3. ABUSO DE AUTORIDADE EM ABORDAGEM POLICIAL NAS PRISÕES INDEVIDAS
Conforme expresso no tópico anterior, a legislação brasileira tem adotado medidas legislativa no combate ao abuso de autoridade por parte da polícia, principalmente nas abordagens. Dentre todo o sistema de Segurança Pública, a Polícia Militar (PM) ganha destaque nesse tema, porque é por meio dela que se encontra a função preventiva.
Ocorre que na prática, ainda que a lei esteja ampliando o leque de possibilidades sobre o abuso de autoridade policial e suas penalidades, a sociedade ainda assiste a casos onde há um flagrante de violência destemida e desnecessária de policiais à civis.
Isso faz com que ainda se discuta a respeito do despreparo ou usurpação de função da Polícia Militar (PM), perante as suas abordagens. Apenas no Estado de São Paulo, de acordo com a Ouvidoria da corporação da Polícia Militar, no primeiro semestre de 2020, houve 208 queixas de abuso de autoridade de policiais militares (LOPES, 2020).
A grande maioria das queixas apresentadas remete à ação truculenta de policiais militares aliada a prisão indevida. Este último tem-se mostrado um fator importante nesse cenário. Uma vez que já é possível afirmar que a abordagem policial no Brasil em sua maioria é de forte apelo violento e intimidador, após esse ato, há ainda a prisão indevida de cidadãos. Ou seja, não basta maltratar, tem que prender indevidamente (LOPES, 2020).
Cabe salientar que no sistema processual penal, a prisão para ser efetivada depende de uma série de procedimentos. A título explicativo, após a prisão feita por uma abordagem policial, o cidadão deve ser levado ao delegado da área (que decide manter ou não a prisão), depois é, ainda, submetida a audiência de custódia perante o Judiciário. Esses dois últimos pontos têm por objetivo evitar erros e não manter presa a pessoa ilegalmente (COGAN; SILVA, 2019).
No entanto, até o cumprimento desses procedimentos, o cidadão fica encarcerado em prisões preventivas. Muitas delas, porém, são feitas de forma indevida, o que atinge diretamente os princípios da liberdade e principalmente da Dignidade da Pessoa Humana.
A abordagem policial além de truculenta e agressiva também resulta em prisões indevidas. A jurisprudência brasileira, inclusive, há anos vem penalizando essas ações ilegais por parte da polícia. Para exemplificar essa afirmativa, cita-se o seguinte julgado:
DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. PRISÃO ILEGAL. DANOS MORAIS. 1. O Estado está obrigado a indenizar o particular quando, por atuação dos seus agentes, pratica contra o mesmo, prisão ilegal. 2. Em caso de prisão indevida, o fundamento indenizatório da responsabilidade do Estado deve ser enfocado sobre o prisma de que a entidade estatal assume o dever de respeitar, integralmente, os direitos subjetivos constitucionais assegurados ao cidadão, especialmente, o de ir e vir. 3. O Estado, ao prender indevidamente o indivíduo, atenta contra os direitos humanos e provoca dano moral ao paciente, com reflexos em suas atividades profissionais e sociais. 4. A indenização por danos morais é uma recompensa pelo sofrimento vivenciado pelo cidadão, ao ver, publicamente, a sua honra atingida e o seu direito de locomoção sacrificado. 5. A responsabilidade pública por prisão indevida, no direito brasileiro, está fundamentada na expressão contida no art. 5º, LXXV, da CF. 6. Recurso especial provido
(REsp. n.º 220.982/RS, 1ª T., rel. Min. José Delgado, j. 22/02/2000, DJ 03/04/2000, p. 116).
Nota-se conforme o julgado acima, que além de caracterização da prisão indevida ocorrida, emerge o direito indenizatório por parte do Estado em face do cidadão, uma vez que essa ação atenta claramente os preceitos pregados pelos Direitos Humanos.
A esse respeito, importante mencionar a fala de Moraes (2017, p. 152) que ao conceituar os Direitos Humanos explica que “são direitos relacionados aos valores liberdade e igualdade positivados no plano internacional”. Ou seja, quando existe uma violação à dignidade do indivíduo, surge de imediato uma violação aos Direitos Humanos. Nos casos de agressão destemida, violência verbal ou mesmo prisão indevida exercida por um policial numa abordagem, há de fato uma agressão aos Direitos Humanos.
Nesse sentido:
[...] há um liame que diferencia a abordagem legal, da abordagem ilegal, quando ocorre utilização indevida, por despreparo de alguns policiais, ou quando, dolosamente, marginais transvestidos de Estado se utilizam desse recurso legitimado pela sociedade para exercer condutas criminosas, depreciando a dignidade e os direitos individuais do homem e marginalizando um instrumento de disseminação da segurança, com o intuito de satisfazer seus sadismos, ou propagar a violência gratuita, através de agressões, abusos e humilhações físicas e morais, além de outras condutas inaceitáveis (CORREIA, 2016, p. 02).
Na visão de Maia Neto (2009, p. 02) “o abuso de poder e de autoridade de policiais são delitos graves que lesionam a humanidade, em geral vítimas diretas e indiretas, razão pela qual poderiam ser crimes imprescritíveis, contra a ordem constitucional e o Estado democrático”.
Portanto, ao conceder o dano moral nesses casos, as Cortes brasileiras têm entendido que, a prisão indevida praticada por autoridade policial viola os princípios e direitos fundamentais da Constituição, como dignidade da pessoa humana, honra, imagem e liberdade. O desrespeito à dignidade da pessoa humana nesses casos, não pode ficar impune, razão pela qual o cidadão ofendido faz jus ao ressarcimento integral dos danos morais sofridos pela indevida mácula à sua honra, imagem e liberdade, decorrente de sua prisão indevida.
Frente a essa questão, o presente estudo defende uma maior penalização por parte da lei aos agentes policiais que durante uma abordagem excedem nas suas prerrogativas, sob ‘desculpa’ de estar cumprindo o seu dever legal. Tal razão não pode dar ensejo a agressões, ao descaso e maltrato ao indivíduo, que ainda não enfrentou o devido processo legal.
Nesse sentido, é imperioso estabelecer que a Lei de Abuso de Autoridade, em que pese a sua importância e finalidade, deva ter um maior rigor na questão do aumento de penas para os agentes abusadores a fim de causar ‘medo’ para aqueles que usam o poder para outros fins diversos do seu cargo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como mostrado no início desse estudo, muito tem se observado que os policiais de modo geral vêm agindo de modo arbitrário e coercitivo em nome de garantir o interesse coletivo. Agressões desnecessárias, desrespeito à dignidade da pessoa humana, violência física e verbal exagerada, dentre outras atitudes, tem emitido o alerta de que a abordagem policial não vem sendo realizado de modo proporcional e correto.
Buscando resolver tal questão, no âmbito legislativo houve um avanço sobre a matéria de abuso de autoridade exercida por agentes de segurança pública. Nesse sentido, em 5 de setembro de 2019 foi promulgada a nova Lei nº 13.869 de alcunha Lei de Abuso de Autoridade, que substituiu a antiga Lei nº 4.898/65.
Esta lei trouxe importantes renovações no que diz respeito às práticas abusivas de servidores públicos e autoridades. Dentre as inovações apresentadas, têm-se as medidas administrativas (perda ou afastamento do cargo), cíveis (indenização) e penais (detenção, prestação de serviços ou penas restritivas de direitos). A penalização dessas ações delitivas chegam até 4 anos de reclusão.
Ocorre que apesar da sua importância e da sua necessidade de estar em vigor, caso houvesse uma maior penalização por parte desses agentes, poderia esta lei ter maior efetividade, uma vez que na prática ainda é possível encontrar inúmeros casos de abusos cometidos por policiais em suas abordagens.
Essa questão deve ser sempre discutida, principalmente quando se verifica um flagrante atentado aos preceitos defendidos pelos Direitos Humanos, em especial a proteção à dignidade e liberdade de cada cidadão.
Fica nítido considerar que a prisão indevida é uma das mais graves ações cometidas por esses agentes, e a que mais representa o desrespeito ao semelhante, haja vista que além de sofrer violência física e moral, o ofendido sofre a limitação da sua liberdade de forma errônea e desleal.
Para isso, entende-se que haja uma maior penalização a esses agentes, que por ora ainda continuam a praticar atos alheios ao seu ofício, sentindo-se deuses e acima da lei.
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Abstract: The approach taken by the police has been drawing the attention of society for some time, due to the increase in cases where there is a flagrant abuse of power and authority by the state agent. Violent and persuasive practices are often practiced by these agents to the detriment of citizens. Such an act became the subject of legal movements that sought to stop these practices. In this sense, Law nº 13.869/2019 called the Law of Abuse of Authority emerged in the Brazilian legal system, which seeks to penalize that public security agent who goes beyond the limits of his work. These criminal practices can be easily analyzed under the bias of police approaches, where the police end up committing excesses, abusing the power granted to them to serve their own interests. Therefore, the present study aims to analyze the applicability of the law of abuse of authority in a police approach. In the methodology, it is a literature review, based on scientific articles, legal doctrine, jurisprudence and current legislation. In the results, it was clear to observe that the practices of abuse of authority by the police are still very frequent, making it clear that the Law under study, although necessary, has not been producing the desired effect.
Key words : Abuse of authority. Approach. Police. Undue Arrests.