Os limites da liberdade de expressão e a censura.

Análise dos limites da liberdade de expressão e da aplicação da censura ao livre pensamento.

17/05/2021 às 13:35
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Este Artigo analisa os limites da liberdade de expressão e da aplicação da censura ao livre pensamento.

            Os limites da liberdade de expressão e a censura.
                                               FABIANO PEREIRA.
                                Graduando em Direito – Uniceub.

RESUMO

   Este Artigo analisa os limites da liberdade de expressão e da aplicação da censura ao livre pensamento.
   Palavras-chave: Liberdade de expressão, censura, direitos fundamentais, política do cancelamento, rede social, twitter, política do cancelamento, relação de consumo.

SUMMARY

   This Article analyzes the limits of freedom of expression and the application of censorship of free thought.
    Keywords: Freedom of expression, censorship, fundamental rights, cancellation policy, social network, twitter, cancellation policy, consumption ratio.

INTRODUÇÃO

     O presente Artigo defende duas premissas: a) todo ato de cerceamento de expressão perpetrado por qualquer um que não seja crime, é censura e b) o Estado enquanto detentor privado do jus puniendi que não puna atos de censura, é co-autor e responsável solidário pela censura.
    O princípio da liberdade de expressão é geralmente associado ao poder autoritário do Estado em tolher o pensamento de seus cidadãos, mas e quando isso ocorre dentro de uma empresa privada que julga e condena alguém a não se manifestar simplesmente, porque não concorda com sua opinião? Teria ela a liberdade de censurar baseado num regramento privado? A empresa tem personalidade jurídica. Logo, ela também teria a liberdade de autodeterminar-se, mas essa liberdade não tem limites? Quem regula essa liberdade é a lei, mas e quando essa liberdade conferida aos indivíduos fere um princípio de outros indivíduos. 
   No direito constitucional tal conflito se soluciona usando o princípio da proporcionalidade e razoabilidade.
    Há limites para a liberdade de expressão, o Estado tem o dever de regular essa prática e o faz mediante leis. Uma tentativa disso foi o Marco Regulatório da Internet, sancionado em 2014.
    Numa empresa, os limites de atuação são determinados pelas regras aceitas pelo usuário do serviço ou produto. Se as regras não são cumpridas, segundo um “julgamento” altamente subjetivo e sem direito ao contraditório, a censura se instala sumariamente, sem direito à recurso ou transparência como há num devido processo legal. 
   O recorte utilizado nesse Artigo é especificamente o uso das redes sociais como veículo de informação e liberdade de expressão. Contudo, esse entendimento pode-se desdobrar para qualquer empresa que julgue e condene o indivíduo sem a participação do Estado como mediador.

Desenvolvimento

    De certa forma, a punição ou banimento de um indivíduo de uma rede social com a vinculação de sua identidade pessoal lembra a morte civil da pessoa. Muito aplicada na idade média e moderna, a morte civil se dava pela“ perda da personalidade em vida”. Aqui leia-se perda da personalidade da rede social. A ideia básica de morte civil seria: a pessoa estar viva, mas ser tratada como se estivesse morta. A voz daquela pessoa é calada pelo banimento. Geralmente, essa pena era aplicada às pessoas condenadas criminalmente, em situações especiais.¹ Essa analogia se aceita, escancara um anacronismo perpetrado ainda hoje pelo bloqueio e banimento dos indivíduos em redes sociais. Nas duas modalidades há censura. Isso porque a relação estabelecida usuário/rede social é consumerista. Onde o usuário vende seus dados para a plataforma em troca de exercer a liberdade de expressão. Faz mister lembrar que o usuário é vulnerável por presunção constitucional absoluta, conforme o artigo 5º, LV da Constituição Federal. Essa vulnerabilidade, segundo a doutrina, classifica-se em técnica, econômica e jurídica. Na relação usuário/consumidor para mídia social/empresa, a vulnerabilidade técnica se dá quando o usuário não tem idéia de toda a tecnologia envolvida que as empresas de mídia tem acesso e que guardam em seus bancos de dados acerca do usuário. Toda essa informação é ignorada sem qualquer acesso por parte dos internautas. Muitas vezes até a causa da censura ou banimento é obscura, resumindo-se a apenas uma mensagem genérica de infração das regras da rede social, sem qualquer especificação de qual norma específica foi ferida, obstacularizando um recurso efetivo por parte do usuário. A vulnerabilidade econômica da relação se dá quando os algoritmos usados nas redes sociais agregam as informações dos usuários para serem usadas pelos patrocinadores que financiam e rendem bilhões às redes sociais. Esse recurso é usado, entre outras coisas, para que a empresa tenha milhares de funcionários que trabalham para monitorar e censurar milhares de usuários por dia. Além desse poder desiquilibrado por parte das mídias, o usuário tem de arcar com a contratação de advogado para ingressar com uma ação no poder Judiciário para recorrer contra possíveis cerceamentos de discursos por parte da empresa que muitas vezes cessam os lucros daqueles que vivem da rede. A vulnerabilidade jurídica talvez seja a mais aviltante, nessa relação. Primeiro, pelo usuário não ter qualquer recurso administrativo efetivo para contrapor o banimento ou censura por parte da rede social. Depois por ter de recorrer ao judiciário para ter garantido seu direito constitucional de liberdade de expressão, o que na prática, torna a censura irrecorrível e de fato, efetiva.  
   Importantíssimo entender a estrutura da censura e quando ela de fato ocorre. Muito atribuída ao Estado como pólo ativo e o indivíduo no polo passivo, o cerne da censura se concretiza na relação de poder do Estado como ente e o indivíduo, parte vulnerável da relação.
   O banimento pode manchar a índole e moral do indivíduo censurado. Um caso emblemático foi o banimento do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump da Twitter, uma gigante do ramo das redes sociais. 
  O Twitter anunciou a decisão de suspender definitivamente a pessoa de Donald Trump, após analisar as postagens do presidente dos Estados Unidos que alegadamente teriam servido de incentivo a seus apoiadores e que culminaram na invasão do Congresso americano em janeiro de 20212.  Enquanto usuário o ex-presidente Trump era seguido por milhões de pessoas do mundo todo. Grandes contas como a do ex-presidente aumenta o custo da publicidade e aumenta o lucro da empresa.³ A relação é de um contrato. Contudo, há mais poder em um dos lados desse acordo, o da rede social que lucra muito e censura um indivíduo sem um devido julgamento imparcial.
    Tal censura nos remete a várias irregularidades. A primeira é a de banimento perpétuo. No brasil é ilegal qualquer pena perpétua. 
   Curioso, para não dizer incoerente que o banimento vitalício do ex-presidente ocorreu sem  qualquer julgamento e sem qualquer defesa. Total descalabro da nação que arrota ser a mais forte democracia do mundo. Bem verdade que as leis daquele país pregam pela não ingerência dos assuntos inter partes, com a mínima interferência dos Estado nos negócios jurídicos. Mas até essa liberdade naturalista tem limites (juris tantum).
    Atualmente se defende que as regras da empresa privada podem ser superiores às leis do Estado. No caso, o contrato firmado com a empresa confere a essa o jus puniendi para censurar quem ela julgar ser politicamente contrária a seus “termos de serviço”.
     Sem ampla defesa do usuário, qualquer sanção configura juízo prévio com prévia pena de censura. Agora, “inês é morta”. Atualmente, após a mácula da imagem do indivíduo pelo cancelamento, sua honra e a dignidade dificilmente serão reparadas mesmo com uma “gorda” indenização. 
    A censura perpetrada pelo Estado traz a fama ao censurado de um militante dos direitos humanos com foco no direito fundamental de expressão, quase um herói. O mesmo não ocorre quando a censura é impetrada por uma empresa privada de repercussão social mundial como ocorreu com o caso do ex-presidente americano. A pecha ou mancha que o censurado carrega como pessoa non grata, pode muitas vezes lembrar a morte civil ou o etiquetamento de Jeremy Bentham4. Resultado similar ao do famigerado “cancelamento”, onde um grupo determinado perseque alguém, boicotando seu trabalho com estratégias de desmonetização, difamação e etc.
    No caso do etiquetamento, a teoria explica o processo de rotulação dos indivíduos com etiquetas sociais, que quando negativas, induz comportamento, cria expectativas e reproduz preconceito, repulsa e ódio. Acreditando-se na premissa de que cada “pessoa percebe a si mesma através do outro”, pode-se inferir o dano moral que a rede social pode causar na imagem do usuário.
    A empresa privada não tem a prerrogativa de punir alguém com censura baseada em regras pretensamente infringidas, sem qualquer análise prévia do Estado, nem sem um julgamento de recurso justo e imparcial. A rede social criou algo como um tribunal de exceção. Ela acusa, ela julga e ela mesmo pune cerceando o direito fundamental da liberdade de expressão das pessoas.
    A possibilidade de restringir esse direito se daria somente se o Estado, detentor do poder de punir (jus puniendi)5, exarasse sentença condenatória em um crime. Nota-se que é um juízo de valor arbitrário da rede social fere a imagem pública de um indivíduo, levando inclusive, à oportunidade do ingresso de indenização por danos morais quando a censura causa dano ou abalo psicológico. Apesar disso, o entendimento atual é de que as leis da empresa são superiores à lei do Estado, no sentido de que essa pode ao seu próprio arbítrio julgar, condenar e cancelar as vozes dos indivíduos. Aqui se evidencia o tribunal de exceção.

    Vejamos o que diz a constituição acerca da censura:

" Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

"IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e comunicação, independentemente de censura ou licença;"      

“Título VIII   
Da Ordem Social
Capítulo V
Da Comunicação Social

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
§ 3º Compete à lei federal:
I -  regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao poder público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada;
II -  estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.
§ 4º A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.
§ 5º Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.
§ 6º A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade.”(grifo nosso)

    Importante notar no trecho destacado acima que o caput do artigo já demonstra a impossibilidade de censura sob “qualquer forma” ou “veículo”, mas não se nota a referência Estado-indivíduo como única modalidade de censura. Logo, infere-se que o punível é a ação de restringir o livre pensamento seja em qualquer meio que ela se manifeste. Logo, não há restrição do Estado como único agente, mas o cidadão sempre sendo o paciente. 
   No § 1º nota-se que quando uma pessoa é banida de uma rede social ela estaria sendo restringida do seu direito de se informar pelos portais de informação que a mesma escolhe seguir em seu perfil. É cediço por ser muito usual nos dias atuais, que uma pessoa se informe mais pela rede social do que pela televisão ou rádio. Além de notícias, há o acesso às páginas de órgãos públicos dentro das redes sociais que divulgam ações do governo, programas sociais e comunicativos pedagógicos. Esses acessos estão comprometidos, mitigados com o banimento do usuário.
     O § 2º é ainda mais incisivo ao demonstrar que motivações políticas não podem ser tolhidas, porque a rede social ou um veículo de comunicação tem outro viés político, tornando a plataforma autocrática, contrária aos princípios democráticos e atacando frontalmente o direito de livre pensamento usando sua posição de superioridade em relação ao usuário da rede.
    A principal crítica se desdobra aqui.

Da Jurisdição

    Há a possibilidade de jurisdição para recorrer a um banimento ou suspensão feitas de forma unilateral pelas redes sociais, sem direito à defesa, contraditório e sem mencionar expressamente o termo violado:

“É cada vez mais comum o uso de redes sociais para fins comerciais: a divulgação online tornou-se praticamente obrigatória em variados ramos - de restaurantes a profissionais liberais. Ademais, há pessoas que vivem exclusivamente da exposição de sua imagem, compartilhando dicas de saúde, bem estar, alimentação saudável, finanças pessoais e assim por diante, recebendo, em contrapartida, pagamento de empresas que pretendem a divulgação de seus produtos e serviços. De toda sorte, é inegável que a presença em redes sociais passou a ser tangibilizada como um ativo com grande potencial de receitas.
Não obstante, tornou-se política comum das redes sociais, como Facebook e Instagram, a exclusão ou suspensão arbitrária das contas dos usuários em razão da suposta violação de algum dos termos de serviço, sem, ao menos, notificar previamente qual teria sido a violação, oportunizando o próprio usuário de "defender-se" ou de corrigir o problema. Essa verificação de conteúdo é automática e operacionalizada por algoritmos que, por vezes, incorrem em erros de julgamento.
Ocorre que essa suspensão abrupta gera consequências econômicas a quem utiliza as redes sociais como meio de trabalho ou como ferramenta de divulgação. A suspensão ainda que temporária do perfil resulta em perda de dinheiro, seguidores, possibilidades de parcerias, além de prejudicar a imagem daquele usuário, por supostamente implicar que publicou algo muito grave para ter sido desvinculado da plataforma. Esse bloqueio dos serviços traduz-se, a depender do caso, em danos patrimoniais (especialmente lucros cessantes) e morais para seus usuários.
Os danos materiais, por evidente, devem ser devidamente demonstrados: uma blogueira fitness pode muito bem comprovar seus lucros cessantes (o que deixou de ganhar), por exemplo, através da proposta de uma marca de roupas de banho que deixou de ser divulgada. Outra possibilidade seria a seguinte: evidenciar a média de ganhos em determinado período, tomando-se por base o histórico preliminar.”6

    Pela análise acima, percebe-se que os danos aos indivíduos transcendem a esfera moral, atingindo muitas vezes, o usuário com dano material. Quem trabalha com a ferramenta da rede social pode ingressar com ação de lucro cessante por um erro de julgamento de uma rede social. Contudo, na prática, alguém que foi impedido de trabalhar na rede, pode não ter recursos graças ao bloqueio da divulgação de seu trabalho para contratar um advogado e ingressar com uma ação. Uma alternativa seria ingressar a ação no juizado especial civil que tem competência relativa (competência absoluta na esfera federal) a depender do valor da causa. Contudo, no caso de competência relativa, isso acarreta um ônus: o de limite de recursos que podem ser usados no processo. Logo, o rito ordinário seria o mais indicado, porém mais oneroso.
    O marco civil da internet tentou regular a atividade das redes sociais dando a essas ainda mais poder, sobrecarregando com o ônus o usuário que deve ingressar no judiciário para excluir conteúdos mediante ordens judiciais:

“Igualmente, essa atitude implica em violação ao disposto no art. 19 do Marco Civil da Internet, o qual preceitua que uma plataforma somente pode tornar indisponível um conteúdo de terceiro após ordem judicial específica, a fim de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura. O bloqueio, assim, pode igualmente se configurar em violação a direitos personalíssimos, traduzindo a necessidade de compensação por danos morais.
Embora seja comum entre os usuários que obtêm seu ganho de vida a partir das redes o pagamento de valores em dinheiro para que seus perfis alcancem um número maior de seguidores, ainda que o serviço se caracterize, em regra, pela gratuidade, não há qualquer exoneração de responsabilidade da rede social em caso de suspensão arbitrária de perfis, em razão da hipótese se enquadrar na norma geral de responsabilidade civil do art. 186 do Código Civil.”7

      Uma digressão deve ser pontuada no trecho acima quando comenta que o serviço é gratuito para o usuário da rede social. A despeito de sua gratuidade, a plataforma rende milhões de dólares em publicidade. São gigantes do mercado da mídia que usam os usuários e seus dados para lucrar e muito. Destarte, sua responsabilidade é triplicada. Primeiro por vender dados dos usuários à empresas, depois por punir arbitrariamente seus usuários e por último por causar danos por conduta exclusivamente sua.
    Obviamente, as redes sociais então se beneficiando acintosamente da torpeza da lei. Senão, vejamos o que diz o art. 19 da  LEI Nº 12.965, DE 23 DE ABRIL DE 2014:

“Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.”8 (...)

    Contudo, há pouca jurisprudência sobre o assunto: 

“RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. BLOQUEIO DE REDE SOCIAL. INSTAGRAM. INEXISTÊNCIA DE PROVAS QUE JUSTIFIQUEM O BLOQUEIO. AUSÊNCIA DE PROVAS QUE DEMONSTRAM A NECESSIDADE DE AVERIGUAÇÃO DA CONTA. PARTE RÉ QUE NÃO SE DESINCUMBIU DO SEU ÔNUS PROBATÓRIO, NOS TERMOS DO ART. 373, II, DO NCPC. BLOQUEIO DA CONTA INDEVIDO. PARTE AUTORA QUE UTILIZAVA A CONTA NO INSTAGRAM PARA ATIVIDADES LABORAIS. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. QUANTUM FIXADO EM R$ 3.000,00, POIS DE ACORDO COM OS CRITÉRIOS DE RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. SENTENÇA REFORMADA PARA JULGAR PROCEDENTE A AÇÃO. RECURSO PROVIDO. (Recurso Cível Nº 71008507220, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Roberto Carvalho Fraga, Julgado em 30/04/2019).
(TJ-RS - Recurso Cível: 71008507220 RS, Relator: Roberto Carvalho Fraga, Data de Julgamento: 30/04/2019, Primeira Turma Recursal Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 06/05/2019)”

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    Importante notar a data da publicação acima. As decisões são recentes, pois se baseiam em lei de 2014. Não temos sequer 10 anos de jurisprudência e a despeito de tais condenações das redes sociais, o lucro auferido por essas empresas torna irrisórias as indenizações prestadas, além de não ter cunho pedagógico algum, pois a prática de bloqueio e banimento continua sem qualquer evolução no sentido de respeito aos direitos civis dos usuários.

    A censura realizada é tão clara e realizada de forma arbitrária e escancarada que a até os próprios censores a reconhecem. No dia 21 de setembro de 2021, a empresa "Google, responsável pelo YouTube, e o Twitter afirmaram em respostas encaminhadas ao Supremo Tribunal Federal que as ordens do ministro Alexandre de Moraes para a retirada de perfis de bolsonaristas do ar são desproporcionais e podem configurar censura prévia."9

      No texto da matéria as plataformas censoras explicam que:

“(...) ainda que o objetivo seja impedir eventuais incitações criminosas que poderiam vir a ocorrer, seria necessário apontar a ilicitude que justificaria a remoção de conteúdos ja existentes”, defende a plataforma. O segundo ponto, diz o Google, é que ao tranferir para a PGR e para a Polícia Federal a prerrogativa para que determinem o que deveria ser removido, Moraes deixa de “atender o dispositivo que exige a prévia apreciação do Poder Judiciário quanto à illicitude do conteúdo”.10
 

      As plataformas ensinam à Suprema Corte do Brasil que a lei, a saber o Marco Civil da Internet, determina quais os requisitos que devem seguidos para censurar indivíduos. A referida lei pretende balisar como se deve dar a censura, mas quem a executa a censura é plataforma conforme sua própria "lei", ou seja, seu regramento privado, que está acima da lei brasileira no que toca ao direito de liberdade de expressão. 

       Percebe-se que a censura é um caminho sem retorno e com múltiplos atores. Na esfera privada, se manifesta pelas plataformas, no Estado através de agentes públicos com poderes para calar quem se tenha desapreço. 

Dos limites da liberdade de expressão

    O filósofo e professor austro-britânico Karl Popper definiu como “paradoxo da tolerância” em 1945 que a tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância, ou seja, tolerando-se tudo, inclusive ódio, o conceito de tolerância se esvaziaria. A teoria define que a tolerância deve ter limites. Senão, vejamos o que dizia o filósofo em seu “The Open Society and Its Enemies”11:

"A tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos a tolerância ilimitada mesmo aos intolerantes, e se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante do assalto da intolerância, então, os tolerantes serão destruídos e a tolerância com eles. —Nessa formulação, não insinuo, por exemplo, que devamos sempre suprimir a expressão de filosofias intolerantes; desde que possamos combatê-las com argumentos racionais e mantê-las em xeque frente à opinião pública, suprimi-las seria, certamente, imprudente.” (grifo nosso)

    O próprio professor percebe o perigo de censurar as opiniões dos indivíduos baseado num pretenso policiamento político-moral.
     A despeito de sua temerária teoria, há limite para o tolerável e ele se chama: LEI. 
    “Tudo aquilo que a lei não condena é permitido ao indivíduo”. Esse corolário remete ao princípio da legalidade, que é uma das bases de um Estado de Direito. Segundo tal princípio, as pessoas podem fazer tudo aquilo que a lei não as impede e o Estado pode fazer apenas aquilo que a lei o permite. Se um discurso específico precisa ser visto como errado ou que por motivos didáticos deve ser desestimulado, que se torne ilegal mediante Lei aprovada nos parlamentos dos respectivos países e assim, tal ilegalidade pode servir como fundamento de sanção administrativa num meio de comunicação, ressalvado demais impeditivos como pena perpétua, por exemplo.
    O maior benefício é o amparo de outros princípios constitucionais. A saber: a ampla defesa e a presunção de inocência.
    O pensamento acima nos leva a uma conclusão lógica: “tudo que não for crime é permitido.”
   Esse axioma elimina todos os problemas de uma só vez. A do estabelecimento do limite ao livre pensamento pela lei e sua punição quando extrapolado pelo jus puniendi do Estado (único e exclusivo detentor de tal prerrogativa).
    Por fim, refuta-se a teoria de tolerância descabida de Karl Popper com a máxima de Voltaire sintetizada por sua biógrafa Evelyn Beatrice Hall na qual setencia com irretocável clareza acerca da tolerância: “Discordo do que você diz, mas defenderei até a morte seu direito de dizê-lo.” 12

    













 

Referências Bibliográficas
 

  1. CUNHA, Douglas. Fim da Personalidade da Pessoa Natural. JusBrasil, [s. l.], 16 abr. 2015.;

  2. HTTPS://WWW.REVISTALOFFICIEL.COM.BR/ (Brasil). Por que Donald Trump foi banido totalmente do twitter?: A rede social anunciou a suspensão permanente do presidente dos Estados Unidos. Descubra os motivos!. L‘officiel , [S. l.], p. s/n, 9 jan. 2021. Disponível em: https://www.revistalofficiel.com.br/hommes/por-que-donald-trump-foi-banido-totalmente-do-twitter. Acesso em: 11 maio 2021.

  3. YAHOO FINANÇAS (Brasil). Twitter lucra US$ 68 milhões com aumento de receita com publicidade. Yahoo Finanças, [S. l.], p. s/n, 11 maio 2021. Disponível em: https://br.financas.yahoo.com/noticias/twitter-lucra-us-68-milh%C3%B5es-214000464.html?guccounter=1&guce_referrer=aHR0cHM6Ly93d3cuZ29vZ2xlLmNvbS8&guce_referrer_sig=AQAAACqOfrCiI7hXxxT5YVe8ZJT3NWzNsF9atZDAuUEAOxePaY5j8dyIqE4SAOlDPDCHdK9mY5TuOHKNUec96t5VIreYoKWKTaVv9HFMGwInZLGzuuD8aP3Xi3o39_4oGIIief1GDLLkUZOxaJqtZSjzTG-V0aN7HCHYqSeWkwobnmWB#:~:text=Twitter%20lucra%20US%24%2068%20milh%C3%B5es%20com%20aumento%20de%20receita%20com%20publicidade,-Ler%20o%20artigo&text=S%C3%83O%20PAULO%2C%20SP%20(FOLHAPRESS),no%20mesmo%20per%C3%ADodo%20de%202021. Acesso em: 11 maio 2021.

  4. ZACKSESKI, Cristina; PIZA DUARTE, Evandro. Criminologia & Cinema_: Perspectivas sobre o Controle Social. [S. l.: s. n.], 2012. Disponível em: https://repositorio.uniceub.br/jspui/bitstream/235/7442/1/Criminologia%20%26%20Cinema_Cinema%20Perspectivas%20sobre%20o%20Controle%20Social.pdf. Acesso em: 11 maio 2021.

  5. KENJI ISHIDA, Válter. PROCESSO PENAL: 5a Edição Revista e atualizada. [S. l.: s. n.], 2016. Disponível em: https://www.editorajuspodivm.com.br/cdn/arquivos/9f39e7955e77a12e0d8a101ab71153df.pdf. Acesso em: 11 maio 2021.

  6. ALBERGE REIS, Guilherme. Redes sociais devem indenizar por bloqueio indevido de usuários: As suspensões concretizadas de forma unilateral pela plataforma, sem direito à defesa, contraditório e sem mencionar expressamente o porquê da violação, geram ao usuário o direito de recebimento de indenização por danos morais e, mediante demonstração, materiais.. Migalhas, [S. l.], p. s/n, 19 fev. 2020. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/320640/redes-sociais-devem-indenizar-por-bloqueio-indevido-de-usuarios. Acesso em: 11 maio 2021.

  7.  Ibidem;

  8. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA CASA CIVIL SUBCHEFIA PARA ASSUNTOS JURÍDICOS. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. [S. l.], 23 abr. 2014. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm. Acesso em: 11 maio 2021;

  9. FOLHA DE S. PAULO (Brasil). Twitter e Google dizem que ordens de Moraes contra bolsonaristas são desproporcionais e podem ser censura prévia: Plataformas se manifestaram no inquérito aberto a pedido da PGR para investigar bolsonaristas envolvidos no atos do 7 de setembro. Folha de S. Paulo, Brasil, p. s/n, 21 set. 2021. Disponível em: https://outline.com/aYDyFM. Acesso em: 22 set. 2021;

  10. Ibidem;

  11. Popper, Karl, The Open Society and Its Enemies, volume 1, The Spell of Plato, 1945 (Routledge, United Kingdom); ISBN 0-415-29063-5 978-0-691-15813-6 (1 volume 2013 Princeton ed.;

  12. RODRIGUES, Sérgio. Discordo do que você diz, mas…: “Discordo do que você diz, mas defenderei até a morte seu direito de dizê-lo”, disse o pensador francês Voltaire, cunhando a máxima mais citada pelos defensores da liberdade de expressão. Ou não? Pois é, tudo indica que não foi bem assim. Se formos aplicar o princípio acima, qualquer pessoa deve ser defendida até a morte […]. Veja, Brasil, p. s/n, 11 maio 2021. Disponível em: https://veja.abril.com.br/blog/sobre-palavras/discordo-do-que-voce-diz-mas-8230/. Acesso em: 11 maio 2021.



 

Sobre o autor
Fabiano Pereira

Escritor, Professor, Artista Plástico, Gestor de Políticas Públicas e estudante do Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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