Habeas Data - Questões Atuais - Direito Material e Processual

02/03/2021 às 23:50
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Aborda questões atuais, de direito material e processual na jurisprudência sobre essa ferramenta de acesso a liberdades públicas.

RESUMO Aborda questões atuais, de direito material e processual na jurisprudência sobre essa ferramenta de acesso a liberdades públicas.

RESUMO

O habeas data faz parte do cenário jurídico brasileiro, foi inserido como ação constitucional com a Constituição Federal de 1988. Possui características e peculiaridades próprias e, juntamente com outros incisos do art. 5º da CF, refere-se ao direito de informação. Esse artigo discute questões atuais a respeito do tema.

Como se sabe, há um ramo do processo civil que disciplina o exercício das ações mandamentais que dizem respeito à concretização de direitos constitucionalmente assegurados, das mais várias matizes e que podem demorar a atingir o plano da efetividade (habeas corpus em matéria civil para devedores de alimentos ou pessoas que tenham passaportes apreendidos, mandados de segurança, inclusive como ações impugnativas de decisões judiciais que não possam ser desafiadas por recursos dotados de efeito suspensivo – artigo 5º LMS, mandados de injunção etc).

Nesses tempos globalizados em que vivemos principalmente após a criação da internet (linguagem www no inicio dos idos de 1990) e seu desenvolvimento, é considerável o número de solicitações e coletas de dados íntimos, estocados em bancos de dados públicos ou particulares (mas acessíveis ao público) em todo o planeta. Dados pessoais, dados sobre nosso patrimônio, que necessitam ser resguardados, com seu uso limitado ao extremo mínimo, para que se possa garantir a intimidade da pessoa.

A Constituição Brasileira concede o direito de ter conhecimento sobre a existência e teor destes dados, bem como também de corrigi-los, fundamentado no princípio da intimidade e vida privada. Foi então criado um remédio constitucional nomeado Habeas Data, que, nos termos literais da Constituição Federal (art. 5º, inciso LXXII), tem por finalidade “assegurar o conhecimento de informação relativa à pessoa do impetrante, constante de registros ou banco de dados de entidades governamentais ou de caráter público”. O termo habeas data vem do latim e tem como significado literal "tome-se o dado". José Afonso da Silva define o habeas data como:

O habeas data (art. 5º, LXXII) é um remédio constitucional que
tem por objeto proteger a esfera íntima dos indivíduos contra: (a)
usos abusivos de registros de dados pessoais coletados por meios fraudulentos, desleais ou ilícitos; (b) introdução nesses registros de
dados sensíveis (assim chamados os de origem racial, opinião política, filosófica ou religiosa, filiação partidária e sindical, orientação sexual etc.); (c) conservação de dados falsos ou com fins diversos dos autorizados em lei.( SILVA,2001).

Alexandre de Moraes(2006), também conceitua:

Direito que assiste a todas as pessoas de solicitar judicialmente a exibição dos registros públicos ou privados nos quais estejam incluídos seus dados pessoais para que deles se tome conhecimento e se necessário for, sejam retificados os dados inexatos ou obsoletos ou que impliquem em discriminação.

André Ramos Tavares (2012, p. 1029) aponta no sentido de que o habeas data seria: “o instrumento constitucional mediante o qual todo interessado pode exigir o conhecimento do conteúdo de registro de dados relativos a sua pessoa, mas que se encontrem em repartições públicas ou particulares inacessíveis ao público, solicitando, ainda, eventualmente, sua retificação, quando as informações não conferirem com a verdade, estiverem ultrapassadas ou implicarem discriminação”.

E, ainda, na mesma linha, o entendimento de Diomar Ackel Filho:

Habeas data é a ação mandamental, sumária e especial, destinada à tutela dos direitos de cidadão a frente dos bancos de dados, a fim de permitir o fornecimento das informações registradas, bem como sua retificação, em caso de não corresponder à verdade(ACKEL, 1991).

     Por derradeiro, mas não menos importante, aponta Firmín Morales Prats:

habeas data, ou conjunto de direitos que garante o controle da identidade informática, implica o reconhecimento do direito de conhecer, do direito de correção, de subtração ou anulação, e de agregação sobre os dados depositados num fichário eletrônico. Esse elenco de faculdades, que derivam do princípio de acesso ao banco de dados, constitui a denominada ‘liberdade informática’ ou direito ao controle dos dados que respeitam ao próprio indivíduo (biológicos, sanitários, acadêmicos, familiares, sexuais, políticos, sindicais...).

 A extensão deste writ (eis que sua natureza é obviamente mandamental) se orienta não só no sentido de se obter acesso, mas, igualmente, no sentido de obter a correção de dados.

Pense-se no exemplo de alguém, que num processo de família, uma discussão de guarda, faça denúncia anônima contra a parte ex adversa, apenas para induzir o Juízo em erro (fraude processual, diga-se de passagem, nos termos do artigo 347 CP), se a Polícia Militar quiser privilegiar o segredo ou sigilo de fonte, demonstrada razão jurídica para tanto (a fundada suspeita), pode-se pedir, via habeas data, o acesso a essa informação ainda que a luz do princípio da ponderação (pelo óbvio que se deve registrar o pedido junto ao Comando da base da PM para obter uma negativa formal para daí se impetrar o habeas data).

Há situações inusitadas como a verificada no julgamento do RE 673.707 pelo STF em que se asseverou que o habeas data é a garantia constitucional adequada para a obtenção, pelo próprio contribuinte, dos dados concernentes ao pagamento de tributos constantes de sistemas informatizados de apoio à arrecadação dos órgãos da administração fazendária dos entes estatais. O cipoal governamental e documental é gigantesco, às vezes que você lança a nota de venda de um carro à Fazenda Estadual e o DER quer arrecadar IPVA porque não se comunicou a venda.

Não se perca de vistas o fato de que ao contrário do habeas corpus, a impetração de habeas data depende de um ministério advocatício prévio (como por exemplo) se tratar de um advogado, de um promotor, um procurador fazendário etc. Não se tem admitido que os interessados, ainda que réus presos, o façam diretamente por analogia ao habeas corpus – STF HD 95.

Não se quer ideologizar o debate, mas o regime militar de 1.964 resultou, em certos períodos (cada ideologia dando sua versão) na suspensão de garantias constitucionais, incluindo o habeas corpus. Também cassou direitos políticos, fechou o Congresso Nacional e aposentou magistrados. Além disso, construiu-se uma força policial, que buscou a aquisição de inúmeras informações de cidadãos para a garantia da integridade do regime governamental.

Em matéria foi publicada no site www.folha.com.br, pelo jornalista Rubens Valente é exposto que o antigo Serviço Nacional de Informações, as Delegacias Especializadas em Ordem Política e Social, e os serviços reservados da Marinha, Exército e Força Aérea, tinham um amplo estoque de dados pessoais de cidadãos, os quais, sem surpresa nenhuma, eram ínvios aos mesmos.

Estes dados continham informações sobre convicções filosóficas, políticas, religiosas e orientações pessoais do cidadão, violentando a garantia constitucional à intimidade, por isso a preocupação do constituinte quando houve a mudança de regime em garantir esse direito de conhecimento e correção de dados.

Nesta época, para se obter estes dados, o cidadão necessitava se utilizar de outros remédios constitucionais, como o mandado de segurança ou o habeas corpus. Entretanto, na parte majoritária, não se obtinha sucesso, por alegação de sigilo de informações por força de segurança nacional.

Exigia-se, desta maneira, não somente afirmar esses direitos, mas criar uma ação específica para tal situação. Assim o habeas data foi estabelecido dentro da CF/88, no artigo 5º, inciso LXXII, que garantiu ao cidadão acesso a informações de caráter pessoal registradas em órgãos do Estado, facultando ao interessado retificar tais informações. Segundo Lívia Santos Petitinga, a inclusão do habeas data em nossa Constituição deve-se à proposta do constitucionalista José Afonso da Silva (2001).

Desta maneira, o habeas data tomou efeito de remédio constitucional, fundado em uma garantia, nos termos do advento da norma contida no artigo 5º, inciso LXXII, da Constituição Federal de 1988, que assim versa:

Conceder-se-á habeas data:

a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros públicos ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público;

b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo.

E também na lei ordinária de número 9.507, que tem como ementa "regular o direito de acesso a informações e disciplinar o rito processual do habeas data", composta por pouco mais de vinte artigos. A exemplo de demandas como a monitória, a petição do habeas data tem a peculiaridade de ter que vir acompanhada com prova pré-constituída, sobretudo de negativa de acesso aos dados ou seu equívoco. Nesse sentido, inclusive, já se posicionou o Superior Tribunal de Justiça:

STJ - AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO HABEAS DATA AgInt nos EDcl no HD 407 DF 2020/0039920-8 (STJ) Data de publicação: 07/10/2020 PROCESSUAL CIVIL. HABEAS DATA. PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. AUSÊNCIA. 1. Prescreve o art. 10 da Lei n. 9.507/1997 que "a inicial será desde logo indeferida, quando não for o caso de habeas data, ou se lhe faltar algum dos requisitos previstos nesta Lei". 2. Segundo o art. 8º, parágrafo único, I, do mesmo diploma legal, a petição inicial deverá ser instruída com prova "da recusa ao acesso às informações ou do decurso de mais de dez dias sem decisão". 3. Hipótese em que a peça vestibular não foi acompanhada de prova documental pré-constituída das alegações por ela veiculadas, notadamente da recusa ao acesso às informações, em desacordo com os arts. 8º e 10 da Lei n. 9.507/1997 e com a Súmula 2 do STJ. 4. Agravo interno desprovido.

A respeito da natureza jurídica do instituto do habeas data, eis prática alusão em acórdão do Supremo Tribunal Federal:

O ‘habeas data’ configura remédio jurídico-processual, de natureza constitucional, que se destina a garantir em favor da pessoa interessada, o exercício de pretensão jurídica discernível em seu tríplice aspecto: a) direito de acesso aos registros existentes; b) direito de retificação dos registros errôneos e c) direito de complementação dos registros insuficientes ou incompletos. Trata-se de relevante instrumento de ativação da jurisdição constitucional das liberdades, que representa, no plano institucional, a mais expressiva reação jurídica do Estado às situações que lesem, efetiva ou potencialmente, os direitos da pessoa, quaisquer que sejam as dimensões em que estes se projetem" (STF, HD 75/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 19-10-2006).

A finalidade do habeas data é garantir o direito de conhecimento da existência de dados relacionados à pessoa do impetrante, à emenda destes dados, caso desacertado, e a suplementação, através de contestação ou explicação. Deve ser impetrado (não proposto) eis que visa a defesa de liberdades individuais, que são cláusulas pétreas.

Segundo o §3º do artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor o consumidor deve exigir correção sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e cadastros e o arquivista, tem o prazo de cinco dias úteis, para comunicar a alteração aos eventuais destinatários das informações incorretas. A respeito dos bancos de dados e cadastros de consumidores, no artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor, define que:

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Os bancos de dados e cadastros cumprem função essencial nas relações de consumo, na medida que possibilitam aos fornecedores e consumidores informações primordiais, no que pertine ao crédito e à qualidade dos produtos e serviços fornecidos. Entretanto, as informações arquivadas devem ser precisas, verdadeiras e juridicamente legais, ou seja não prescritas, a teor do art. 43, §§ 1º e 5º, sob pena de sua indevida utilização configurar abuso de direito, passível de indenização por dano moral e material. Assim, depreende-se, de todo o exposto, que é necessário assegurar que os bancos de dados e cadastros, mais especificamente os conhecidos serviços de proteção ao crédito, exercitem suas funções com responsabilidade, equidade, e imparcialidade, respeitando e garantindo os direitos dos consumidores, assim como a transparência e veracidade das informações arquivadas. (NICOLDI, s/d).

Para ingressar com habeas data, a Lei nº 9.507/97, o advento da norma contida em seu artigo 8º, afirma que o impetrante deve comprovar a recusa ao acesso ou retificação das informações ou o decurso injustificado de prazo pela autoridade, sob pena do processo ser extinto – vale aqui a necessidade de comprovação do acrônimo NUA – necessidade x utilidade x adequação que seria a base do interesse de agir ou interesse processual.  Observe-se:

STF - NO HABEAS DATA AgR HD 108 DF DISTRITO FEDERAL 0021270-30.2019.1.00.0000 (STF) Data de publicação: 20/11/2019 INTERESSE - HABEAS DATA. Ausência de comprovação de recusa em fornecer ou retificar informações, nos termos do artigo 8º , parágrafo único , incisos I e II , da Lei nº 9.507 /1997, caracteriza falta de interesse processual. (HD 108 AgR, Relator (a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 05/11/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-253 DIVULG 19-11-2019 PUBLIC 20-11-2019)

Sobre o órgão jurisdicional competente para julgar o habeas data, a indicação é feita em razão da qualidade da autoridade dita coatora.  Ao Supremo Tribunal Federal compete processar e julgar, o habeas data contra atos do:

  • Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador Geral da República e do próprio Tribunal (Constituição Federal, artigo 102, inciso I, alínea ‘d’).
  • Ministro de Estado, dos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ou do próprio Tribunal (Constituição Federal, artigo 105, inciso I, alínea ‘b’). Compete também ao Supremo Tribunal Federal o julgamento do habeas data decidido em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão (Constituição Federal, artigo 102, inciso II, alínea ‘a’).
  • Próprio Tribunal ou de juiz federal (Constituição Federal, artigo 108, inciso I, alínea ‘c’).

Compete aos juízes federais processar e julgar o habeas data contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competências dos tribunais acima descritos (Constituição Federal, artigo 109, inciso VIII).

Ao Supremo Tribunal Federal compete conhecer em recurso ordinário, o habeas data denegado pelos Tribunais Regionais Eleitorais (Constituição Federal, artigo 121, §4º, inciso IV).

No âmbito da Justiça Estadual, os próprios Estados-membros que estabelecem a competência para julgar o habeas data entre seus Tribunais e juízes, de acordo com as Constituições e Leis de Organização Judiciária Estaduais (Constituição Federal, artigo 125). Segue exemplo pertinente:

Competência – Habeas data – Impetração por 2º Tenente contra o comandante do 5º BPM/M, requerendo vista de seu prontuário, com os conceitos emitidos, visto que não logrou a promoção esperada ao cargo de 1º Tenente, sem que lhe fossem informadas as razões e negadas quando pedidas – Conhecimento originário incabível – Hipótese em que, não figura o impetrado dentre os integrantes do elenco taxativo que se submetem à competência originária do Tribunal de Justiça – Art. 74, III da Constituição do Estado – Impetração não conhecida – Determinada a remessa à Vara da Fazenda Pública (TJSP. Habeas data 167.964-1 – Relator: Renan Lotufo - São Paulo – 02.06.92).

            Na impetração de uma ação de habeas data há que se ficar atento para os seguintes passos:

  1. Deve ser veiculado através de uma petição inicial, que deverá preencher os requisitos dos artigos 319 e seguintes úteis do Código de Processo Civil (tal como apontado pelo advento da norma contida no artigo 8º da Lei nº 9.507/97), com atenção à causa de pedir remota – dado a ser apresentado ou corrigido e à causa de pedir próxima – recusa de acesso ou à correção.
  2. Ao ingressar com o habeas data, juntar todas as provas que garantam o seu direito ao acesso às informações que pretende ou sua retificação – conveniente que apresente comprovação de recusa o que, se apontou acima, se faz mediante um prévio requerimento (com fixação de prazo razoável para atendimento e com comprovação da recusa em se deferir).
  3. Manifestação e intervenção obrigatória do Ministério Público que atua como fiscal da lei – custus legis.
  4. Juiz  deve proferir sentença em 5 dias – prazo este, obviamente, impróprio – mas hoje em tempos de cronologia de atendimento (artigo 12 CPC) há como se exigir certidão cartorária para conferir se outro feito, sem preferência passou à frente no sentenciamento.
  5. Se julgar procedente o pedido, o juiz marcará data e hora para que o coator apresente ao impetrante as informações a seu respeito.

Quanto a essas peculiaridades, Arnold Wald afirma no sentido de que:

Tendo em vista o caráter dinâmico dos bancos de dados, com o constante registro de novas informações, o habeas data, em princípio, não estará sujeito a qualquer prazo decadencial ou prescricional. O pedido sempre poderá ser encaminhado, a qualquer momento. É possível, até mesmo, que se façam pedidos periódicos a um determinado banco de dados, para verificação se as informações continuam as mesmas ou se houve a anotação de alguma alteração. Assim, pelo princípio da actio nata, a cada pedido administrativo negado estará nascendo a possibilidade de uma nova impetração. E os pedidos administrativos poderão ser apresentados a qualquer tempo.

Sobre a questão de sigilo de dados:

Não há consenso doutrinário a respeito ao cabimento do habeas data em relação a dados e registros protegidos pelo sigilo, em prol da segurança da sociedade e do Estado. Alguns autores, entre eles o constitucionalista Alexandre de Moraes(2006), entendem ser descabida a alegação de sigilo dos dados frente ao próprio impetrante, uma vez que ‘o direito de manter determinados dados sigilosos direciona-se a terceiros que estariam em virtude da segurança social ou do Estado, impedidos de conhecê-los, e não ao próprio impetrante, que é o verdadeiro objeto dessas informações, pois se as informações forem verdadeiras, certamente já eram de conhecimento do próprio impetrante, e se forem falsas, sua retificação não causará nenhum dano à segurança social ou nacional.

A orientação é que o direito de receber dos órgãos públicos informações de interesse particular, em sede de habeas data, não possui natureza absoluta, cedendo aos dados protegidos por sigilo, em prol da segurança social ou do Estado – por exemplo questões que estejam protegidas pela Lei de Acesso à Informação (informações militares podem ficar em sigilo, por até trinta anos, antes de uma divulgação). Sobre a questão, notadamente no sentido de se recorrer à ponderação já decidiu o Tribunal da Cidadania:

“EMENTA CONSTITUCIONAL. HABEAS DATA . MILITAR DA AERONÁUTICA. MATRÍCULA EM CURSO DA ECEMAR. PEDIDO INDEFERIDO. ACESSO A DOCUMENTOS FUNCIONAIS. NEGATIVA DA ADMINISTRAÇAO. REGRA CONSTITUCIONAL BASILAR: PUBLICIDADE. EXCEÇAO: SIGILO. ORDEM CONCEDIDA. 1. "O" habeas data" configura remédio jurídico-processual, de natureza constitucional, que se destina a garantir, em favor da pessoa interessada, o exercício de pretensão jurídica discernível em seu tríplice aspecto: ( a) direito de acesso aos registros existentes; ( b) direito de retificação dos registros errôneos e ( c ) direito de complementação dos registros insuficientes ou incompletos. Trata-se de relevante instrumento de ativação da jurisdição constitucional das liberdades, que representa, no plano institucional, a mais expressiva reação jurídica do Estado às situações que lesem, efetiva ou potencialmente, os direitos fundamentais da pessoa, quaisquer que sejam as dimensões em que estes se projetem” (HD 75/DF, Rel. Ministro CELSO DE MELLO, Informativo STF 446, de 1º/11/2006). 2. A exceção ao direito às informações, inscrita na parte final do inciso XXXIII do art. 5º da Constituição Federal, contida na expressão" ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado", não deve preponderar sobre a regra albergada na primeira parte de tal preceito. Isso porque, embora a Lei 5.821/72, no parágrafo único de seu art. 26, classifique a documentação como sendo sigilosa, tanto quanto o faz o Decreto 1.319/94, não resulta de tais normas nada que indique estar a se prevenir risco à segurança da sociedade e do Estado, pressupostos indispensáveis à incidência da restrição constitucional em apreço , opondo-se ao particular, no caso o impetrante, o legítimo e natural direito de conhecer os respectivos documentos, que lastrearam, ainda que em parte, e, assim digo, porque deve existir, também, certo subjetivismo na avaliação, a negativa de sua matrícula em curso da Escola de Comando e Estado Maior da Aeronáutica ECEMAR, como alegado. 3. A publicidade constitui regra essencial, como resulta da Lei Fundamental, art. 5º, LX, quanto aos atos processuais; 37, caput , quanto aos princípios a serem observados pela Administração; seu 1º, quanto à chamada publicidade institucional: 93, IX e X, quanto às decisões judiciais, inclusive administrativas, além de jurisprudência, inclusive a Súmula 684/STF, em sua compreensão. No caso, não há justificativa razoável a determinar a incidência da exceção (sigilo), em detrimento da regra. Aplicação, ademais, do princípio da razoabilidade ou proporcionalidade, como bem ponderado pelo órgão do Ministério Público Federal. 4. Ordem concedida”. (STJ, Habeas Data 91, 3ª Seção, Min. Rel. Arnaldo Esteves Lima, J. 14/03/2007).

habeas data pode ser aplicado em vasto campo de proteção. No atual contexto em que as informações correm aceleradamente, não podemos olvidar que dados pessoais corram por cadastros, para fins nem sempre corretos. A facilidade de armazenamento, processamento e envio de dados através de redes virtuais favorecem esse cenário.

O artigo 21 da Lei dos Habeas Data tem gerado, igualmente, acalorados debates, e, em síntese, pode-se apontar o seguinte: Referido dispositivo, em verdade, confere a gratuidade das custas iniciais (e respectivas despesas), mas não cobre as custas recursais (entendimento majoritário da jurisprudência) nem mesmo impede a condenação às verbas sucumbenciais – a norma de ser de interpretação restrita, notadamente no que tange a direitos de terceiros (os advogados, sobretudo por força da disposição clara de lei posterior, qual seja, o artigo 85 e seus consectários CPC de 2015)

Assim, o habeas data tem um papel essencial para preservação do direito à intimidade e acesso a dados pessoais, é um instrumento fundamental de respeito aos direitos e garantias fundamentais.

Referências

ACKEL FILHO, Diomar. Ritos Constitucionais. 2ª edição. São Paulo. Editora Saraiva, 1991.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www.mj.gov.br /dpdc/>. Acesso em 30 set. de 2016.

MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 15ª ed. Editora Atlas, 2006.

MORALES PRATS, Fermín. El Código penal de 1995 y la protección de los datos personales, Jornadas sobre el derecho español de la protección de datos personales, Madrid 28-30 octubre 1996.

NICOLODI, Márcia. Bancos de dados e cadastros. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em http://jus.com.br/artigos/4263. Acesso em 30 de setembro de 2016.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001.

WALD, Arnoldo. Habeas Data. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

Sobre o autor
Julio César Ballerini Silva

Advogado. Magistrado aposentado. Professor da FAJ do Grupo Unieduk de Unitá Gaculdade. Coordenador nacional dos cursos de Pós-Graduação em Direito Civil e Processo Civil, Direito Imobiliário e Direito Contratual da Escola Superior de Direito – ESD Proordem Campinas e da pós-graduação em Direito Médico da Vida Marketing Formação em Saúde. Embaixador do Direito à Saúde da AGETS – LIDE.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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