A proteção ao princípio da não-discriminação não fica restrita à Constituição Federal. O legislador, visando dar maior amplitude e delimitação ao tema, atuou na confecção de vários dispositivos legais, alguns de caráter geral, outros com direcionamento mais preciso, visando complementar o texto constitucional.
As Convenções nº. 110 e n°. 111 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, devidamente ratificadas [25], tratam, respectivamente, da igualdade de salários entre homens e mulheres e da discriminação em matéria de emprego e profissão, entendida esta como toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão (art. 1°).
Ainda, pode-se citar a Lei nº. 5.473/68 que determina a nulidade de toda disposição ou providência que resulte em discriminações entre brasileiros de ambos os sexos, para o provimento de cargos sujeitos a seleção nas empresas privadas e no serviço público federal, estadual ou municipal, incluídas as entidades autárquicas, sociedades de economia mista e empresas concessionárias de serviço público; a lei nº. 9.029/95 que veda a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade; bem como o art. 373-A, da CLT, que proíbe a recusa de emprego, promoção ou, ainda, a dispensa do trabalho motivada em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez, salvo quando a natureza da atividade seja notória e publicamente incompatível, bem como prática que considere sexo, idade, cor ou situação familiar como variável determinante para fins de remuneração, formação profissional e oportunidades de ascensão profissional.
Pode-se mencionar também o Projeto de Lei nº. 6.264/05, de autoria do Senador Paulo Paim – PT/RS, que institui o Estatuto da Igualdade Racial e estabelece critérios para o combate à discriminação racial de afro-brasileiros.
Em seguida, proceder-se-á a divisão da análise do princípio da não descriminação a partir dos temas gênero, raça, idade, estado de saúde, pessoa portadora de deficiência, lista discriminatória, despedida discriminatória, natureza do trabalho e alguns outros casos no âmbito das relações de trabalho.
O Direito Positivo apresenta inúmeras hipóteses em que o fator gênero é utilizado como critério de tratamento específico. A discriminação, como visto, não é apenas negativa, pois se apresenta também na forma positiva, materializada através da adoção de tratamento próprio a determinado sexo com o fim de igualar situação de fato desigual.
O tratamento diferenciado entre homens e mulheres requer justificação a fim de se aferir a razoabilidade da medida, não estando afastando, entretanto, entendimento contrário a qualquer forma de distinção como aquele que defende a idéia de um quadro atual diverso daquele encontrado no período da Primeira Revolução Industrial, fase em que a mulher era considerada meia-força de trabalho e, portanto, necessitava da criação de institutos legislativos específicos para tutelá-la de forma específica. Nesta linha, assinala-se a crescente tendência de superação da proteção mediante o simples cotejo homem e mulher, encaminhando-se para o tratamento igualitário perante a lei, sem diferenciações. Logo, a licença maternidade, por exemplo, passaria a ser enquadrada como um fato social que impõe uma resposta própria, como no caso de afastamento por enfermidade ou para fins de serviço militar [26].
Em todo caso, o art. 7º, XX, da CF, assegura a proteção do mercado de trabalho da mulher através de incentivos específicos previstos em lei. Da mesma forma, o art. 373-A, § único, da CLT, estabelece a adoção de medidas temporárias que visem ao estabelecimento das políticas de igualdade entre homens e mulheres.
Com relação à discriminação negativa, é fato que as mulheres na história recente tiveram que travar diversas batalhas em busca de equiparação aos homens. Não obstante, ainda estão presentes práticas discriminatórias ocorridas na relação de trabalho, tais como preterição na contratação, salário inferior a colegas do sexo masculino e rescisões contratuais arbitrárias após o término da estabilidade gestante.
A Convenção Internacional n° 100, ratificada em 25 de abril de 1957 e promulgada pelo Decreto n° 41.721/57, aprovada pela OIT em 1951, proclama o princípio da igualdade de remuneração para a mão-de-obra masculina e feminina em trabalho de igual valor. Não obstante, verifica-se a dificuldade de definir o conceito de "igual valor", cujos critérios adotados podem favorecer o trabalho desempenhado por homens [27].
Na mesma linha, o art. 7º, XXX, da CF, veda a diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão; a Lei 9.029/995 coíbe a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de emprego; e o art. 373-A, da CLT, proíbe práticas que afetem o acesso da mulher ao mercado de trabalho.
Apesar de já passados mais de cem anos da abolição da escravatura, os negros ainda sofrem discriminação na sociedade, inclusive nas relações de trabalho. Embora se possa dizer que no Brasil a mistura de raças é fato incontestável, a discriminação permanece como chaga em nossa sociedade, com evidente viés conservador. Em reportagem publicada no jornal Folha de São Paulo, datada de 01/05/05, a partir de dados do IBGE, demonstrou-se que, em todas as 509 profissões do Censo de 2001, apenas em 8% do total (42 profissões) negros e pardos ganham mais de dez salários mínimos, em comparação aos brancos [28].
A discriminação em decorrência da raça, cor ou etnia também apresenta a modalidade positiva, citando-se, como exemplo maior, o estabelecimento do sistema de quotas para o ingresso em universidade públicas. Nesse caso, reconhece-se a existência de uma desigualdade histórica incapaz de ser superada pelos métodos então vigentes de seleção de candidatos para ocuparem as vagas oferecidas. Em conseqüência, reserva-se determinado percentual destas vagas para minorias sociais compostas por negros, índios, pardos etc.
Na iniciativa privada também se verificam medidas semelhantes. Em matéria veiculada no jornal Folha de São Paulo, datada de 21 de abril de 2006, noticiou-se que a Daslu, maior loja de luxo do país, firmou acordo em ação judicial prevendo que 20% das contratações feitas pela butique sejam de funcionários não-brancos. Negociado durante dois meses com o sindicato dos comerciários, o acordo foi o primeiro no mercado de luxo do país. Há dois anos, o sindicato firmou acordos semelhantes (as cotas variam de 20% a 30%) com a camisaria Colombo, a Têxtil Abril, a Casas Bahia e supermercados paulistas.
Contudo, o mercado de trabalho ainda apresenta discriminação contra trabalhadores por conta de critérios de cor, raça, etnia ou região. O legislador, ciente do quadro, criou instrumentos para combater tais práticas. A Constituição Federal, além de adotar o repúdio ao racismo como princípio que rege o Brasil em suas relações internacionais (CF, art. 4º, VIII), proíbe a diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão, dentre outros, por motivo de cor (CF, art. 7º, XXX).
O constituinte não fugiu da orientação internacional, podendo-se citar, como exemplo, a Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial, adotada pela Resolução 2.106, da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 21/12/65, ratificada pelo Brasil em 27/01/68; a Convenção nº. 111, aprovada pela OIT em 1958, que versa sobre discriminação em matéria de emprego e ocupação, devidamente ratificada pelo Decreto nº. 62.1540/698; bem como a Convenção nº. 117, aprovada pela Conferência Internacional do Trabalho, em 1962, ratificada pelo Decreto nº. 66.496/70, que traz menção específica à discriminação de trabalhadores em função da raça ou cor.
Acrescentem-se, ainda, dispositivos contidos no art. 373-A, da CLT; na Lei 9.029/95; e na Lei 9.455/97 que, em consonância com disposição constitucional que atribui à prática de racismo a natureza de crime inafiançável e imprescritível, tipifica tal conduta para fins penais.
A jurisprudência trabalhista também vem atuando contra a discriminação racial. A propósito, cita-se julgado do TST, tendo atuado como Relator o Ministro Ronaldo Leal, em que a reintegração do trabalhador demitido se deu pela decretação da nulidade da dispensa fundada em critério discriminatório racial:
DISCRIMINAÇÃO RACIAL NO EMPREGO - REINTEGRAÇÃO. Embora o TRT tenha sustentado que não houve discriminação racial na despedida do autor, as premissas fáticas identificadas no acórdão recorrido revelam que ela existiu. Diante dessa circunstância e levando-se em conta os aspectos sociais que envolvem o tema, deve ser invocada a responsabilidade objetiva do empregador pelos atos praticados pelo seu empregado ou preposto no exercício do trabalho que lhe competia, mesmo que, tal como consignado pelo colegiado de origem, à época da dispensa aquele desconhecesse os atos perpetrados por este. Esclareça-se que o empregador, ao recorrer aos serviços do preposto, está delegando poderes a ele inerentes, não podendo, portanto, eximir-se de responsabilidade. Também, como fundamento, deve ser registrado que o ordenamento jurídico pátrio, desde as constituições anteriores, repudia o tratamento discriminatório, seja pelos motivos, dentre outros, de raça, cor e religião. Destarte, os princípios constitucionais, associados aos preceitos legais e às disposições internacionais que regulam a matéria, autorizam o entendimento de que a despedida, quando flagrantemente discriminatória, deve ser considerada nula, sendo devida a reintegração no emprego. Inteligência dos arts. 3º, inciso IV, 4º, inciso VIII, 5º, caput e incisos XLI e XLII, e 7º, inciso XXX, da Constituição Federal, 8º e 9º da CLT e 1.521, inciso III, do Código Civil e das Convenções nºs 111/58 e 117/62 da OIT. Recurso conhecido e provido. (Ac. TST 1ª T - RR 381531/97, Rel. Min. Ronaldo Leal, DJ – 15/02/2002)
Há que se mencionar, ainda, ações judiciais interpostas pelo Ministério Público do Trabalho, através do Sub-Procurador Otávio Brito Lopes, em face de instituições bancárias com o fim de coibir a discriminação contra negros em decorrência da relação de trabalho. Trata-se de trabalho fundado em análise empírica de dados oriundos de instituições governamentais que demonstram fortes indícios da prática de discriminação pelo empregador em relação a trabalhadores negros [29].
Quanto à discriminação pela idade, propõe-se a análise de três modalidades, duas positivas e uma negativa: a) idade mínima para admissão ao emprego; b) proibição de determinadas formas de trabalho a crianças e adolescente; c) rescisão contratual em decorrência da idade [30].
A Constituição da República, em seu art. 7º, XXXIII, traz a proibição do trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos, bem como a tutela integral à criança e ao adolescente prevista no art. 227. Na mesma linha, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90).
Novamente, verifica-se que o constituinte seguiu o caminho proposto pela OIT ao tratar da questão. A Convenção nº. 138 [31], de 1973, unificou a política internacional sobre o trabalho infantil ao estabelecer, por exemplo, a idade mínima de 15 anos para o trabalho, bem como a vedação do trabalho para menores de 18 anos em atividades que atentem contra a formação moral ou a própria segurança de crianças e adolescentes.
Da mesma forma, a Convenção nº. 182 [32], de 1999, que define as piores formas de trabalho da criança, tais como trabalho escravo, tráfico de crianças, recrutamento forçado de meninos soldados, prostituição infantil, envolvimento de crianças no tráfico de drogas, dentre outros.
A CLT também busca tutelar o trabalho infantil através de medidas discriminatórias positivas, impondo, dentre outras, restrições ao trabalho adolescente cuja atividade seja nociva à sua saúde, integridade física, formação moral e intelectual (CLT, artigos 404 e 405).
Já a outra face da discriminação em relação à idade, a negativa, apresenta-se em práticas ocorridas no início, execução e na extinção do contrato de trabalho. Por exemplo, cita-se a não contratação ou a demissão de trabalhadores que alcançaram determinada idade. Muitos empregadores acreditam que trabalhadores com mais idade serão prejudicais ao seu negócio, sendo necessário, para tanto, a substituição destes por trabalhadores mais jovens, supostamente dotados de maior aptidão para o cumprimento das funções que lhes são atribuídas.
Como visto, a discriminação é injustificada quando desprovida critério ou fundamento razoável. Logo, em determinadas atividades, o critério de idade deve ser levado em conta na contratação do trabalhador. Cita-se, por exemplo, a contratação de policiais militares e civis, caso em que a natureza da função apresenta motivação aceitável para o estabelecimento de idade máxima para as contratações. Em todo caso, grande parte das vagas fornecidas pelo mercado de trabalho não apresentam peculiaridades que permitam qualquer forma de discriminação por conta da idade, o que justifica o combate pela sociedade civil e pelas autoridades públicas a tal prática.
Fundamento para tanto se encontra na Constituição Federal, art. 7º, XXX, da CF, que proíbe a diferenciação de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de idade; bem como na Lei 9.029/95 que também coíbe toda e qualquer prática discriminatória e limitativa de acesso à relação de emprego ou sua manutenção por motivo de idade.