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A empregada doméstica e a garantia provisória de emprego da gestante

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09/10/2006 às 00:00
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8. A proteção constitucional à maternidade e à infância

Tem caráter social a matéria em debate, ligando-se a outras disposições constitucionais, que se traduzem em genuínas manifestações de sensível preocupação do constituinte com a criança e o adolescente e com a maternidade, elevando-se a proteção jurídica a patamar de direito fundamental, sendo mostras disso o caput do artigo 6º, da Constituição, ao arrolar dentre os direitos sociais a proteção à maternidade e à infância, o artigo 201, concernente à previdência social, ao aduzir que esta atenderá, nos termos da lei, a proteção à maternidade, especialmente à gestante, o artigo 203, inciso I, que, tratando da assistência social, determina que esta será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição, e tem por objetivo a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência [...].

Trilhando o mesmo caminho destaca-se o Estatuto da Criança e do Adolescente, ao estabelecer em seu artigo 1º proteção integral à criança e ao adolescente, dando efetividade às promessas constitucionais, incluindo a ampla competência da União, dos Estados e dos Municípios para legislar sobre matéria de proteção à infância e juventude (art. 24, inciso XV). Reafirma o precitado diploma legal o que está contido no artigo 227, da Constituição, garantindo com absoluta prioridade o atendimento dos direitos e garantias fundamentais da criança e do adolescente, assim:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

O professor José Afonso da Silva [08], um dos mais prestigiados constitucionalistas brasileiros, observa, com a percuciência que lhe é peculiar, que:

"A Constituição é minuciosa e redundante na previsão de direitos e situações subjetivas de vantagens das crianças e adolescentes, especificando em relação a eles direitos já consignados para todos em geral, como os direitos previdenciários e trabalhistas, mas estatui importantes normas tutelares dos menores, especialmente dos órfãos e abandonados e dos dependentes de drogas e entorpecentes (art. 227, § 3º). Postula punição severa ao abuso, violência e exploração sexual da criança e do adolescente."

Como bem salientado pela eminente Juíza do Trabalho Paranaense Silvana Silva Neto Mandalozzo [09], a fim de melhor cumprir o mandamento constitucional de proteção integral à criança, "o ideal seria que a mãe fosse só mãe, mas como isso é impossível, até mesmo por motivos de ordem econômica, o legislador adotou medidas de proteção à maternidade que servem como alternativa para facilitar a compatibilidade mãe x trabalho".


9. A Lei nº 11.324, de 19.07.2006

Finalmente, depois de quase vinte anos de atraso, há no ordenamento jurídico brasileiro norma legal atribuindo expressamente à empregada doméstica gestante direito a estabilidade no emprego, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.

Com efeito, em 20 de julho de 2006 foi publicada no Diário Oficial da União a Lei nº 11.324, de 19 de julho de 2006, que acrescentou à Lei nº 5.859, de 11 de dezembro de 1972 o artigo 4º-A, com a seguinte redação:

É vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada doméstica gestante desde a confirmação da gravidez até 5 (cinco) meses após o parto.

Portanto, desde 20 de julho de 2006 que não mais se faz necessário todo este esforço de interpretação da Constituição, para reconhecer à empregada doméstica direito consagrado naquela. Agora, basta que se cumpra a lei, sob pena de sua imposição pelo Judiciário.


10. Conclusão

Em interpretação lógica e coerente com as diretrizes principiológicas do texto constitucional, dentro de um método sistemático e finalístico, ou seja, conferindo direitos e garantias e apontando, ainda que indiretamente, os meios necessários para o alcance dos seus objetivos, torna-se inaceitável a idéia de que a Constituição ao se preocupar, de forma contundente e minuciosa, com a garantia de igualdade entre as pessoas e com o bem-estar da família, da criança e do adolescente, não tenha desejado, ainda que não o diga expressamente, que a estabilidade provisória seja reconhecida como direito de toda trabalhadora gestante, doméstica ou não.

Censurável que não o tenha feito de forma direta e insofismável, deixando para o exegeta a tarefa, nada fácil, de buscar em seus princípios a proteção à gestante doméstica, conquanto tão generosamente a tenha especificado para as trabalhadoras em geral.

A garantia provisória de emprego assegurada à empregada gestante não foi negada expressamente à empregada doméstica, não havendo incompatibilidade entre o artigo 10, inciso II, alínea "b", do ADCT e o inciso I e parágrafo único do artigo 7º, da Constituição.

Qualquer outra interpretação fatalmente levará a resultados que colidem com os princípios constitucionais da isonomia, da dignidade da pessoa humana, da proteção à maternidade e à infância e da valorização do trabalho humano.

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Desde 20 de julho de 2006, com a publicação da Lei nº 11.324, de 19.07.2006, a empregada doméstica gestante não pode ser dispensada pelo empregador, de forma arbitrária ou sem justa causa, desde a confirmação da gravidez até cinco depois do parto.


11. BIBLIOGRAFIA

BACHOF, Otto. Normas Constitucionais Inconstitucionais? Trad. e nota prévia de José Manuel M. Cardoso da Costa. Coimbra: Almedina, 1994.

CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição brasileira de 1988. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1994.

MANDALOZZO, Silvana Silva Neto. A Maternidade no Direito do Trabalho. Curitiba: Juruá, 1996.

MARTINS, Sérgio Pinto. A continuidade do contrato de trabalho. São Paulo: Atlas, 2000.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1995.

ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais da Administração Pública. 1ª ed. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 1994.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 18ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000.


Notas

01 ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais da Administração Pública. 1ª ed. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 1994.

02 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1995, p. 9

03 BACHOF, Otto. Normas Constitucionais Inconstitucionais? Trad. e nota prévia de José Manuel M. Cardoso da Costa. Coimbra: Almedina, 1994.

04 MARTINS, Sérgio Pinto. A continuidade do contrato de trabalho. São Paulo: Atlas, 2000, p. 111.

05 CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição brasileira de 1988. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1994, p. 1036.

06 Juiz do Trabalho do TRT de Mato Grosso – 23ª Região.

07 Servidor do TRT de Mato Grosso – 23ª Região.

08 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 18ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 824.

09 MANDALOZZO, Silvana Silva Neto. A Maternidade no Direito do Trabalho. Curitiba: Juruá, 1996, p. 127.

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Sobre o autor
Mauro Vasni Paroski

Juiz titular de Vara do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região. Mestre em Direito Negocial (área de concentração em Direito Processual Civil), pela Universidade Estadual de Londrina (UEL-PR).︎ Doutorando em Direitos Sociais na Universidad de Castilla-La Mancha - ESPANHA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAROSKI, Mauro Vasni. A empregada doméstica e a garantia provisória de emprego da gestante. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1195, 9 out. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9027. Acesso em: 5 dez. 2025.

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