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A poluição eleitoral e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado

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28/09/2006 às 00:00
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6 Poluição Eleitoral e Espaços Territoriais Especialmente Protegidos

No entendimento de Celso Antônio Pacheco Fiorillo [17] os espaços territorais especialmente protegidos são porções do meio ambiente estabelecidas com o intuito de proteção e preservação, seja total ou parcialmente. Sobre essa questão José Afonso da Silva ensina o que se segue:

A expressão "Espaços Ambientais" é tomada, aqui, em sentido amplo. Pretende-se, com ela, definir toda e qualquer delimitação geográfica, toda e qualquer porção do território nacional, estabelecida com o objetivo de proteção ambiental, integral ou não, e, assim, submetida a um regime especialmente protecionista [18].

Na verdade, deve-se compreender por espaços territoriais especialmente protegidos as áreas reservadas para a conservação ou para a proteção do meio ambiente, tendo em vista os elementos edáficos, espeleológicos, faunísticos, florísticos, hídricos, históricos, paisagísticos e peleontológicos ali existentes. Para essa temática é pouco relevante a questão da titularidade da área, pois o que justifica a sua especial proteção são os seus atributos ambientais e a sua relevância para o equilíbrio dos ecossistemas, o que impõe um regime jurídico de interesse público mesmo em se tratando de propriedade privada.

É que nesses casos o direito de propriedade encontra limitação na obrigatoriedade de atender a função social, visto que o interesse da coletividade se sobrepõe ao de seus membros [19]. Obviamente, o interesse da coletividade tem sempre o objetivo de proteger o meio ambiente e de manter ou melhorar a qualidade de vida. O direito de gozo e usufruto é afetado em parte, pois nessas áreas é possível somente praticar atividades de laser e comer os frutos de árvores.

O inciso III do § 1º do art. 225 da Constituição Federal determina que para assegurar o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é dever do Poder Público "definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção". De forma semelhante, a Lei nº 6.938/81 já estabelecia o seguinte:

Art. 2º. A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios:

(...)

IV – proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas;

(...)

Art. 4º. A Política Nacional do Meio Ambiente visará:

(...)

II – à definição de áreas prioritárias de ação governamental relativa à qualidade e ao equilíbrio ecológico, atendendo aos interesses da União, dos Estados, do Distrito Federal, do Territórios e dos Municípios;

(...)

Art. 9º. São Instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente:

(...)

VI – a criação de espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público federal, estadual e municipal, tais como áreas de proteção ambiental, de relevante interesse ecológico e reservas extrativistas; 

(...)

Nesse sentido, nos espaços territoriais especialmente protegidos a propaganda eleitoral deve ser restringida, seja no todo ou em parte, por conta dos valores ambientais nela envolvidos. Isso diz respeito especialmente aos eventos eleitorais, como a realização de carreatas, comícios, panfletagens e passeatas, mas também engloba todos os tipos de propaganda eleitoral de rua.

Para o estabelecimento dos espaços territoriais especialmente protegidos o Poder Público faz uso de três principais instrumentos: área de preservação permanente, reserva legal e unidades de conservação.

Consiste a área de preservação permanente em localizações definidas pelo Código Florestal onde são proibidas as alterações antrópicas, ou seja, as interferências do homem sobre o meio ambiente, a exemplo de um desmatamento ou de uma construção. De acordo com o inciso II do § 2º do art. 1º da Lei nº 4.771/65, mais conhecida como Código Florestal, área de preservação permanente é a "área protegida nos termos dos arts. 2º e 3º desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênio de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem estar das populações humanas".

A reserva legal é uma porção territorial localizada dentro das propriedades e posses rurais que deve cumprir um papel de preservação ambiental, não podendo ser descaracterizada ou depredada. Segundo o inciso II do § 2º do art. 1º da Lei nº 4.771/65, a reserva legal é a "área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas".

De acordo com o inciso I do art. 1º da Lei nº 9.985/00, as unidades de conservação constituem o "espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção". Existem unidades de conservação de proteção integral, onde em regra não se permite o desenvolvimento de atividades econômicas, que são as estações ecológicas, as reservas biológicas, os parques nacionais, os monumentos naturais e os refúgios de vida silvestre, e as unidades de conservação de uso sustentável, onde se permite o desenvolvimento de atividades econômicas com restrições, que são as áreas de proteção ambiental, as áreas de relevante interesse ecológico, as florestas nacionais, as reservas extrativistas, as reservas de fauna, as reservas de desenvolvimento sustentável e as reservas particulares do patrimônio natural.

Nenhum candidato pode passar por cima do mandamento constitucional que estipula a criação de espaços territoriais especialmente protegidos como instrumentos para a concretização do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, até porque a propaganda eleitoral pode ser feita em consonância com a legislação ambiental e com a legislação eleitoral. Uma carreata ou um comício realizado em um parque ecológico certamente é uma ameaça às espécies faunísticas e florísticas ali existentes, por conta da produção de lixo, da poluição sonora e do movimento intenso de pessoas.


7 Competência em Relação à Poluição Eleitoral

O grande impasse em relação à poluição eleitoral diz respeito ao problema da definição da competência para combatê-la. Existe uma interpretação segundo a qual somente a Justiça Eleitoral e o Ministério Público Eleitoral podem fiscalizar e tomar providências no que pertine à propaganda eleitoral, excluindo os órgãos ambientais de qualquer papel dentro dessa temática.

Em face disso se faz necessário uma pequena retrospectiva dentro desse assunto tendo em vista que não é de hoje que a Justiça Eleitoral possui competência para combater a poluição sonora e a poluição estética ou visual dentro da propaganda eleitoral. A Lei nº 4.737/65, mais conhecida como Código Eleitoral, na sua redação original já determinava o seguinte:

Art. 243. Não será tolerada propaganda:

(...)

VI - que perturbe o sossego público, com algazarra ou abusos de instrumentos sonoros ou sinais acústicos;

(...)

VIII - que prejudique a higiene e a estética urbana ou contravenha a posturas municiais ou a outra qualquer restrição de direito;

(...)

Isso significa que questões como poluição sonora e poluição estética ou visual não são propriamente temáticas novas para a Justiça Eleitoral e para o Ministério Público Eleitoral. Os incisos VI e VIII do art. 6º da Resolução nº 22.261/06 do Tribunal Superior Eleitoral reafirmaram o propósito do dispositivo citado ao repetir a sua redação. A esse respeito Sérgia Miranda afirma o que se segue:

Os instrumentos sonoros licitamente utilizados na propaganda eleitoral também são objetos de regulamentação visando ao sossego público com os abusos praticados na propaganda dos carros de som ou mediante alto-falantes utilizados nas sedes dos partidos e comitês.

Os impressos que possam ser confundidos com moeda, aqui entendido no sentido financeiro, qual seja, toda espécie representativa de um valor representado pela forma metálica, moeda-papel, papel-moeda ou título fiduciário por pessoas rústicas, não podem ser utilizados durante as campanhas eleitorais, como também a propaganda que prejudique a higiene e a estética urbana, ou seja, objeto de contravenção às leis de posturas municipais não será permitido [20].

O problema é que existem dispositivos na legislação eleitoral que impedem que outras instituições, que não a Justiça Eleitoral e o Ministério Público Eleitoral, possam se responsabilizar por questões envolvendo a propaganda eleitoral. A Lei nº 4.737/65 abarca normas garantidoras da liberdade de expressão para a propaganda eleitoral:

At. 248. Ninguém poderá impedir a propaganda eleitoral, nem inutilizar, alterar ou perturbar os meios lícitos nela empregados.

Art. 249. O direito de propaganda não importa restrição ao poder de polícia quando este deva ser exercido em benefício da ordem pública.

Joel José Cândido [21] ensina que a propaganda eleitoral se rege por diversos princípios, dentro os quais o princípio do controle judicial que determina que compete exclusivamente à Justiça Eleitoral aplicar as normas sobre propaganda e exercer o poder de polícia na fiscalização. É por isso que aponta no mesmo sentido a Lei nº 9.504/97, que disciplina a propaganda eleitoral:

Art. 41. A propaganda exercida nos termos da legislação eleitoral não poderá ser objeto de multa nem cerceada sob alegação do exercício do poder de polícia.

Na verdade, o que está por trás desses dispositivos é a idéia de que existe uma oposição entre a liberdade para fazer propaganda eleitoral e o respeito ao meio ambiente e à qualidade de vida da coletividade. Está nessa ordem de idéias o pensamento de Alberto Rollo e Arthur Rollo:

Pode-se dizer que existe, no período eleitoral, um conflito entre o direito dos cidadãos de circular em uma cidade visualmente limpa e o direito dos cidadãos de conhecerem e saberem quem são os candidatos, a fim de formar a sua consciência de voto e, dessa forma, melhorarem sua cidade, seu estado e seu país [22].

Na prática, o prevalecimento desse raciocínio implica na abstenção por parte dos órgãos administrativos de do meio ambiente do efetivo exercício de sua função institucional durante as eleições, já que nesse período somente a Justiça Eleitoral e o Ministério Público Eleitoral poderiam tratar da chamada poluição eleitoral. Isso não quer dizer necessariamente que os candidatos estejam livres para produzir esse tipo de poluição, mas apenas que somente as duas instituições citadas podem se encarregar disso.

Os órgãos administrativos de meio ambiente fazem parte de um sistema de articulação chamado de Sistema Nacional do Meio Ambiente, que de acordo com o caput do art. 6º da Lei nº 6.938/81 consiste no conjunto de órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental. Então, durante os três meses que antecedem a eleição esse sistema administrativo não poderia funcionar, pelo menos com relação à poluição sonora e à poluição estética ou visual produzida pelos candidatos.

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O problema é que esse raciocínio se mostra imperfeito, na medida em que não encontra o necessário fundamento no ordenamento constitucional nem na própria legislação ambiental ou constitucional. Não pode existir impasse entre o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o direito à informação eleitoral e à participação no processo político, já que ambos são pressupostos para o efetivo exercício da cidadania e por isso devem ser coadunados.

A competência administrativa em matéria ambiental em regra é comum, dizendo respeito à União, aos Estados e ao Distrito Federal e aos Municípios, posto que é atribuída indistinta e cumulativamente a todos os entes federados sendo prevista nos incisos III, IV, VI, VII, IX e XI do art. 23 da Constituição Federal. De acordo com o citado dispositivo da Constituição Federal, é competência administrativa comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos, impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural, proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas, preservar as florestas, a fauna e a flora, promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico e registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios.

A idéia desse dispositivo é não permitir que nenhum órgão público ou ente federativo se exima de suas responsabilidades em relação à defesa e à preservação do meio ambiente, procurando garantir ainda mais esse direito. O embasamento da competência administrativa comum em matéria ambiental também decorre da própria Carta Constitucional:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

(...)

Celso Antônio Pachêco Fiorillo [23] destaca que a defesa do meio ambiente está relacionada à competência administrativa comum. É uma inovação da Constituição Federal de 1988 o estabelecimento da competência administrativa, pois nas ordens constitucionais anteriores essa delimitação era uma decorrência da competência legislativa.

Segundo Toshio Mukai [24], a competência administrativa comum é uma inovação trazida pela Constituição Federal de 1988 que tem como objetivo tornar efetivo o federalismo cooperativo, já que o art. 18 da Carta Magna dispõe que a organização administrativa e política do Estado brasileiro compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Como prova de que o intuito do dispositivo é a cooperação entre as entidades administrativas, o art. 23 da Constituição Federal reza o seguinte:

Parágrafo único. Lei complementar fixará normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.

A Constituição Federal determina que a defesa do meio ambiente é uma obrigação de todos os entes federativos, não prevendo nenhuma exceção nesse âmbito de atuação. Se o meio ambiente foi classificado constitucionalmente como um direito fundamental da pessoa humana pelo inciso LXXIII do art. 5º e pelo caput do art. 225 por ser essencial à sadia qualidade de vida da coletividade, não existem razões lógicas para o afastamento desse direito durante o pleito eleitoral.

Na realidade, os órgãos administrativos de meio ambiente podem e devem exercer o seu poder de polícia em relação à poluição eleitoral ou a qualquer outro tipo de poluição, desde que se atenham aos aspectos ambientais propriamente ditos. Trata-se de uma determinação constitucional, que deve ser cumprida independentemente de eventuais restrições existentes.

O fato é que se a propaganda eleitoral possuir alguma irregularidade sob o ponto de vista eleitoral propriamente dito, a exemplo da propaganda que ocorre antes do período permitido ou que contem informações difamatórias a respeito de candidato adversário, a competência pertencerá exclusivamente à Justiça Eleitoral e ao Ministério Público Eleitoral. Porém, se a propaganda eleitoral causar poluição sonora e poluição estética ou visual ou prejudicar espaços territoriais especialmente protegidos, em relação especificamente a essas questões serão competentes também os órgãos administrativos de meio ambiente.

É claro que a competência da Justiça Eleitoral e do Ministério Público Eleitoral em relação à poluição eleitoral se limita ao período eleitoral, devendo no período restante a matéria ficar a cargo exclusivamente dos órgãos que compõem o Sistema Nacional do Meio Ambiente. A propaganda eleitoral que causa poluição não é lícita e por isso deve ser combatida também pelos órgãos administrativos de meio ambiente.

Quando a legislação determina que o poder de polícia em matéria de propaganda eleitoral é exclusivo da Justiça Eleitoral, essa restrição não abarca a questão da poluição eleitoral. Prova disso é que o art. 68 da Resolução nº 21.610/04 do Tribunal Superior Eleitoral também proibiu a vedação às restrições na propaganda eleitoral lícita, nada dizendo sobre as restrições à propaganda eleitoral poluidora e consequentemente ilícita:

Art. 68. Ninguém poderá impedir a propaganda eleitoral nem inutilizar, alterar ou perturbar os meios lícitos nela empregados, bem como realizar propaganda eleitoral vedada por lei ou por esta instrução.

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Sobre o autor
Talden Farias

advogado militante na Paraíba e em Pernambuco, mestre em Direito Econômico pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), especialista em Gestão e Controle Ambiental pela Universidade Estadual de Pernambuco (UPE), professor da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas da Paraíba (FACISA) e da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FARIAS, Talden. A poluição eleitoral e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1184, 28 set. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8981. Acesso em: 25 abr. 2024.

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