Pretendemos, de maneira breve, esclarecer as principais distorções nos repasses do Fundo de Participação dos Municípios - FPM – inseridas em nosso ordenamento pela LC 91/97. Cabe-nos ressaltar, contudo, que ante a vasta e profunda discussão jurídica do tema não há como esgotá-lo em breve opinião.
A referida LC 91/97, com a redação dada pela LC 106/01, criou os chamados redutores financeiros, que vieram a incidir sobre o ganho adicional criado na mesma legislação. É o que se depreende da leitura de seu artigo 2°, in verbis:
"Art. 2° A partir de 1° de janeiro de 1999, os ganhos adicionais em cada exercício, decorrentes do disposto no § 2° do art. 1° desta Lei Complementar, terão aplicação de redutor financeiro para redistribuição automática aos demais participantes do Fundo de Participação dos Municípios – FPM, na forma do que dispõe o § 2° do art. 91 da Lei n° 5.172, de 25 de outubro de 1966, com a redação dada pelo Decreto-lei n° 1.881, de 27 de agosto de 1981.
§ 1° O redutor financeiro a que se refere o caput deste artigo será de:
I – vinte por cento no exercício de 1999;
II – quarenta por cento no exercício de 2000;
III – trinta pontos percentuais no exercício financeiro de 2001;
IV – quarenta pontos percentuais no exercício financeiro de 2002;
V – cinqüenta pontos percentuais no exercício financeiro de 2003;
VI – sessenta pontos percentuais no exercício financeiro de 2004;
VII – setenta pontos percentuais no exercício financeiro de 2005;
VIII – oitenta pontos percentuais no exercício financeiro de 2006;
IX – noventa pontos percentuais no exercício financeiro de 2007.
§ 2o A partir de 1o de janeiro de 2008, os Municípios a que se refere o § 2o do art. 1o desta Lei Complementar terão seus coeficientes individuais no Fundo de Participação dos Municípios – FPM fixados em conformidade com o que dispõe o caput do art. 1o." (sem destaques no original)
São evidentes as distorções práticas que ocorreram com o advento da referida LC. De pronto, examinemos alguns conceitos inerentes à questão, sobretudo os de coeficiente individual de participação do Município, redutor financeiro e ganho adicional.
O coeficiente individual de participação de cada Município brasileiro, também denominado de coeficiente de repasse do FPM, é calculado até o último dia útil de cada exercício pelo TCU, com base na projeção populacional repassada pelo IBGE até o final de outubro do ano em curso, com fulcro no Regimento Interno do referido Tribunal.
Já o ganho adicional surgiu porque a LC 91/97 manteve para o exercício de 1998 os mesmos coeficientes de participação do FPM atribuídos aos Municípios em 1997, mesmo para aqueles que apresentaram redução de seus coeficientes pela aplicação do disposto no parágrafo 2º do art. 91 do Código Tributário Nacional. O ganho adicional nada mais é do que um percentual que é retirado do coeficiente de participação anterior de determinado Município, uma vez que esse coeficiente foi calculado com base numa estimativa populacional defasada, que não correspondia ao seu número real de habitantes. O percentual retirado é novamente adicionado, não mais como definitivamente incorporado, mas como um acréscimo temporário. A justificativa, portanto, é a necessidade de adequação do coeficiente do Município ao seu novo contingente populacional. A lei estabelece ainda que, a partir de 1º de janeiro de 1999, os ganhos adicionais desses Municípios em cada exercício sofrerão um redutor financeiro para redistribuição aos demais participantes do Fundo de Participação dos Municípios – FPM.
Logo, o redutor financeiro é uma porcentagem prevista na LC 91/97 que irá incidir sobre a diferença entre o coeficiente original de determinado Município e seu coeficiente real, ambos explicados anteriormente.
Neste contexto, são 1.520 (mil quinhentos e vinte) Municípios afetados pelo redutor financeiro. Destes, 77,48% (setenta e sete vírgula quarenta e oito por cento) possuem população inferior a 23.772 (vinte e três mil setecentos e setenta e dois) habitantes, Municípios esses que vivem quase que exclusivamente dos repasses do FPM, devido à dificuldade de apurar receita própria.
O intuito da LC 91/97 é de que no final do referido prazo – 2007 – as distorções existentes nos repasses referentes ao FPM estejam sanadas. O objetivo, portanto, é este: dois Municípios de um mesmo Estado e dentro da mesma faixa populacional deverão ter, em 2008, coeficiente de participação idêntico, por participarem igualmente do montante de direito de cada Estado. Caso isto não aconteça, os Municípios não poderão ser prejudicados, em obediência aos Princípios da Igualdade, do Federalismo e da Autonomia Financeira.
Noutros termos: um Município com 22.000 (vinte e dois mil habitantes) tinha 1,6 como coeficiente no ano de 1997. Em 1999, sob a égide da LC 91/97, tal município passou a ter coeficiente real de 1,2, com ganho adicional de 0,4, sobre o qual incidiu o redutor financeiro. Comparando com outro Município dentro do mesmo Estado, mesmo coeficiente (1,2), com a mesma população (22.000 ha.) e que não esteja sofrendo o redutor (já que não tem o ganho adicional), resta óbvio que o primeiro deveria estar recebendo quantia superior dos repasses do FPM até 2008. Não é, contudo, o que se verifica na prática.
Com efeito, a partir do ano de 2004, observou-se, na prática, que Municípios em situação idêntica à referida no parágrafo anterior já apresentavam distorções em seus repasses de FPM. Tais distorções se iniciaram de forma heterogênea em cada estado da Federação, devido a diversas diferenças no tocante à sistemática do cálculo de repasse do FPM, tais como a variação no volume total de recursos a ser repassado, a variação nos percentuais de participação de cada Estado e o número de Municípios integrantes de cada qual. Todos estes fatores influenciam diretamente o valor individual que cada ente integrante de determinado Estado tem a receber. Com isso estamos dizendo que um Município que sofre redutor financeiro sobre o ganho adicional está recebendo verba inferior a outro que possui a mesma população e portanto mesmo coeficiente, mas que não sofre o redutor da LC 91/97. Veja-se que isto está ocorrendo sistematicamente: um Município com coeficiente de 1,2 acrescido de ganho adicional de 0,4 (1,6, portanto) está recebendo MENOS que outro Município do mesmo Estado que tem apenas o coeficiente de 1,2 sem qualquer coeficiente de ganho adicional! Não há coerência nestes cálculos!
Ora, este efeito involuntariamente provocado pela lei revela-se extremamente danoso para as municipalidades, pois provocou o agravamento na escassez de recursos, que culminou com a diminuição da RCL - Receita Corrente Líquida, aumentando o índice de despesa de pessoal para além dos 54% permitidos pela LRF – Lei de Responsabilidade Fiscal.
Infelizmente, estamos diante de mais uma dentre outras inúmeras falhas do legislador que, ao criar mecanismos técnicos para corrigir distorções existentes, acaba provocando distorções ainda maiores.