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O Estatuto da Advocacia e sua interpretação pelo Supremo Tribunal Federal

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20/10/2006 às 00:00
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10 – INCOMPATIBILIDADE DO EXERCÍCIO DA ADVOCACIA

O inciso II do artigo 28 do Estatuto da Advocacia, adverte que a advocacia é incompatível, mesmo em causa própria, aos "membros de órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos tribunais e conselhos de contas, dos juizados especiais, da justiça de paz, juízes classistas, bem como de todos os que exerçam função de julgamento em órgãos de deliberação coletiva da administração pública direta e indireta".

A argumentação foi no sentido de que a expressão "membros dos órgãos do Poder Judiciário" afrontaria os artigos 119, inciso II e 120, § 1º, inciso III da Constituição, eis que nem todos os membros do Poder Judiciário, como, por exemplo, os juízes eleitorais, exercem atividades que exijam dedicação exclusiva, não os absorvendo de modo permanente.

Quanto ao texto "dos juizados especiais, da justiça de paz" estaria em confronto com o artigo 98, incisos I e II da Lei Maior, ao impedir sejam tais cargos ocupados por profissionais que podem dedicar apenas parte de seu tempo para exercê-los, sem remuneração ou com retribuição simbólica.

O Plenário do Excelso Pretório, por maioria, julgou o pleito parcialmente procedente, entendendo que os juízes eleitorais e seus suplentes podem advogar, sendo inconstitucional, entretanto, o exercício da advocacia para membros do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos tribunais e conselhos de contas, dos juizados especiais e da justiça de paz.

Logo, o entendimento que deve ser dado ao dispositivo questionado é de que o exercício da advocacia é incompatível para membros do Ministério Público, dos tribunais e conselhos de contas, dos juizados especiais e da justiça de paz.

Especificamente em relação aos integrantes do Poder Judiciário, o exercício da advocacia é também incompatível, exceto os juízes eleitorais e seus suplentes, advogados.


11 – REQUISIÇÃO DE CÓPIAS DE PEÇAS E DOCUMENTOS

O Estatuto da Advocacia, no artigo 50, assegurou aos "Presidentes dos Conselhos da OAB e das Subseções... requisitar cópias de peças de autos e documentos a qualquer tribunal, magistrado, cartório e órgão da Administração Pública direta, indireta e fundacional".

A constitucionalidade do dispositivo foi questionada sob a alegação de que a requisição de cópias de peças de autos e documentos a qualquer tribunal, magistrado e cartório, estaria em descompasso com a independência do Judiciário de que trata o título IV da Constituição, especialmente o artigo 2º, eis que submeteria os órgãos jurisdicionais e seus membros aos desígnios da OAB, agredindo também o artigo 92 da Lei Maior.

Os Ministros julgaram parcialmente procedente o pedido e deram interpretação conforme a Constituição ao dispositivo questionado, declarando que o direito do advogado de requisitar cópias de peças e documentos não-sigilosos aos órgãos e autoridades enumeradas no dispositivo legal questionado é válido, desde que se responsabilize pelos custos da requisição e motive o pedido, que deve guardar compatibilidade com as finalidades da lei.


12 – CONCLUSÃO

Paradoxo próprio do controle de constitucionalidade consiste no fato de que esse instituto perfecciona os princípios próprios do Estado democrático de direito, consagrados na Lei Maior, e, simultaneamente, determina a superação deles.

Se por um lado representa o desenvolvimento do princípio da legalidade, base do ordenamento jurídico, de outro lado impõe a superação desse princípio, considerado expressão da vontade geral, porém, não mais uma discricionariedade absoluta a respeito do conteúdo das opções legislativas.

Assim, as decisões da Suprema Corte, ora em análise, certamente trarão novas luzes aos debates que se seguirem acerca do Estatuto da Advocacia, em decorrência das características que lhe são próprias, especialmente os efeitos erga omnes e vinculante, este último relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta nas esferas federal, estadual, distrital e municipal.

Com efeito, a partir das decisões retro citadas do Supremo Tribunal Federal, a interpretação a ser dada ao Estatuto da Advocacia em relação às seguintes prerrogativas e incompatibilidades, deve considerar:

  1. Atividades privativas da advocacia
  2. : A indispensabilidade do advogado consagrada no artigo 133 da Lei Maior não é absoluta, estando assim a dispensa do profissional sujeita aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, sendo legítimo o ius postulandi na Justiça do Trabalho, bem como a apresentação de habeas corpus e ações revisionais penais que, na forma da lei, dispensam a atuação de tal profissional. No âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, a postulação direta é permitida, uma vez respeitado o teto de sessenta salários mínimos, bem como os dispositivos da Lei da regência que disciplinam a participação de advogado perante tais órgãos especiais. Especificamente em relação aos Juizados Especiais Criminais, entretanto, é obrigatória a representação dos réus por advogado devidamente habilitado.
  3. Inviolabilidade do advogado no exercício da profissão
  4. : Por seus atos e manifestações, no regular exercício da profissão e respeitadas as limitações de que trata o Estatuto da Advocacia, o advogado é inviolável.
  5. Limites da imunidade profissional do advogado
  6. : Ainda que em atividade profissional, no juízo ou fora dele, não é inimputável o advogado que desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela.
  7. Limites da liberdade de defesa e do sigilo profissional
  8. : O advogado tem o direito de ter respeitado a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, nos exatos termos do artigo 7º do Estatuto da Advocacia, facultado ao magistrado a comunicação do fato à seccional da OAB para que seja designado representante para acompanhar a diligência.
  9. Condicionantes da prisão em flagrante
  10. : No regular exercício da profissão, é direito do advogado quando preso em flagrante ter a presença de representante da OAB, sob pena de nulidade do ato praticado, mantendo-se válida a prisão, entretanto, se o órgão de classe não enviá-lo oportunamente. E mais, pela prática de crime inafiançável, a prisão em flagrante de advogado, no exercício da profissão, exige prévia comunicação à seccional da OAB, para designação de representante, o qual deverá estar presente quando da lavratura do auto.
  11. Contornos da prisão especial
  12. : Ao advogado assiste o direito de não ser preso, antes de sentença condenatória transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior, com instalações e comodidades condignas, e, na ausência desta, em prisão domiciliar.
  13. Sustentação oral após o voto do relator
  14. : O advogado não tem o direito de manifestar-se oralmente após o voto do relator, em instância judicial ou administrativa.
  15. Instalação de salas especiais para advogados
  16. : Embora reconhecido que o Poder Judiciário e o Poder Executivo têm o dever de instalar salas especiais permanentes em todos os juizados, fóruns, tribunais, delegacias de polícia e presídios, para uso de advogados, foi decidido que não cabe à OAB controlar tais salas.
  17. Incompatibilidade do exercício da advocacia
  18. : O exercício da advocacia é incompatível para membros do Ministério Público, dos tribunais e conselhos de contas, dos juizados especiais e da justiça de paz. Também o é para os integrantes do Poder Judiciário, exceto os juízes eleitorais e seus suplentes, advogados.
  19. Requisição de cópias de peças e documentos
  20. : Foi reconhecido o direito conferido ao advogado de requisitar cópias de peças e documentos não-sigilosos a qualquer tribunal, magistrado, cartório e órgão da Administração Pública direta, indireta e fundacional, desde que se responsabilize pelos custos da requisição e motive o pedido, que deve guardar compatibilidade com as finalidades da lei.

Pela análise, ainda superficial, ora apresentada, resta patente que a Suprema Corte manteve incólume o núcleo central do comando inserto no artigo 133 da Constituição, utilizando-se do princípio da razoabilidade para "aparar as arestas", dando um contorno de proporcionalidade especialmente às prerrogativas conferidas aos advogados.

Assim, restou preservado o papel de indispensabilidade do advogado na concretização da justiça, com os instrumentos legais que lhe garantem a atuação profissional livre, segura e imparcial.


NOTAS

[1] Decisão final da ADIn 1105: "O Tribunal, por maioria, julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade do inciso IX do artigo 7º da Lei nº 8906, de 4 de julho de 1994, vencidos os Senhores Ministros Marco Aurélio (Relator) e Sepúlveda Pertence. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie. Redigirá o acórdão o Senhor Ministro Ricardo Lewandowski. Falaram, pelo Ministério Público Federal, o Dr. Antônio Fernando Barros e Silva de Souza, Procurador-Geral da República e, pelo interessado, Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, o Dr. José Guilherme Vilela. - Plenário, 17.05.2006".

[2]Decisão final da ADIn 1127: "O Tribunal, examinando os dispositivos impugnados na Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994: a) por unanimidade, em relação ao inciso I do artigo 1º, julgou prejudicada a alegação de inconstitucionalidade relativamente à expressão ‘juizados especiais’, e, por maioria, quanto à expressão ‘qualquer’, julgou procedente a ação direta, vencidos os Senhores Ministros Relator e Carlos Britto; b) por unanimidade, julgou improcedente a ação direta, quanto ao § 3º do artigo 2º, nos termos do voto do Relator; c) por maioria, julgou parcialmente procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da expressão ‘ou desacato’, contida no § 2º do artigo 7º, vencidos os Senhores Ministros Relator e Ricardo Lewandowski; d) por unanimidade, julgou improcedente a ação direta, quanto ao inciso II do artigo 7º, nos termos do voto do Relator; e) por unanimidade, julgou improcedente a ação direta, quanto ao inciso IV do artigo 7º, nos termos do voto do Relator; f) por maioria, entendeu não estar prejudicada a ação relativamente ao inciso V do artigo 7º, vencidos os Senhores Ministros Joaquim Barbosa e Cezar Peluso. No mérito, também por maioria, declarou a inconstitucionalidade da expressão ‘assim reconhecidas pela OAB’, vencidos os Senhores Ministros Relator, Eros Grau e Carlos Britto; g) por maioria, declarou a inconstitucionalidade relativamente ao inciso IX do artigo 7º, vencidos os Senhores Ministros Relator e Sepúlveda Pertence; h) por unanimidade, julgou improcedente a ação direta quanto ao § 3º do artigo 7º; i) por votação majoritária, deu pela procedência parcial da ação para declarar a inconstitucionalidade da expressão ‘e controle’, contida no § 4º do artigo 7º, vencidos os Senhores Ministros Relator, Ricardo Lewandowski, Carlos Britto e Sepúlveda Pertence, sendo que este último também declarava a inconstitucionalidade da expressão ‘e presídios’, no que foi acompanhado pelo Senhor Ministro Celso de Mello; j) por maioria, julgou parcialmente procedente a ação, quanto ao inciso II do artigo 28, para excluir apenas os juízes eleitorais e seus suplentes, vencido o Senhor Ministro Marco Aurélio; k) e, por votação majoritária, quanto ao artigo 50, julgou parcialmente procedente a ação para, sem redução de texto, dar interpretação conforme ao dispositivo, de modo a fazer compreender a palavra ‘requisitar’ como dependente de motivação, compatibilização com as finalidades da lei e atendimento de custos desta requisição. Ficam ressalvados, desde já, os documentos cobertos por sigilo. Vencidos os Senhores Ministros Relator, Eros Grau, Carlos Britto e Sepúlveda Pertence. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie. Redigirá o acórdão o Senhor Ministro Ricardo Lewandowski. Falaram, pelo Ministério Público Federal, o Dr. Antônio Fernando Barros e Silva de Souza, Procurador-Geral da República, requerente, Associação dos Magistrados Brasileiros-AMB, o Dr. Sérgio Bermudes e, pelo interessado, Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, o Dr. José Guilherme Vilela. - Plenário, 17.05.2006".

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[3] Decisão final da ADIn 3168: "O Tribunal, por maioria, nos termos do voto do Relator, afastou a inconstitucionalidade do dispositivo impugnado, desde que excluídos os feitos criminais, respeitado o teto estabelecido no artigo 3º, e sem prejuízo da aplicação subsidiária integral dos parágrafos do artigo 9º da Lei nº 9099, de 26 de setembro de 1995, vencidos, parcialmente, os Senhores Ministros Carlos Britto, Celso de Mello e Sepúlveda Pertence, que especificavam ainda que o representante não poderia exercer atos postulatórios. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Senhor Ministro Marco Aurélio. Falou pelo requerente o Dr. Marcello Mello Martins. - Plenário, 08.06.2006".

[4] "LEI 9.099, DE 26 DE SETEMBRO DE 1995".
          "Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências...".
          "Art. 9º Nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes comparecerão pessoalmente, podendo ser assistidas por advogado; nas de valor superior, a assistência é obrigatória".
          "§ 1º Sendo facultativa a assistência, se uma das partes comparecer assistida por advogado, ou se o réu for pessoa jurídica ou firma individual, terá a outra parte, se quiser, assistência judiciária prestada por órgão instituído junto ao Juizado Especial, na forma da lei local".
          "§ 2º O Juiz alertará as partes da conveniência do patrocínio por advogado, quando a causa o recomendar".
          "§ 3º O mandato ao advogado poderá ser verbal, salvo quanto aos poderes especiais".
          "§ 4º O réu, sendo pessoa jurídica ou titular de firma individual, poderá ser representado por preposto credenciado".

[5]"CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL...".
          "Art.92 - São órgãos do Poder Judiciário:
          I - o Supremo Tribunal Federal;
          I-A - o Conselho Nacional de Justiça;
          II - o Superior Tribunal de Justiça;
          III - os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais;
          IV - os Tribunais e Juízes do Trabalho;
          V - os Tribunais e Juízes Eleitorais;
          VI - os Tribunais e Juízes Militares;
          VII - os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios
".


REFERÊNCIAS

ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 9ª edição. São Paulo: Saraiva. 2005.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15ª edição. São Paulo: Atlas. 2004.

STF. Petição nº 1.127-9/SP. 1ª Turma. Rel. Min. Ilmar Galvão. DJ I de 01/04/1996, p. 9.817.

__________, ADIn nº 1105, http://gemini.stf.gov.br/cgi-bin/nph-brs? d=ADIN&s 1...ESOFF&Sect3=PLURON&Sect6=ADINN&p=1&r=4&f=G&n=&l=20. Acesso em 20/7/2006, as 09:08:14 horas.

__________, ADIn nº 1127, http://gemini.stf.gov.br/cgi-bin/nph-brs? d=ADIN&s1...ESOFF&Sect3=PLURON&Sect6=ADINN&p=1&r=5&f=G&n=&l=20. Acesso em 20/7/2006, as 09:10:54 horas.

__________, ADIn nº 3168, http://gemini.stf.gov.br/cgi-bin/nph-brs? d=ADIN&s1...ESOFF&Sect3=PLURON&Sect6=ADINN&p=1&r=1&f=G&n=&l=20. Acesso em 20/7/2006, as 09:13:45 horas.

__________, 17/03/2004. Notícias. http://www.stf.gov.br/noticias/imprensa/ultimas/ler.asp? CODIGO=84839&tip=UN...m=3168. Acesso em 12/6/2006, as 11:01:02 horas.

__________, 17/05/2006. Notícias. http://www.stf.gov.br/noticias/imprensa/ultimas/ler.asp? CODIGO =193526&tip=UN&param=estatuto oab. Acesso em 19/7/2006, as 09:41:09 horas.

__________, 08/06/2006. Notícias. http://www.stf.gov.br/noticias/imprensa/ultimas/ler.asp? CODIGO=197186&tip=UM. Acesso em 12/6/2006, as 10:55:35 horas.

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Sobre o autor
Paulo Mauricio Sales Cardoso

advogado em Belém (PA), mestre em Instituições Jurídico-Políticas pela Universidade Federal do Pará (UFPA), professor adjunto da UNAMA

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Paulo Mauricio Sales. O Estatuto da Advocacia e sua interpretação pelo Supremo Tribunal Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1206, 20 out. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9062. Acesso em: 18 abr. 2024.

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