A Lei nº 9.876/1999 limitou o período básico de cálculo do salário de benefício e criou uma regra de transição mais gravosa. Explico melhor.
A essência de uma regra de transição, no direito previdenciário, é ser mais benéfica para o segurado que já era filiado ao regime quando uma nova norma entra em vigor. Ocorre que, no caso do artigo 3º da Lei nº 9.876/1999, a regra de transição tornou-se mais gravosa para os segurados do Regime Geral de Previdência Social (RGPS).
A Lei nº 9.876, de 26 de novembro de 1999, entrou em vigor em 29/11/1999 e determinou que, para o segurado filiado à Previdência Social até o dia anterior à data de sua publicação, o cálculo do salário de benefício para a concessão dos benefícios do RGPS consideraria a média aritmética simples dos maiores salários de contribuição correspondentes a, no mínimo, 80% do período contributivo, limitado somente ao período posterior a julho de 1994.
Surge, então, a questão: quem possui contribuições anteriores a julho de 1994 ficará prejudicado? Entendo que essas pessoas não podem ser prejudicadas. É nesse contexto que surgem os questionamentos que fundamentam a ampliação do período básico de cálculo do salário de benefício do INSS, conhecida como a "tese da revisão da vida toda". Em outras palavras, a tese defende que a Previdência considere todo o período contributivo do segurado, caso isso resulte em um benefício mais vantajoso.
Em suma, o autor da ação sustenta que o cálculo a ser aplicado ao seu benefício é aquele da regra mais vantajosa. Logo, mesmo já sendo filiado ao RGPS quando publicada a Lei nº 9.876/1999, teria direito à aplicação da regra que considera o cálculo do salário de benefício com base na média aritmética simples dos maiores salários de contribuição correspondentes a 80% de todo o período de contribuição, multiplicada pelo fator previdenciário (art. 29, inciso I, da Lei nº 8.213/91).
Breve histórico do caso
O segurado (V.M.M., masculino), filiado ao INSS no estado de Santa Catarina, após negativa da Justiça Federal de primeira instância, interpôs recurso de apelação ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), pleiteando que o cálculo da RMI considerasse a média de todos os salários de contribuição, conforme a redação atual do art. 29 da Lei nº 8.213/91, e não apenas os salários posteriores a julho de 1994, contrariando a regra de transição do art. 3º da Lei nº 9.876/99.
Para preparação de recursos futuros, o segurado opôs embargos de declaração visando esclarecer melhor a decisão do TRF-4, mas os argumentos foram rejeitados.
Inconformado, simultaneamente interpôs Recurso Extraordinário, alegando violação aos artigos da Constituição Federal (art. 5º, caput e inciso XXXVI; 37, caput; e 201, caput e §1º), e Recurso Especial.
No Recurso Extraordinário, argumentou que, devido à relevância econômica e social do caso, que afetaria um grande número de beneficiários sofrendo consideráveis perdas em seus benefícios, o tema deveria ser apreciado com repercussão geral.
Apesar dos argumentos, o Vice-Presidente do TRF-4 não admitiu ambos os recursos.
Interposição do Agravo
Em casos dessa natureza, quando há juízo de inadmissibilidade pelo presidente ou vice-presidente do tribunal de origem, a única alternativa é submetê-los ao duplo juízo de admissibilidade mediante agravo em recurso especial (art. 1.030, V, do CPC).
No caso específico, como o juízo de admissibilidade do recurso especial foi negativo, restou ao segurado interpor agravo (art. 1.042 do CPC), que não permite retratação. Assim, o caso foi imediatamente encaminhado ao tribunal superior.
Caso no STJ
No Superior Tribunal de Justiça (STJ), o relator determinou a conversão do agravo em recurso especial. A Primeira Seção da Corte submeteu o processo ao rito dos recursos especiais repetitivos, suspendendo o andamento de todos os processos com o mesmo tema em território nacional (Tema 999, STJ).
Em dezembro de 2019, o tribunal decidiu favoravelmente aos segurados, estabelecendo a seguinte tese: "Aplica-se a regra definitiva prevista no art. 29, I e II da Lei 8.213/1991, na apuração do salário de benefício, quando mais favorável que a regra de transição do art. 3º da Lei 9.876/1999, aos segurados que ingressaram no RGPS até o dia anterior à publicação da Lei 9.876/1999."
Fórmula de cálculo atual
I – Para aposentadoria por idade e tempo de contribuição, a média aritmética simples dos maiores salários de contribuição correspondentes a 80% de todo o período contributivo, multiplicada pelo fator previdenciário;
II – Para aposentadoria por invalidez, aposentadoria especial, auxílio-doença e auxílio-acidente, a média aritmética simples dos maiores salários de contribuição correspondentes a 80% de todo o período contributivo (art. 29 da Lei nº 8.213/91).
Para trabalhadores filiados ao RGPS antes de 29 de novembro de 1999, a regra de transição determina:
Cálculo do salário de benefício com base na média aritmética simples dos maiores salários de contribuição correspondentes a, no mínimo, 80% do período contributivo desde julho de 1994;
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Para aposentadoria por idade, tempo de contribuição e aposentadoria especial, o divisor da média não pode ser inferior a 60% do período de julho de 1994 até o início do benefício, limitado a 100% de todo o período contributivo (art. 3º da Lei nº 9.876/99).
Caso no STF
Contra a decisão do STJ, o INSS interpôs recurso extraordinário, alegando violação à Constituição Federal e à EC nº 103/19, que limitou o cálculo dos benefícios previdenciários às contribuições posteriores a julho de 1994.
Em agosto de 2020, a Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Vice-Presidente do STJ, admitiu o recurso extraordinário, determinando a suspensão dos processos sobre o tema e encaminhando-o ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Atualmente, o caso tramita no STF sob o Recurso Extraordinário RE 1.276.977 (Tema 1102), sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio.