Colaboração premiada (delação premiada).

Conflito entre ética e justiça na repressão ao Crime Organizado

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14/04/2021 às 11:31
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O presente trabalho tem como objeto de estudo da colaboração premiada frente aos embates éticos e críticas relacionadas à sua aplicabilidade em nosso ordenamento jurídico.

Resumo: O presente trabalho tem como objeto de estudo da colaboração premiada frente aos embates éticos e críticas relacionadas à sua aplicabilidade em nosso ordenamento jurídico. Tem como principal objetivo verificar a eficiência do instituto na repressão ao crime organizado em colisão aos preceitos éticos, face à crescente utilização deste instrumento em investigações criminais atuais. Em decorrência da proliferação global do crime organizado e as suas implicações radicais na política e economia do país, revelou-se necessário o uso de meios eficazes e específicos para reprimir estas práticas criminosas. Destaca-se, nesse contexto, a colaboração premiada, um instrumento de investigação que oferece ao réu-colaborador benefícios, em troca de informações favorecidas sobre os atos praticados por este e os participes da organização criminosa. A nova Lei de Repressão ao Crime Organizado (Lei nº 12.850/2013) trouxe em seus dispositivos a previsão da colaboração premiada e a regulamentou, amenizando as discussões sobre suas obscuridades. Por outro lado, do estudo e delimitação do tema, surgiu a seguinte problemática de pesquisa: considerando a eficiência da colaboração premiada e o conflito entre ética e justiça na repressão contra o crime organizado, os fins justificariam os meios? Os resultados obtidos, concluíram que a colaboração premiada, como meio eficaz no combate ao Crime Organizado – apesar das discussões éticas enfrentadas pelo instituto –, justificam a sua utilização, já que os benefícios advindos dos bens jurídicos protegidos são maiores que os bens jurídicos atacados, numa ponderação de direitos.

Palavras-chave: Colaboração premiada. Delação Premiada. Crime Organizado. Organizações Criminosas. Delator-Colaborador. Ética.

Sumário: 1. Introdução. 2. O crime organizado e a Lei nº 12.850/2013. 2.1 Conceito de crime organizado. 2.2 Características do crime organizado. 2.3 Consequências das ações praticadas por organizações criminosas. 3. Colaboração premiada no ordenamento jurídico brasileiro como instrumento de repressão ao crime organizado. 3.1 Distinção entre colaboração premiada e delação premiada. 3.2 Requisitos de admissibilidade da colaboração premiada. 3.3 Natureza jurídica da colaboração premiada. 3.4 Prêmios legais (consequências) da colaboração premiada. 4. Colaboração premiada: conflito entre Ética versus Justiça na busca da verdade real. 4.1 Ética e Justiça no direito brasileiro. A) Direito e moral . B) Ética e moral . C) Ética e direito . D) Ética e direito processual. E) Ética e justiça. 4.2 Discussão sobre o aspecto (anti)ético da colaboração premiada. 4.3 Argumentos desfavoráveis ao uso do instituto da colaboração premiada. 4.4 Argumentos favoráveis ao uso do instituto da colaboração premiada. 5. Conclusão.


1. INTRODUÇÃO

A frase “os fins justificam os meios”, não consta no livro “O Príncipe”2, e nunca foi escrita por Maquiavel, mas se tornou o melhor resumo do seu pensamento. Então, questiona-se, até que ponto os fins justificam os meios?

O enfrentamento da criminalidade organizada é tema que compõe a ordem do dia, não somente no cenário jurídico (nacional e internacional), como, também, preenche boas páginas dos noticiários midiáticos em nosso país, de forma a evidenciar como o tema vem atraindo a opinião não apenas de especialistas, mas da população em geral.

Tendo em vista o recrudescimento desenfreado da criminalidade no Brasil, e o notório aprimoramento das atividades criminosas desenvolvidas por organizações criminosas com atuação transnacional, tornou-se imperioso o uso de meios eficazes e inovadores de investigação para fazer frente a esse problema. Dentre esses instrumentos de persecução penal, destaca-se a colaboração premiada, prevista na Lei de Combate ao Crime Organizado (Lei nº 12.850/13).

Este instituto vem sendo cada vez mais utilizado, por ter se tornado uma importante ferramenta de repressão ao crime organizado, operando de forma preventiva e repressiva. Tem como escopo evitar que as consequências das ações criminosas tomem maiores proporções prejudicando ainda mais o Estado e a sociedade como um todo, face: as ousadas investidas destas organizações; a liberdade e perspicácia de suas práticas; e as consequentes sensações de impunidade atribuídas a este tipo de prática criminosa.

Com o surgimento da Lei de Combate ao Crime Organizado, encerraram-se alguns dos embates relacionados à ausência de regulamentação do instituto, pois a colaboração premiada, como definiu a própria lei, ganhou diversas inovações e especificações sobre a sua aplicabilidade, legitimidade, momentos e benefícios. No entanto, o instituto começou a ser abordado de forma genérica no Brasil a partir dos anos 90, por meio da Lei nº 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos) que previa a diminuição da pena, caso o coautor colaborasse denunciando seus comparsas.

Conseguinte, foi introduzido no nosso ordenamento a Lei nº 9.034/95 (antiga Lei de Combate às Organizações Criminosas), onde abordava o assunto de forma mais ampla e específica, mas, ainda, com lacunas, o que gerava dúvidas sobre a conceituação de crime organizado.

Após um longo período de atividade desta lei, foi revogada pela Lei nº 12.694/12, que tratou mais especificamente sobre o julgamento no juízo de primeiro grau dos crimes praticados por Organizações Criminosas e inovou ao conceituar o crime organizado. Entretanto, a lei não fez nenhuma alteração a respeito da colaboração premiada, permanecendo o previsto na norma anterior.

No ano seguinte, foi publicada a lei vigente sobre o Combate ao Crime Organizado (Lei nº 12.850/13), que dispõe de forma mais abrangente sobre a caracterização da organização criminosa e a respeito dos meios de prevenção ao crime organizado.

Entretanto, desde a instalação desse instituto no ordenamento jurídico brasileiro, surgiram muitos debates. E atualmente não vem sendo diferente. As posições contrárias ao instituto alegam desrespeito a ética e a moralidade com a figura do delator. Alegam ser o instituto antiético e desmerecedor de confiança, considerando a lei em questão inconstitucional, por afrontar princípios constitucionais. Por outro lado, há posicionamentos favoráveis ao uso do instituto em nosso ordenamento jurídico, como dispõe alguns doutrinadores e o próprio Supremo Tribunal Federal que já atestou a constitucionalidade da colaboração premiada e sua efetividade quando preenchido todos os requisitos legais.

Nesse contexto, o instituto da colaboração premiada atua como um benefício ao investigado ou denunciado, onde o réu que se dispõe a colaborar com o processo de investigação, ou seja, a delatar seus cúmplices, poderá ser recompensado com a redução da pena, com a obtenção do perdão judicial ou ter a pena privativa de liberdade substituída por pena restritiva de direitos. Porém, o perdão judicial e a substituição da pena são raramente aplicados, sendo atualmente mais comum a aplicação da redução da pena. Diversas leis e o próprio Código Penal em seu artigo 159 §4º, já dispuseram sobre o assunto, como por exemplo: a Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/90), a Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (Lei nº 7.492/86), a Lei dos Crimes de Lavagem de Dinheiro e ocultação de bens, direitos e valores (Lei nº 9. 613/98), a Lei de Tóxicos (Lei nº 11. 343/06) e similarmente a Lei de nº 9.807/99 que dispõe sobre a proteção de vítimas, testemunhas e réus colaboradores.

A expressão “delação premiada” é criticada por boa parte da doutrina, por conta da “carga simbólica carregada de preconceitos, e por sua incapacidade de descrever toda a extensão do instituto, que não se limita a ‘mera delatio’”.3 Segundo o professor Vladimir Aras,

Talvez no propósito de marcar o instituto com uma nódoa odiosa, procuram assimilar a colaboração premiada a uma simples delação, lançando sobre o colaborador a pecha de ‘delator’, ‘dedo-duro’ ou ‘alcaguete’. Esse é um grave equívoco, que não honra a honestidade intelectual que deve balizar o exame crítico desse polêmico instrumento processual, útil para toda a sociedade e para pessoas envolvidas em graves ocorrências criminais.4

Ainda segundo o autor, a colaboração premiada – este é o nome correto do instituto – é instrumento de persecução penal destinado a facilitar a obtenção de provas no concurso de pessoas em fato criminoso, próprio ou alheio, e da materialidade de delitos graves, servido também para localização do proveito ou do produto do crime ou para a preservação da integridade física de vítimas de certos delitos, ou ainda para a prevenção de infrações penais.5

Neste ensaio, nos limitaremos a tratar sobre o conflito entre a aplicação da colaboração premiada e os preceitos de ética e justiça. Será abordada a efetividade do instituto no combate ao crime organizado no Brasil, em virtude de sua frequente utilização em operações policiais de grande repercussão, no meio político, econômico e social. Bem como, pela gradativa deterioração da segurança pública brasileira, com o alarmante recrudescimento da criminalidade das organizações criminosas em reiterados ataques aos cofres públicos, lesionando gravemente toda a sociedade.

O trabalho se justifica pelos incessantes debates acerca do conflito entre a efetividade da colaboração premiada em desbaratar organizações criminosas – com a consequente identificação dos líderes, da cadeia criminosa, da libertação de reféns e recuperação do proveito do crime –, e a ética, considerando que a “delação” patrocinada pelo Estado como conduta imoral.

Tem como objetivo investigar os debates teóricos sobre o tema, trazendo esclarecimentos, especificando seus conceitos, caraterísticas, alterações, sua efetividade e divergentes visões acerca de sua aplicação, sob o viés ético e de eficácia do instituto, considerando a ponderação desses valores.

Da análise e delimitação do tema, surgiu a seguinte problemática: considerando a eficiência da colaboração premiada em conflito com ética, na repressão ao crime organizado, os fins justificam os meios?

Com resultado da investigação, concluiu-se que sim, que, nesse caso, os fins justificam os meios, pois a colaboração premiada surge como um instrumento investigatório eficiente e ágil para suprir a omissão do Estado no enfrentamento da criminalidade organizada, facilitando a obtenção de informações privilegiadas, que dificilmente se alcançaria de outras formas. Assim, por facilitar e aperfeiçoar os meios investigativos, possui maiores aspectos positivos que negativos, se relacionados com as consequências advindas em defesa do bem jurídico maior, considerando a ponderação de direitos.

Estruturado de forma sistemática, possibilitando ao leitor o acompanhamento do raciocínio por meio de um fio condutor, o primeiro capítulo abordará primeiramente sobre o crime organizado e a nova Lei nº12.850/13. Conseguinte, trata sobre a colaboração premiada no ordenamento jurídico brasileiro como instrumento de repressão ao crime organizado. E por fim, no terceiro e último capítulo, sobre o conflito entre ética e a justiça na busca da verdade real, considerando a aplicabilidade do instituto da colaboração premiada, onde se trará a baila as divergências e críticas doutrinárias quanto ao uso do instituto.

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Contudo considerando as ideias do trabalho a ser apresentado, destacam-se as seguintes hipóteses referenciais para o desenvolvimento deste: Primeiramente o instituto como instrumento útil e complementar para suprir a deficiência do Estado nas investigações contra o crime organizado. Em segundo, estaria sua eficiência e segurança jurídica, pelo fato de o instituto não ser um meio de prova, mas sim de obtenção desta. Por fim, temos que o instituto da colaboração premiada prepondera sobre as questões éticas e morais. Isso porque sua facilidade em alcançar a verdade dos fatos e trazer de volta à sociedade a sensação de justiça e paz deve se sobrepor às questões éticas e morais, desde que legais.

Para uma melhor compreensão do assunto, versaremos primeiramente sobre o crime organizado, abordando seu conceito e requisitos trazidos pela Lei nº 12.850 de 2013, bem como as consequências causadas por estes crimes, conforme veremos a seguir.


2. O CRIME ORGANIZADO E A LEI Nº 12.850/2013

Preliminarmente, levando em consideração o desenfreado crescimento e aperfeiçoamento do crime organizado no Brasil e os impactos que estas organizações criminosas têm causado ao Estado, vale salientar que, o que diverge e acelera o desenvolvimento destas práticas criminosas das demais é justamente a intrínseca ligação com o Estado. O crime organizado introduziu tentáculos no núcleo estatal por meio da corrupção de agentes públicos, dificultando sobremaneira a investigação desses crimes.

No Brasil o crime organizado assume três formas: os Comandos (Primeiro Comando da Capital – PCC, Comando Vermelho – CV, Terceiro Comando); as Milícias Ilegais e as chamadas “Máfias de Colarinho Branco”. Os Comandos são formados por quadrilhas que exercem o controle do tráfico de drogas em uma região específica. Já as Milícias são grupos paramilitares formados por agentes da segurança pública (policiais e ex-policiais civis e militares, bombeiros, vigilantes, agentes penitenciários, militares das forças armadas e outros), políticos e líderes comunitários (em grande parte moradores das comunidades), que cobram taxas dos moradores por uma suposta proteção e repressão ao tráfico de drogas. Por fim temos as intituladas “Máfias do Colarinho Branco”, que são formadas por quadrilhas compostas por autoridades legais, que agem principalmente por meio do tráfico de influência e a lavagem de dinheiro.6

No entanto, neste trabalho trataremos especificamente sobre o crime organizado em seu sentido amplo e as inovações trazidas pela Lei nº 12.052/13 sobre seus conceitos e características. A seguir versaremos sobre sua definição, características e as consequências causadas por estas práticas criminosas.

2.1 Conceito de crime organizado

Sempre existiu grande dificuldade para conceituação do crime organizado ou organização criminosa. Esse termo causou grandes discussões por conta da falta de previsão legal e dos escassos estudos sobre o tema. Todavia, a nova lei de combate ao crime organizado trouxe explicitamente esta definição. Essa novel revogou a antiga Lei nº 9.034/95, a qual versava sobre o assunto ainda que de forma mais genérica e superficial.

A nova Lei nº 12.850/13 trouxe no primeiro parágrafo do artigo primeiro a solução de tantos questionamentos, conceituando o que seria organização criminosa7:

Art.§ 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.

Esta inovação alterou conjuntamente o artigo 288 do Código Penal8. O que antes se tratava de quadrilha ou bando, passou a se chamar associação criminosa, o que também se difere de organização criminosa, como veremos adiante.

Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes: Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.

Guilherme Nucci conceitua organização criminosa como “[...] a associação de agentes, com caráter estável e duradouro, para o fim de praticar infrações penais, devidamente estruturada em organismo preestabelecido, com divisão de tarefas, embora visando ao objetivo comum de alcançar qualquer vantagem ilícita, a ser partilhada entre seus integrantes”.9

Consoante informa Oliveira,

[...] o Federal Bureau of Investigations (FBI) define crime organizado como qualquer grupo que tenha uma estrutura formalizada cujo objetivo seja a busca de lucros através de atividades ilegais. Esses grupos usam da violência e da corrupção de agentes públicos. Já a Academia Nacional de Polícia Federal do Brasil enumera 10 características do crime organizado: 1) planejamento empresarial; 2) antijuridicidade; 3) diversificação de área de atuação; 4) estabilidade dos seus integrantes; 5) cadeia de comando; 6) pluralidade de agentes; 7) compartimentação; 8) códigos de honra; 9) controle territorial; 10) fins lucrativos.10

Winfried Hassemer afirma que dentre as características de atuação das organizações criminosas estão: “a corrupção do Judiciário e do aparelho político11. Tokatlian12 constata que na Colômbia as organizações criminosas atuam de modo empresarial, procuram construir redes de influência, inclusive com as instituições do Estado, e, consequentemente, estão sempre em busca de poder econômico e político.

Mingardin13 aponta quinze características do crime organizado. São elas: 1) práticas de atividades ilícitas; 2) atividade clandestina; 3) hierarquia organizacional; 4) previsão de lucros; 5) divisão do trabalho; 6) uso da violência; 7) simbiose com o Estado; 8) mercadorias ilícitas; 9) planejamento empresarial; 10) uso da intimidação; 11) venda de serviços ilícitos; 12) relações clientelistas; 13) presença da lei do silêncio; 14) monopólio da violência; 15) controle territorial.

Contudo, as práticas das organizações criminosas são as atividades ilícitas praticadas por um grupo com mais de quatro pessoas, escrupulosamente arquitetada com intuito de angariar vantagens pessoais. Não podendo haver dúvidas quando comparada com a associação criminosa, em razão das características diversas que estas possuem como veremos adiante.

2.2 Características do crime organizado

Inicialmente, para evitar qualquer dúvida acerca do instituto, faz-se necessário diferenciar associação criminosa (disciplinada no art. 288 do Código Penal) e organização criminosa (prevista no art. 1º, §1º da Lei nº 12.850/13):

Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.

A organização criminosa reclama a associação de no mínimo quatro pessoas. Além disso, sua estrutura é bem definida, e destina-se à prática infrações penais dotadas de maior gravidade, revelando-se como autêntica estrutura ilícita de poder, ditando e seguindo regras próprias, à margem da autoridade estatal. Existe um modelo empresarial, com comandantes e comandados, todos voltados à prática atos contrários ao Direito Penal, a exemplo do PCC – Primeiro Comando da Capital e do CV – Comando Vermelho, entre tantas outras facções criminosas.14

O art. 2º, caput, da Lei 12.850/2013 incrimina a conduta de promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa, cominando-lhe a pena de reclusão, de três a oitos anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas pela organização criminosa. Finalmente, a caracterização da organização criminosa autoriza a incidência dos institutos contidos na Lei nº12.850/2013, a exemplo da colaboração premiada, da ação controlada e da infiltração de agentes policiais.15

Já a associação criminosa está tipificada no art. 288 do Código Penal, in verbis:

Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes: (Redação dada pela Lei nº 12.850, de 2013)

Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

Na associação criminosa não existe uma estrutura formalizada, somente reuniões informais e improvisadas, sem muitos objetivos, articulações e atos de subordinação, mesmo que o objetivo de ambos sejam a prática de crimes.

Na organização criminosa, por sua vez, há caraterísticas mais objetivas, como: sua estruturação e organização com divisão de tarefas e subordinações. Tudo suficientemente elaborado com intuito de ganhar vantagem de qualquer natureza, praticando atos ilícitos. Eduardo Araújo da Silva16 exemplifica:

Ao limitar a definição de organização criminosa, o legislador equiparou o tratamento de quadrilhas que praticam pequenos ou médios crimes (furto e receptação de toca-fitas, roubo, receptação de relógios) a grandes organizações que se dedicam ao crime organizado (tráfico ilícitos de substâncias entorpecentes e de armas, grandes fraudes fiscais), em frontal contradição com a tendência contemporânea de separar as diversas modalidades do crime.

A capacidade das organizações criminosas de se proliferarem e manterem sigilo de seus atos é descomunal, pois se trata de uma articulação bastante minuciosa, com vistas a evitar qualquer tipo de visibilidade e publicidade agindo tanto nacionalmente quanto em território estrangeiro, dificultando ainda mais qualquer tipo de investigação. Caracteriza melhor os autores John J. Macionis e Linda M. Gerber17.

São termos que caracterizam grupos transnacionais, nacionais ou locais altamente centralizados e geridos por criminosos, que pretendem se envolver em atividades ilegais, geralmente com o objetivo de lucro monetário. Algumas organizações criminosas, tais como organizações terroristas, são motivadas politicamente. Às vezes, essas organizações forçam as pessoas a estabelecer negócios com elas, como quando uma quadrilha extorque dinheiro de comerciantes por “proteção”.

Assim, constamos que as mais importantes características do crime organizado são: a) a sua intelectualidade e discrição; b) sua facilidade de evitar investigações ou sucesso destas por intermédio de suas influências diante as autoridades estatais; e c) a exigência entre seus membros do chamado “código de silêncio”.18 Com efeito, gerando prejuízos alarmantes e consequências destrutivas à coletividade e especificamente para o Estado, como veremos a seguir.

2.3 Consequências das ações praticadas por organizações criminosas

Em consequência do crescente índice de criminalidade perpetrado por meio de ações articuladas destas organizações criminosas, muitos prejuízos são amargados por todos os setores da sociedade, tanto no campo político, quanto nos econômico e social.

O crime organizado tem se tornado um problema endêmico na sociedade, afetando toda população - da mais baixa até a alta classe –, agindo maliciosamente com as mais diversas, evoluídas e eficientes estratégias, com a finalidade de angariar vantagens pessoais e particulares. Seus tentáculos são introduzidos no seio do Estado, recrutando, principalmente, agentes públicos com altos cargos de confiança, com presunção de credibilidade, fé pública e respeito pela coisa pública. Ou seja, autoridades políticas do governo, funcionários públicos, empresas privadas entre outros.

Do ponto de vista econômico, a lucratividade destas organizações – por meio da prática de atividades ilícitas, como sonegação de impostos, defraudação da fiscalização tributária e omissão e falsificação de informações, bens e capitais – geram diversos e negativos impactos de ordem financeira ao Estado e, consequentemente, para toda sociedade. Porquanto afetam bruscamente o custeio da educação, saúde, saneamento básico, moradia e segurança, distanciando cada vez mais o Estado de seus principais objetivos constitucionais para erradicação da pobreza e das desigualdades sociais.

Na política, escândalos envolvendo figuras públicas nas práticas criminosas de prevaricação, benefícios pessoais e corrupção. Sendo este, um dos principais fatores que vem dilacerando a economia estatal e facilitando o crescimento e desenvolvimento desse tipo de crime. Afastando qualquer tipo de investigação sobre seus atos ilegais, como o enriquecimento ilícito, por meio do suborno de agentes públicos. Atos que se tornaram corriqueiros, onde pessoas públicas com poder e autonomia infiltrados nos principais órgãos que direcionam o país, fraudam cargos e elaboram normas a eles favoráveis e isentam de responsabilidade estes criminosos de alto escalão.

Em seguida, versaremos sobre o instituto da colaboração premiada, abordando os principais pontos para uma melhor compreensão deste instrumento no nosso ordenamento forense.

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Sobre o autor
Leandro Miranda Ernesto

Mestre em Direito e Políticas Públicas (Centro Universitário de Brasília); Especializações em: 1) Direito Público e Docência do Ensino Superior (Instituto SUI JURIS); 2) Ciências Jurídico-Criminais (UniMAIS); 3) Direito Constitucional (UniMAIS); 4) Segurança Pública e Cidadania (Universidade de Brasília); 5) Gestão Integrada da Segurança Pública (Universidade do Sul de Santa Catarina); Extensão em prevenção ao uso indevido de drogas (Universidade de São Paulo e por a Universidade Federal de Santa Catarina); Bacharel em Direito (Centro Universitário de Brasília) e habilitado no Exame de Ordem - Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); Cursando Graduação em Teologia (Seminário Teológico por a Faculdade Teológica Batista de Brasília); Formação em Capelania na Segurança Pública; Cursando graduação em Gestão Pública (Gran Faculdade); Autor de diversos livros jurídicos e sobre segurança pública, dentre os quais Infiltração Policial no Crime Organizado; Aprovado em 9 concursos públicos, dentre os quais Defensor Público do Estado de MS, Defensor Público do Estado do CE, Delegado da Polícia Civil do Estado do RN, Oficial de Justiça Federal do TJDFT, Agente de Polícia Federal (2x), Agente de Custódia da PCDF, Soldado da PMDF, dentre outros. É Sócio-Fundador e atual Presidente do Conselho Fiscal do Instituto Latino Americano de Educação para Segurança (ILAES); Ex-Diretor de Estudos e Projetos e ex-Conselheiro Curador da Fundação da Polícia Federal e da Fundação Brasileira de Ciências Policiais - FBCP; Diretor Jurídico e ex-Diretor de Estratégia Sindical do Sindicato dos Policiais Federais no Distrito Federal (SINDIPOL/DF); Presidente do Conselho Jurídico e ex-Diretor da Federação Nacional dos Policiais Federais (FENAPEF); Chefe do Serviço de Análise de Gestão Documental e Conformista de Gestão da Polícia Federal; ex-Coordenador de Administração da Academia Nacional de Polícia Federal (ANP/PF); Atualmente é Professor Universitário Titular das cadeiras de Direito Penal, Processual Penal e Legislação Penal e Processual Penal do Centro Universitário PROJEÇÃO (UniPROJEÇÃO); Professor dos cursos de graduação e pós-graduação da Gran Faculdade; Professor dos cursos de pós-graduação do Instituto Aphonsiano de Ensino Superior (Goiânia-GO); Professor de Direito Penal, Processual Penal e Legislação Extravagante do Gran Cursos Online, Alfacon Concursos, Conexões Jurídicas e outros cursos preparatórios para concursos públicos; Professor da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP); Professor do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP); Professor da Escola Superior de Polícia da Polícia Federal (COESP/ANP/PF); Professor da Academia Nacional de Polícia Federal (ANP/PF); Professor do Departamento Penitenciário Federal (DEPEN/MJSP); Palestrante sobre prevenção às drogas e substâncias entorpecentes da Polícia Federal (fundador e membro do Grupo de Prevenção às Drogas da Polícia Federal – GPRED/PF); Supervisor de cursos da Academia Nacional de Polícia Federal (ANP/PF); Pesquisador Científico do UniCEUB; Agente Especial de Polícia Federal; Coach, com especialização em Coaching Ericksoniano, Leader Coach Training e Análise de Perfil Comportamental pelo Instituto Brasileiro de Coaching (IBC). Tem experiência na área do Direito, especialmente Direito Público e Segurança Pública. Temas de interesse: Direito Penal, Direito Processual Penal; Legislação Penal e Processual Penal; Políticas Públicas; Política Criminal; Criminologia; Psicopatologia do Crime; Direitos Humanos e Segurança Pública.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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