A delação premiada segundo o entendimento do Tribunal de Justiça do Espírito Santo

Análise dos precedentes do ano 2000 ao primeiro semestre de 2016

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O presente estudo objetiva fornecer ao meio acadêmico local uma pesquisa sobre os contornos da delação premiada de acordo com o entendimento do Tribunal de Justiça do Espírito Santo.

INTRODUÇÃO

Fruto de uma reflexão acerca da utilização da delação premiada no estado do Espírito Santo, e, sendo escasso o número de pesquisas voltadas para a aplicação do instituto em tal âmbito específico, o presente trabalho objetivou fornecer ao meio acadêmico local uma pesquisa sobre os contornos do instituto de acordo com o entendimento do Tribunal de Justiça do Espírito Santo.

Para tanto, partiu-se, pelo menos em um primeiro momento, de uma tese acrítica do referido instituto, pois alheio a qualquer discussão quanto a sua inconstitucionalidade, invalidade, ou antieticidade. Tampouco se buscou desmistificar qualquer função aparente da delação premiada, ou trazer a tona as suas funções não declaradas, mas apenas enfrentá-lo como algo concreto, efetivo e positivado.

O que se teve como premissa básica, na realidade, foi a sua positivação no ordenamento jurídico nacional, bem posto pelas reiteradas decisões dos órgãos judiciários competentes acerca da sua validade, inclusive perante o próprio Tribunal de Justiça do Espírito Santo. 1

Em um segundo momento, foram analisados dados coletados do sistema informático do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, a partir dos quais será possível aferir o entendimento das Câmaras Criminais sobre questões práticas e teóricas da aplicação do instituto, realizando-se, sempre que possível, um paralelo com a doutrina especializada nacional.

Assim, será dada ênfase à análise dos requisitos postos como necessários pelos julgadores para o reconhecimento da delação premiada em cada caso, bem como às motivações para eventuais recusas, para que se atinja, ao fim, um quadro geral sobre a aplicação do instituto.

Após a análise geral dos precedentes, haverá espaço para comentários mais específicos e pontuais sobre questões observadas, trazendo-se ao longo do texto exemplos relevantes coletados na pesquisa.

Por fim, com base nos julgados analisados, será possível tecer críticas à forma com que o instituto é aplicado no âmbito específico do Tribunal de Justiça do Espírito Santo.


1. BREVE ANÁLISE DO INSTITUTO DA DELAÇÃO PREMIADA NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO

1.1. PROBLEMAS DA DESCONCENTRAÇÃO

A delação premiada está prevista de forma esparsa na legislação penal brasileira, não havendo uma legislação unificada, tampouco qualquer consolidação, mas, pelo contrário, diversas leis infralegais se dispõem a tratar sobre o tema. Em alguns casos, têm-se leis específicas para crimes específicos, enquanto em outros, trata-se o tema de forma genérica, objetivando sua aplicação de forma geral.

Com a aparição midiática tão massivamente fomentada nos dias atuais, o instituto da colaboração premiada passou a ser conhecido pelas pessoas mais leigas no direito, aparentando ter surgido de uma hora para outra no ordenamento jurídico brasileiro. Entretanto, a sua previsão remonta a décadas anteriores, tendo se inspirado na legislação italiana da década de 1970, que objetivava o combate à atos de terrorismo e à máfia.

No Brasil, o instituto foi positivado pela lei no 8.072, de 25 de julho de 1990 (BRASIL, 1990a), apelidada de Lei de Crimes Hediondos, sendo seguida de diversos outros diplomas legais que tratam do assunto. Sua utilização tornou-se cada vez mais comum, tendo em vista que facilita o desmantelamento de organizações criminosas e a descoberta de outros coautores e partícipes nas infrações penais.

De acordo Márcio Augusto Friggi de Carvalho (2016, p. 01), o referido instituto encontra-se espalhado pelo ordenamento jurídico brasileiro, tendo seus contornos gerais previstos nos artigos 13 e 14 da lei no 9.807, de 13 de julho de 1999 (BRASIL, 1999). Ademais, encontra-se previsto com temática especial na lei no 8.072/90, art. 8º, parágrafo único (crimes hediondos); lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990 (BRASIL, 1990b), em seu art. 16, parágrafo único (crimes contra a ordem tributária); lei no 7.492, de 16 de junho de 1986 (BRASIL, 1986), art. 25, § 2º (crimes contra o sistema financeiro nacional); lei no 9.613, de 03 de março de 1998 (BRASIL, 1998), art. 1º, § 5º, com a redação conferida pela Lei nº 12.683, de 09 de julho de 2012 (BRASIL, 2012) (lavagem de dinheiro); Lei no 11.343, de 23 de agosto de 2006 (BRASIL, 2006), art. 41 (tráfico de drogas).;Lei no 12.850, de 02 de agosto de 2013 (2013b), art. 4 (organização criminosa); e decreto-lei no 2.848, de 07 de dezembro de 1940 (BRASIL, 1940), em seu art. 159, § 4º (extorsão mediante sequestro).

Existem também outros institutos externos que se confundem com a Colaboração Premiada, como por exemplo o Acordo de Leniência previsto no art. 86 da lei no 12.529, de 30 de novembro de 2011(BRASIL, 2011a) e no art. 16 da lei no 12.843, de 01 de agosto de 2013 (BRASIL, 2013a).

A existência dessa multiplicidade de fontes normativas estatais gera alguns questionamentos quanto a sua aplicação prática, como, por exemplo, qual lei a ser aplicada no caso concreto.

Da mesma forma, a coexistência de leis, com possível contradição aparente, gera, de acordo com alguns autores, desnecessária confusão e possível incoerência.

De acordo com Renato Marcão, "não há uma única lei regulando as hipóteses de delação premiada, e não há padronização no tratamento do instituto, do que decorrem inúmeros questionamentos.” ( 2005, p. 161).

No mesmo sentido, Guilherme de Souza Nucci afirma que “existem vários dispositivos cuidando de delação premiada, formando um quadro assistemático e confuso” (2014, p. 624).

Por tais motivos, são muitos os termos utilizados pela doutrina e jurisprudência para nomear o instituto, entre eles o "chamamento do corréu", "chamamento de cúmplice" (LESCANO, 2010) "delação premiada", "colaboração premiada", "confissão delatória" e para os mais críticos "extorsão premiada" (GOMES, 2016). Interessante notar ainda que o próprio legislador positivou institutos semelhantes ora como "delação premiada" e ora "colaboração premiada", causando grande cisão na doutrina sobre a possível diferença ou semelhança entre eles.

Ademais, como afirmado, ainda encontra-se presente no ordenamento pátrio o instituto do "acordo de leniência", que, apesar de possuir semelhanças com a delação premiada, com ele não se confunde. De acordo com Hélio Rubens Brasil (2015), a principal diferença entre os institutos é que o primeiro é celebrado por órgãos administrativos do poder executivo, enquanto o segundo é homologado pelo poder judiciário e tem participação do Ministério Público.

Por tal motivo, diante da não judicialização do instituto do "acordo de leniência", a presente pesquisa não objetivará maiores aprofundamentos para além da diferenciação supramencionada.

Não obstante as diversas previsões legais, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça conceituou, genericamente, a delação premiada em julgamento do HC 90.962 (BRASIL, 2011b), definindo que:

O instituto da delação premiada consiste em ato do acusado que, admitindo a participação no delito, fornece às autoridades informações eficazes, capazes de contribuir para a resolução do crime.

Interessante ressaltar a generalidade de tal conceito, que conseguiu captar a essência do instituto sem entrar no mérito dos seus desdobramentos internos.

De fato, a delação premiada consiste, basicamente, na admissão da participação e no fornecimento de informações úteis para as investigações, sendo este último o requisito variável em cada previsão legal do instituto. Da mesma forma, as possíveis benesses também são variáveis.

1.2. PREVISÃO LEGAL

Devido à vasta extensão legislativa positivada sobre o instituto, é muito difícil tratá-lo como algo sólido e individual, confundindo-se internamente nos seus próprios desdobramentos.

Por tal motivo, importante se faz a caracterização de cada forma e espécie de delação premiada, pois diferentes são os seus contornos formais e materiais, bem como os seus requisitos para concessão e o resultado para o réu colaborador.

O art. 8º da lei no8.072/90 (BRASIL, 1990a), conhecida como Lei de Crimes hediondos) introduziu no ordenamento pátrio a premiação do participante delator, possibilitando a redução da pena de um a dois terços, desde que o bando ou quadrilha fosse desmantelado. Percebe-se então, de acordo com Walter Barbosa Bittar e Alexandre Hagiwara Pereira (2011, p. 88) a especificidade dessa previsão, pois o legislador fez opção por um rol taxativo das hipóteses contempladas.

A lei no7.492/86 (BRASIL, 1986), conhecida como Lei de Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional), em seu artigo 25, §2º, bem como o art. 16 da Lei no8.137 (crimes contra a ordem tributária), estabeleceram o mesmo parâmetro de benesse para o delator colaborador, qual seja, redução de um a dois terços, exigindo a revelação de "toda a trama delituosa".

A lei nº 9.613/98(BRASIL, 1998), Lei de Lavagem de Dinheiro, em seu art. 1º, § 5º (com a redação conferida pela lei nº 12.683/12 (BRASIL, 2012a)), estabeleceu a possibilidade da pena ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, possibilitando ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la por pena restritiva de direitos. Para isso, o delator colaborador deve fornecer informações que conduzam: i) à apuração das infrações penais; ii) à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou; iii) à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.

Importante a previsão de que o juiz pode deixar de aplicar a pena ou substituí-la "a qualquer tempo", não havendo dúvidas quanto a possibilidade do réu condenado se tornar colaborador, desde que presentes os requisitos (CARVALHO, 2016).

A lei nº 9.807/99 (BRASIL, 1999), em seus art. 13 e 14, possibilitou o lastreamento da concessão do beneplácito para todas as espécies de crimes, desde que preenchidos os seus requisitos (BITTAR; PEREIRA, 2011, p. 135). Além disso, de acordo com Débora Messer (2009) estendeu a previsão específica da lei 9.613/98 (BRASIL, 1998), possibilitando a aplicação do perdão judicial a todos os outros tipos penais.

A benesse dos referidos artigos varia desde a redução da pena de um a dois terços, até a extinção da punibilidade, dependendo de outros requisitos de ordem subjetiva (voluntariedade, a primariedade e a personalidade favorável do agente colaborado)e objetiva (natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso, além de contribuir para: i) a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa; ii) a localização da vítima com a sua integridade física preservada; e iii) a recuperação total ou parcial do produto do crime).

Com relação à colaboração em si, verificam-se presente três requisitos de ordem objetiva que poderiam levar ao entendimento de serem cumulativos. Entretanto, não obstante a omissão legislativa, deve-se entendê-los como requisitos alternativos, pois, do contrário, a lei perderia seu significado. Isso porque, segundo Fabiana Greghi (2007) sua aplicação estaria limitada ao crime de extorsão mediante sequestro, por ser este o único tipo penal que permite a satisfação cumulativa de todos os requisitos.

O art. 41 da lei no11.343/06 (BRASIL, 2006) conhecida como Lei de Drogas, por sua vez, estabelece a necessidade de colaboração tanto na fase policial como judicial, devendo confirmar suas declarações em ambas (GOMES, 2007, p. 223). Além disso, repete dois dos três requisitos objetivos previstos na lei no9.807/99 (BRASIL, 1999), pois adequados especificamente para os crimes relacionados ao tráfico de drogas. Portanto, o réu colaborador deve também possibilitar a identificação dos demais coautores ou participes, além de possibilitar a recuperação total ou parcial do produto do crime.

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O §4º do art. 159, do Código Penal (BRASIL, 1940), o qual dispõe sobre o crime de extorsão mediante sequestro, foi introduzido no referido diploma por meio da lei no 8.072/90 (BRASIL, 1990a) através do seu artigo 7º. Entretanto, a lei no9.269, de 02 de abril de1996 (BRASIL 1996) modificou a sua redação possibilitando a aplicação da delação premiada para os crimes cometidos em concurso, e não somente em quadrilha ou bando, como o era em sua redação original. Assim, haverá redução da pena de um a dois terços ao colaborador que denunciar à autoridade, facilitando a libertação da vítima.

Importante trazer a baila a previsão positivada no artigo 26 da Convenção de Palermo, que se encontra em pleno vigor no ordenamento jurídico brasileiro, tendo sido promulgada por meio do decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004.

Artigo 26: Medidas para intensificar a cooperação com as autoridades competentes para a aplicação da lei

(...)

2. Cada Estado Parte poderá considerar a possibilidade, nos casos pertinentes, de reduzir a pena de que é passível um argüido que coopere de forma substancial na investigação ou no julgamento dos autores de uma infração prevista na presente Convenção.

3. Cada Estado Parte poderá considerar a possibilidade, em conformidade com os princípios fundamentais do seu ordenamento jurídico interno, de conceder imunidade a uma pessoa que coopere de forma substancial na investigação ou no julgamento dos autores de uma infração prevista na presente Convenção.

(...)(BRASIL, 2004)

Conforme Luciano Ferreira Dornelas (2015, p. 193), a delação premiada é tratada na referida Convenção como causa de redução de pena e de "imunidade", desde que haja "substancial" cooperação para investigação, muito se assemelhando com os diplomas legais pátrios.

Por fim, a recente lei no12.850/13 (BRASIL, 2013), que dispõe sobre organização criminosa, positivou em seu parágrafo 4º a chamada "colaboração premiada", trazendo ampla previsão processual sobre o tema.

Percebe-se que houve uma clara influência das leis anteriores que tratavam sobre o instituto, com algumas inovações, haja vista a possibilidade de redução da pena de um a dois terços, a concessão do perdão judicial (lei no9.807/99 (BRASIL, 1999), a substituição da pena por restritiva de direitos e a possibilidade de colaboração posterior à sentença condenatória (§5º, lei no9.613/98 (BRASIL, 1998)).

Para tanto, deve a colaboração ser efetiva e voluntária, devendo-se levar em conta a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso, além da eficácia da colaboração.

Objetivando evitar questionamentos sobre a alternatividade ou comutatividade dos resultados advindos da colaboração, o seu artigo 4º deixou bem claro a necessidade que se advenha "um ou mais dos seguintes resultados". 2

Verifica-se também, uma inovação no campo dos resultados pretendidos com a colaboração, pois os seus incisos II e III não encontram equivalência em nenhum outro diploma legal estruturador do instituto.

Interessante ressaltar a confirmação da natureza probatória conferida a colaboração premiada por meio dos seus incisos I e II, enquanto o seus incisos IV e V deixam claro não se tratar apenas de mera técnica de investigação. Ademais, seu inciso III confirma a natureza formal do crime de organização criminosa, pois independente dos crimes cometidos por ela (DORNELAS, 2015, p. 195).

1.3. POSSÍVEIS BENEFÍCIOS PARA O DELATOR

Por todo o exposto até então, é possível afirmar que o ordenamento jurídico brasileiro possibilita cinco benefícios para o réu colaborador:

i) Acordo de imunidade: a citada "imunidade" prevista na Convenção de Palermo; e a possibilidade do não oferecimento da denúncia (art. 4º, §4º, lei 12.850/13). 3

ii) Não aplicação da pena: possibilidade de aplicação do "perdão judicial", e consequente extinção da punibilidade (art. 13, lei 9.807/99 e art. 4º, lei 12.850/13); e a possibilidade do juiz "deixar de aplicá-la" (art. 1º, §5º, lei 9.613/98);

iii) Diminuição da pena: de "um a dois terços" (art. 8º, lei 8.072/90; art. 25, §2º, lei 7.492/86; art. 1º, §5º, lei 9.613/98; art. 14, lei 9.807/99; art. 41, lei 11.343/06; art. 159, §4º, Código Penal e art. 16, parágrafo único, lei 8.137/90); "até dois terços"(art. 4º, lei 12.850/13); "até a metade", se a colaboração for posterior à sentença (art. 4º, §6º, lei 12.850/13); e, por fim, a citada possibilidade de redução de pena prevista na Convenção de Palermo;

iv) Regime de pena mais benéfico: cumprimento em regime aberto ou semiaberto (art. 1º, §5º, lei 9.613/98); e progressão de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos, se a colaboração for posterior à sentença (art. 4º, §6º, lei 12.850/13);

v) Substituição da pena por restritiva de direitos: a possibilidade do juiz "substituí-la, a qualquer tempo" (art. 1º, §5º, lei 9.613/98); e a possibilidade de "substituí-la por restritiva de direito" (art. 4º, lei 12.850/13)(DORNELAS, 2015, p. 167).


2. PESQUISA DE PRECEDENTES

2.1 PROCEDIMENTO METODOLÓGICO

A pesquisa realizada no presente projeto pode ser classificada como sendo de caráter exploratório e de natureza qualitativa, tendo em vista que o seu objetivo é a coleta de dados primários nos arquivos jurisprudenciais digitalizados no sítio do Tribunal de Justiça do Espírito Santo.

Em se tratando da metodologia em sentido estrito, a pesquisa foi realizada com base no método indutivo, já que, de acordo com Orides Mezzaroba e Cláudia Servilha Monteiro (2005, p. 64), tal método “(...) fundamenta-se na generalização de propriedades comuns em determinado número de casos possíveis de ser observados em todas as ocorrências de fatos similares que sejam verificadas no futuro”.

Assim, a generalização posterior a partir de premissas menores (casos possíveis de serem observados) se deu por meio da análise de todas as decisões judiciais que estavam no banco de dados formado.

A formação do banco de dados, por sua vez, foi efetuada com a seleção dos casos em que o Tribunal tenha analisado pedido relativo ao instituto da delação premiada, anteriormente reconhecida em sentença de piso ou não, abarcando todas as formas recursais, bem como a parte requerente (tanto o Ministério Público quanto a Defesa).

Para tanto, em um primeiro momento, foram pesquisadas as palavras chaves: "delação premiada", “colaboração” "colaboração premiada", "chamamento de corréu" e os diplomas legais em si, na ferramenta de busca jurisprudencial do sítio do Tribunal, tomando como parâmetro inicial o ano de 2000 (momento inicial de disponibilidade das decisões digitalizadas), e tendo como parâmetro final o primeiro semestre do ano de 2016 (início das pesquisas).

Em um segundo momento, foi realizada uma classificação interna ao banco de dados, visando excluir as decisões repetidas oriundas de palavras chaves diversas. A referida busca possibilitou o quantitativo bruto de 103 (cento e três) precedentes, os quais, após analisados e confrontados entre si, possibilitaram o resultado líquido de 83 (oitenta e três) precedentes, os quais seguem listados no Anexo.

Foi realizada, ainda, uma classificação qualitativa dos dados coletados, com a divisão de cada precedente de acordo o número do processo, a data de julgamento, a Câmara competente para julgamento, sua origem, o tipo de ação que possibilitou sua análise perante o Tribunal, a parte recorrente, bem como a previsão legal do instituto questionado.

Por fim, com base nos dados coletados, trabalhados e lapidados, foram confeccionados gráficos demonstrativos, objetivando a elaboração de um quadro geral sobre delação premiada nas Câmaras Criminais do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, o que possibilitou a chegada aos resultados expostos no presente trabalho.

2.2 MODALIDADES DE DELAÇÃO NO DIREITO PENAL BRASILEIRO: DELAÇÃO EXPLÍCITA (FORMAL) E IMPLÍCITA (INFORMAL)

É possível afirmar que o direito penal brasileiro, compreende duas modalidades delação premiada: a delação premiada explícita e a delação premiada implícita. Tal classificação leva em conta apenas os contornos formais de confecção da delação, ignorando seus aspectos materiais.

Na primeira, ocorre um confronto entre as partes, um acordo prévio à própria delação, que deverá definir a amplitude dos fatos a serem delatados, bem como as possíveis benesses, chegando-se a formalização de um acordo, o qual será submetido ao juiz para homologação.

É o que positivou a lei 12.850/13 (Brasil, 2013b), exigindo que para a confecção do termo de acordo, conste o relato da colaboração e seus possíveis resultados; as condições da proposta; a aceitação do colaborador e de seu defensor; assinatura de todos os representantes; e as medidas protetivas acordadas (BRASIL, art. 6º, lei 12.850/13).

Nesse sentido, já se manifestou o Tribunal de Justiça do Espírito Santo sobre os acordos realizados de forma explícita:

APELAÇÃO CRIMINAL. JÚRI. ART. 121, §2º, INCISOS II, IV E V E ART. 155, §4º, INCISO IV, TODOS DO CÓDIGO PENAL. 1. DOSIMETRIA. REDUÇÃO DA PENA. POSSIBILIDADE. EXCLUSÃO DO VETORIAL REFENTE À CULPABILIDADE. 2. DIMINUIÇÃO DA PENA. RÉU QUE FAZ JUS AOS BENEFÍCIOS DA DELAÇÃO PREMIADA. NÃO ACOLHIMENTO. INFORMAÇÕES QUE NÃO FORAM EFETIVAMENTE EFICAZES PARA A RESOLUÇÃO DO PROCESSO. 3. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (...). Ademais, o acordo de colaboração premiada necessita ser formalizado, de modo que o termo deverá ser assinado por todas as partes, sendo, por fim, enviado à Justiça para que seja homologado. (...)

(TJES, Classe: Apelação, 11110177851, Relator : SÉRGIO LUIZ TEIXEIRA GAMA, Órgão julgador: SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL , Data de Julgamento: 16/03/2016, Data da Publicação no Diário: 28/03/2016) – Grifo nosso (BRASIL, 2016b)

No caso da segunda, não se visualiza acordo prévio entre o Ministério Público e o delator, mas refere-se a práticas forenses que proporcionam diminuição de pena sem a necessidade de prévia negociação, sendo, portanto, unilateral. São os casos em que o acusado, no momento de seu depoimento perante autoridade policial ou judicial, fornece informações relevantes para a investigação ou para o processo criminal.

Nessa hipótese, o pleito de reconhecimento do instituto será realizado posteriormente à delação, o que deixa o réu à mercê da discricionariedade do magistrado sentenciante, levando parte da doutrina a afirmar que os colaboradores não deveriam "aquiescer com uma colaboração informal, não submetida ao juiz (...)" (NUCCI, 2015, p. 708).

2.2.1 Aplicação extensiva da lei 12.850/13

Muito embora não tenha se verificado nenhuma aplicação do instituto previsto na lei 12.850/13 (BRASIL, 2013b) nos precedentes disponíveis no sitio do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, importante demonstrar que parte da doutrina entende possível a extensão da previsão da modalidade de delação explícita para os demais diplomas normativos que preveem a delação premiada.

Isso porque, a lei 12.850/13 (BRASIL, 2013b), além de trazer a previsão material quanto ao instituto da colaboração premiada, também positivou a sua parte procedimental, o que, de acordo com Luiz Flávio Gomes (2015), poderia ser aplicado analogicamente:

Por força da teoria do diálogo das fontes (Erik Jayme e Valério Mazzuoli), nada impede que o novo procedimento seja aplicado (fazendo os ajustes que devem ser feitos – mutatis mutandis) para todas as situações de colaboração premiada previstas em várias leis. Leis processuais podem ser aplicadas analogicamente

No mesmo sentido, Eugênio Pacelli (2016,p. 853-867), ao tratar sobre a carência de estipulação de rito procedimental adequado nas demais leis tratantes do instituto, leciona que:

(...) as referidas leis não estabelecem o rito procedimental para a delação ou colaboração premiada. Nem quando preveem o perdão judicial para o réu colaborador primário e nem quanto se trata da redução de um terço a dois terços.

Por isso, pensamos que deverão ser aplicadas as normas previstas na Lei 12.850/13, a partir do seu art. 4° e seguintes, nos quais se especificam os ritos e providencias a serem adotados nas hipóteses da colaboração premiada.

Ademais, Vinicius Gomes Vasconcellos (2015, p. 13-14) salienta que:

(...) embora o referido procedimento de colaboração premiada esteja previsto em legislação particular (para persecução de organizações criminosas), pensa-se que sua aplicação é cabível a qualquer espécie delitiva diante da lacuna legal em relação a tal ponto (pois anteriormente encontrava-se somente a previsão do mecanismo em sua esfera material, das consequências benéficas ao colaborador.

De fato, parece coerente o entendimento dos citados autores, haja vista que no direito brasileiro foi adotado o princípio da aplicação imediata da norma processual, de acordo com o art. 2° do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941).

Assim, em qualquer das situações legais previstas, poderá ser realizado o termo de acordo segundo os moldes da lei 12.850/13 (BRASIL, 2013b), ficando a distinção entre delação explícita e implícita baseada meramente na forma de sua realização procedimental, e não da previsão material utilizada.

2.2.2 Modalidade de delação analisada

O que se verifica é que o presente trabalho não possui condições de tratar de ambas as espécies supramencionadas de delação premiada, haja vista que os dados coletados na pesquisa são referentes somente às delações implícitas, ou seja, aquelas que ocorrem sem nenhuma formalização ou prévio acordo, mas que, após a confissão e o fornecimento de informações por parte do acusado, este pode requerer ao juízo a sua apreciação, objetivando ter a pena diminuída.

Isso porque, não se verificou nenhum questionamento sobre as delações explícitas disponíveis no sítio de busca do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, o que poderia ser explicado, a princípio, por conta de alguns fatores:

i) Temporal: a possibilidade de realização de delações explícitas no direito penal brasileiro estava prevista expressamente na lei 10.409 de 2002 (BRASIL, 2002), mas foi revogada pela Lei 11.343 de 2006 (BRASIL, 2006), tendo restado em vigência por um curto período de tempo4. Além disso, a sua nova previsão na lei 12.850 no ano de 2013 (BRASIL, 2013b) é muito recente, o que justifica a escassez de discussão já em segunda instância, por conta do próprio fator temporal.

ii) Consensual: por se tratar de delações explícitas, verifica-se que o referido diploma legal positivou de forma mais ampla a parte processual, prevendo desde a proposta de delação, o acordo, até a homologação pelo juízo. É claro que poderá ocorrer questionamento por parte do réu colaborador em instâncias superiores, porém, tem-se que, a princípio, o número de questionamentos será reduzido, exatamente por conta de ter havido um concordância prévia sobre os termos da delação e dos benefícios a serem adquiridos.

iii) Fiscalizatório: o art. 4°, §7°, da lei 12.850/13 (BRASIL, 2013b) prevê que o acordo de delação deverá ser homologado pelo juiz, o qual deverá verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade. Sendo assim, pelo próprio caráter fiscalizatório que a homologação do juiz possui, juntamente com o fato de ter havido consenso sobre os termos do acordo, é imaginável que o número de casos questionando-os perante os Tribunais de Justiça será mais limitado.

Por tais motivos, o presente trabalho se desenvolveu com base nos julgados publicados no sítio oficial do TJES e disponíveis ao público em geral, sendo, em sua integralidade, referentes a casos de pleito de reconhecimento da delação premiada em sua modalidade implícita, informal.

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