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As Forças Armadas brasileiras e a comemoração de suas glórias e não de seus crimes

01/04/2021 às 22:46
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No presente artigo se discute a celebração pelo governo federal e pelas Forças Armadas da data alusiva ao Golpe Militar de 1964, expondo como tal tipo de ato fere o Estado Democrático do Direito e louva a a morte, a tortura e a perseguição política.

Em meio as questões ligadas a comemoração pelas Forças Armadas da ditadura que se instalou no Brasil em 1964, acabo por lembrar da manifestação do Sr. Francisco Louça, conselheiro do Estado português, ex-deputado e comentarista da rede de televisão SIC [1], no dia 19/02/2021, a cerca da discussão das congratulações pelo Estado português por conta da morte de Marcelino da Mata, um ex-tenente coronel do seu Exército.

Francisco Louça descreve que o Exército deve comemorar as suas glórias, mas não pode comemorar as suas condutas realizadas que foram contrárias a legalidade, a constitucionalidade e toda a ordem jurídico-política existente, como também dos seus crimes e atrocidades.

A discussão descrita tomou conta de Portugal no último mês e pode nos dar algumas lições, ante a atitude do governo federal brasileiro e das suas Forças Armadas de comemorarem a ditadura militar iniciada no Brasil em 1964.

O governo federal e as Forças Armadas buscam comemorar as ações perpetradas a partir de 01/04/1964 [2], como se fossem atos de glória que precisassem de enaltecimento e louvor, como se fosse possível retirar algo de bom durante o período de 21 anos em que estes estiveram a frente do governo.

Foi um período em que o Estado brasileiro, seus agentes de segurança e as Forças Armadas participaram diretamente da morte de 434 pessoas, tiveram participação direta e indireta da morte de mais de 1200 pessoas no campo e de 8500 indígenas de 10 etnias [3]. Tais dados foram apresentados pela Comissão Nacional da Verdade em seu relatório final, que ainda descreveu que os números devem ser ainda maiores, mas que não houve condições para continuar as apurações.

Neste período, 4.841 representantes eleitos pelo povo foram destituídos de seus cargos, mais de 7 mil pessoas foram exiladas, mais de 30 pessoas tiveram alguns dos seus direitos civis ou políticos atingidos por atos direto da ditadura e ainda foram torturadas em torno de 20 mil pessoas [4].

Assim, há de se ver que os números são bastante expressivos e bem denotam que o governo na mão das Forças Armadas durante a ditadura implantou um regime de exceção que violou direitos, contrariou a ordem jurídico-política vigente, promoveu a morte, a tortura e atos desumanos e degradantes como atividade política, em verdadeiro terrorismo de Estado.

As Forças Armadas foram responsáveis diretamente por tais atuações e pelo desenvolvimento de tal tipo de atividade política como ato de governo, estando intimamente ligados a todos estes atos. Desta forma, não há como desprender as Forças Armadas dos atos realizados durante a ditadura e as marcas que estes deixaram em nossa sociedade e em nossa história, que não podem ser apagados e nem desvirtuados.

O governo empreendeu a força, a ofensa, a discriminação e a separação como política, promovendo os interesses de uma classe específica, uma oligarquia sedimentada ao longo dos séculos da história brasileira, impedindo a adoção de ações governamentais que visassem a diminuição das desigualdades e da implementação do bem-estar social.

Este foi o contexto que se encontravam expostos do período da ditadura brasileira e que não podem ser apagados, de forma que não há como considerar o período do governo militar como um período honroso e que necessite de comemorações.

Tal período foi de ofensas e vilipêndio a ordem jurídico-política existente, tanto no âmbito interno como no âmbito externo, ao promover atos degradantes, desumanos e cruéis como atos de Estado, que não podem ser comemorados como se fossem grandes feitos e passíveis de honra e fausto.

Comemoração importa em celebração e festividade, que no caso somente podem se dar para os atos efetivamente gloriosos, que importam na aplicação da correção do que é contido na ordem jurídica e não se apresentam como crime ou ofensa ao que o Direito, a Ética e correção daquilo que se entende como política estabelecem.

Este período deve ser rememorado e lembrado, mas não para tecer louros ou áureos para estes eventos, e sim para promover a verdade da totalidade de tais atrocidades, importando no conhecimento dos fatos e em sua memória, para que tais barbaridades e desumanidades não mais ocorram e que a vida democrática impere na realidade social vigente.

Os atos como perpetrados pelo Estado naquele período não podem ser glorificados, pois são crimes, são contrários ao Direito e toda a ordem sociopolítica vigente à época e em nossa época, porque são bárbaros, hostis e ultrajantes. Desta forma, qualquer celebração deste tipo de ato é a celebração da ofensa, da desumanidade e de tudo que é mais nocivo a vida em nossa sociedade.

Há muito o que se comemorar na vida militar brasileira, como a contribuição brasileira na 1ª Guerra Mundial na cooperação em saúde e a participação ativa na 2ª Guerra Mundial, com ações empreendidas na Itália e que foram importantes para a derrubada da frente italiana e o enfraquecimento das forças do Eixo.

Mas a celebração da ditadura pelo atual governo brasileiro e pelas Forças Armadas é um escárnio e uma ofensa ao Estado Democrático de Direito, posto que passa a celebrar e a festejar todos os crimes cometidos, com as atrocidades, desumanidades, barbaridades e crueldades cometidas, como se fossem corretas, quando se tem exatamente o contrário disso.

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Os atos promovidos pela ditadura brasileira foram crimes, foram inconstitucionais, ilegais e atrozes, não podendo lhes dar outra conceituação, sob pena de se falsear os acontecimentos, os fatos e a realidade vivida anteriormente, de que o Estado brasileiro, seus agentes de segurança e as Forças Armadas, promoveram a morte, a tortura, penas degradantes, desumanas e cruéis, perseguiram opositores políticos e determinaram a saída do país de um grande número de seus filhos. Não há como se festejar e regozijar sobre isso, salvo se o objetivo seja o de promover a barbárie, aprovar o desumano, o ódio e a ofensa, ou seja, tudo aquilo que é contrário o Estado Democrático de Direito.


Referências

[1] Pode ser visto no link: https://fb.watch/4AjVXnxzHz/

[2] Os atos se iniciaram na madrugada do dia 01/04/1964, mas por ser este o Dia da Mentira, acabam por descrever que os atos se iniciaram no dia anterior, 31/03/1964.

[3] Dados apresentados no relatório final da Comissão Nacional da Verdade

[4] Informação da Human Rights Waltch no link: https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,human-rights-watch-ditadura-no-brasil-torturou-20-mil-pessoas-434-foram-mortas-ou-desapareceram,70002770377 

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Sobre o autor
Walter Gustavo Lemos

Advogado, formado em Direito pela Universidade Federal de Goiás (1999), mestrado em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2015) e mestrado em Direito Internacional - Universidad Autonoma de Asuncion (2009). Doutor em Direito Público pela UNESA /RJ (2020). Pós-doutorando em Direitos humanos pela Universidad de Salamanca. Atualmente é professor da FARO - Faculdade de Rondônia. Ex-Secretário-Geral Adjunto e Ex-Ouvidor da OAB/RO. OAB/GO 18814, OAB/RO 655A

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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