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Imunidade de rebanho: conceito e objetivos.

É possível atingir imunidade coletiva em uma pandemia viral mortal? E o que seria imunidade de rebanho?

09/04/2021 às 12:40
Leia nesta página:

Desde o início da pandemia do Covid-19, o conceito de imunidade de rebanho passou a ser discutido por políticos para o controle da pandemia. Seria possível?

Desde o início da pandemia do Covid-19, o conceito de “imunidade de rebanho” ou imunidade coletiva passou a ser discutido por políticos como um ideal a ser atingido para o controle da pandemia. Surgem as perguntas:

  • É possível atingir imunidade coletiva em uma pandemia viral mortal?

  • E o que seria imunidade de rebanho?


1. Conceito

O conceito de imunidade de rebanho tem origem na medicina veterinária, envolvendo decisões comerciais com respeito a permitir que alguns animais morram de modo a controlar uma infecção generalizada em benefício do rebanho como um todo. É um termo usado para gado, animais como vacas, cabras ou ovelhas que normalmente já seriam sacrificados para consumo humano. Seres humanos, porém, não são um rebanho a ser sacrificado em benefício da sociedade.

Mais ainda, além do fato da imunidade de rebanho ser uma abordagem veterinária, não pode existir imunidade de rebanho em uma pandemia causada por um vírus mortal sem uma vacina.

A imunidade do rebanho ou a resistência da população ocorre quando uma proporção suficiente de pessoas torna-se imune a uma doença infecciosa por meio da propria infecção (imunidade natural) ou de um programa de vacinação, levando ao controle da propagação da doença.

Quando um número suficiente de pessoas passa a ser imunizada, o resto da população fica protegida da doença porque o vírus não pode mais se espalhar, alcançando-se assim a imunidade coletiva contra essa doença específica.

A forma ética e prática de obter imunidade coletiva entre os seres humanos é por meio da vacinação. De modo a atingir imunidade coletiva em uma pandemia mortal sem uma vacina, uma grande quantidade de pessoas terá que ser infectada e morrer do vírus antes de conseguir-se controlá-lo. Além disso, ainda não se sabe a duração exata da imunidade natural adquirida através da infecção do Covid-19.

A porcentagem estimada da população imunizada necessária para obter-se imunidade de rebanho com o Covid-19 é de aproximadamente 70 a 80 por cento. De maneira a atingir o limite de 70 por cento de imunidade coletiva contra uma doença mortal como a Covid-19 sem uma vacina, milhões de pessoas seriam infectadas e morreriam.

Apesar de mais de 132 milhões de casos confirmados de Covid-19 em todo o mundo, nenhum país atingiu os níveis de imunidade natural necessários para impedir a propagação da doença. Estudos feitos na Espanha e na China mostraram que menos de 5 por cento de sua população desenvolveu anticorpos contra o vírus. Em um estudo com 1.300 residentes de Nova York, apenas 20 por cento deles foram positivos para anticorpos.

Comentando a respeito do termo “imunidade de rebanho”, o Dr. Michael Ryan, da Organização Mundial de Saúde, enfatizou: "Entendo que precisamos ter muito cuidado ao usar termos como esse em relação à infecção natural em humanos, porque isso pode levar a uma aritmética muito brutal que não coloca as pessoas, a vida e o sofrimento no centro dessa equação.”


2. Imunidade de rebanho em diferentes países

Um estudo em grande escala na Espanha concluiu que apenas 5 por cento da sua população desenvolveu anticorpos contra Covid-19. Apesar de a Espanha ser um dos países mais afetados pelo vírus, a presença de anticorpos não era alta o suficiente para obter-se imunidade coletiva.

Isso anula as esperanças de que a imunidade coletiva possa oferecer uma ampla proteção contra a doença e evitar a necessidade de bloqueios constantes (lockdowns). Cerca de 60 a 70 por cento da população precisa ser imune para proteger os não infectados.

Os pesquisadores espanhóis enfatizaram: "Apesar do alto impacto da Covid-19 na Espanha, as estimativas de prevalência permanecem baixas e são claramente insuficientes para fornecer imunidade coletiva. Nesta situação, as medidas de distância social e os esforços para identificar e isolar novos casos e os seus contatos são imperativos para o controle futuro da epidemia. "

Pesquisadores na Espanha que examinaram quase 70.000 pessoas descobriram que 14 por cento dos que deram positivo para anticorpos na primeira rodada de testes deram um resultado negativo dois meses depois. O aparente desaparecimento de anticorpos foi observado principalmente em pessoas que apresentavam sintomas muito leves ou que eram assintomáticos.

“A imunidade pode ser incompleta, pode ser transitória, pode durar pouco tempo e depois desaparecer”, disse Raquel Yotti, diretora do Instituto de Saúde Carlos III da Espanha, que co-liderou o estudo. “Devemos continuar nos protegendo e protegendo os outros.”

O Reino Unido, a Suécia e o Brasil permitiram que a imunidade de rebanho liderasse as suas abordagens ao COVID-19, com consequências graves. Em março de 2020, Patrick Vallance, o principal conselheiro científico do governo britânico, anunciou que estava adotando uma abordagem ao COVID-19 que "criaria algum tipo de imunidade de rebanho", mas rapidamente reverteu o curso devido a riscos fatais.

Da mesma forma, a Suécia tentou obter imunidade coletiva por meio de uma abordagem que acabou gerando uma das maiores taxas de mortalidade per capita por COVID-19 do mundo, sem nenhum ganho econômico associado mensurável, de acordo com a Comissão Europeia. Apenas 6,1 por cento da população da Suécia desenvolveu anticorpos contra o coronavírus no final de maio - um número muito menor do que o previsto.

Os fracos resultados da abordagem controversa da Suécia levaram a uma investigação formal sobre as ações do governo em resposta à crise de saúde pública. O Brasil não se saiu melhor com o segundo maior número de casos de coronavírus do mundo.

Até o momento, a maneira mais segura de obter imunidade coletiva é por meio de uma vacina eficaz publicamente disponível e amplamente utilizada.


3. Vacina Covid-19: a abordagem correta. O exemplo de Israel

Doenças graves como tuberculose, poliomielite e varíola foram controladas por meio de vacinas, não com imunidade natural adquirida através da doença.

O governo israelense decidiu adotar uma abordagem diferente de outros países com respeito à imunidade coletiva: tentar obtê-la por meio de um programa de vacinação sério. Isso pode permitir que Israel se torne o primeiro país a atingir a chamada imunidade de rebanho, ou níveis de resistência populacional altos o suficiente para controlar a propagação do vírus sem bloqueios.

A imunidade do rebanho é o limite no qual os casos começariam a diminuir mesmo sem medidas como máscaras e distanciamento, porque o vírus ficaria sem pessoas suscetíveis a infectar.

Israel se estabeleceu como uma potência de vacinação. Até agora, mais de cinco milhões de pessoas receberam sua primeira dose da vacina Pfizer, incluindo 90 por cento das pessoas com mais de 60 anos, e mais de 4 milhões receberam as duas vacinas.

A partir de Janeiro deste ano, Israel começou a vacinar pessoas de até 35 anos a um ritmo de 200.000 vacinas por dia. Israel começou sua campanha para imunizar todos os 6,4 milhões de cidadãos maiores de 16 anos em dezembro e o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu prometeu que, se um número suficiente de israelenses receber as vacinas, o país poderá voltar ao normal. "Não será apenas o último bloqueio, seremos os primeiros a controlar definitivamente o Covid-19", disse ele em uma entrevista para um noticiário de televisão em 15 de fevereiro.

A proporção exata da população necessária para atingir esse limite é desconhecida. As estimativas variam de 60 a 85 por cento e resta saber quantos israelenses concordarão em ser vacinados. A vacinação é opcional no país e é vista com mais ceticismo pelas faixas etárias mais jovens, bem como entre judeus ultra-ortodoxos e beduínos árabes.

Em janeiro, o diretor-geral do Ministério da Saúde Chezy Levy previu que Israel alcançará "imunidade de rebanho" quando o número total de vacinados somados aos infectados com coronavírus atingir 5 milhões, cerca de 60 por cento da população do país de 9 milhões de habitantes, o que já está ocorrendo.

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O proximo objetivo de Israel é vacinar todos os adolescentes e jovens. A companhia farmacêutica Pfizer concluiu recentemente um estudo da vacina contra o Covid-19 com 2.260 adolescentes entre 12 e 15 anos, resultando em nenhum caso de Covid-19 dentre os vacinados, com poucos efeitos colaterais. A vacina foi considerada segura e efetiva, com alto grau de producao de anticorpos. Apos este estudo, a Associação de Pediatria Israelense recomendou a vacinação a todos os adolescentes nessa faixa etária.


Conclusão

Israel está dando o exemplo em como atingir-se imunidade coletiva contra o Covid-19: através de um sistema de vacinação amplo e eficaz. Os últimos resultados daquele pais mostram uma curva descendente da infeccao com o novo Coronavirus, com a vacina bloqueando 94 por cento das infecções assintomáticas e 97 por cento dos casos sintomáticos da doença.

Modelos recentes da população israelense mostram que o controle do coronavírus e a abertura da economia podem acontecer com apenas 60 por cento da população vacinada contra o Covid-19, sem a necessidade de uma imunidade coletiva total.

Especialistas em saúde pública estão agora utilizando o termo “proteção indireta”, significando que a população não vacinada encontra-se protegida após cerca de 60 por cento das pessoas receberem a imunização contra o Covid-19, porque a vacinação e as restrições bloqueiam a transmissão do vírus.

De acordo com o Dr. Ran Balicer, professor de Saúde Coletiva e membro do Grupo Nacional de Controle da Epidemia, mesmo sem atingir a imunidade de rebanho a vacinação de 60 por cento da população é suficiente para a diminuição efetiva da infecção pelo Covid-19. Com a vacinação, o uso de máscaras e o distanciamento social, o Coronavírus estaria controlado e a economia pode ser reaberta.

Aproximadamente 90 por cento dos idosos maiores de 60 anos receberam a primeira dose da vacina da Pfizer em Israel até o final do mês de março de 2021. Dados coletados pelo Ministério da Saúde demonstram que houve uma queda de 41 por cento nas infecções por Covid-19 nesse grupo etário e uma diminuição em 31 por cento nas hospitalizações dos idosos nos meses de Janeiro e Fevereiro.

Como comparação, para os israelenses com menos de 60 anos, dos quais cerca de 30 por cento já foram vacinados, os casos de Covid-19 diminuíram apenas 12 por cento e as hospitalizações foram reduzidas em 5 por cento no mesmo período, demonstrando a eficácia da vacinação em reduzir a disseminação do vírus e as internações hospitalares.


Referências

  1. Lewis, C. (2020). 21 percent of NYC residents tested in state study have antibodies from Covid-19. In: https://gothamist.com/news/new-york-antibody-test-results-coronavirus.

  2. Pollán, M., Pérez-Gómez, B., Pastor-Barrius, R. et al. (2020). Prevalence of SARS-CoV-2 in Spain (ENE-COVID): a nationwide, population-based seroepidemiological study. The Lancet, 396, 535-544.

  3. Amit, S., Regev-Yochai, G., Afek, A., Kreiss, Y., Leshem, E. (2021). Early rate reductions of SARS-CoV-2 infection and COVID-19 in BNT162b2 vaccine recipients. The Lancet, 397, 875-877.

  4. Pfizer (2021). Pfizer-Biontech announce positive topline results of pivotal covid-19 vaccine study in adolescents. In: https://www.pfizer.com/news/press-release/press-release-detail/pfizer-biontech-announce-positive-topline-results-pivotal.

  5. Galey, P. (2020). Experts slam 'dangerous fallacy' of virus herd immunity. In: https://www.ctvnews.ca/health/coronavirus/experts-slam-dangerous-fallacy-of-virus-herd-immunity-1.5146182.

  6. Mallapaty, S. (2021). Vaccines are curbing COVID: Data from Israel show drop in infections. Nature, 590, 197.

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Sobre a autora
Ana Clélia Freitas

Médica, poetisa e escritora. Tem trabalhos publicados na imprensa e em revistas acadêmicas de Medicina e Direito. Especialista em Cirurgia Geral e Dermatologia. Especialista em Biodireito. Membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento (SBNeC), International Brain Research Organization (IBRO), Canadá, Associação Brasileira de Psiquiatria Biológica (ABPB), World Federation of Societies of Biological Psychiatry e União Brasileira de Escritores (UBE). Medical doctor, poet and writer. Published works in the press and in scientific and academic journals. Specialist in General Surgery and Dermatology. Specialist in Health Law. Member of the Brazilian Society of Dermatology, International Society of Dermatology, Brazilian Society of Neuroscience and Behavior, International Brain Research Organization (Canada), World Federation of Societies of Biological Psychiatry, and the Brazilian Union of Writers.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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