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O princípio da não-discriminação e sua aplicação às relações de trabalho

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Resumo:


  • A Constituição Federal de 1988 estabeleceu diversos direitos fundamentais, como a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, visando sua maior efetividade e a promoção do bem de todos, independentemente de origem, raça, cor, idade e qualquer forma de discriminação.

  • O princípio da igualdade é central para o Estado Democrático de Direito e evoluiu de uma simples igualdade perante a lei para uma igualdade material que exige a atuação estatal para sua efetivação, reconhecendo a necessidade de tratar os desiguais de forma desigual para alcançar a igualdade de fato.

  • O princípio da não-discriminação está intimamente ligado ao da igualdade e busca evitar tratamentos injustamente desqualificantes, legitimando tratamentos diferenciados quando necessários para efetivar a igualdade entre todos, conforme a Declaração Universal dos Direitos do Homem e outras normativas internacionais e nacionais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

NATUREZA DO TRABALHO

            A Constituição de 88 também proíbe a distinção entre o trabalho manual, técnico e intelectual ou entre profissionais respectivos (art. 7°, XXXII). Esta aplicação do princípio da não-discriminação também está presente no art. 3°, § único, da CLT, segundo qual não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico ou manual. Por fim, toda a pessoa física, sem qualquer distinção, que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário será empregado (CLT, art. 3°, caput).

            A partir do raciocínio jurídico acima, os métodos de terceirização utilizados no mercado de trabalho, tais como empresas fornecedoras de mão-de-obra e cooperativas, podem resultar em ofensa ao princípio da não-discriminação, ao passo que impliquem em tratamento diferenciado a trabalhadores que cumprem as mesmas tarefas. Por certo, não se podem ignorar as novas modalidades contratuais que surgem em decorrência do processo evolutivo das relações sociais. Contudo, sendo vedada constitucionalmente a discriminação entre as formas de trabalho manual, técnico ou intelectual, desde que presentes os requisitos da relação de emprego, está deverá ser reconhecida.

            Na mesma linha, como paliativo, os princípios da isonomia e da não-discriminação podem ser invocados para garantir remuneração isonômica aos trabalhadores contratados pela empresa fornecedora de mão-de-obra em relação àqueles contratados pela tomadora para desenvolverem a mesma função:

            PRINCÍPIO DA ISONOMIA. O princípio da isonomia garantido no diploma constitucional é amplo e assegura ao indivíduo o direito de se insurgir contra a má utilização que possa ser feita da ordem jurídica, prevenindo o indivíduo contra o arbítrio e a discriminação (cf. Celso Ribeiro Bastos, 2° vol., Saraiva, 1989). O princípio isonômico tem duas dimensões. A primeira delas protetiva, vedando que a lei e os particulares imponham ônus e restrições a alguém com base em elemento diferenciador infundado – nesse caso, a norma ou a conduta viciosa será atacada pelo lesado com o propósito de anulá-la, preservando o direito subjetivo lesado. Sua outra dimensão é de caráter reparatório, como no caso dos autos, em que a reclamante afirma não terem sido concedidos os mesmos benefícios ou vantagens assegurados a outros cidadãos que, essencialmente, estão em idêntica situação à sua. Aqui, conclui Celso Bastos (in op. cit.p. 15), "o procedimento mais correto é o de atender a súplica, caso procedente, daquele que foi lesado pela omissão (...)". Constatando-se que a empregada, apesar de admitida por empresa interposta, trabalhava em idênticas condições às do empregados diretamente contratados, no mesmo local, exercendo as mesmas atividades e sujeitando-se aos mesmos horários, não pode sofrer discriminação, pois oi fenômeno da terceirização é imprestável à redução dos salários dos trabalhadores. (Ac. TRT – 3ª Reg. - 2ª T. - Proc. RO 3438/96, julg. Em 10.12.96, Rel. Juíza Alice Monteiro de Barros, in TEIXEIRA FILHO, João de Lima. Repertório de Jurisprudência Trabalhista, 7° vol., Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 551, n. 1935 – apud. ROMITA, ob. cit., p. 296)

            Alerta-se, não obstante, que a simples equiparação salarial, com base no princípio da isonomia, não é suficiente para afastar a ilicitude da terceirização. Ora, se constatado que na mesma empresa existem trabalhadores desempenhando a mesma função, embora um dos grupos seja contratado por intermédio de uma empresa meramente intermediadora de mão-de-obra, tem-se configurada terceirização ilícita, devendo o vínculo ser reconhecido diretamente com o tomador, nos termos da Súmula 331 do TST, salvo os casos de trabalho temporário regulado pela Lei 6.019/74, cujo art. 12 assegura a remuneração equivalente à percebida pelos empregados da mesma categoria da empresa tomadora.

            Portanto, sem prejuízo da utilização do princípio da não-discriminação, as hipóteses de terceirização ilícita requerem o reconhecimento da real relação de emprego, cuja existência o empregador/tomador buscou ocultar de forma fraudulenta.

            A prática de terceirizações tende a criar um padrão de contratação de força de trabalho muito inferior àquele que caracteriza o trabalhador submetido a contrato empregatício clássico, sendo tal contraponto de situações socioeconômicas e jurídicas intolerável pela ordem constituição vigente [43].

            Em outro plano, quando das terceirizações ilícitas praticadas no âmbito da Administração Pública, diante da vedação constituição da contratação somente por concurso público (CF, 37, II), os princípios da isonomia e da não-discriminação poderão ser utilizados como fundamento para garantir a isonomia na remuneração dos trabalhadores contratados de forma ilícita sem concurso público, devendo-se afastar o entendimento do TST que restringe os efeitos da nulidade em tal caso [44].


CONCLUSÃO

            O presente trabalho, por certo, não pretende esgotar o tema referente à discriminação no âmbito das relações de trabalho, já que a perversidade do modelo de relações sociais vigentes tem a possibilidade de desenvolver infinitas formas de lesão aos princípios da isonomia e da não-discriminação.

            Por outro lado, acredita-se que o sucinto relato apresentado será capaz de proporcionar ao leitor uma visão, ainda que panorâmica, das hipóteses mais freqüentes de discriminações praticadas contra o trabalhador e dos mecanismos destinados a combatê-la e eliminar situações de desigualdades existentes.

            Da mesma forma, faz-se necessário o despertar de um sentimento constitucional, de uma consciência coletiva, por parte de todos os integrantes da sociedade brasileira, para disseminar a existência da efetiva concretização dos princípios e regras da Constituição de 88 [45].

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            A título de proposta, CREMONESI defende, como ação afirmativa, a instituição de quotas para negros nas empresas, em semelhança ao que ocorre com os trabalhadores portadores de deficiência [46].

            A instituição de políticas de ação afirmativa, contudo, atua apenas como uma das medidas que podem atenuar o quadro vigente. Conjuntamente, caberá às empresas adotarem uma conduta de acordo com as garantias fundamentais do trabalhador. Ao mesmo tempo, cabe ao Poder Público fazer valer tais garantias através da atuação a ser desempenhada pelo Ministério Público, pelo Poder Judiciário, pelos órgãos de fiscalização do Poder Executivo e pelo Poder Legislativo no aperfeiçoamento do ordenamento jurídico.


REFERÊNCIAS

            ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

            BANDEIRA DE MELHO, Celso Antônio. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. São Paulo: Malheiros Editores, 2003.

            BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005.

            BOMFIM, B. Calheiros e SANTOS, Silvério dos. Dicionário de decisões trabalhistas. 35ª ed. Niteroi: Impetus, 2005.

            BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 5 ª ed. São Paulo: MALHEIROS EDITORES LTDA., 1994.

            CASTRO, Maria do Perpétudo S. W. de. A concretização da proteção da maternidade no direito do trabalho. São Paulo: Revista LTr 69-08/945-967.

            COUTINHO, Aldacy Rachid. Poder Punitivo Trabalhista. São Paulo: LTr, 1999.

            CREMONESI, André. A discriminação de trabalhadores negros ou pardos e a inversão do ônus da prova em juízo. São Paulo: Revista LTr, 69-09/1084-1087.

            CREMONESI, André. Inserção dos trabalhadores negros no mercado de trabalho. São Paulo: Revista LTr 69-07/846-847.

            DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2002.

            Dicionário Houaiss, versão on line: http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm

            FREIRE, GILBERTO. Casa-grande & senzala. 45ª ed. Rio de Janeiro/São Paulo: RECORD, 2001.

            GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Direito do trabalho e dignidade da pessoa humana, no contexto da globalização econômica. Problemas e perspectivas. São Paulo: LTr, 2005.

            GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Direito fundamental ao trabalho, como suporte do direito à vida com dignidade, diante da ampliação da competência da Justiça do Trabalho. São Paulo: Revista LTr 69-11/1333-1337.

            GUGEL, Maria Aparecida. Discriminação do Homossexual nas Relações de Trabalho. In http://www.pgt.mpt.gov.br/publicacoes/pub23.html

            JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO, Edição de 21 de abril de 2006.

            MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 5ª ed. São Paulo: ALTAS, 1999.

            ROMITA, Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2005.

            VALDÉS, Ernesto Garzón e LAPORTA, Francisco J. El derecho y la justicia. Madrid: ED. TROTTA, 2000.

            VIANA, Márcio Tulio. A Proteção Trabalhista contra os Atos Discriminatórios. in Discriminação, Coordenado por Márcio Tulio Viana e Luiz Otávio Linhares Renault. São Paulo: LTr, 2000.

            WANDELLI, Leonardo Vieira. Despedida Abusiva. O direito (trabalho) em busca de uma nova racionalidade. São Paulo: LTr, 2004.


NOTAS

            01

FREIRE, Gilberto. Casa-grande & senzala. 45ª ed. Rio de Janeiro/São Paulo: RECORD, 2001, p. 343

            02

Os direitos fundamentais são exigências morais do que se considera importante para a pessoa, para a coletividade ou para o povo, cujo respeito ou satisfação se postula como obrigação em relação a outras pessoas, em particular, instituições políticas, nacionais e internacionais, segundo SANCHÍS, Luis Prieto. Derechos fundamentales. In VALDÉS, Ernesto Garzón e LAPORTA, Francisco J. El derecho y la justicia. Madrid: ED. TROTTA, 2000, p. 501.

            03

Segundo Aristóteles, o termo igualdade está relacionado à categoria de quantidade, sendo iguais as coisas que têm em comum a quantidade. V. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 534.

            04

ROMITA, Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2005, pp. 293/295.

            05

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2002, p. 784.

            06

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 5 ª ed. São Paulo: MALHEIROS EDITORES LTDA., 1994, pp. 341/343.

            07

GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Direito do trabalho e dignidade da pessoa humana, no contexto da globalização econômica. Problemas e perspectivas. São Paulo: LTr, 2005, p. 149.

            08

BANDEIRA DE MELHO, Celso Antônio. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 38.

            09

BANDEIRA DE MELHO, ob. cit. p. 23.

            10

ROMITA, ob. cit., pp. 293/295.

            11

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 5ª ed. São Paulo: ALTAS, 1999, p. 62.

            12

WANDELLI, Leonardo Vieira. Despedida Abusiva. O direito (trabalho) em busca de uma nova racionalidade. São Paulo: LTr, 2004, p. 374.

            13

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, pp. 1057/1064.

            14

DELGADO, ob. cit., p. 774.

            15

ROMITA, ob. cit., p. 294.

            16

MORAES, ob. cit., p. 62.

            17

WANDELLI, ob. cit., p. 384.

            18

v. Dicionário Houaiss, versão on line: http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm

            19

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, p. 773.

            20

ROMITA, ob. cit., p. 300.

            21

v. Dicionário Houaiss, versão on line: http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm

            22

v. Dicionário Houaiss, versão on line: http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm

            23

v. Dicionário Houaiss, versão on line: http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm

            24

WANDELLI, ob. cit., p. 369.

            25

v. Decretos n° 41.721/57 e nº 62.150/68.

            26

CASTRO, Maria do Perpétudo S. W. de. A concretização da proteção da maternidade no direito do trabalho. São Paulo: Revista LTr 69-08/945-967.

            27

ROMITA, ob. cit., pp. 296/297.

            28

CREMONESI, André. A discriminação de trabalhadores negros ou pardos e a inversão do ônus da prova em juízo. São Paulo: Revista LTr, 69-09/1084-1087.

            29

Autos n° 00936-2005-012-10-00-9 (12ª VT – Brasília) e nº 00930-2005-016-10-00-7 (16ª VT - Brasília).

            30

ROMITA, ob. cit., pp. 306/309.

            31

Ratificada em 28/06/01 e promulgada pelo Decretonº 4.134/02.

            32

Ratificada em 15 de fevereiro de 200 e promulgada pelo Decreto nº 4.597/00.

            33

ROMITA, ob. cit., p.311.

            34

ROMITA, ob. cit., p. 312.

            35

ROMITA, ob. cit., p. 313.

            36

Aprovada no Brasil através do Decreto Legislativo n° 51/89, ratificada em 18/05/90 e promulgada pelo Decreto n° 129/91.

            37

A Lei 8.112/90 assegura às pessoas portadoras de deficiência o direito se inscrevem em concurso público para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que sejam portadoras, às quais serão reservadas até vinte por cento das vagas oferecidas (art. 5°, § 2°).

            38

v. Orientações da Coordenadoria Nacional de Promoção de Igualdade de Oportunidade e Eliminação de Discriminação no Trabalho – COORDIGUALDADE formado por Membros do Ministério Público do Trabalho.

            39

BOMFIM, B. Calheiros e SANTOS, Silvério dos. Dicionário de decisões trabalhistas. 35ª ed. Niteroi: Impetus, 2005, p. 194.

            40

ROMITA, ob. cit., p. 318.

            41

VIANA, Mácio Tulio. A Proteção Trabalhista contra os Atos Discriminatórios. in Discriminação, Coordenado por Márcio Tulio Viana e Luiz Otávio Linhares Renault. São Paulo: LTr, 2000, p. 357/359.

            42

BOMFIM, B. Calheiros e SANTOS, Silvério dos. Dicionário de decisões trabalhistas. 35ª ed. Niteroi: Impetus, 2005, p. 79.

            43

DELGADO, ob. cit., p. 786.

            44

TST Enunciado nº 363 - A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS. (Res. 97/2000, DJ 18.09.2000 - Republicação - DJ 13.10.2000 - Republicação DJ 10.11.2000 - Nova Redação - Res. 111/2002, DJ 11.04.2002 - Nova redação - Res. 121/2003, DJ 21.11.2003)

            45

GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Direito fundamental ao trabalho, como suporte do direito à vida com dignidade, diante da ampliação da competência da Justiça do Trabalho. São Paulo: Revista LTr 69-11/1333-1337.

            46

CREMONESI, André. Inserção dos trabalhadores negros no mercado de trabalho. São Paulo: Revista LTr 69-07/846-847.
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Sobre o autor
Alberto Emiliano de Oliveira Neto

Procurador do Trabalho da Procuradoria Regional do Trabalho da 9ª Região. Mestre em Direito do Trabalho pela PUC/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA NETO, Alberto Emiliano. O princípio da não-discriminação e sua aplicação às relações de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1176, 20 set. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8950. Acesso em: 23 dez. 2024.

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