Tipos infracionais de demissão submetidos à proporcionalidade e à razoabilidade

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08/03/2021 às 14:48

Resumo:


  • A aplicação da demissão no serviço público federal deve ser regulada pelos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

  • As hipóteses de demissão previstas no Estatuto dos Servidores Públicos Federais (Lei 8.112/90) devem ser analisadas caso a caso, considerando a gravidade da infração e as circunstâncias atenuantes ou agravantes.

  • O controle judicial do mérito do processo disciplinar é permitido quando a penalidade aplicada excede os limites da razoabilidade e proporcionalidade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O propósito do presente artigo é fazer um sumário exame das hipóteses de demissão em processo administrativo disciplinar previstas no Estatuto dos Servidores Públicos Federais.

Resumo: O propósito do presente artigo é fazer um sumário exame das hipóteses de demissão previstas no Estatuto dos Servidores Públicos Federais. Não somente os tipos infracionais de suspensão devem ser submetidos ao critério de ponderação e sopesados no momento da aplicação da penalidade. Também aqueles previstos como hipótese de demissão devem ser regulados à luz da proporcionalidade e da razoabilidade, que funcionam como vetores dos demais princípios e visam conformar o ordenamento jurídico ao Estado Constitucional, erguido em torno da dignidade da pessoa humana e do devido processo legal.

Palavras-chave: Demissão. Servidores Públicos. Proporcionalidade. Razoabilidade. Estado Constitucional.


1. INTRODUÇÃO

Apesar de a jurisprudência dos tribunais superiores ter assentado que os tipos infracionais de demissão do servidor público, em processo administrativo disciplinar, também estão submetidos ao controle de proporcionalidade e de razoabilidade, ainda grassa, na administração pública, a tese de que não é possível flexionar a punição naqueles casos em que o estatuto disciplinar prevê exclusivamente a demissão como medida de reprovação.

A sumária revista dos tipos infracionais do art. 132. tem por finalidade chamar a atenção para a forma aberta dessas figuras delitivas e, consequentemente, às recorrentes dificuldades que oferecem para o julgamento nos moldes fixados pelo art. 128. (atenuantes e agravantes) da Lei 8.112/90, bem como do art. 2º e seu parágrafo único (adequação de meios e fins), como mecanismos normativos para a persecução do justo, a fim de se evitar injustiças e abusos. São observações que demonstram de forma cabal a necessidade de se compreender que a norma deve ser compreendida e aplicada, não apenas pelo critério subsuntivo da regra ao fato, mas especialmente sob o comando dos princípios.

Recentemente, veio a lume a Lei 13.655/18, que acrescentou novos dispositivos à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro1. Destaca-se o § 2º do art. 22. que reza que “na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a administração pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente”.

A nova regulação não se trata de novidade, mas de reforço ao entendimento que vem se sedimentando ainda com resistência nos tribunais estaduais e regionais do efetivo controle judicial, não apenas do procedimento, mas também da matéria de mérito do processo disciplinar, sempre que ela transbordar os parâmetros de razoabilidade e de proporcionalidade.


2. OS TIPOS EM ESPÉCIE

Com o propósito de rediscutir o assunto, será feito um retrospectivo exame das infrações disciplinares que ensejam demissão ou cassação de aposentadoria à luz da proporcionalidade e da razoabilidade. Para tanto, será utilizado o Estatuto dos Servidores Públicos Federais, Lei 8.112/90, onde se encontram descritas, nos incisos IX a XVI do art. 117. e art. 132, as hipóteses de demissão. 2 3

Passemo-los em revista, com ênfase em seus principais aspectos doutrinários e jurisprudenciais que possam contribuir para instigar o controvertido debate sobre a matéria.

2.1. Crimes contra a Administração Pública

Crimes contra a administração pública são aqueles descritos no Código Penal: peculato (art. 312); extravio, sonegação ou inutilização de livro ou documento (art. 314); emprego irregular de verbas ou renda públicas (art. 315); concussão (art. 316); excesso de exação (art. 316, § 1º); corrupção passiva (art. 317); facilitação de contrabando ou descaminho (art. 318); violação de sigilo funcional (art. 325); violação do sigilo de proposta de concorrência (art. 326), sem perder de vista os crimes contra as finanças públicas, previstos nos arts. 359-A a 359-H, contra a licitação pública (Lei 8.666/93) e outros da legislação especial.

Justifica-se a demissão em razão da presumida gravidade dos tipos penais, mas, vale dizer, nem todo crime contra a administração contém, necessariamente, a pecha da gravidade hábil a impor a pena de demissão. É o caso do peculato culposo, onde não está presente o elemento subjetivo da desonestidade. E aqui não se pode considerar razoável entendimento diverso, pois tampouco guarda proporção com a gravidade da ofensa exigida, que um servidor imprudente, negligente ou imperito seja tratado no mesmo nível que aquele que agiu deliberadamente de má-fé, com a vontade livre e consciente de praticar o delito.

Assim, devem também ser tratadas outras figuras delitivas de pequeno potencial ofensivo que, analogamente ao que sucede no processo penal com a suspensão do processo, não justificaria apenar o servidor drasticamente, sem que do fato decorra prejuízo ao erário ou que importe em grave ofensa à moralidade administrativa, denotando comprovada índole desonesta.

De fato, nem toda conduta criminosa, ainda que amoldada no tipo doloso, representa gravidade. José Armando da Costa, após elencar o peculato culposo, a prevaricação (art. 319), a condescendência criminosa (art. 320), a advocacia administrativa (art. 321), a violência arbitrária (art. 324) e o exercício funcional ilegalmente antecipado ou prolongado (art. 324), pondera que, “a menos que o agente público se exacerbe demasiadamente na efetivação de tais condutas”, a demissão não se mostraria proporcional, pois, “em regra, referidas hipóteses não trazem em si maior gravidade nem revelam a existência de desonra ou desonestidade capazes de legitimar a imposição de reprimenda disciplinar capital”. (COSTA, 2004, p. 522)

Chama atenção, neste sentido, que até mesmo no caso de peculato doloso, tem-se uma notável decisão em processo administrativo disciplinar em que o Conselho Superior da Defensoria Pública de Minas Gerais deixou de aplicar a pena de cassação de aposentadoria de defensor público acusado na esfera penal de peculato e que ressarcira o dano antes da sentença. A decisão reconhecera a desproporcionalidade da perda da aposentadoria, inclusive levando em conta a idade do acusado, que contava com mais de sessenta anos.4

Vale ainda não perder de vista que, como só o Poder Judiciário pode dizer o que é e o que não é crime, a demissão na presente hipótese só poderá ocorrer depois que houver trânsito em julgado da decisão, exigência essa que a AGU não descurou de observar, conforme se depreende de seu parecer:

A demissão com base no art. 132, inciso I, da Lei nº 8.112/90, somente será cabível com o trânsito em julgado de sentença criminal condenatória. A independência das instâncias possibilita a demissão por infrações disciplinares desde que o enquadramento proposto seja diverso do art. 132, inciso I, da Lei nº 8.112/90. 5

De qualquer forma, resta patente que a administração pública deve sempre se pautar por critérios de razoabilidade e de proporcionalidade sempre que tiver que estabelecer não só o enquadramento da conduta à correta tipificação, mas sobretudo de verificar qual é a efetiva gravidade do fato, o que exige desprendimento da mecânica, subsunção do fato à norma.

2.2. Abandono de Cargo

O abandono de cargo se consuma pela falta ao serviço por mais de trinta dias, conforme art. 138: “Configura abandono de cargo a ausência intencional do servidor ao sérvio por mais de trinta dias consecutivos”.

A doutrina exige dois requisitos para a caracterização do ilícito: o objetivo, que consiste na certidão probatória das faltas; e o subjetivo, que consiste no animus abandonandi, isto é, na intenção de se desligar do cargo.

Nem sempre é fácil examinar o quesito subjetivo, como ocorre nos casos em que o servidor, em razão das circunstâncias, vê-se impossibilitado de trabalhar e de fazer prova dessa impossibilidade. Veja-se a situação do servidor acometido de depressão e que tem um surto depressivo prolongado, não consegue licença médica, por ausência de sintomas inequívocos, e se ausenta do serviço por mais de trinta dias. Seria razoável demiti-lo? Há entendimentos divergentes. Quem entende que é cabível a demissão sustenta que é ônus do servidor produzir a prova de sua incapacidade; quem entende contra alega que a administração precisa ter certeza da intenção de abandonar o cargo, uma vez que o ônus de provar é da administração. Havendo pelo menos dúvida, impõe-se o arquivamento do processo administrativo. Veja a ementa deste acórdão do STJ, por meio da qual se vê que, “embora não comunicadas à administração”, a mera existência das faltas “afastam a presença do animus abandonandi:

[...] é entendimento firmado no âmbito desta e. Corte que, para a tipificação da infração administrativa de abandono de cargo, punível com demissão, faz-se necessário investigar a intenção deliberada do servidor de abandonar o cargo. II -Os problemas de saúde da recorrente (depressão) ocasionados pela traumática experiência de ter um membro familiar em quadro de dependência química, e as sucessivas licenças médicas concedidas, embora não comunicadas à administração, afastam a presença do animus abandonandi. Recurso ordinário provido.6

O STF cristalizou esse entendimento no voto do ministro Sepúlveda Pertence, digno de nota em suas passagens mais ilustrativas, in verbis:

[...] estou convencido, após detida análise do conjunto probatório constante dos autos, de que os procedimentos administrativos instaurados para averiguar a ocorrência do fenômeno do abandono de cargo lograram comprovar, apenas, um dos elementos tipificadores da infração disciplinar em tela, qual seja, o de natureza objetiva, consubstanciado na falta ao serviço. Não tiveram êxito, porém, na apuração do seu elemento subjetivo, relacionado à intenção dessa ausência, na existência do desprezo pela atividade funcional exercida pelo respectivo servidor, o que, enfim, configuraria, na sua inteireza, o denominado animus abandonandi. [...] O abandono de emprego pressupõe a ausência injustificada do servidor público e a manifesta intenção de não mais retornar ao serviço. 7

Com efeito, manifesta-se irrazoável e desproporcional a pena de demissão nessas hipóteses em que não há prova cabal do animus abandonandi e tampouco demonstração inequívoca do servidor de que não tinha intenção de se desligar do cargo. Sendo a demissão uma pena destinada para casos gravíssimos, em que a permanência do servidor no serviço se mostra incompatível com a moralidade administrativa ou outro fundamento que revele absoluta incapacidade do exercício da função pública. Inexistente essa incompatibilidade, a demissão não se mostra em consonância com a dignidade da pessoa humana e o devido processo legal à pena máxima.

Portanto, cabe asseverar que o ônus de provar a presença dos dois requisitos do abandono de cargo é da administração, prova que deve ser inequívoca, pois, se houver elementos mínimos que fragilizem essa certeza, como ocorre em casos de letargia do servidor, decorrente de casos de depressão ou distúrbios psíquicos, não está configurada a intenção de abandono do cargo.

Aqui sobreleva a observância da dignidade da pessoa humana como fio condutor de exames dos fatos, pautados, como não poderia deixar de ser, por critérios de equidade, congruência, equivalência (razoabilidade), bem como adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

2.3. Inassiduidade Habitual

A inassiduidade habitual é a “falta ao serviço, sem causa justificada, por sessenta dias, interpoladamente, durante o período de doze meses”, conforme o art. 139. Exige os mesmos requisitos objetivos e subjetivos do abandono de cargo, com a diferença de que, nesta hipótese, as faltas não são contínuas.

Embora o enunciado não mencione, tal como faz no abandono de cargo, que haja “ausência intencional”, é de se entender, balizados na razoabilidade, que é de rigor o animus abandonandi, pois não seria justa a demissão sem a certeza de que o servidor agiu para além da mera negligência. Afinal, conduta culposa não pode ser justa causa para demissão. Nesse sentido, a 3ª Seção do STJ decidiu que:

3. A 3ª Seção desta Corte Superior de Justiça já firmou entendimento no sentido de que "em se tratando de ato demissionário consistente no abandono de emprego ou inassiduidade ao trabalho, impõe-se averiguar o animus específico do servidor, a fim de avaliar o seu grau de desídia." (cf. MS nº 6.952/DF, Relator Ministro Gilson Dipp, in DJ 2/10/2000).

MS 8291/DF, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Terceira Seção, DJe 05.05.2003.

Vê-se que o requisito subjetivo é também da essência dessa falta disciplinar, apesar de o legislador não haver feito expressa menção à intencionalidade, como fez no caso do art. 139, no que decidiu bem a 3ª Seção do STJ, certamente balizado pelos princípios da razoabilidade.

Assim como no abando do cargo e pelos mesmos fundamentos, deve se aferir a razoabilidade e a proporcionalidade da pena demissória nesta hipótese, para aplicar uma sanção sem que haja a efetiva comprovação de atitude deliberada do servidor público.

2.4. Improbidade Administrativa

Improbidade, sinônimo de conduta desonesta, é o ato praticado pelo servidor público consistente em, segundo os arts. 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/92: a) enriquecimento ilícito; b) lesão ao erário; c) ofensa aos princípios da administração pública. A lei foi editada em 1992 – conforme sugere a alcunha de “Lei Anticorrupção” dada à época – precisamente para regular atos atentatórios ao Erário Público que importem obtenção de vantagem indevida pelos agentes públicos e visava regulamentar o § 4º do art. 37. da CF.8

A improbidade administrativa tem referência no ordenamento constitucional desde a Constituição de 1891 (art. 54, 6º) e nas seguintes, sendo que, nos anos 50, passou a ter previsão na Lei dos Crimes de Responsabilidade (Lei 1.079/50), conforme registro de Garcia e Alves (2002, p. 136). No entanto, somente com a Constituição Federal de 1988, o termo passou a ter aplicação generalizada para todo servidor público.

Como não poderia deixar de ser, improbidade é ato que pressupõe a má-fé da conduta, portanto, o aspecto subjetivo desse ilícito é de natureza estritamente dolosa. Pelo menos, deveria ser assim, mas o art. 10. da lei 8.429 destoa dessa finalidade, ao prever a possibilidade de se punir danos ao erário ainda que a título de culpa.9 Está-se aqui diante daquilo que José Armando da Costa chama de “desproporcionalidade constitucional”:

Nesse dispositivo pode-se constatar o absurdo do legislador prevendo a pena capital de demissão para uma conduta faltosa apenas negligente. Tal absurdo, além de ser inconstitucional, incorre, em petição de princípio, pois como, de sã consciência, admitir a desonestidade de alguém por conduta funcional involuntária. A falta de razoabilidade de tal norma ecoa de modo desbragado e retumbante. O seu diagnóstico jurisdicional, por conseguinte, não deverá ser outro que não o timbre de inconstitucionalidade. (COSTA, 2004, p. 129).

Apesar disso, o entendimento do STJ se inclinou no sentido da constitucionalidade da pena de demissão, mesmo sem a existência de dolo, em decorrência de ser natureza civil e não penal as ações de improbidade administrativa.10 Segundo o STJ:

[...] 3. Não é compatível com essa jurisprudência a tese segundo a qual, mesmo nas hipóteses de improbidade capituladas no art. 10. da Lei 8.429/92, é indispensável a demonstração de dolo da conduta do agente, não bastando a sua culpa. Tal entendimento contraria a letra expressa do referido preceito normativo, que admite o ilícito culposo.

(STJ - REsp 1130584 PB 2009/0056875-1 (STJ). Publicação: 21/09/2012).

Efetivamente, a natureza civil da ação de improbidade não pode implicar na desnaturação do conceito doloso de improbidade e tampouco permitir o nivelamento na forma de tratar atos praticados com deliberado propósito de causar dano ao erário, como aqueles causados por mera incúria do agente público. A doutrina não é unívoca, pois, conforme assinala Natacha Maldonado Severo (2014) e autores, como Márcia Noll Barboza, Emerson Garcia e Rogério Alves “a improbidade administrativa, com o advento da Lei n° 8.429/92, superou o conceito de desonestidade, adquirindo um significado normativo próprio, que afasta o significado semântico usualmente utilizado”.11

Ocorre que tratar o ilícito culposo no mesmo nível que o doloso, para fins de apenar o servidor público por danos ao erário em processo administrativo, ofende os fundamentos sob os quais se ergue todo o edifício do Estado, justamente seu sistema de normas instruídos pelo direito. Ora, há de se convir que o direito punitivo do Estado não pode ser fragmentado em vários sistemas, ainda que se diga que as esferas penal, cível e administrativa são autônomas, pois dessa autonomia não surge um novo sistema.12 O direito é uno, tal qual é uno o Estado. 13

Por certo, o desprezo pela unidade do jus puniendi e seus fundamentos jurídicos leva a concluir que a essência do princípio da razoabilidade, que consiste em estabelecer uma relação de congruência entre o fato e sua consequência jurídica, restou desprezado, de onde sucede que também a proporcionalidade da pena, que decorre de um nexo causal entre os meios e os seus fins, da mesma forma, foi igualmente ignorada, por conta de uma sanha equivocada e desastrosa para o fortalecimento do Estado Democrático de Direito, instiga, por vezes, pela pura demagogia do falso encantamento com as soluções açodadas para se combater os cupins e outras pragas que corroem as instituições públicas.

2.5. Incontinência Pública e Conduta Escandalosa

Incontinência pública é o ato praticado pelo servidor público fora do serviço público, mas que repercute em seu dever de se comportar de acordo com a moral e os costumes vigentes. Caracteriza-se, em geral, por comportamento deveras indecente e deve possuir lastro em conceitos objetivos e consensuais de grave imoralidade pública apta a lhe causar a perda do cargo público. A conduta escandalosa está associada à incontinência pública por motivos similares, com a diferença que é praticada no interior da repartição pública.

Em razão das variadas formas de se interpretar o que são bons costumes ou o que é grave ou não, em se tratando de imoralidade na vida privada, os agentes públicos, incumbidos de apreciar a profusão de desatinos pessoais e frequentes nos quadros da administração pública, não devem perder de vista o necessário juízo de ponderação e balanceamento para se evitar excessos. Nesse sentido, está-se aqui diante de uma clara e precisa hipótese da possibilidade de a conduta do servidor ser desclassificada para outra modalidade menos gravosa, quando se verificar que o ato em si não tem a pecha de grave imoralidade, e a vida funcional pregressa do servidor não possuir máculas reiteradas de desajustes e desequilíbrio que impeçam a mitigação da pena. Imagine-se um servidor com muitos anos de serviço público, com conduta funcional exemplar e impecável, já próximo de se aposentar, e que venha praticar ato formalmente amoldável ao tipo infracional, v.g. flagrado fazendo sexo com uma namorada na repartição. Seria adequada, necessária e proporcional a medida? O STJ já anulou decisão administrativa em que a imputação dessa figura delitiva não estava presente, in verbis:

[...] A espécie indicada na Portaria de instauração do Processo Administrativo Disciplinar - incontinência pública e conduta escandalosa - é definida pela doutrina e jurisprudência como comportamento que não se ajusta aos limites da decência, ou seja, que mereça censura de seus semelhantes, e que esteja revestida de publicidade ou repercussão pública, de modo que a prática imputada ao recorrente não pode ser enquadrada na referida previsão. 4. Recurso ordinário provido.

(STJ - RMS 18728 RO 2004/0107688-4 , publicação: 06/04/2015).

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Não pode haver, por óbvio, subjetividade na apreciação de tipos que têm por conteúdo aquilo que a doutrina chama de conceitos indeterminados. Não se desconhece, é árdua a tarefa do intérprete nesta seara, pois é onde se conflagram diferentes formas de aceitação e irresignação com os desatinos nos costumes, como é o caso do exemplo citado, cujo grau de reprovação pode variar por causa da região (urbana ou rural, metrópoles ou cidades interioranas), do grau de instrução e formação cultural prevalecente no ambiente de trabalho (médicos, procuradores, professores, policiais, serventuários da justiça, atendentes, faxineiros, entre outros), além de circunstâncias como o ambiente social da esfera privada do servidor, no caso de incontinência pública, ou da repartição pública, no caso de conduta escandalosa, e que são fatores que influenciam o exame de reprovação da conduta.

2.6. Insubordinação Grave em Serviço

O adjetivo já indica que não basta haver, certamente, insubordinação, isto é, deixar de cumprir ordens. É preciso que haja gravidade suficiente na conduta para se concluir que o servidor deve ser apenado com a demissão.

Esse tipo infracional está diretamente conectado com o dever de obediência hierárquica, que consiste em obedecer a ordens. Se o Estado existe para cumprir o comando constitucional e legal, seus agentes, órgãos diretos dessa pessoa jurídica, fazem o mesmo e, aliás, como ensinam as primeiras e clássicas linhas do direito administrativo, só podem fazer o que a lei determina.

Nesse passo, não há que se confundir o desleixo em cumprir ordens, o que seria absurdo manifesto. Para essa infração existe outra descrição, que se encontra no art. 116, IV, e está sujeita a simples pena de advertência (art. 129).

Para haver demissão, faz-se necessário que haja uma colisão frontal intensa e altamente reprovável à ordem emanada da autoridade superior, bem como que redunde em inequívoco prejuízo grave ao serviço. Sem esses requisitos, a pena de demissão recai em medida injusta. (COSTA, 2005).14 Somente o caso concreto indica a decisão correta, de modo a assegurar o perfeito ajustamento do fato ao tipo legal adequado, mediante o duplo juízo de razoabilidade e de proporcionalidade.

O minucioso manual de José Armando da Costa faz instrutiva comparação da forma como infração dessa natureza era tratada nos anos 50, em caso de insubordinação por causa de greve no serviço público, reportando ao seguinte parecer da Consultoria Geral da República:

Contra a administração pública, a greve constitui crime. Em preparação, como simples tentativa, ou consumada, nos centros ferroviários, dado o caráter fundamental de seus serviços, ela é uma insubordinação grave. Insubordinação grave em serviço é ato de indisciplina que compreende não só a greve, como os atos de sua instigação, pela repercussão, que estes produzem nos espíritos menos avisados, como desafio à autoridade, e ameaça à ordem pública.

(Consultoria Geral da República, Parecer T-398/54, in DOU de 5.5.1954)

Em um tempo onde a lei não fazia menção expressa da razoabilidade, como critério de dosimetria na penalidade disciplinar – posto que a norma ainda era interpretada exclusivamente pelo critério subsuntivo e o neopositivismo ainda davas seus primeiros passos – não deve causar perplexidade essa postura. Ao olhar de hoje, é manifestamente irrazoável e desproporcional, sem parâmetro algum de um Estado efetivamente fundado pelos pilares que lhe daria, décadas depois, a Constituição de 1988.

Aqui se reitera que os exames dos fatos devem ser pautados por critérios de equidade, congruência, equivalência (razoabilidade), bem como adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

2.7. Ofensa Física em Serviço

Conforme o enunciado do tipo descrito no inciso VII do art. 132. da Lei 8.112/90, a infração se caracteriza em atingir o corpo de uma pessoa, ou seja, invadir a sua incolumidade física. A pena de demissão será resultado de cuidadosa ponderação entre a intensidade da ofensa e suas consequências não só para o ofendido, mas também para o serviço público. Esse acento pode redundar em uma advertência ou suspensão e deve sempre ser feito quando se tratar de comportamentos irregulares que podem variar de um corriqueiro empurrão a uma lesão corporal de repercussão criminal (art. 129. do Código Penal).

Ademais, o devido controle de balanceamento da conduta do ofensor e da vítima impõe o exame de todas as circunstâncias que podem levar o delito de demissão a uma simples advertência ou, inclusive, ao reconhecimento da legítima defesa, aliás, expressamente previsto como excludente de ilicitude. Para tanto, é do direito penal que se extraem os requisitos dessa excludente de antijuridicidade e que exige: a) que haja atualidade ou iminência da agressão; b) que seja injusta; c) que os meios sejam necessários; e d) que ocorra em favor de direito próprio ou alheio (PRADO, 2005, p. 406.).

O sopesamento deve levar em conta critérios objetivos, sempre tendo em mira a possibilidade de buscar a melhor solução para o regular funcionamento do serviço público, que é a realização do interesse público.

2.8. Aplicação Irregular de Dinheiros Públicos

Desde logo, cumpre diferenciar lesão aos cofres públicos (inciso X) da aplicação irregular de dinheiros públicos (inciso VIII). Ambas parecem semelhantes pelo fato de haver prejuízo ao erário, mas, enquanto que a hipótese do inciso X pressupõe a obtenção de alguma forma de vantagem (material ou imaterial) ao servidor ou a terceiros, a presente figura infracional se realiza sem a obtenção de vantagens pessoais e o prejuízo se perfaz com o mau gasto da verba pública ou, como diz o tipo, mediante aplicação irregular de dinheiros públicos.

Por esta razão, cumpre examinar, à luz da proporcionalidade, se subsistiria validade em equiparar ambas as condutas para o fim de demissão, conforme prevê o art. 132, se não for comprovada conduta dolosa do infrator, mas imprudência, negligência ou imperícia, causada por, v.g., inépcia em tratar com o dinheiro público. Deve parecer clara a ressalva, pois não há congruência e tampouco adequação da demissão em tais circunstâncias, afinal, o propósito da demissão é o desligamento definitivo do serviço público do servidor desonesto, e não do inepto, cuja aptidão para o cargo é examinada pela administração pública, durante seu período probatório. A forma de tratar o comportamento displicente daquele que detém o manuseio de dinheiro público deve ser distinta daquela do servidor que tenha índole ímproba.

2.9. Revelação de Segredo do qual se Apropriou em Razão do Cargo

Desde logo, cumpre ressaltar que essa infração tem em vista a proteção da segurança pública e não dos agentes do Estado. E, com relação aos interesses por estes guardados, também não se deve perder de vista o princípio da publicidade e da transparência de seus atos, que, em regra, são acessíveis a todos brasileiros, de maneira que o controle do acesso e divulgação de informações sigilosas existentes nos órgãos do Estado devem ser protegidos somente quando a informação puder ser classificada como sigilosa pela lei. Tal fato determinará quais assuntos deverão ficar restritos e quais pessoas terão acesso às informações, bem como o dever de guardar sigilo.15

Já o parágrafo 5º do art. 24. da Lei 12.527/11 prevê que o grau de sigilo deverá observar o interesse público da informação, utilizando-se o critério menos restritivo possível, tendo em vista: “I - a gravidade do risco ou dano à segurança da sociedade e do Estado; e II - o prazo máximo de restrição de acesso ou o evento que defina seu termo final" (Art. 24, §§ 1º a 5º, da Lei 12.527/11), sendo que o § 2º do art. 31. prevê que todo aquele que tiver “acesso às informações de que trata este artigo será responsabilizado por seu uso indevido”.

Vê-se, portanto, que a revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo é causa de demissão devido à relevância da informação revelada, desde que bem sopesada a gravidade da conduta, isto é, a intensidade do dolo. Não se deve confundir essa infração com aquela do art. 116, VIII, que prevê como dever do servidor “guardar sigilo sobre assunto da repartição”, punível com simples advertência16. Patente constatar que, neste caso, além dos padrões de gravidade definidos pela Lei 12.527/11, cabe à administração o devido exame de proporcionalidade para verificar a adequação da conduta a uma das duas espécies infracionais; em seguida, verificar a pena menos gravosa, isto é, aquela que melhor se ajusta à intensidade da reprovação da conduta.

2.10. Lesão aos Cofres Públicos e Dilapidação do Patrimônio Nacional

Conforme se viu no tópico 2.8, a aplicação irregular de dinheiros públicos e a lesão aos cofres públicos se assemelham no sentido de serem espécies de prejuízo ao erário público, mas se diferenciam pelo fato de que, enquanto naquela o prejuízo não implica em apropriação pessoal dos valores, a lesão aos cofres públicos se caracteriza precisamente pelo fato de o prejuízo ao erário ser decorrente de apropriação de valores pelo servidor público.

Trata-se de norma criada para a proteção do dinheiro público e que impõe ao servidor o dever de zelar por toda a verba que fique em sua posse ou detenção. Na lição de Alberto Bonfim,

Vale ressaltar que a fatispécie consistente em lesão aos cofres públicos exige como pressuposto o furto, a apropriação indébita ou o desvio de dinheiro público em espécie. Tal infração poderá, ainda, revestir uma das modalidades de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário, consoante o disposto no art. 10, e seus incisos, da Lei nº 8.429/92. (COSTA, 2004, p. 491).

É de ver também que o tipo previsto no inciso X da Lei 8.112/90 é composto pela figura da dilapidação do patrimônio nacional que com a lesão não se confunde, porque, conforme Alberto Bonfim:

Não se deve confundir o “patrimônio nacional” com os “cofres públicos”. Naquele, os bens são fixos, permanentes, perenes. Nestes, os valores são variáveis, flutuantes, mobilizáveis. Naquele, os bens não são destinados a venda nem a conversibilidade em dinheiro. Nestes, os bens são conversíveis em moeda, quando já não existentes nessa forma. (BONFIM, 1967, p. 67. apud COSTA, 2004, p. 492).

Em ambas as figuras, são essenciais os tipos para que haja conduta dolosa, pois não é admissível que se considere como ato desonesto e praticado com a índole de má-fé o prejuízo de lesionar ou de dilapidar bens públicos por mera imprudência, negligência ou imperícia. Essa observação se faz pertinente depois da edição da Lei nº 8.429/90, cujo caput do art. 10. prevê que

Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, admite-se a perda do cargo público e demais sanções do art. 12. da Lei 8.429/90 por conduta culposa, quando o agente público causa grave lesão ao erário público: “A improbidade administrativa está associada à noção de desonestidade, de má-fé do agente público, do que decorre a conclusão de que somente em hipóteses excepcionais, por força de inequívoca disposição legal, é que se admite a sua configuração por ato culposo.” (artigo 10, da Lei 8.429/92) STJ – a RESP 939.118-SP, rel. Min. Luiz Fux, julgado em 15.2.2011, DJe. 1.3.2011.No mesmo sentido: RESP 479.812—SP, rel. min. Teori Zavaski, julgado em 16.12.2010; RESP 758.639-PB, rel. min. José Delgado, julgado em 28.3.2006.

Com efeito, ao tratar como caso de demissão as figuras típicas genericamente denominadas como “prejuízo ao erário”, em qualquer uma das hipóteses existentes na Lei 8.429/92 e na Lei 8.112/90, estar-se-ia colocando no mesmo nível de reprovação atos infracionais muito distintos. Afinal, a improbidade administrativa pressupõe uma ação ou omissão deliberada e consciente de causar uma ofensa à administração pública e, como é corrente na doutrina e na jurisprudência, ímprobo é o agente público desonesto, ardiloso, sorrateiro, que age às ocultas, visando obter proveito para si ou para outrem. Nas palavras de Aristides Junqueira:

Pode-se conceituar improbidade administrativa como espécie do gênero imoralidade administrativa, qualificada pela desonestidade de conduta do agente público, mediante a qual este se enriquece ilicitamente, obtém vantagem indevida, para si ou para outrem, ou causa dano ao erário. (JUNQUEIRA, 2001, p. 107).

Quanto às infrações do inciso X, é firme o posicionamento da doutrina, lição de Costa, de que a conduta dolosa é essencial para a demissão, nos moldes da razoabilidade e proporcionalidade:

Dessume-se daí que a infração disciplinar em exame, compreendendo tanto o dano aos cofres públicos como a dilapidação do patrimônio nacional, somente restará caracterizada como susceptível de ensejar a pena disciplinar capital (demissão) quando, além de conter uma razoável porção de desonestidade, tenha o funcionário faltoso agido com voluntariedade. (COSTA, 2004, p. 493).

Portanto, fere a adequação, por não ser idônea a conduta culposa ao conceito de desonestidade comumente aceito; fere à necessidade, uma vez que, in concreto, pode se revelar uma medida mais gravosa do que a devida para atingir o propósito fixado pela norma.

2.11. Corrupção

Se é certo considerar que os tipos infracionais em geral possuem um campo de interpretação mais largo do que os previstos na lei penal, pode-se com certeza afirmar que a corrupção administrativa prevista no inciso XI do art. 132. é um desses tipos que permitem grande amplitude. Desde logo, cumpre verificar que essa figura ilícita não se confunde com a corrupção passiva prevista no art. 317. do Código Penal 17que, a propósito, já tem previsão como crime contra administração pública no art. 132, I, retro abordado.

Na presente hipótese, o conceito de corrupção é mais largo, não exigindo necessariamente nem a hipótese da modalidade passiva e nem ativa (art. 333).18 Na corrupção passiva, o servidor solicita ou recebe vantagem e responde por esse recebimento quando o crime é praticado por terceiro. Assim, a corrupção ativa, quando se realiza mediante a aceitação da vantagem, sempre traz junto a forma passiva do art. 317.

Na forma de infração disciplinar, a corrupção, não sendo própria do art. 317. do CP, c.c. inciso I do art. 132. da Lei 8.112/90 – hipótese esta que exigiria o trânsito em julgado da decisão judicial – permite puni-lo por amplos motivos, o que remete a considerações acerca da reprovação normativa prevista pelo legislador. Ivan Barbosa Rigolin já teve oportunidade de assim se manifestar:

A corrupção, por exemplo, referida singelamente no inciso XI, pode revestir formas infinitas, cujo aspecto multifário é a cada dia ampliado pela criatividade humana, que nesse terreno se demonstra mais fértil do que talvez em qualquer outro. Parece com efeito inesgotável a imaginação corruptora do homem, muito mais célebre em evolução que aquela voltada a contê-la. Desse fato não pode descuidar a administração, mas também não pode com relação à ampla defesa que precisa garantir ao servidor, antes de demiti-lo do serviço público.” (RIGOLIN, 1995, p. 231. apud COSTA, 2004, p. 496).

A AGU também considera que, “no campo do Direito Disciplinar, não importa se o funcionário exige, se solicita, se recebe ou se aceita a vantagem indevida. Se se pune o menos (se o funcionário recebe), deve-se punir o mais (se exige). Ao praticar uma ação, o funcionário pode infringir diversas normas, vários deveres ou violar diferentes proibições”. (Parecer Nº GQ-124/1997, 1997).

Se é admissível um largo espectro de condutas enquadráveis como corrupção, tanto mais se torna presente o controle de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito para que não reste campo de discricionariedade alguma para a administração aplicar pena de demissão, pois, conforme se viu, não há margem alguma para conveniência e oportunidade em fazer o exame do justo e do injusto nesta seara coercitiva, onde imperam os ditames básicos de todo e qualquer estatuto que visam atingir a liberdade ou outros direitos fundamentais atinentes à dignidade da pessoa humana.

2.12. Acumulação Ilegal de Cargos

A acumulação ilegal de cargos é norma proibitiva, prevista no art. 37, XV da Constituição Federal,19 e passível de demissão, conforme inciso XII do art. 132. Trata-se de infração disciplinar regida pelo rito sumário que, em razão de suas peculiaridades, tem traços distintivos dos demais ilícitos. O aspecto mais saliente dessa distinção se refere à instauração de procedimento prévio em que se oportuniza o direito de optar por um dos cargos e, somente depois, após constatar a inércia ou negativa do servidor, é que o art. 133. da Lei 8112/90 determina o processamento.20

Aparentemente, embora a natureza da conduta do servidor que acumula cargos indevidamente não permita à administração outra alternativa a não ser a demissão, aqui também se revela patente a exigência de um juízo de razoabilidade e de proporcionalidade para se examinar situações específicas que podem resvalar para um tratamento inadequado e desnecessário.

De pronto, tem-se o exame de uma situação muito frequente na Administração Federal que decorre da imposição de limite da jornada de até sessenta horas para o servidor que tem a permissão de acumular cargos. Trata-se do Parecer nº GQ – 145 da AGU, de 16 de março de 1998, e Parecer nº AC – 054, de 27, de setembro de 2006. Neste caso, a orientação é que a permissão de acumular deve ser relativizada caso se extrapole o limite daquela jornada, como já decidiu o STJ, no caso de cargos privativos da saúde, por entender que fere a “dignidade da pessoa humana” o exercício de jornada exaustiva e que, ainda, pode vir a comprometer o bom desempenho das funções.21

Não só os cargos da saúde, também os demais cargos estão inseridos na orientação normativa. Assim, um servidor não poderia acumular dois cargos públicos cuja jornada totaliza setenta horas (40 + 30), como ocorreria, por exemplo, caso tivesse um cargo de professor em uma universidade federal (40 horas) e outro cargo técnico ou científico em outro ente federativo (30 horas). Embora possa não haver necessariamente incompatibilidade de horários22, como exige a norma da CF e do § do art. 118. da Lei 8.11223, o entendimento baseado nos aludidos pareceres é de que a norma deve ser ponderada e balanceada para restringir o alcance da permissão constitucional de acumular cargos.

Ainda que se abstraísse a inequívoca inconstitucionalidade dos pareceres frente aos citados dispositivos constitucionais acerca das exceções à proibição de acumular cargos, melhor solução não haveria em favor da restrição, pois se trata da colisão do princípio da eficiência – o que não se ignora ser uma conveniência administrativa pautada por critérios de razoabilidade, reconheça-se – mas que não pode colidir com outros princípios e direitos fundamentais da pessoa de poder prover sua subsistência, conforme sua capacidade e necessidade. Aqui vale fazer reiterar o estudo de Alexy ao tratar dos princípios como mandamento de otimização, no qual aplica uma engenhosa equação em que cada princípio possui um peso determinado. Após uma operação de perfil matemático, prevaleceria aquele que obtivesse maior pontuação. (ALEXY, 2014).

Sempre que se fala em otimização de princípios, fala-se em ponderação e balanceamento – vertentes da razoabilidade e da proporcionalidade. De fato, além de inconstitucional, mostra à toda vista irrazoável a tese de que, em função da eficiência do serviço público, dever-se-ia restringir o direito fundamental ao livre exercício do trabalho, previsto no art. 5º, XIII da CF. 24 Ora, sucede que as decisões dos tribunais, inclusive aquela retro citada do STJ, contraria entendimento antes exarado pela Segunda Turma do STF que foi firme ao dizer que “a existência de norma infraconstitucional que estipula limitação de jornada semanal não constitui óbice ao reconhecimento do direito à acumulação prevista no art. 37, XVI, c, da Constituição, desde que haja compatibilidade de horários para o exercício dos cargos a serem acumulados” (STS – 2ª Turma, RE 633298 AgR / MG, Rel. min. Ricardo Lewandowski, publicado em 14.2.2012). E mais, o próprio STJ, através de sua Primeira Seção, também já havia decretado que não é possível obstar o direito à acumulação de cargos prevista na Constituição Federal, verbis:

1. É licita a acumulação de cargos nas hipóteses previstas na Constituição Federal , quando comprovada a compatibilidade de horários. Exegese do disposto nos arts. 37. , inc. XVI , da Constituição Federal e 118 , 2º , da Lei nº 8.112 /1990.

2. A jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de afastar o Parecer AGU GQ-145/1998, no que tange à limitação da carga horária máxima permitida nos casos em que há acumulação de cargos, na medida em que o referido ato não possui força normativa para regular a matéria.

(STJ – 1ª Seção MS 15.663/DF, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 3/4/12).

A controvérsia jurisprudencial – muito embora diminuída pelas decisões citadas – é um ponto de referência neste trabalho que visa, justamente, demonstrar o quão desafiante é a aplicação de critérios dosimétricos em temas como o da acumulação de cargos quando há colisão de princípios.

Por fim, vale ainda passar em revista outro desdobramento deste assunto referente à extensão da proibição de acumular cargo com proventos de aposentadoria, igualmente vedada pela Constituição Federal, no § 10 do art. 37, ou seja, o servidor não pode exercer cargo público se já estiver recebendo proventos de aposentadoria de outro cargo que não se enquadra nas exceções das alíneas do inciso XVI do mesmo artigo.25 O dispositivo tem previsão no § 3º do art. 118. da Lei 8.112/90 no mesmo sentido, “salvo quando os cargos de que decorram essas remunerações forem acumuláveis na atividade”. Por esta razão, o Supremo Tribunal Federal decidiu que "a acumulação de proventos e vencimentos somente é permitida quando se tratar de cargos, funções ou empregos acumuláveis na atividade, na forma prevista na Constituição". (STF – Recurso Extraordinário nº 163.204-6/SP, rel. min. Carlos Veloso, DJU 31.3.1995).

Contudo a regra comporta temperamento, como ocorre na hipótese do servidor que se aposenta em cargo técnico científico de dedicação exclusiva e que vem a ocupar cargo de professor. Há registro de casos em que o entendimento da administração pública é pelo impedimento fulcrado na regra do §10 do art. 37, sob a alegação de que, se havia impedimento de acumular na atividade, a proibição perdura depois da inatividade. Como demitir em processo administrativo nestas circunstâncias? A irrazoabilidade desse entendimento parece evidente.

Com efeito, se o cargo técnico/científico do qual se desligou tinha impedimento por ser de dedicação exclusiva, tal circunstância dizia respeito a fatores extrínsecos à natureza do cargo, decorrente de conveniência do legislador em impedir que se dedique a outra função durante a atividade, de modo, por certo, a atender algum interesse público para essa restrição. Todavia, sendo, por definição constitucional, acumulável com outro de professor, a razão de ser daquele interesse público originário não mais pode subsistir após o desligamento. O Tribunal de Minas Gerais já teve oportunidade de se manifestar a respeito, exarando o entendimento de que a medida fere a razoabilidade.

1. À luz do princípio da razoabilidade, a gratificação de dedicação exclusiva paga aos servidores aposentados no cargo técnico de Supervisor Escolar não obsta, nos termos do art. 37, inc. XVI, "b", da CR/88 a que o inativo reingresse no serviço público no cargo de professor, já que a dedicação exclusiva própria do primeiro cargo não impedirá o desempenho das novas atribuições de magistério.

2. - Sentença mantida, no reexame necessário, e prejudicado o recurso voluntário.

(TJMG – 8ª Câmara Cível, 1.0702.04.123574-9/003, rel. desemb. Edgar Penna Amorim, julgado em 04/05/2006).

Trata-se de uma decisão que examinou não apenas o “dever de congruência”, conforme cita Ávila (2015), que informa a razoabilidade, mas, embora não esteja expresso no texto do acórdão, tem por igual fundamento o pressuposto da proporcionalidade, ao se constatar a ausência de adequação da demissão de servidor naquela hipótese, isto é, inexistência de uma relação de causalidade entre os meios (demissão) e fins (resguardar a legalidade).

2.13. Transgressões aos Incisos IX a XVI do Art. 117

Valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública

Este tipo infracional, de natureza estritamente dolosa, consiste em fazer uso do cargo visando obter alguma vantagem material ou imaterial, mediante conduta comissiva ou omissiva, quando tinha o dever de se abster ou de agir para evitar a ocorrência de evento que lhe outorgue indevidamente proveito próprio ou de terceiros. A conduta decorre do oportunismo de se aproveitar do status funcional, produzindo um resultado moralmente deturpado que afeta o erário ou ofende a dignidade da função pública exercida.

Como bem observa Costa, “trata-se de transgressão de índole formal, o que significa que ela se configura mesmo quando o insinuado ou exigido proveito pessoal ilícito não chegue a se concretizar. Por essa razão, nessa mesma linha, Ivan Barbosa Rigolin ressalta que o “inc. IX contém uma norma de cunho moral, sobremaneira subjetiva e dificilmente avaliável quanto aos seus exatos limites”, entretanto “não resta dúvida de que apenas em casos gritantemente lesivos a esta ordem poderá haver coibição eficaz contra quem pratique o excesso”. (RIGOLIN, p. 213. apud COSTA, 2004, p. 386).

Em razão da natureza indeterminada do conceito de “valer-se do cargo”, de “proveito” e “dignidade da função pública”, a análise de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito se faz inequivocamente presente e indispensável em praticamente toda e qualquer situação concreta, seja para verificar a existência de infração relevante, seja para alterar o enquadramento, seja para graduar a pena nos moldes em que não se agrida padrões básicos de medida de justiça, sob pena de nulidade do ato.

De pronto, sobressai que, sem intenção deliberada de praticar um injusto, sabendo que é indevido, querendo ou assumindo o risco do resultado ilícito (dolo eventual), não há que se falar nesta figura delitiva, por inadequação da gravidade que lhe é própria. Se os agentes públicos encarregados de processar e punir o servidor não tiverem a compreensão de que a norma não é apenas regra e que os princípios são inerentes ao exame de reprovação, pode suceder desmedida punição para casos que só na aparência formal deste inciso IX do art. 117. se vê infração gravíssima.

Pode haver, por exemplo, uso do cargo para obtenção de vantagens para si ou para terceiro que não tenha, objetivamente, prejuízo ao erário ou ofensa à dignidade do cargo, restando uma mera irregularidade. Imagine-se um chefe de repartição que venha a usar de sua influente função pública, por exemplo, para “furar” fila de banco, alegando uma urgência comprovadamente inexistente. Não há dúvida que teria usado do cargo para obter uma vantagem através de um ardil reprovável para um servidor em cargo de chefia, conduta que poderia ensejar talvez uma advertência, mas se mostraria irrazoável e desproporcional a demissão.

Manifestamente, uma situação como essa evidencia que, sem ponderação e balanceamento, qualquer regra poderia levar a absurdos indesejáveis ao equiparar condutas de baixa e de elevada reprovação. Este é um dos casos em que o Judiciário pode adentrar o mérito administrativo, anulando o ato de demissão, no entanto, conforme se viu nos pareceres da AGU, em casos em que a conduta está tipificada no art. 132, a administração não poderia evitar a medida drástica.

Participação em gerência ou administração de empresas

Este tipo proíbe que o servidor exerça, concomitante com o cargo, atividades de comando em empresa privada, sendo permitido tão somente que participe na qualidade de acionista, cotista ou comanditário. A CGU, em salutar parecer, mitigou o rigor da proibição, ao considerar que não basta que o servidor figure abstratamente como gerente ou administrador, fazendo-se necessário que a função seja efetivamente exercida, conforme se extrai do seguinte parecer:

[...] o mandamento deste inciso pode ser entendido de forma mais restrita, configurando-se apenas com comprovação da gerência, da administração ou do comércio de fato, não bastando figurar de direito. Quanto à gerência ou administração, se a empresa nunca operou ou não opera desde o gerente ou o administrador foi investido em cargo público, pode-se inferir que não haverá afronta à tutela da impessoalidade se o servidor figurara como tal na sociedade, visto que, na prática, não se cogitará de vantagem indevida, tanto a ele mesmo quanto à sociedade. (OLIVEIRA FILHO, 2011).

Essa é uma aplicação inequívoca da razoabilidade para descaracterizar incidência da grave penalidade pela administração pública e demonstra que não basta haver uma leitura da norma apenas como uma regra abstrata e desconectada de outros elementos de convicção.

Advocacia administrativa

A infração do inciso XI do art. 117. consiste em “atuar, como procurador ou intermediário, junto a repartições públicas, salvo quando se tratar de benefícios previdenciários ou assistenciais de parentes até o segundo grau e de cônjuge ou companheiro”. Prevista no Código Penal de 1940 26, a advocacia administrativa figura como ilícito disciplinar como infração gravíssima.

No que pese a salutar proibição da norma de que o serviço público seja um instrumento indevido para a promoção de interesses alheios à função do servidor, penalizando assim o servidor que indevidamente confunde interesses particulares com o público, é preciso aqui verificar que gravidade tem o caso concreto e a conduta do servidor para sofrer a perda do cargo.

Sem um juízo de valoração do caso em espécie, em que se torne manifestamente a reprovação da infração para o interesse público, mostrar-se-á irrazoável e desproporcional a demissão. Nesse sentido, já decidiu o STJ que:

Para se configurar a infração administrativa mencionada no art. 117. , XI , da Lei nº 8.112 /90, a conduta deve ser análoga àquela prevista no âmbito penal (Cód. Penal, art. 321). Isto é, não basta ao agente ser funcionário público, é indispensável tenha ele praticado a ação aproveitando-se das facilidades que essa condição lhe proporciona. 3. Na espécie, o recebimento de benefício em nome de terceiros, tal como praticado pela impetrante, não configura a advocacia administrativa. Pelo que se tem dos autos, não exerceu ela influência sobre servidor para que atendido fosse qualquer pleito dos beneficiários. Quando do procedimento administrativo, não se chegou à conclusão de que tivesse ela usado do próprio cargo com o intuito de intermediar, na repartição pública, vantagens para outrem. 4. Ainda que se considerasse típica a conduta da impetrante para os fins do disposto no art. 117, XI, da Lei nº 8.112 /90, a pena que lhe foi aplicada fere o princípio da proporcionalidade. Na hipótese, a prova dos autos revela, de um lado, que a servidora jamais foi punida anteriormente; de outro, que o ato praticado não importou em lesão aos cofres públicos. 5. Segurança concedida a fim de se determinar a reintegração da impetrante.

(STJ – MS 7261- DF, 24/11/2009).

Essa interpretação dada pelo STJ ao dispositivo dá um parâmetro para se avaliar situações análogas indevidamente tratadas como delituosas. Sem dúvida, a decisão da Corte é um exemplo que a administração padece do vício da mecânica subsunção da regra aos fatos, vício esse quase sempre ocasionado pela barreira que esse modo rígido de interpretar a norma tem diante das diretrizes do art. 128. da Lei 8.112/90 e do art. 2º da Lei 9.784/99, que impõem o dever de examinar razoável e proporcionalmente a conduta in concreto e não in abstrato.

Recebimento de propina, comissão, presente ou vantagem

O dispositivo prevê a demissão do servidor para essas hipóteses do art. 117, XII, em aberta e indeterminada largura de termos que sujeitam o intérprete a variadas interpretações. Desde logo, vê-se aparente confusão com o tipo do inciso XI (corrupção), que consiste, além de solicitar, também receber vantagem. Afinal, os termos se encontram todos na forma genérica de “vantagem indevida”.

Cumpre observar que o Código de Ética da Administração Pública Federal regulou a forma de enquadramento do recebimento de presentes ou brindes por agentes públicos, estabelecendo um teto de R$100,00 para presentes ou, ainda, que não tenham valor comercial. Trata-se de ponderação e balanceamento que leva em conta inúmeras situações em que o recebimento de presentes tem efeito meramente protocolar, sem o condão de subornar o agente público que é, por certo, a finalidade da proibição da norma.

Além disso, é preciso verificar o que sucede concretamente na realidade. A finalidade da norma – proibir o suborno – deve ser sempre posta em primeiro plano, de modo que, ainda que o recebimento de valores seja inferior a R$100,00, isso não poderia ter, certamente, o condão de afastar o motivo torpe maquiado detrás da oferenda. É esta finalidade proibitiva que se deve por como central, para, em seguida, examinar-se o grau do desvalor da conduta do servidor. É válido lembrar que não se faz nada disso, sem o exame do que deve ser aceito meridianamente como razoável e proporcional.

Aceitação de comissão, emprego ou pensão de estado estrangeiro

Essa infração tem a natureza de norma de proteção da segurança nacional. A finalidade, portanto, é impedir a intromissão de assuntos e interesses estrangeiros no Estado brasileiro. Trata-se, conforme o caso concreto, de gravíssimo delito que pode, inclusive, atingir o servidor público com outros desdobramentos, como a de conspirar contra a Pátria, espionagens, traições etc. No entanto, é admissível, em tese, que um servidor incorra formalmente na conduta sem que haja qualquer interesse obscuro ou finalidade desonesta.

Entre um extremo e outro, caberiam critérios de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito para que se confirme em que grau de reprovação ocorreu o ilícito. Perseguindo exclusivamente a medida justa, conforme impõe o art. 2º da Lei do Processo Administrativo, não existe para a administração hipótese abstrata de demissão que não possa e não deva ser aferida mediante um criterioso e cuidadoso controle de razoabilidade e proporcionalidade.

A prática da usura

O tipo descreve a conduta comumente conhecida como cobrança de juros, vedada ao servidor público “em qualquer de suas formas”, ou seja, não pode emprestar dinheiro a juros a título nenhum, sob pena de demissão.

Costa traz um exemplo que ilustra o caráter abrangente da proibição: “comete o delito disciplinar da usura o funcionário público que, louvando-se em situação de aperto financeiro de colega, compra-lhe por preço demasiado baixo, para revenda posterior, mercadoria adquirida em reembolsável da repartição” (COSTA, 2004, p. 396). Veja-se esta decisão do antigo DASP:

A compra, a preço vil, de mercadoria imediatamente após a sua retirada dos Reembolsáveis da Estrada de Ferro Central do Brasil constitui uma forma indireta da prática do ilícito administrativo previsto no art. 195, inciso VIII (atual art. 117, inciso XIV, da Lei 8.112/90), do Estatuto dos Funcionários, a que se comina apena de demissão, nos termos do art. 207, inciso X, do mesmo diploma legal (anterior estatuto).

(DASP – parecer da Consultoria Jurídica no processo nº 5.386/64 apud COSTA, op. cit., p. 397).

Não se vê nesse tipo delitivo o impedimento absoluto de flexibilização da punição, caso a administração se depare com situações isoladas e que não estejam presentes os elementos subjetivos reveladores de uma conduta apta a causar a perda do cargo público. Um exemplo disso seria o de um servidor que viesse a emprestar pequena quantia em troca de não menos módico acréscimo pecuniário.

Efetivamente, é preciso examinar e ponderar as circunstâncias de figuras delitivas para perquirir o que de fato a norma quer proibir, caso contrário encontrar-se-ia diante de um culto abstrato ao legalismo.

Proceder de forma desidiosa

Trata-se de mais um dos delitos que pertence ao grupo dos conceitos indeterminados e pode levar a absurdos inimagináveis caso não haja, primeiramente, uma exata compreensão do propósito da norma; em segundo lugar, como é de praxe, toda e qualquer infração disciplinar deve se pautar com o que é objetivamente razoável e proporcional. Com efeito, o proceder desidioso do servidor é um conceito variável entre extremos em que se pode encontrar distintos graus de reprovação, os quais podem ir de uma simples advertência até a demissão.

Decididamente, é preciso não se confundir o exercício desidioso da função com a conduta, que pode ser causada por deliberada e consciente vontade de assim se comportar, com aquela ocasionada por imprudência, negligência ou imperícia. Esses níveis de condutas não se equiparam, pois agir de má-fé é muito mais reprovável do que a conduta inepta, que deve ser tratada mediante outros critérios. Segundo Costa, “a objetividade jurídica tutelada pelo tipo é a normalidade do serviço público, vislumbrada sob o particular aspecto da intensidade e eficiência das tarefas públicas postas em prática pelo servidor”. Em sendo assim, é preciso avaliar sempre se a regularidade do serviço foi afetada e que prejuízos advieram, se foram causados intencionalmente, a repetição com que se deram, entre outros apontamentos que podem definir um tratamento adequado para a situação sem recair no legalismo e suas draconianas consequências para aqueles que prestam seu labor. Por fim, há o fato de que são seres humanos protegidos por uma ordem jurídica pautada pela resolução racional dos conflitos.

A partir dos elementos que formam a razoabilidade e proporcionalidade, a administração possui critérios objetivos para avaliar o comportamento desidioso sob os diversos graus possíveis de serem medidos, sem perder de vista o fundamento da dignidade da pessoa humana, que deve atuar como um pressuposto a favor do servidor, a quem se deve render todo o respeito e consideração antes de ser avaliado negativamente, pois, somente assim, se pode seguir adiante na compreensão real das causas de sua conduta deficiente.

Utilização de pessoal ou bens da União para fins particulares

Esta última hipótese de demissão do art. 117, c.c. 132, é um autêntico tipo infracional de improbidade administrativa, tanto que, conforme observa Costa, “encontra-se absorvido pelo tipo disciplinar de improbidade administrativa (que implica enriquecimento ilícito) previsto no inciso IV do art. 9º da lei 8.429/92”. (COSTA, 2004, p. 399).

Sem dúvida, a improbidade administrativa ali descrita abarca um maior leque de hipóteses ilícitas em que o servidor obtém acréscimos patrimoniais às custas do serviço público.

No entanto, merece temperamento a aplicação de penalidade extrema quando a incidência do fato à norma se revelar apenas de forma mecânica e abstrata. Sem levar em consideração qual foi o efetivo desvalor do procedimento levado a cabo pelo servidor, estar-se-ia recorrendo ao péssimo vício do legalismo em suas vertentes mais obtusas, a ponto, por exemplo, de se demitir um servidor que usou o computador da repartição para fazer uma consulta pessoal na internet, ou que tirou uma cópia de um documento pessoal com a máquina da repartição, entre outros. Formalmente, o delito estaria caracterizado, se não fosse o princípio da insignificância a orientar uma decisão meridianamente sensata. Além disso, pode haver um resíduo de reprovação que pode sugerir pena que não seja de demissão, sempre lembrando a jurisprudência do STF e STJ que o servidor se defende dos fatos e não da capitulação legal.

Assim, vê-se que, nesta figura típica, como nas demais capitulações legais, a administração pública não pode promover a correta solução dos casos concretos a partir da mecânica subsunção da regra ao fato.

Sobre o autor
Adir Claudio Campos

Advogado especializado em processo administrativo disciplinar. Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Uberlândia. Ex-procurador-geral do Município de Uberlândia.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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