Warren e Brandeis, escritores do famoso artigo The Right to Privacy, em 1890, já alertavam a humanidade para os perigos que a inovação tecnológica poderia trazer para a privacidade dos cidadãos. Com o passar dos anos, vimos confirmado o profético alerta, com a criação de sofisticados e potentes aparelhos eletrônicos, computadores, Internet e os tão populares correios eletrônicos ou e-mails, utilizados hoje em dia pela vasta maioria das pessoas com acesso à essa tecnologia.
Não obstante a celeridade e praticidade desse corriqueiro meio de comunicação, sobre ele perdura uma importante questão, qual seja, a quem pertenceria o conteúdo comunicativo nas situações em que o e-mail tenha sido oferecido pelo empregador ao seu funcionário.
Em recentíssima decisão, o Tribunal Superior do Trabalho -TST acolheu o polêmico entendimento de que as empresas estariam autorizadas a controlar as mensagens enviadas pelos seus empregados através do e-mail corporativo.
O Relator do processo, Ministro João Oreste Dalazen, ponderou que o empregador, desde que exerça de forma moderada, generalizada e impessoal o controle sobre as mensagens enviadas e recebidas, com a finalidade de evitar abusos, não estaria praticando nenhum ato ilícito.
O e-mail fornecido pela empresa, segundo o entendimento do Ministro Relator, teria natureza jurídica equivalente a uma "ferramenta de trabalho", dessa forma, o seu uso seria estritamente profissional.
De acordo com os juízes que julgaram o caso no Tribunal Regional do Trabalho, a empresa estaria habilitada a rastrear todos os endereços eletrônicos, "porque não haveria qualquer intimidade a ser preservada, posto que o e-mail não poderia ser utilizado para fins particulares".
O ponto nevrálgico da questão consiste em aquilatar, com precisão, o que possa ser considerada uma comunicação de natureza meramente particular e o que ostente caráter corporativo, o que, em alguns casos, pode se demonstrar bastante difícil.
As empresas, visando um aumento da produtividade, disponibilizam a seus empregados o e-mail corporativo, o qual permite que eles se identifiquem, internamente e nas suas relações profissionais com outras empresas, como funcionário de determinada companhia.
É fato, porém, que vários deles, em grave desacordo com suas funções laborais, utilizam o correio eletrônico com finalidades diversas daquelas pretendidas pelo empregador, o que tem gerado diversos embates entre ambos e que, ao menos em tese, somente uma monitoração poderia resolver.
Não se pretende nestas breves notas rejeitar a necessidade de algum tipo de controle dos e-mails que carregam o nome de domínio pertencente à empresa, mas não se pode dar ao caso uma interpretação simplista, já que o tema envolve outros direitos, preponderantes sobre aqueles consagrados pelo TST em sua recente decisão.
Constitui-se em tarefa bastante difícil e sujeita a equívocos delimitar, com certa margem de certeza, o conteúdo e a dimensão do direito à intimidade. É certo que nem todos os fatos da vida privada estão a salvo da intrusão alheia e que aquilo que deve ser protegido não pode ficar ao alvitre do subjetivismo de cada um, mas parece óbvio que constitui grave malferimento a esse direito fundamental a constante vigilância da empresa sobre as comunicações realizadas por seus funcionários, sem que se saiba, exatamente, o que se procura.
Entendemos que nos tempos atuais, em que são freqüentes os casos de fraudes eletrônicas, de sabotagem, de espionagem industrial, das práticas de concorrência desleal, etc., as companhias precisam estar dotadas de meios que as levem ao conhecimento do conteúdo das comunicações daqueles funcionários sobre os quais recaia algum tipo de suspeita.
Isso não significa, entretanto, que se possa ler, indiscriminadamente, todo o conteúdo dos e-mails enviados pelos funcionários da companhia, sem que haja um critério sério a seguir.
Solução mais apropriada para o caso consistiria na adoção, pelas companhias, de sistema de monitoramento dos e-mails corporativos através de palavras-chave, remetente ou destinatário, buscando-se, assim, detectar e-mails de conteúdo sexual, imoral, jocoso, ou sob qualquer forma prejudicial à empresa.
Sabemos que há no mercado diversos softwares específicos para tal finalidade que filtram eletronicamente os e-mails, dispensando, assim, o olho humano na seleção das mensagens, podendo, dessa forma, rejeitar ou interceptar correios de tamanho, formato ou anexos suspeitos ou enviá-los para o conhecimento do presidente da companhia, caso desejem.
Nesses casos, salvo melhor juízo, o empregador saberá exatamente o que procura, evitando, assim, que se viole, deliberadamente, a intimidade de seus funcionários, lendo, indiscriminadamente todos os e-mails daqueles que lhe prestam serviço.
É importante lembrar, que o direito à intimidade, à inviolabilidade dos dados e de correspondência estão asseguradas pela Carta Cidadã de 1988, envolvendo segundo a melhor hermenêutica, os demais meios de comunicação, como a eletrônica mediante e-mail.
O resguardo da esfera da intimidade é indispensável ao desenvolvimento da personalidade e da identidade, sendo verdadeiro desdobramento dos direitos à liberdade e da dignidade da pessoa humana, inserida no artigo 5º, caput e § 1º, inciso III, da Lei Maior. Acaso se franqueie a violação sem critério de tal direito, afrontada estaria a liberdade do cidadão, além do risco de torná-lo refém do violador.
Observamos, entretanto, que tal proteção constitucional tem sido olvidada diuturnamente pelas companhias e quase sempre ignoradas pelos juristas e pelo Poder Judiciário, que com o novo precedente, com certeza, abrirá perigosa fresta no direito fundamental dos cidadãos brasileiros.