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Do Orkut e outros demônios

Resumo:


  • Orkut foi uma rede social popular no Brasil, mas enfrentou problemas com conteúdo ilegal, como pedofilia e racismo.

  • A falta de controle do site Google sobre o Orkut gerou debates sobre responsabilidade e a necessidade de leis claras para crimes online.

  • O Ministério Público de São Paulo tomou medidas legais para lidar com problemas no Orkut, incluindo a quebra de sigilo de usuários e multas para descumprimento de decisões judiciais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

            "O grande irmão te observa."

            George Orwell - 1984 


            Era 2004 quando o povo brasileiro foi introduzido a um mundo totalmente instigante; Um admirável mundo novo no qual amigos de infância perdidos há anos se reencontravam, e uma pessoa tinha a oportunidade de sentir um pouco menos de solidão ao saber que havia mais de quinhentas que, como ela, sabiam apreciar um belo peixe com molho de manga.

            Desta data para hoje, mais de cinco milhões de brasileiros, com a sua gana habitual para novidades, invadiram as páginas desta verdadeira rede de relacionamentos, marcando presença maciça nas estatísticas relativas aos países participantes.

            Contudo, nos moldes do que determina o ditado popular, tudo que é bom dura pouco, e a nossa lua-de-mel com aquele universo virtual, batizado com o primeiro nome de seu criador, Orkut Buyukkokten, rapidamente apresentou os primeiros "bugs". Na velocidade de uma boa conexão a cabo, as partes ruins da laranja descobriram o quão conveniente seria a anonimidade daquelas páginas. E eis que pulularam na rede comunidades esdrúxulas, divertidas, e, logo, criminosas.

             Pedófilos, racistas, traficantes, e mais uma horda de oportunistas, com o auxílio da falta de senso de alguns usuários, dispuseram deste novo mundo para a efetivação de seus intentos: num clique, era possível conhecer desde os hábitos de leitura de uma pessoa à raça de seu cachorro, os seus bens, e, muitas vezes, toda a sua família, cuidadosamente representada numa conveniente fotografia. Como a bala recheando o pente, muitas vezes esses usuários, numa assustadora falta de pragmatismo no que se refere à visão de mundo, deixavam registrados em suas páginas pessoais, mesmo os seus telefones celulares.

            O resultado é que hoje em dia, a organização Safernet, que luta conta crimes aos direitos humanos na Internet, afirma que o Orkut está envolvido em quarenta e oito por cento das denúncias relativas à pedofilia; de 30 de janeiro a 26 de abril deste ano, foram 34.715 denúncias de pornografia infantil no site de relacionamentos, tudo isto graças ao manto da impossibilidade de identificação: "Todos os dados do meu perfil no orkut são falsos. Nunca vão me prender", provoca um pedófilo, que afirmou chamar-se Luciano ao ser contatado, via comunicador instantâneo, pelo site Link, especializado em informática.

            Tal impunidade é endossada por dois fatores básicos: a inexistência de leis nacionais, claras e aplicáveis no que se refere à informática e a falta de controle do site Google, responsável pelo Orkut.

            Nesse ponto justamente reside a maior polêmica da questão. Teria realmente o Google responsabilidade no que se refere ao que vai ser exposto no Orkut?

            A orientação do site é afirmar que não apóia conteúdo ilegal no Orkut, e isso é exposto ad nauseam nas informações contidas no mesmo, mas não tem como controlar a inclusão de tais informações.

            Contudo, o bom senso obriga-me a ser da opinião que, se um site disponibiliza algum serviço, deve zelar pelo respeito à lei no que se refere a ele. Permitir este tipo de abuso seria, de uma certa forma, apoiar os crimes que eventualmente ocorram neste âmbito.

            Outro argumento comumente pelo Google usado é o de que os crimes referidos acima não ocorreriam no Brasil, pois o servidor do Orkut jaz fora dos limites nacionais e encontra-se protegido pela Primeira Emenda da Constituição Norte-Americana, a qual defende com uma determinação "ahabiana" a liberdade de expressão a qualquer custo.

              Ora, a plausibilidade de tal argumento se desfaz como um castelo de cartas quando o confrontamos com o art. 6º do nosso Código Penal:

             "Lugar do crime

            Art. - Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado. (grifo nosso)

            O entendimento disposto no art. 70 do nosso Código de Processo Penal endossa o ora referido:

             Da Competência pelo Lugar da Infração

            Art. 70 - A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.(grifo nosso)

             Ainda que levássemos em consideração a frágil desculpa de que o servidor do Orkut jaz fora dos limites da legislação nacional, restaria, com toda firmeza a questão de onde se produz ou deve se produzir o resultado.

            As drogas vendidas, as brigas com torcidas, as quais já resultaram em morte de envolvidos, são apenas alguns fatos que comprovam com firmeza onde ocorrem estes crimes, inclusive no que se refere ao melindroso dano moral.

            Destarte ao alegado, têm-se notícias que já se amontoam condenações judiciais não cumpridas pelo Google no que se refere a problemas causados pelo Orkut.

             O Ministério Público de São Paulo, porém, já atenta para tal problema: tem decretado a quebra do sigilo de algumas comunidades do Orkut e vigia, permanentemente, essa valiosa rede de informações.

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             Em junho do presente ano, programou-se um acordo entre o Google e a nossa Procuradoria da República no que se refere à identificação dos internautas suspeitos de eventuais crimes, bem como se definiram algumas diretrizes no que diz respeito às regras de utilização do site de relacionamentos. O resultado prático, desta data até hoje, porém, foi um ingênuo termo de responsabilidade disposto no Orkut o qual tenta afastar a responsabilidade do Google.

            Uma das informações mais recentes é que o Juízo da 17ª Vara Cível da Justiça Federal de São Paulo negou o pedido de suspensão da liminar que pede a quebra de sigilo dos usuários do Orkut. O pedido foi feito pela Google Brasil Internet LTDA. Ficou mantida, assim a determinação para que a empresa, subsidiária da norte-americana, fornecesse, até o próximo dia 15 de setembro último, os dados solicitados pelo Ministério Público Federal.

            Descumprida tal medida, a empresa sujeitar-se-ia a uma multa diária de R$ 50 mil por solicitação negada. O Ministério Público paulista entende que o valor final pode chegar a R$ 1,9 milhão no total. Destarte ao exposto, não possuímos informações acerca do cumprimento de tal decisão judicial.

            Frente a tais pedido, a filial do Google INC., reitera que não possui ingerência sobre as contas do Orkut no Brasil, pois seriam as mesmas competência da matriz norte-americana. Porém, em face ao descontrole da situação, já ameaça retirar o Orkut do Brasil.

            Esperamos sinceramente que tais medidas sejam tomadas e que, através de um controle mais rígido em homenagem aos valores que realmente importem, voltemos a usar a rede de informações disponibilizada pelo site para encontrar amigos e trocar preferências alimentícias, ainda que estas não sejam lá muito convencionais.

            Era 1948 quando o grande George Orwell escreveu um dos maiores manifestos à liberdade de todos os tempos. O romance "1984" narra, em tom apocalíptico e distópico o estado das coisas na Terra daquela data: uma sociedade onde o Estado, governado por um carrasco eternamente onipresente aos cidadãos, tem a capacidade de alterar a história e o idioma, de oprimir e torturar o povo e de travar uma guerra sem fim, com o objetivo de manter a sua estrutura inabalada. 

            Com o alcance da invasão capitaneada pelo Orkut, gostaria sinceramente de não concluir que o senhor Orwell tenha errado apenas por pouco mais de vinte anos.

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Sobre o autor
Márcio Benjamin Costa Ribeiro

Advogado Tributarista especializado pela UFRN e Previdenciarista do Escritório Marcos Inácio Advocacia - Filial Natal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Márcio Benjamin Costa. Do Orkut e outros demônios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1193, 7 out. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9018. Acesso em: 22 dez. 2024.

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