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Ata notarial.

Ainda pela utilização com utilidade

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03/10/2006 às 00:00
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As atas notariais e a assinatura do interessado

Felipe Leonardo entende necessária a assinatura do interessado na ata notarial, esclarecendo que "a assinatura não será objeto de consentimento senão de conformidade quanto à exatidão da redação (fato narrado)" (DLI nº 24, 2006).

No entanto, essa cautela, além de desnecessária, pois nada acrescenta ao ato (digo: ao conteúdo da ata), revela uma insegurança profissional descabida. O fato será narrado conforme visto pelo tabelião, e não segundo a ótica do interessado. Ao interessado caberá aceitar (pelo uso) ou não a ata lavrada pelo tabelião, mas nunca moldar os termos da redação da ata ao que lhe seja conforme, ou ao que considere fato existente, ou ao grau de existência, enfim.

Voltando aos "doces" salgados, não poderia o interessado solicitar, por exemplo, que o tabelião redigisse a ata notarial para dizer que os "doces" estavam muito salgados, se o tabelião não teve essa impressão ao provar o alimento, ainda que, de fato, a porção provada pelo interessado estivesse muito salgada. Como também não poderia moldar a redação se a situação fosse inversa.

Assim, por mais zelo que possa haver no procedimento de colher a assinatura do interessado na ata notarial, isso se revela descabido, e um desvio de finalidade, como seria desvio colher a assinatura do procurador numa procuração. Servirá para quê? Ou o mandatário aceita a procuração, usando os poderes, ou não aceita, não usando.

Nesse sentido, Celso Rezende (2004, p. 103) define ata notarial como "ato unilateral declaratório do notário. Trata-se de uma resenha ou relato por escrito elaborado com segurança, procurando sempre a narrativa de fatos, com riqueza de detalhes que possam caracterizar o fato ocorrido por meio de uma simples leitura. Deve, a princípio, haver requerimento para que seja procedido, uma vez que o notário, por via de regra, não age de ofício, devendo haver solicitação para sua prática. Este requerimento poderá ser feito no próprio corpo da ata ou em apartado, e, se procedida na própria ata, não terá o requerente o direito de aceitar ou não o que dali consta, devendo apenas preocupar-se com o requerimento e não com o seu conteúdo. Deve ser assinada pelo notário e por este lavrada, podendo, entretanto, designar um funcionário para a prática do ato". (Grifos acrescentados).

Quanto à cabal exposição de Celso Rezende, observo apenas que não seria apropriado o requerimento na própria ata, uma vez que a ata notarial é consectário do requerimento; ou seja: as diligências e providências do notário (tabelião de notas) para a lavratura da ata notarial têm como fato propulsor o requerimento do interessado; senão haveríamos de concluir que o tabelião agiu por iniciativa própria.

Ademais, o requerimento da ata notarial não precisa ser feito na presença do tabelião. Basta que seja dirigido a ele. Alguém que reside numa comarca distinta da do tabelião – ou em outro Estado – pode requerer a lavratura da ata notarial mediante requerimento enviado pelo correio, com firma reconhecida, no qual, além de indicar o fato que gostaria que fosse constatado pelo tabelião, solicita que a ata notarial lhe seja remetida pelo correio, para o endereço indicado no requerimento. Por esta forma estará satisfeito o princípio da instância.

Ora, se as correspondências judiciárias são dadas por cumpridas utilizando-se dos correios, fax e até da Internet, haveríamos de exigir que o interessado compareça à serventia para concordar com a exatidão do fato narrado pelo tabelião, de sua exclusiva responsabilidade?

Desta feita, é imperativo não criar situações inúteis de entraves à ampla utilização da ata notarial. Não seria salutar fortalecer o hábito da assinatura do interessado nas atas notariais, onerando, obstruindo e deformando o instituto. É preciso avançar na compreensão do valor, do alcance, do sentido e da autonomia da ata notarial, não ficando aferrado a fórmulas antigas, estabelecendo hibridismo ou confusão sem fundamentos na lei ou no Direito (segurança jurídica) entre os atos de competência dos tabeliães de notas, ou jungindo ao Direito alienígena aquilo que tem feição própria no nosso Direito.


A ata notarial brasileira: instituto autônomo

Sendo instituto autônomo, a Ata Notarial brasileira não pode ser redigida em termos que se constituam simples arremedo da Escritura Pública, fazendo-se mister apresentar-se sob forma própria, de modo a não deixar dúvidas acerca da peculiar identidade do ato e de quem o praticou.

A Ata Notarial brasileira não é – e não deve ser - um ato fugaz, vulnerável e aditivo, mas um documento substancioso, permanente, completo em si, com identidade própria, que torne perene a prova do fato e o seu conteúdo, não obstante o eventual perecimento do fato que lhe deu origem.

Destarte, não se pode confundir a Ata Notarial brasileira com o auto de aprovação do testamento cerrado, o qual, desaparecendo o escrito do testador, também desaparece, perde a sua eficácia, ainda que o auto, em si, seja poupado do extravio por alguma razão; nem com a nota de aprovação do testamento cerrado, que não obstante reunir algumas características da ata notarial (é registro de um fato consumado, dispensa outra assinatura além da do tabelião) não tem o condão de preservar o conteúdo do fato, não prova o fato na sua substância, senão que o fato existiu, mas não se conhece o seu conteúdo; nem tampouco com o reconhecimento de firma, em qualquer de suas modalidades, posto que desaparecendo o documento no qual foi lançada a assinatura, desaparece o próprio reconhecimento da firma, não podendo o tabelião expedir certidão daquele ato-fato, que se esvaiu, nem usar o tabelião eventuais anotações em seu cartório para reproduzir a assinatura reconhecida (por autenticidade ou semelhança), ou o documento no qual foi lançado o reconhecimento da firma, e, por maior razão, não se pode utilizar ata notarial para registro de manifestação de vontade, como é o caso da nomeação de tutor.

Independente da classificação aplicável a qualquer desses atos (protocolar ou extraprotocolar), não podemos identificá-los como Ata Notarial, pois são atos que têm identificação própria no nosso Direito.

Se havemos de divulgar, incentivar e firmar o uso da ata notarial como documento que goza de credibilidade plena para fins de prova em Juízo (ou em qualquer outra situação) de um fato ocorrido, não podemos considerar objeto de ata notarial fatos relatados por interposta pessoa que não tenhamos constatado pessoalmente, nem tampouco denominar de ata notarial um ato que sua eficácia, ou sua própria existência, depende do não perecimento do fato que quer provar.

Com esse propósito, sempre que requeridos a lavrar Ata Notarial seria bom indagar: o que vou registrar na ata notarial é um fato autêntico (constatado por quem lavra a ata) e juridicamente relevante que não é negócio jurídico? A Ata Notarial preservará a prova do fato e seu conteúdo independente da permanência do fato?

Se as respostas forem afirmativas, teremos uma situação típica de Ata Notarial.


Conclusão

As atas notariais, se difundidas e praticadas com profissionalismo, eficiência e, sob a égide dos princípios éticos que devem nortear o exercício de um serviço público delegado de tamanha magnitude, podem significar a ascensão do tabelionato de notas brasileiro pelo prestígio que venha angariar em seu mister, oferecendo ao usuário uma alternativa de prova pré-constituída, não olvidando o Notário, e, em especial, o tabelião de notas, destarte, de buscar, sempre, a valorização das escrituras públicas, que com aquelas não se confundem.


Notas

01 A propósito, embora o livro bíblico de Apocalipse (Gr.: A-po-ká-ly-psis; Lat.: A-po-ca-ly-psis = "exposição; exibição; desvendar, relevar", de acordo com a nota de rodapé da Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas com Referências e o Dicionário Enciclopédico da Bíblia, Ed. Vozes), seja um registro de acontecimentos futuros em relação ao tempo do Apóstolo João (Cap. 1, versículo 1), revelado a este enquanto estava exilado na Ilha grega de Patmos (1:9), por ação do espírito de Deus (1:10), o tempo verbal utilizado no discurso direto de João é sempre o pretérito, e nunca o presente. Somente no discurso indireto, ou seja: quando reproduz a fala de outros, é possível encontrar declarações num tempo verbal diferente, inclusive no futuro, o que é óbvio.

02 Exclusivo = que exclui; que tem força ou direito para excluir; incompatível com outra coisa; especial, privativo, restrito; Direito de não ter concorrentes numa indústria ou numa empresa (Michaelis, Moderno Dicionário da Língua Portuguesa).

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Referências bibliográficas

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Sobre o autor
Valestan Milhomem da Costa

especializando em Direito Registral Imobiliário, tabelião, oficial substituto do 1º Ofício de Cabo Frio (RJ)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Valestan Milhomem. Ata notarial.: Ainda pela utilização com utilidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1189, 3 out. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9001. Acesso em: 23 dez. 2024.

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