8. A proteção constitucional à maternidade e à infância
Tem caráter social a matéria em debate, ligando-se a outras disposições constitucionais, que se traduzem em genuínas manifestações de sensível preocupação do constituinte com a criança e o adolescente e com a maternidade, elevando-se a proteção jurídica a patamar de direito fundamental, sendo mostras disso o caput do artigo 6º, da Constituição, ao arrolar dentre os direitos sociais a proteção à maternidade e à infância, o artigo 201, concernente à previdência social, ao aduzir que esta atenderá, nos termos da lei, a proteção à maternidade, especialmente à gestante, o artigo 203, inciso I, que, tratando da assistência social, determina que esta será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição, e tem por objetivo a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência [...].
Trilhando o mesmo caminho destaca-se o Estatuto da Criança e do Adolescente, ao estabelecer em seu artigo 1º proteção integral à criança e ao adolescente, dando efetividade às promessas constitucionais, incluindo a ampla competência da União, dos Estados e dos Municípios para legislar sobre matéria de proteção à infância e juventude (art. 24, inciso XV). Reafirma o precitado diploma legal o que está contido no artigo 227, da Constituição, garantindo com absoluta prioridade o atendimento dos direitos e garantias fundamentais da criança e do adolescente, assim:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
O professor José Afonso da Silva [08], um dos mais prestigiados constitucionalistas brasileiros, observa, com a percuciência que lhe é peculiar, que:
"A Constituição é minuciosa e redundante na previsão de direitos e situações subjetivas de vantagens das crianças e adolescentes, especificando em relação a eles direitos já consignados para todos em geral, como os direitos previdenciários e trabalhistas, mas estatui importantes normas tutelares dos menores, especialmente dos órfãos e abandonados e dos dependentes de drogas e entorpecentes (art. 227, § 3º). Postula punição severa ao abuso, violência e exploração sexual da criança e do adolescente."
Como bem salientado pela eminente Juíza do Trabalho Paranaense Silvana Silva Neto Mandalozzo [09], a fim de melhor cumprir o mandamento constitucional de proteção integral à criança, "o ideal seria que a mãe fosse só mãe, mas como isso é impossível, até mesmo por motivos de ordem econômica, o legislador adotou medidas de proteção à maternidade que servem como alternativa para facilitar a compatibilidade mãe x trabalho".
9. A Lei nº 11.324, de 19.07.2006
Finalmente, depois de quase vinte anos de atraso, há no ordenamento jurídico brasileiro norma legal atribuindo expressamente à empregada doméstica gestante direito a estabilidade no emprego, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.
Com efeito, em 20 de julho de 2006 foi publicada no Diário Oficial da União a Lei nº 11.324, de 19 de julho de 2006, que acrescentou à Lei nº 5.859, de 11 de dezembro de 1972 o artigo 4º-A, com a seguinte redação:
É vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada doméstica gestante desde a confirmação da gravidez até 5 (cinco) meses após o parto.
Portanto, desde 20 de julho de 2006 que não mais se faz necessário todo este esforço de interpretação da Constituição, para reconhecer à empregada doméstica direito consagrado naquela. Agora, basta que se cumpra a lei, sob pena de sua imposição pelo Judiciário.
10. Conclusão
Em interpretação lógica e coerente com as diretrizes principiológicas do texto constitucional, dentro de um método sistemático e finalístico, ou seja, conferindo direitos e garantias e apontando, ainda que indiretamente, os meios necessários para o alcance dos seus objetivos, torna-se inaceitável a idéia de que a Constituição ao se preocupar, de forma contundente e minuciosa, com a garantia de igualdade entre as pessoas e com o bem-estar da família, da criança e do adolescente, não tenha desejado, ainda que não o diga expressamente, que a estabilidade provisória seja reconhecida como direito de toda trabalhadora gestante, doméstica ou não.
Censurável que não o tenha feito de forma direta e insofismável, deixando para o exegeta a tarefa, nada fácil, de buscar em seus princípios a proteção à gestante doméstica, conquanto tão generosamente a tenha especificado para as trabalhadoras em geral.
A garantia provisória de emprego assegurada à empregada gestante não foi negada expressamente à empregada doméstica, não havendo incompatibilidade entre o artigo 10, inciso II, alínea "b", do ADCT e o inciso I e parágrafo único do artigo 7º, da Constituição.
Qualquer outra interpretação fatalmente levará a resultados que colidem com os princípios constitucionais da isonomia, da dignidade da pessoa humana, da proteção à maternidade e à infância e da valorização do trabalho humano.
Desde 20 de julho de 2006, com a publicação da Lei nº 11.324, de 19.07.2006, a empregada doméstica gestante não pode ser dispensada pelo empregador, de forma arbitrária ou sem justa causa, desde a confirmação da gravidez até cinco depois do parto.
11. BIBLIOGRAFIA
BACHOF, Otto. Normas Constitucionais Inconstitucionais? Trad. e nota prévia de José Manuel M. Cardoso da Costa. Coimbra: Almedina, 1994.
CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição brasileira de 1988. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1994.
MANDALOZZO, Silvana Silva Neto. A Maternidade no Direito do Trabalho. Curitiba: Juruá, 1996.
MARTINS, Sérgio Pinto. A continuidade do contrato de trabalho. São Paulo: Atlas, 2000.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1995.
ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais da Administração Pública. 1ª ed. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 1994.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 18ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000.
Notas
01 ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais da Administração Pública. 1ª ed. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 1994.
02 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1995, p. 9
03 BACHOF, Otto. Normas Constitucionais Inconstitucionais? Trad. e nota prévia de José Manuel M. Cardoso da Costa. Coimbra: Almedina, 1994.
04 MARTINS, Sérgio Pinto. A continuidade do contrato de trabalho. São Paulo: Atlas, 2000, p. 111.
05 CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição brasileira de 1988. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1994, p. 1036.
06 Juiz do Trabalho do TRT de Mato Grosso – 23ª Região.
07 Servidor do TRT de Mato Grosso – 23ª Região.
08 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 18ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 824.
09 MANDALOZZO, Silvana Silva Neto. A Maternidade no Direito do Trabalho. Curitiba: Juruá, 1996, p. 127.