1. Introdução
Pensar o Estado como um bloco monolítico, que reúne a soma de todos os procedimentos e decisões, limitadas ou não às leis, aponta para a existência de uma força coletiva frequentemente denominada de poder. Esse conceito político se aproxima da ideia central do Direito como instrumento de decisão, ou seja, como meio de produção de efeitos teleologicamente desejados.
Essa noção de poder, que margeia as fontes tradicionais do Direito e da Ciência Política, destaca a importância da compreensão da Constituição derivada de um procedimento originário. Em algumas democracias, esse processo ocorre com a inclusão do povo como elemento ativo na formação de consensos, como exemplificado na Constituição dos Estados Unidos com a expressão “nós, o povo”. Essa concepção fundamental já era visível entre os romanos, na divisão estamental do poder, que incluía os comícios como fonte popular de deliberação e reduto da opinião pública.
O exercício do poder, portanto, na modernidade, opera-se por meio de processos de racionalização e tomada de decisões razoáveis. Ao mesmo tempo em que limita o poder político, cria mecanismos jurídicos para a imposição de decisões, nem sempre conformes à própria Constituição. Aliás, muitas dessas imposições são proferidas em franco afastamento das teorias que conferem segurança à aplicação da norma jurídica.
Uma breve incursão na teoria de Hart (2008) sobre o conceito de Direito, autor que desenvolveu algumas teses do positivismo jurídico contemporâneo, permite antever a noção de poder na formação das chamadas normas secundárias. Sabe-se que Herbert Hart dividiu as normas jurídicas em primárias e secundárias, à semelhança de Kelsen. No entanto, conferiu um conteúdo distinto a essa classificação, construindo a ideia de unidade do sistema jurídico como a integração entre normas primárias e secundárias.
Essas normas secundárias (metanormas) desempenham um papel fundamental na compreensão dos mecanismos de exercício do poder, tanto na esfera pública quanto na privada. Hart (2008) apresenta essas normas — regras de reconhecimento, regras de julgamento e regras de alteração — como instrumentos para solucionar a fragilidade das normas primárias, que são, por natureza, conflitivas. Seu objetivo é conferir eficácia ao Direito, que possui uma textura aberta.
Sendo normas de atribuição de poder, constata-se que as normas secundárias se originam no centro do poder estatal constituído, ou seja, da autoridade competente para produzir normas jurídicas. Ao fim e ao cabo, consolidam-se no poder de julgar e controlar comportamentos (regras de julgamento), função distinta da elaboração normativa. A partir desse ponto, o Estado impõe coercitivamente suas decisões. Esse poder de julgar, independentemente da concordância com Hart, relaciona-se diretamente com outro dilema do Direito: a existência de um excesso ou de uma escassez de normas.
Diante do excesso normativo, os juristas buscam resolver possíveis conflitos por meio de regras preestabelecidas, consideradas por Hart como “metanormas”. Contudo, quando o problema se refere à insuficiência do ordenamento, configurando um vazio jurídico — comumente designado pelos pensadores do Direito como “lacuna” —, surgem diversas teorias que propõem métodos para sua colmatação.
Desse modo, as chamadas lacunas surgiram, inicialmente, como fonte do protagonismo judicial, constituindo um espaço de criação livre do Direito. Nessas circunstâncias, o juiz supria tais lacunas por meio de procedimentos prescritos no próprio ordenamento jurídico, recorrendo à aplicação da analogia, dos costumes e até mesmo dos princípios gerais do Direito, como forma de estabelecer precedentes jurisprudenciais.
Ocorre que, na metade do século XX, os doutrinadores, a partir de Crisafulli, postularam a ascensão dos princípios jurídicos ao cerne das constituições modernas, conforme bem explicado por Paulo Bonavides (2000, p. 257). Esse movimento levou ao surgimento do pós-positivismo, que cindiu as normas primárias em duas categorias — princípios e regras —, incluindo na primeira os direitos fundamentais, agora reduzidos à categoria de princípios e garantias. A base teórica dessa cisão sustenta a hipótese de que os princípios jurídicos são passíveis de concreção por meio de procedimentos racionais de aplicação, sem recorrer aos mecanismos tradicionais que condicionam a validade e a aplicabilidade da norma. Nesse contexto, a atenção se volta para a possibilidade de colisão entre princípios e para a escolha, pelo aplicador/intérprete, do preceito que, ao seu juízo, deve prevalecer no momento da concreção da norma.
O intérprete/aplicador da norma, especialmente aquele autorizado a decidir matéria constitucional, considera-se apto a solucionar os casos sem recorrer às regras jurídicas — normas caracterizadas pelo princípio do “tudo ou nada” —, erigidas pelo legislador justamente para conferir segurança às relações jurídicas. Esse afastamento também se dá em relação aos paradigmas tradicionais de interpretação, comumente denominados “velha hermenêutica”. Assim, princípios que anteriormente serviam apenas para colmatar lacunas no ordenamento jurídico passaram a alterar toda a lógica jurídica, provocando o enfraquecimento imediato da hermenêutica tradicional, elaborada ao longo de séculos, e sugerindo que estaríamos diante de uma evolução inquestionável do Direito “pós-moderno”.
Entretanto, é justamente nesse cenário que o exercício do poder de julgar se torna vulnerável ao ativismo judicial, uma vez que há um afastamento das regras que definem exaustivamente os objetos jurídicos e estabelecem procedimentos de interpretação e aplicação das normas. Esse fenômeno permite que o julgador se apresente como concretizador da norma, atribuindo-lhe sentido mediante a otimização de preceitos altamente abstratos, o que se aproxima de uma atuação ultraconstitucional, caracterizada pela criação normativa ex post facto. Dessa forma, busca-se solucionar o caso levado excepcionalmente ao seu conhecimento, que ele mesmo qualifica discricionariamente como um “hard case”, encontrando, subjetivamente, dificuldades não solúveis pelos meios convencionais de aplicação das regras jurídicas.
O protagonismo judicial, entendido como a possibilidade de o julgador, por meio de decisões reiteradas, criar o direito mediante uma peculiar interpretação da norma, resulta na sobreposição do Poder Judiciário sobre as funções originalmente atribuídas aos demais poderes. Essa prática se acentua no Tribunal Constitucional, que detém o monopólio da última palavra. Esse monopólio implica a possibilidade de o Tribunal assumir para si o poder de produzir normas, revogar outras e lhes dar novo alcance, e, em alguns casos, criar normas para casos concretos com características de abstração, generalidade e coercitividade.
Essa vulneração do sistema jurídico, na atualidade, configura-se como a principal causa da subversão do ordenamento jurídico. A chamada “ponderação” tornou-se, nesse contexto, o principal mecanismo de implantação de direitos que não possuem consenso social ou que são claramente rejeitados pela maioria. Tal prática visa à imposição de políticas públicas que beneficiam grupos minoritários, sob o argumento do discurso contramajoritário e da “inclusão social”, promovendo uma atuação do Tribunal contra a sociedade.
O mais preocupante nesse cenário de predomínio de procedimentos emotivistas — que conferem força apenas aos sentimentos pessoais do aplicador/intérprete — é a hipertrofia do Poder Judiciário, que utiliza o ativismo para invalidar decisões baseadas na Constituição escrita, sem observar os procedimentos previstos para sua reforma ou alteração.
Nesta exposição, propõe-se uma breve análise desse anacronismo e da ascensão do Judiciário como poder detentor do controle de constitucionalidade de atos normativos. A análise baseia-se nos modelos liberal e social de Estado que, no passado, influenciaram a formação das democracias ocidentais. O paradigma dos Estados teocráticos orientais, nos quais a religião permeia todas as relações de poder, não será objeto desta abordagem. No entanto, é possível considerar tais Estados como o “reverso da moeda” — modelos que fomentam o discurso de risco do fundamentalismo religioso, frequentemente direcionado no Ocidente contra o cristianismo, com o objetivo de desconstruir os pressupostos morais de origem judaico-cristã.
2. A introdução do sistema de controle de constitucionalidade
As primeiras doutrinas sobre a separação dos poderes surgiram na Inglaterra, durante a guerra civil, especialmente em razão do crescente poder político adquirido pelo Parlamento, que passou a utilizar o impeachment contra membros da Coroa. Isso levou à hipertrofia do Parlamento em relação à Monarquia e ao Poder Executivo (antigo Judiciário), cujos magistrados eram aplicadores do common law (PIÇARRA, 1989, p. 49-52). O Poder Judiciário surgiu em solo inglês justamente ao receber parte das atribuições do Legislativo, como forma de limitar o poder deste último e impedir que agisse arbitrariamente contra a Coroa.
Além disso, a mudança de paradigma provocada pela Constituição dos Estados Unidos da América de 1787 explica várias transformações verificadas no Estado moderno, especialmente pelo afastamento da religião como elemento estruturante. Esse distanciamento gerou o que Jefferson denominou de “parede de separação entre o Estado e a Igreja”. Nesse contexto, inaugura-se um secularismo legalista, pautado nas leis e decisões do Tribunal Constitucional — um governo das leis, e não dos homens. Esse modelo, somado ao liberalismo emergente na Europa durante a Era das Revoluções, influenciou diretamente a tendência de secularização da sociedade. Como consequência, muitos teóricos da época passaram a adotar um distanciamento da linguagem religiosa (HOBSBAWM, 2014, p. 364).
[...] É indubitável que a doutrina ou teoria da separação dos poderes tem desempenhado um papel primordial na conformação do tipo de Estado que, a partir da Revolução Inglesa, deu origem aos Estados Unidos da América e, sobretudo, da Revolução Francesa, se foi propagando a todo o mundo ocidental, no decurso dos últimos dois séculos. (PIÇARRA, 1989, p. 11).
Não há, então, possibilidade de se analisar a adoção da teoria de partição do poder, como recepcionada pelos norte-americanos, sem considerar a separação do Estado da Igreja, o que não ocorreu prontamente na França, tida por alguns como matriz desse modelo liberal. No entanto, logo após a Revolução, emergiu em solo francês um forte sentimento anticlerical por parte dos novos detentores do poder, imprimindo um novo ritmo de secularização à sociedade.
A doutrina difundida a partir dessa peculiar tripartição do poder, com a exclusão da religião do âmbito do Estado — fonte inicial da separação —, foi adensada pelo novo modelo americano, que alterou substancialmente as relações de poder ao prever a eleição de um Presidente para um período determinado, pondo fim ao sistema de vitaliciedade do monarca. Isso, contudo, pouco refletiria na importância do Poder Judiciário, que seguiu o modelo inglês até aquela quadra.
É desse caule que brota a teoria dos check and balances, presente em várias instituições democráticas, a exemplo do poder de veto do Presidente, descrito pelo federalista Hamilton (2011, p. 647) como a prerrogativa de devolver projetos de lei ao Legislativo, juntamente com os fundamentos do veto, impedindo que o projeto se torne lei, a menos que seja posteriormente ratificado pelo Congresso. Tal procedimento abre duas possibilidades sensíveis: a do Presidente vetar atos legislativos e a de que seu veto seja apreciado pelo Parlamento.
Também nessa relação de pretendido equilíbrio entre os três poderes, sem pendões religiosos aparentes, como deixa transparecer Woodrow Wilson, o Judiciário se apresentaria definido como um dos poderes constituídos, sendo delimitada, na Constituição, a esfera que lhe seria permitido ocupar na estrutura do Estado. Ademais, importa reconhecer, em simetria com os dois outros poderes, que ao Judiciário também se impuseram limites de atuação naquela Constituição:
[...] Power of Congress over the Judiciary – But these provisions of the Constitution leave Congress quite free to distributive the powers thus set forth among the courts for whose organization it is to provide, and even, it so chooses, to leave some of them entirely in abeyance. (WILSON, 1917, p. 369).
A ideia de inafastabilidade da jurisdição, nessa sistemática em que o Legislativo estabelece suas competências, não teria cunho absoluto ou, dito de outra forma, o Judiciário não deteria atribuições para decidir todo tipo de questão que lhe fosse apresentada, justamente porque, na divisão de poderes, sua atividade não deveria subtrair aquelas funções atribuídas aos demais poderes. Contudo, a partir da tripartição dos poderes e das consequentes regras de freios e contrapesos, a doutrina constitucional americana construiu um sistema concreto de fiscalização judicial da constitucionalidade, inaugurado com a decisão da Suprema Corte de 1803, no julgamento de Marbury v. Madison.
Mesmo que o sistema constitucional americano não tenha se difundido de forma global, alguns de seus institutos foram incorporados por outros sistemas jurídicos. Um exemplo disso é o Brasil, que, em 1891, adotou o modelo de fiscalização judicial da constitucionalidade, já ciente da possibilidade de que o Judiciário poderia exercer o controle de atos do Legislativo em sua primeira Constituição Republicana.
[...] Muito significativas e frutuosas foram, diversamente, as transplantações para algumas Constituições dos principais institutos originários dos Estados Unidos: [...] – A fiscalização judicial da constitucionalidade para vários países do Commonwelth, para o Brasil (1891), para Portugal (desde 1911) e para o Japão (Constituição de 1946). (MIRANDA, 2009, p. 149).
Previsto formalmente na Constituição Republicana de 1891, o controle difuso de constitucionalidade permaneceu adormecido até que Rui Barbosa, anos depois, questionasse a constitucionalidade de atos do governo federal. Esses questionamentos aparecem nas obras seletas desse insigne jurista sob a alcunha de “Os atos inconstitucionais do Congresso e do Executivo” (BARBOSA, 1962).
Essa mudança de paradigma alterou substancialmente a forma de atuação do Poder Judiciário brasileiro, que passou a analisar a inconstitucionalidade de atos dos demais poderes na via incidental, recepcionando concretamente o sistema americano de fiscalização da constitucionalidade e adotando posicionamentos similares aos trabalhados pela Suprema Corte americana.
À época, poucos juristas, como Rui Barbosa, dominavam a língua inglesa, o que tornava os autores franceses, até então, a principal fonte de consulta e influência no Direito Constitucional, que mantinha o Judiciário submetido ao Executivo, apesar da tentativa inicial de destacá-lo como parcela da soberania (DUGUIT, 1923, p. 163). Ao ler em inglês, Rui teve acesso a uma ampla bibliografia produzida pelos constitucionalistas anglo-americanos, o que influenciou diretamente sua concepção de Estado e da necessária separação entre este e a Igreja, moldada no Decreto n. 119-A, de 1890, e, posteriormente, na Constituição de 1891, que ajudou a redigir.
Quando Rui Barbosa impetrou, em favor do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, um habeas corpus visando garantir sua autonomia administrativa, essa possibilidade de controle de constitucionalidade já havia se consolidado nos meios acadêmicos e jurídicos, contribuindo para a construção de um Poder Judiciário independente e autônomo.
Todavia, por longo período, esse tipo de controle judicial manteve-se comportado. Não se observavam, por parte do Supremo Tribunal Federal, decisões que adentrassem diretamente na esfera de outros poderes. Talvez a primeira decisão desse tipo, que teve certa repercussão no ambiente político, tenha sido o julgamento sobre a vacinação obrigatória durante a pandemia de varíola no início do século XX, tema que também foi enfrentado pela Suprema Corte dos Estados Unidos no julgamento de Jacobson v. Massachusetts, 590 U.S. (1905).
No caso brasileiro, também de 1905, o desfecho de um julgamento de habeas corpus apresentou um contexto um pouco diferente do caso Jacobson: neste, a Corte americana considerou legítimos os atos governamentais que exigiam a vacinação, prevendo a aplicação de multa caso o indivíduo não apresentasse uma justificativa razoável. Já no Brasil, o STF, que à época se sediava no Rio de Janeiro, no burburinho do episódio histórico crismado pelos historiadores como “Revolta da Vacina”, concedeu ordem de habeas corpus preventivo para que cessassem os constrangimentos ilegais contra o paciente. Este encontrava-se ameaçado de prisão por não permitir que os agentes de saúde adentrassem em sua residência para a aplicação do produto sanitário, diante da inexistência de lei que autorizasse tal procedimento.
[...] Acórdão dá provimento ao recurso para, concedendo o impetrado habeas corpus preventivo, mandar que cesse incontinente ameaça de constrangimento ilegal a que se refere o recorrente, resultante da iminência da entrada da autoridade sanitária em casa do paciente, sem consentimento deste, não havendo lei alguma que autorize tal entrada. [...]
Pindaíba de Mattos. Concedi a ordem de habeas corpus preventiva somente para que não fosse preso o paciente, por não me parecer justificável a ameaça de prisão de que se queixou. Não considero nem considerei inconstitucionais a Lei e o Regulamento a que se referem os considerandos do Acórdão que nesse ponto não aceitei.1
Note-se que o Tribunal se adiantou a apreciar, por maioria, a constitucionalidade dos atos normativos que disciplinavam a obrigatoriedade do procedimento sanitário de forma incidental, na via estreita do habeas corpus. O episódio permite concluir que o controle de atos legiferantes no combate a pandemias adentrou a esfera de decisão do Poder Judiciário, relativizando os limites rígidos da separação entre os poderes à época.
Em 1919, o habeas corpus seria mais uma vez utilizado por Rui Barbosa, em causa própria e em favor de seus correligionários, para combater violações aos seus direitos fundamentais de reunião e liberdade de expressão. O STF concedeu a ordem, garantindo ao senador baiano o direito de reunião em todo o território do estado da Bahia para divulgar sua candidatura ao cargo de Presidente da República.
Acordam, em Supremo Tribunal Federal, nos termos supra, conceder a presente ordem de habeas corpus ao Sr. senador Rui Barbosa e a todos os indivíduos mencionados nominalmente na petição de fls. 2. e no princípio deste Acórdão, para que possam exercer, na capital do Estado da Bahia e em qualquer parte dele, o direito de reunião, e mais, publicamente, fazer uso da palavra nas praças, ruas, teatros e quaisquer recintos, sem obstáculos de natureza alguma, e com segurança de suas vidas e pessoas, realizando os comícios que entenderem necessários e convenientes à propaganda da candidatura do impetrante à sucessão do presidente da República, sem censura e sem impedimento de qualquer autoridade local ou da União, reunir-se em comício para divulgar sua candidatura a presidência da República.2
Anos depois, o período denominado Estado Novo, que soergueu a figura centralizadora de Getúlio Vargas, conteve, em grande medida, o avanço institucional do sistema de controle de constitucionalidade, uma vez que o Judiciário foi despido dos instrumentos jurídicos que garantiam a efetividade desse controle. Como relata Carone (1976, p. 158), o símbolo legislativo desse período, a Constituição de 1937, impôs limites à atuação do Supremo Tribunal Federal:
Art. 96. - Só por maioria absoluta de votos da totalidade dos seus Juízes poderão os Tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou de ato do Presidente da República.
Parágrafo único - No caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que, a juízo do Presidente da República, seja necessária ao bem-estar do povo, à promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta, poderá o Presidente da República submetê-la novamente ao exame do Parlamento: se este a confirmar por dois terços de votos em cada uma das Câmaras, ficará sem efeito a decisão do Tribunal. (BRASIL, 1937).
Observa-se, no parágrafo único desse artigo (revogado apenas em 1945, após a morte de Vargas), que ao Presidente da República foi atribuído um papel de “revisor” das decisões do Supremo Tribunal Federal. Sob o manto do imaginário bem-estar do povo ou da promoção e defesa dos interesses nacionais de alta monta, ele poderia reapresentar ao Parlamento a norma declarada inconstitucional para ser confirmada, tornando sem efeito a decisão anterior do Tribunal.
Não houve grande avanço nessa seara constitucional até que o sistema cambaleante de controle de constitucionalidade no Brasil, que atravessou o Estado Novo, fosse alterado com o regime iniciado em 1964. Naquele momento, ainda estava em vigor a Constituição de 1946, embora, nessa área, a norma de contingência já estivesse revogada. Foi então adotada, por meio da Emenda Constitucional n. 16, de 26 de novembro de 1965, a Ação Direta de Inconstitucionalidade, que poderia ser proposta diretamente pelo Procurador-Geral da República. Com esse instrumento, o Supremo Tribunal Federal iniciou uma nova fase histórica.
Salutarmente, nesse período, diante das posições jurídicas dos diversos ministros que compunham o STF, não se assistiu a um crescimento desmedido do poder de controle do Tribunal, que se manteve conservador ao analisar pedidos dessa natureza. Entretanto, a Constituição de 1988, obra da chamada “redemocratização”, ampliou os legitimados para a propositura da ação concentrada de controle de constitucionalidade, incluindo, nesse rol, partidos políticos e outras entidades representativas. Isso provocou, em curto período, uma significativa elevação no número dessas demandas no Tribunal e, a largos passos, levou à adoção dos princípios jurídicos como paradigma de controle de constitucionalidade, desembocando no pan-principialismo e na politização da jurisdição constitucional.