4. O RELATÓRIO CONCLUSIVO DO PAD
4.1. CONSIDERAÇÕES SOBRE A ELABORAÇÃO DO RELATÓRIO CONCLUSIVO DO PAD
O desígnio do relatório final é exibir à autoridade competente o resultado dos trabalhos desenvolvidos pela comissão processante, nesta esteira, o atrelamento da autoridade quanto à proposta auferida pela Comissão não é orbigatório, porém, a lei consolida a importância do relatório conclusivo, demonstrando de forma expressa os limites de sua vinculação.
Nesse diapasão, cumpre frisar a explicação de Palhares Moreira Reis:
Funciona o documento da Comissão como o relatório de uma sentença, ficando o correspondente a parte dispositiva a cargo da autoridade a quem compete julgar o processo. Sua importância resulta de que, pelo seu texto, a Comissão leva à autoridade julgadora a sua opinião sobre os fatos apurados, e sobre a inocência ou culpabilidade doindiciado.29
Destarte, na primeira parte do relatório à comissão deve fazer um resumo de tudo que ocorreu de importante no curso do processo. É a suma deste. Demonstra-se, como isso, que todo o conjunto probatório foi examinado. É a exposição sintética do que ocorreu no processo, de forma simples e lúcida para que quem o leia entenda, de imediato, em que consiste a controvérsia administrativa.
A seguir, será analisado cada aspecto abordado pela defesa do acusado, não podendo ser preterida a motivação ou fundamentação, haja vista que este é o momento em que os comissários exteriorizarão seu posicionamento. É o momento em que se expõe o raciocínio para chegar à conclusão, ou seja, exteriorizam-se as razões que levarão a comissão a apresentar proposta de solução ao caso ocorrente, à autoridade julgadora.
A comissão indica os motivos de fato e de direito em que baseia sua convicção, sendo certo que deverá mencionar os artigos de lei, podendo aludir à doutrina e jurisprudência aplicáveis à espécie, ao final, entendimento fundamentado por aquela comissão processante será sempre conclusivo quanto à inocência ou à responsabilidade do servidor acusado.
Por fim, o relatório confeccionado pela comissão restará concluso para julgamento, com isso, será submetido à autoridade que ordenou a sua instauração, para que no prazo de cinco dias, a partir do recebimento do PAD, conforme preconiza o §4º do art.133, a autoridade competente profira sua decisão, nos moldes do art. 166. da Lei nº 8.112/90.
4.2. A RAZOABILIDADE ENTRE O RELATÓRIO CONCLUSIVO E A PENA APLICADA
Muito se discute quanto à função e a importância do relatório conclusivo do PAD, afinal ele apresenta a conclusão com base nas provas colhidas, respeitando o contraditorio e ampla devesa do servidor investigado, apontando, ao final, uma proposta de penalidade ou isentando o agente público da aplicação das punições previstas em lei.
Em regra geral, o relatório dispõe de característica opnativa, tendo em vista que o ordenamento jurídico apresenta hipóteses de agravamento da sanção sugerida, por parte da autoridade julgadora que elaborará a decisão final. Neste prisma, Maria Silvya Zanella di Pietro entende pelo cunho sugestivo do relatório, o que não obriga a autoridade julgadora a decidir de maneira semelhante, contudo, sempre ressaltando a necessidade de fundamentação, conforme de depreende:
A fase final é a de decisão, em que a autoridade poderá acolher a sugestão da comissão, hipótese em que o relatório corresponderá à motivação; se não aceitar a sugestão, terá que motivar adequadamente a sua decisão, apontando os elementos do processo em que se baseia. É comum a autoridade julgadora socorrer-se de pareceres de órgãos jurídicos antes de adotar a suadecisão.30
A respeito do princípio da motivação, insta destacar que a Constituição de 1988, tem como regra geral, a obrigatoriedade de motivação atos administrativos, com base também na consagração do princípio da moralidade, auferindo a atuação ética do administrador exposta pela indicação dos motivos e para garantir o próprio acesso ao judiciário. Para Celso Antônio Bandeira de Melo31, “que o Princípio da Motivação impõe a administração Pública o dever de expor as razões de direito e de fato pelas quais tomou a providência adotada.”
Diogenes Gasparine, por sua vez, ensina que:
A motivação é necessária para todo e qualquer ato administrativo, pois a falta de motivação ou indicação de motivos falsos ou incoerentes torna o ato nulo devido a Lei n.º 9.784/99, em seu art. 50, prevê a necessidade de motivação dos atos administrativos sem fazer distinção entre atos vinculados e os discricionários, embora mencione nos vários incisos desse dispositivo quando a motivação é exigida.32
A Lei no 9.784/99 (Lei do Processo Administrativo Federal), no artigo 2º, faz referência aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência, outrossim, no art. 5033 estabelece a obrigatoriedade de motivação, com indicação dos fatos e fundamentos jurídicos.
Verificamos pelo dispositivo, as hipóteses em que a motivação é obrigatória, em regra, dizem respeito a atos que, de alguma forma, afetam direitos ou interesses individuais. Na ocasião é nítido constatar a manifesta preocupação no que tange a segurança do servidor público, em oportuno direito de defesa, nesse prisma, é consolidado o entendimento de que deve prevalecer a razoabilidade entre o relatório conclusivo e a penalidade aplicada.
Assim, após o relatório conclusivo do PAD, importante a autoridade julgadora fixe seu ato decisório em consonância com a natureza da infração, os danos para o serviço público, as circunstâncias atenuantes ou agravantes e os antecedentes funcionais doservidor.
Sob a mesma ótica, leciona o Superior Tribunal de Justiça:
Administrativo. Servidor público. Penalidade. Demissão. Proporcionalidade.
1. Na aplicação de penalidade, a par da estrita observância ao princípio da proporcionalidade, ou seja, a devida correlação na qualidade e quantidade da sanção, com a grandeza da falta e o grau de responsabilidade do servi- dor, impõe-se à autoridade administrativa, em decorrência dos comandos insertos na Lei nº 8.112/90, máxime em se tratando de demissão, a verifica- ção da natureza da infração, os danos para o serviço público, as circunstân- cias atenuantes ou agravantes e os antecedentes funcionais do servidor. 2. De outro modo, deve a autoridade levar em conta as sugestões contidas no relatório da comissão de inquérito, salvo no caso de discrepância com o contexto probatório. Não há, entretanto, vinculação para a autoridade administrativa com as conclusões daquela peça, mas, na aplicação de outra penalidade, máxime se mais grave que a sugerida, é necessário seja a decisão fundamentada. 3. Segurança concedida34
Em observância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade o Supremo Tribunal Federal, assim decidiu:
SERVIDORA PÚBLICA MUNICIPAL. AUXILIAR DE ENFERMAGEM. PRO- CESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR QUE CULMINOU COM A APLI- CAÇÃO DA PENALIDADE DE DEMISSÃO. 1) AUTORA QUE NÃO COMU- NICOU AO SUPERIOR A DILAPIDAÇÃO DE BEM PÚBLICO DO PRONTO ATENDIMENTO. PUNIÇÃO QUE NÃO ATENDE À PROPORCIONALIDADE E À RAZOABILIDADE. CONVERSÃO DA DEMISSÃO EM ADVERTÊNCIA.
1. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade devem nortear a Administração Pública como parâmetros de valoração de seus atos sancionatórios, por isso que a não observância dessas balizas justifica a possibilidade de o Poder Judiciário sindicar decisões administrativas35
Nesse prisma, assinalou o Sr. Ministro Gilson Dipp apud Mauro Roberto Gomes de Mattos:
Cada atuação infracional está adstrita à proporcional reprimenda. Seja ela penal ou administrativa, impondo-se, contudo, valorar-se a conduta do agente e o resultado concreto de sua atuação. Neste diapasão, surge à figura do responsável pela aplicação da sanção, que deve estar atento à ‘dosimetria’, estribando sua resposta no princípio da proporcionalidade, que é corolário da necessidade de individualização da reprimenda, sob pena de quebra de outros dois princípios, quais sejam, o da legalidade e o da necessidade. (...) Verifica-se, assim, total desrespeito à proporcionalidade da sanção administrativa imposta. E mais, ao divorciar-se da conclusão apresentada no relatório final, deveria a autoridade responsável especificar em que aspecto a conclusão esteve dissociada das provas colhidas, de modo a explicar a necessidade da exasperação da punição, tudo em respeito ao disposto no art. 168, da Lei nº 8.112/90. (...) Desta feita caracterizado o descumprimento dos aludidos princípios, compete ao Poder Judiciário, desde que provocado, anular o ato administrativo, por absoluta e flagrante ofensa ao direito positivo.36
Flagrada a despliência por parte da autoridade competente, quanto aos princípios que norteiam a adminstração pública, incumbe ao Poder Judiciário, por meio de provoção, anular o ato administrativo, por irrestrita e cristalina afronta ao direito positivo. O direito adminstrativo, não pode se distanciar dos ditames da legalidade, princípio este baselar do ramo, bem como dos demais principios constitucionais adminstrativos que alicerçam os pilares da adminstração pública, tendo em vista o atual contexto pós-positivista, que trouxe aos princípios uma relaçao de paridade com as leis.
No presente estudo, é pertinente destacar não só o principio da legalidade, mas o da razoabilidade, proporcionalidade e motivação, eis estão totalmente associados ao cotidiano dos atos da adminstração pública. Nessa ótica, notamos que a aplicação da pena pela autoridade adminstrativa competente, deve considerar a natureza e a gravidade dos fatos apresentados, em relação a isto, a lei nº. 8112/90 estabelece que:
Art. 128. Na aplicação das penalidades serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais.
Parágrafo único. O ato de imposição da penalidade mencionará sempre o fundamento legal e a causa da sanção disciplinar.37
A decisão final da autoridade julgadora no processo administrativo disciplinar pode o divergir do sugerido no parecer da Comissão Processante, entretanto, essa liberdade de ação disciplinar não pode desprezar o parecer, quando a proposta nele contida estiver em harmonia com as provas coligidas, e adequado aos princípios de razoabilidade e proporcionalidade em relação à pena sugerida. A discricionarieda “significa uma condição de liberdade, mas não liberdade ilimitada; trata-se de liberdade onerosa, sujeita a vínculo de natureza peculiar. É uma liberdade-vínculo”.38
Neste sentido, descreve Roza:
Na verdade, o relatório final da comissão se constitui num conjunto de alegações do órgão instrutor e acusador, que possui grande grau de vinculação com a decisão. Daí a necessidade da verificação dos seus motivos determinantes.39
A compreensão sobre a natureza jurídica do relatório conclusivo no processo administrativo disciplinar ainda é majoritáriamente sugestivo, no entanto, vem atarvessando conflitos sobre os limites decisório, tendo em vista o dispositivo legal previsto na legislação federal e o entendimento sobre o poder discricionário da autoridade julgadora , resultando, por fim, em rediscussão das demandas na esfera judicial.
4.3. A CONCLUSÃO ABSOLUTÓRIA E O POSITIVISMO JURÍDICO
Nesse tópico, analisaremos a parcela da qual, não se trata de discricionariedade, mas do positivismo da lei e o alcance de sua vinculação.
E, embora seja consolidado o entendimento que a natureza jurídica, meramente opinativa do relatório da comissão disciplinar, constatamos que o parecer da autoridade que acatará ou não a sanção proposta, possui imperiosa vinculação, uma vez que é vedado à autoridade julgadora decidir em desconformidade ao processo e à análise das provas juntadas aos autos, além disso, é importante considerar a literalidade da lei, antes mesmo de adentrarmos nas lacunas jurisprudenciais e averiguarmos que a lei federal atribui de forma taxativa, a possibilidade em que a penalidade poderá ser agravada.
Insta destacar:
Art. 168. O julgamento acatará o relatório da comissão, salvo quando contrário às provas dos autos.
Parágrafo único. Quando o relatório da comissão contrariar as provas dos autos, a autoridade julgadora poderá, motivadamente, agravar a penalidade proposta, abrandá-la ou isentar o servidor de responsabilidade.40
Desta feita, evidenciamos que a ideia de mero relatório sugestivo, não alicerça os preceitos da lei 8112/90 e nem os princípios que regem a administração pública, em especial, o princípio da legalidade, haja vista que a lei determina os limites dos atos a serem adotados pelos seus agentes. O relatório conclusivo da comissão disciplinar, quando seguro de seus fundamentos, pode, inclusive, influenciar em decisões judiciais, tendo em vista que em sua seara foram observados todos os meio legítimos da investigação.
É necessário que em todas as fases da investigação administrativas, sejam resguardados e percorridos dentro de uma lógica procedimental e garantista, nunca afastando o agente público, tanto na qualidade de investigado como de julgador, da lei e dos principios contitucionais previstos, de forma a alcançar a responsabilização do servidor inquirido de forma justa e plausível.
Em que pese o disposto no artigo 168 tratar de direito positivo, não havendo, sobre esse tópico em específico, margem para análise hermenêutica, visto que a possível interpretação está suprida pela límpida literalidade do dispositivo legal. O relatório conclusivo, quando sugestivo de isenção em relação ao servidor,com base no preceito legal acima aventado deve vincular a decisão da autoridade julgadora, tendo que vista que a possibilidade de agravamento de penalidade, nesse caso, não encontra fundamento em lei.
O dispositivo legal determina em seu texto, que a autoridade deve acatar a sugestão da comissão, entretanto, se constatar contrariedade em relação às provas dos autos, o parágrafo único do art.168 expressa sobre a possibilidade de julgador agravar, motivadamente, a penalidade proposta. Contudo, no cenário atual do Brasil, este não vem sendo o entendimento aplicado, ocasião em que o argumento da não vinculação ao relatório vem fundamentando a constantes ilegalidades.
No mesmo sentido, decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ESPECIAL - ART. 105, III, ALÍNEA "a", CR/88 – SERVIDOR PÚBLICO - PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR - ADITAMENTO DA INDICIAÇÃO PELA AUTORIDADE PÚBLICA NA FASE DE JULGAMENTO - INEXISTÊNCIA DE ABERTURA DE NOVO PRAZO PARA ESPECIFICAÇÃO DE PROVAS E DE APRESENTAÇÃO DE DEFESA - VIOLAÇÃO DO ART. 49. DO DECRETO Nº 59.310/66 E DOS ARTS. 161, "CAPUT" E § 1º, E 168, DA LEI Nº 8.112/90 - RECURSO PROVIDO. 1. Em conformidade com a jurisprudência desta Corte, a indiciação pela comissão processante é o momento processual que especifica os fatos imputados contra o servidor e contra os quais este apresenta defesa, no processo disciplinar. 2. O art. 168, "caput" e seu parágrafo único, da Lei nº 8.112/90, possibilita, tão somente, à autoridade pública discordar, de maneira motivada, da pena sugerida pela comissão mas, nunca, alterar a indiciação do servidor. 3. Embora a autoridade administrativa não tenha que acatar a capitulação da infração realizada pelos órgãos e agentes auxiliares, no processo disciplinar, encontra-se vinculada aos fatos apurados e indiciados pela comissão processante, durante a fase de julgamento. Precedentes. 4. Por outro lado, resta comprovado o prejuízo dos Recorrentes, com a "mutatio libelli", haja vista que a imputação do fato segundo o qual agiram no exercício de função pública é circunstância essencial para a tipicidade dos ilícitos administrativos e, conseqüentemente, de aplicação da pena de demissão. 5. O processo administrativo disciplinar encontra-se eivado do vício da inobservância do contraditório e da ampla defesa. 6. Recurso provido.41
A Ministra Maria Thereza de Assis Moura ratificou entendimento da Corte Superior quanto a anulação de atos que destoam da base probatória constantes do acervo junto ao processo adminstrativo disciplinar: ”A via mandamental mostra-se adequada para perseguir a anulação de ato demissional quando se alega e comprova que este mostrou-se excessivo, e não amparado nas provas dos autos. Rejeito a preliminar de inadequação”42
Insta salientar que a decisão da autoridade competente para auferir a penalidade adminstrativa, dentre as elencadas na lei 8112/90, não se vincula ao relatório conclusivo elaborado pela comissão processante, isto porque a autoridade julgadora possui respaldo no poder discricionário para a execução deste ato, com a capacidade de optar de acordo com oportunidade, conveniência e conteúdo, tendo a liberdade no campo em que a lei estabelece tal faculdade. Hely Lopes Meirelles43 diz que discricionariedade é a liberdade de ação administrativa, dentro dos limites permitidos em lei.
O ato discricionário quando da aplicação de penalidade similar ou diversa a sugerida no relatorio conclusivo, deve sempre considerar o acervo de provas acostados nos autos adminstrativos, ou mesmo analisar e fundamentar em prova emprestata da esfera judicial que de alguma forma tenha atrelamento com os fatos em apuração.
O ato administrativo, praticado pelo agente público fora dos limites estabelecidos por lei, pode ser compreendido como abuso de poder, e, na instauração, apuração e julgamento do PAD, não ocorre diferente.
Ainda em vista o dispositivo legal encartado no artigo 168, da Lei nº 8112/90, o Ministro Edson Vidigal, em seu voto, expos seu entendimento a respeito da interpretação desse artigo, vejamos:
Assim é que, ao concluir pelo não acatamento do que proposto pela Comissão deveria a autoridade demonstrar sua discordância, delineando, não apenas os motivos que levaram ao seu convencimento, como também em que o relatório oferecido contraditava as provas dos autos. Não o fazendo, e deixando de considerar as circunstâncias atenuantes previstas em lei a decisão atacada peca, no mínimo, por falta de motivação e fundamentação[...].44
Tal entendimento, de certa forma, recepciona a vinculação do julgamento final à proposta da Comissão, pese haver aí a repercussão de outros dois princípios indeclináveis: o da razoabilidade e da proporcionalidade defendidos por outro dispositivo da mesma lei, no seu artigo 128.