUS, Damásio E. de. Lei das Contravenções Penais Anotada. São Paulo: Saraiva, 1993

          __________ . Direito Penal – parte geral. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 1997.

          JIMÉNEZ DE ASÚA, Luis. El criminalista. Buenos Aires: La Ley, 1944. v. 3.

          __________. Tratado de derecho penal. Buenos Aires: Losada, 1951. t. III.

          MANZINI, Vincenzo. Trattato di diritto penale italiano. Torino: Torinese, 1950. v. 1.

          PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. v. 1.

          SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2000.

          TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.

          TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

          VARGAS, José Cirilo de. Introdução ao estudo dos crimes em espécie. Belo Horizonte: Del Rey, 1993.

          WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal – Uma introdução à doutrina da ação finalista. Trad. Luiz Regis Prado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Rodrigo Iennaco de Moraes

Promotor de Justiça de Minas Gerais. Mestre em Ciências Penais pela UFMG. Professor da pós-graduação da UFJF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAES, Rodrigo Iennaco. Abrandamento jurídico-penal da "posse de droga ilícita para consumo pessoal" na Lei nº 11.343/2006:: primeiras impressões quanto à não-ocorrência de "abolitio criminis". Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1155, 30 ago. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8868. Acesso em: 19 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos