SOMBRAS DA SINDEMIA

A CRUELDADE DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA AS MULHERES EM UMA CIDADE GAÚCHA E AS AÇÕES DE PROTEÇÃO

Leia nesta página:

Este artigo trata das ações emergências com relação a violência doméstica e familiar contra as mulheres e suas famílias, fator agravado diante do cenário da pandemia do novo Coronavírus, ampliando de forma profunda as desigualdades de gênero existentes.

  1. GARANTIAS DE DIREITOS HUMANOS, A VULNERABILIDADE E A ARTICULAÇÃO EM UMA REDE SISTEMÁTICA.

 

 

A Carta Magna estabelece que a garantia de direitos, consiste em uma responsabilidade comungada com a sociedade civil e pelos poderes do Estado. Este, no que tange suas instituições, necessita atuar conforme sua respectiva competência, além de um sistema jurídico e um poder judiciário organizado, na forma que consiga cumprir as garantias de direitos das crianças[1], adolescentes e mulheres e, também, os poderes oriundos dos Executivos, na figura dos Ministérios, Secretarias Estaduais e municipais, além dos conselhos tutelares, órgãos responsáveis pela aplicabilidade das políticas públicas, os conjuntos de serviços, projetos e programas de atendimento nas áreas de assistência social, educação, saúde, trabalho, esporte, lazer e cultura.

Outra maneira de difundir a compreensão dos Direitos Humanos desde grupo, é tornando este acessível para chegar nas mais diferentes camadas da sociedade, seja na forma mediática (falado, televisivo e escrito), como também nas unidades de ensino (desde o ensino básico até as universidades).

Contudo, estas ações que em outras épocas estavam agregadas em redes apoiadas pelo poder público, estão, no contexto atual, bastante desfiguradas e com carências de projetos unificados, que permitam a abrangência e alcance dos objetivos principais buscados por estas ações.

Desta maneira, as ações que objetivem as garantias dos direitos, necessitam, visto sua complexidade, uma intervenção colaborativa de diferentes setores das instituições da república, e eventualmente das organizações privadas. E numa ótica dos Direitos Humanos de grupos vulnerabilizados, não sobram dúvidas de que é necessário nortear-se pela interseccionalidade e transversalidade. Logo, faz-se imprescindível a ampliação de ações articuladas e compartilhadas.

É necessário destacar que a criação implementação e aplicação destas ações e políticas públicas, destinadas as camadas vulnerabilizadas, motivaram a criação no ano de 2019, da Rede de Assistência Social na cidade do Rio Grande (RS), e não restam dúvidas que esta Rede retrata uma importante composição sociopolítica para efetivar as políticas públicas, especialmente as relacionadas ao enfrentamento da violência de gênero no biênio 2020/2021, tema que encontra-se melhor desenvolvido no artigo intitulado “As sombras da Pandemia (Sindemia): a violência de gênero, doméstica e familiar contra as mulheres na cidade do Rio Grande (RS) em 2020 e as Ações da Rede Local de Proteção” (STOLZ; GONÇALVES;  GUSMÃO; FONSECA, 2021).

 

  1. VIOLÊNCIA, UMA REALIDADE DE MUITAS CRIANÇAS, MULHERES E ADOLESCENTES AGRAVADAS PELA PANDEMIA.

 

A violência não escolhe grupo, classe, faixa etária cultura, etc. Entretanto, as experiências mudam, conforme a desigualdade no acesso aos serviços básicos, como saúde, segurança e justiça, tratando-se de mulheres.

No ano de 2020, o Atlas da Violência 2020, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP)[2], revelou que uma vítima mulher é assassinada a cada duas horas.  No período dos anos 2008 até 2018, os assassinatos de mulheres negras, tiveram um aumento de 12,4%, e ao mesmo tempo o de não negras reduziu 11,7%. Vale destacar também o percentual de mulheres agredidas por ex-maridos, companheiros, namorados subiu de 13% para 37% entre 2011 e 2019 um absurdo aumento de 284% nos casos.

As gravidades das informações e dos casos, nos mostram que somente se expõem uma parte do que realmente acontece, pois existe uma subnotificação da violência de gênero, doméstica e familiar. Isso acontece, pois, a maioria das vítimas conhecem os autores da violência e temem por futuras agressões contexto agravado pelos sentimentos de culpa, repulsa e vergonha de si próprias.

Não restam dúvidas que a atual conjuntura pandêmica, agravou e ampliou as barreiras da subnotificação, pois no primeiro semestre de 2020, cerca de mil oitocentos e noventa mulheres foram assassinadas de maneira violenta, um aumento de dois por cento em relação ao mesmo período do ano anterior. De acordo com o mais recente recenseamento do Fórum Brasileiro de Segurança pública, mais de 600 crimes cometidos foram de feminicídios. E nos demais tipos de violência de gênero, houve reduções das notificações comparadas com o mesmo período do ano anterior.

A violência de gênero, é um fenômeno multicausal, multidimensional, multifacetado, agravado pela pandemia.

 

CONCLUSÃO

Embora estejamos imersos em uma profunda crise político-econômica, não restam dúvidas de que os poderes públicos devem agir de maneira direita ou indireta com vistas a evitar a expansão da desigualdade e da exclusão social, assim como principalmente em tempos de emergência sociossanitária[3] com o objetivo de garantir uma vida sem violência e autônoma para as mulheres e os demais membros do núcleo familiar, requisitos obrigatórios para uma sociedade livre, democrática, plural e justa[4].

 

REFERENCIAS

 

COSTA, Lucas Moran; STOLZ, Sheila. Desafios a segurança e a saúde em tempos de pandemia: a Medida Provisória no 927 na contramão da garantia dos direitos humanos e fundamentais das(os) profissionais da saúde. Revista Eletrônica Direito e Política (Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI), v. 15, n. 2, 2020, Itajaí, p. 577-597. Disponível em: <https://siaiap32.univali.br/seer/index.php/rdp/article/view/16864>. Acesso em: 8 de set. de 2020. Acesso em: 20 de mar. de 2020.

____. A manutenção da qualidade de segurada(o) para as(os) trabalhadoras(es) intermitentes à luz da proibição do retrocesso social. In: COSTA, Ricardo Caetano; SOARES, Hector Cury; COSTA, Eder Dion de Paula (Org.). Cadernos CIDIJUS - Volume 2. Rio Grande: IBRAJU Edições, 2020, p. 9-26. Disponível em: <http://repositorio.furg.br/bitstream/handle/1/9187/Cadernos_CIDIJUS_2.pdf?sequence=1>. Acesso em: 30 out. 2020.

IPEA; FBSP. Atlas da Violência 2020. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA); Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), 2020. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/atlas-da-violencia/. Acesso em: 30 de mar. 2021.

IPDS; OMCV. Violência doméstica e familiar contra a mulher. Brasília: Instituto de Pesquisa DataSenado (IPDS); Observatório da Mulher contra a Violência (OMCV), 2019. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/institucional/datasenado/arquivos/violencia-contra-a-mulher-agressoes-cometidas-por-2018ex2019-aumentam-quase-3-vezes-em-8-anos-1. Acesso em: 28 de mar. 2021.

NASCIMENTO, Lílyan; STOLZ, Sheila. A Feminização e a Racialização do Trabalho Terceirizado no Setor de Limpeza: reflexões acerca do Direito e da Justiça Social. Revista Perspectivas Sociais (Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFPEL), v. 6, n. 1, 2020, Pelotas, p. 136-152. Disponível em: <https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/percsoc/issue/view/1026/showToc>. Acesso em: 10 de dez. de 2020.

STOLZ, Sheila. De Menores Incapazes e Imputáveis a Sujeitos de Direitos: os Direitos Humanos das Crianças e Adolescentes desde as Históricas normativas Internacionais. Revista Brasileira De História & Ciências Sociais (Programa de Pós-Graduação em História), v. 12, n. 24, 2020, Rio Grande, p. 313-342. Disponível em: <https://periodicos.furg.br/rbhcs/article/view/11912>. Acesso em: 28 de set. de 2020.

____. A Agenda 2030 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) do Milênio: iniciativas empresariais para promoção da igualdade de gênero. Anais da Conferência Euroamericana para o Desenvolvimento dos Direitos Humanos: Agenda 2030 – Um Novo Capítulo para a Evolução dos Direitos Humanos (CEDH2020). Coimbra: JUSXXI, 2020, p. 190.

STOLZ; Sheila; GONÇALVES, Vinícius Viana. Vida Famélica, Morte Severina: no mar do desinteresse político-econômico naufraga a fábula do direito fundamental a alimentação adequada. In: COSTA, Ricardo Caetano; SOARES, Hector Cury; COSTA, Eder Dion de Paula (Org.). Cadernos CIDIJUS - Volume 1. Rio Grande: IBRAJU Edições, 2020, p. 10-39. Disponível em: <http://repositorio.furg.br/bitstream/handle/1/9188/organized.pdf?sequence=4/>. Acesso em: 30 de nov. de 2020.

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STOLZ; Sheila; GONÇALVES, Vinícius Viana; GUSMÃO, Carolina Flores; FONSECA, Fernanda Fonseca da. As sombras da Pandemia (Sindemia): a violência de gênero, doméstica e familiar contra as mulheres na cidade do Rio Grande (RS) em 2020 e as Ações da Rede Local de Proteção. In: MELO, Ezilda (org.), Direitos Fundamentais das mulheres no período pandêmico. Salvador (Bahia), Studio Sala de Aula, 2021, p. 72-82.

STOLZ; Sheila; GUSMÃO, Carolina Flores. As Trabalhadoras Terceirizadas que realizam serviços de limpeza e a pandemia do Vírus Sars-Cov-2/Covid-19: ambivalência entre o essencial e o invisível. In: RODRIGUES, Carla Estela; MELO, Ezilda; POLENTINE, Maria Júlia. Pandemia e Mulheres. Salvador (Bahia): Studio Sala de Aula, 2020, p. 378-393. Disponível em: <http://repositorio.furg.br/bitstream/handle/1/9188/organized.pdf?sequence=4/>. Acesso em: 8 de set. de 2020.

 

 


[1] Uma perspectiva histórica sobre a forma como eram tratadas as crianças e jovens encontra-se em: STOLZ, Sheila. De Menores Incapazes e Imputáveis a Sujeitos de Direitos: os Direitos Humanos das Crianças e Adolescentes desde as Históricas normativas Internacionais. Revista Brasileira De História & Ciências Sociais (Programa de Pós-Graduação em História), v. 12, n. 24, 2020, Rio Grande, p. 313-342. Disponível em: <https://periodicos.furg.br/rbhcs/article/view/11912>. Acesso em: 29 de mar. de 2021. Sobre as políticas públicas que historicamente foram desenvolvidas pela Estado brasileiro encontra-se em: PILLOTTI, Francisco; RIZZINI, Irene (org.). A arte de governar crianças: A história das políticas sociais, da legislação e da assistência à infância no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Interamericano del Niño/Editora Universitária Santa Úrsula/Amais, 1995.

 

[2] IPEA; FBSP. Atlas da Violência 2020. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA); Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), 2020. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/atlas-da-violencia/. Acesso em: 30 de mar. 2021. Recomenda-se também a leitura da 8ª edição da Pesquisa Nacional sobre Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, realizada pelo Instituto de Pesquisa DataSenado em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência. IPDS; OMCV. Violência doméstica e familiar contra a mulher. Brasília: Instituto de Pesquisa DataSenado (IPDS); Observatório da Mulher contra a Violência (OMCV), 2019. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/institucional/datasenado/arquivos/violencia-contra-a-mulher-agressoes-cometidas-por-2018ex2019-aumentam-quase-3-vezes-em-8-anos-1. Acesso em: 28 de mar. 2021.

[3] Sobre os desafios provocados pela pandemia recomenda-se: COSTA, Lucas Moran; STOLZ, Sheila. Desafios a segurança e a saúde em tempos de pandemia: a Medida Provisória no 927 na contramão da garantia dos direitos humanos e fundamentais das(os) profissionais da saúde. Revista Eletrônica Direito e Política (Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI), v. 15, n. 2, 2020, Itajaí, p. 577-597. Disponível em: <https://siaiap32.univali.br/seer/index.php/rdp/article/view/16864>. Acesso em: 8 de set. de 2020. Acesso em: 20 de mar. de 2020.

[4] STOLZ, Sheila. Derechos humanos y ciudadanía conceptos y concepciones. In: URQUIZA, Antonio Hilário Aguilera (Org.). Formação de Educadores em Direitos Humanos. Campo Grande: Editora da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), 2014, p. 81-97.

 

Sobre os autores
Vinicius Viana Gonçalves

Possui Bacharelado em Direito pela Faculdade Anhanguera do Rio Grande (FARG), Pós-Graduação em Ciências Políticas pela Universidade Cândido Mendes (UCAM), Pós-Graduação em Ensino de Sociologia pela Faculdade Única de Ipatinga (FUNIP), Pós-Graduação em Educação em Direitos Humanos e Mestrado em Direito e Justiça Social pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Também possui formação como Técnico em Comércio Exterior pela Escola Técnica Estadual Getúlio Vargas (Rio Grande/RS), Tecnologia em Logística pela Faculdade de Tecnologia (FATEC/UNINTER). Como pesquisador, foi membro do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Direitos Humanos (NUPEDH) e do Grupo de Pesquisa Direito, Gênero e Identidades Plurais (DIGIPLUS), ambos vinculados ao PPGDJS/FURG. Também atuou como pesquisador vinculado ao Programa Educación para la Paz No Violencia y los Derechos Humanos, no Núcleo de Pesquisa e Extensão em Direitos Humanos (Centro de Investigación y Extensión en Derechos Humanos) da Facultad de Derecho da Universidad Nacional de Rosario (Argentina), sob coordenação do Professor Dr. Julio Cesar Llanán Nogueira, com financiamento da PROPESP-FURG/CAPES.

Sheila Stolz

Professora Associada do Curso de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Direito e Justiça Social (Mestrado) da Universidade Federal do Rio Grande (FaDir/FURG/RS). Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS), com bolsa do Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior (PDSE-CAPES) realizado na Facultad de Derecho da Universidad Complutense de Madrid (UCM/Madri/Espanha). Mestre em Direito pela Universitat Pompeu Fabra (UPF/Barcelona/Espanha). Coordenadora Geral do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Direitos Humanos (NUPEDH/FURG). Coordenadora do Curso de Pós-graduação em Educação em Direitos Humanos (PGEDH/FURG-UAB-CAPES). Lattes: http://lattes.cnpq.br/3038131556164688. Orcid ID https://orcid.org/0000-0003-3591-7153. E-mail: [email protected].

Mariéli Braun Ribeiro

Estudante do Curso de Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande (FaDir/FURG/RS). Bolsista PIBIC (2020/2021).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Paper de introdução, para artigo acadêmico vindouro.

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