Os negócios jurídicos e sua incidência na execução

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3. NEGÓCIOS PROCESSUAIS NA EXECUÇÃO

Baseando-se na mesma sistemática do CPC/73, o CPC/15, por meio de seu art. 775, adotou a regra da disponibilidade da execução, independentemente da concordância da parte executada: “O exequente tem o direito de desistir de toda a execução ou de apenas alguma medida executiva.”.

Isso acontece porque, nas palavras de Pedro Henrique Nogueira[28], “a execução se desenvolve no interesse do credor, que, por sua vez, tem a liberdade de decidir e abrir mão da prática de atos executivos, expropriatórios ou não, que possam vir a ser praticados no procedimento executório.”.

Sob essa égide, a ação de execução nada mais é do que um direito conferido a alguém para exigir de outrem o cumprimento de uma prestação devida, podendo ser obrigação de fazer, não-fazer ou dar. Quando o devedor cumpre a obrigação voluntariamente, dizemos que se trata de execução espontânea, por outro lado, quando a prestação é obtida através de atos executivos pelo Estado, a execução chama-se forçada.[29]

Sobre o tema, o processualista Fredie Didier Jr., destaca duas técnicas processuais que viabilizam a execução sentencial: “a) processo autônomo de execução: a efetivação é objeto de um processo autônomo, instaurado com essa preponderante finalidade; b) fase de execução: a execução ocorre dentro de um processo já existente, como uma de suas fases.”[30].

O procedimento a ser adotado dependerá do título executivo, aplicando-se as regras do cumprimento da sentença, previsto nos artigos 513 a 538 do CPC/15, quando o título for judicial e, por sua vez, quando for título executivo extrajudicial, a execução será disciplinada pelas normas contidas no Livro II, da Parte Especial, do CPC/15, ditado a partir do artigo 771, desde que ambos contenham liquidez, certeza e exigibilidade, consoante dispõe o artigo 783 do CPC/15.

Nesse sentido, cumpre destacar que a doutrina processualista estendeu o debate referente à negociação jurídica processual atípica celebrada entre as partes sobre a fase de execução civil, como alude Fernando da Fonseca Gajardoni[31]:

Os principais exemplos de convenções processuais atípicas advêm de negócios celebrados para operar efeitos no processo de conhecimento. Fala-se na admissão de convenções para ampliar prazos de contestação e recursos; para vedar denunciação à lide; para renunciar antecipadamente ao recurso de apelação contra a sentença; para partilhar as eventuais verbas de sucumbência; entre tantos outros. Há, entretanto, um campo enorme para a celebração de convenções em tema de execução civil (cumprimento de sentença e execução de título extrajudicial).

Isso porque, a execução processual é uma fase de suma importância para o processo, visto que é o momento em que de fato a satisfação da pretensão autoral é atendida, asseverando o Professor Guilherme Peres de Oliveira que “são os meios executivos, na verdade (e não a sentença de procedência), que são capazes de, concretamente, outorgarem a tutela do direito material violado ou evitarem sua violação (aí, incluídos, evidentemente, tanto os meios de sub-rogação quanto os meios de coerção.”.[32]

Nesse sentido, sustentando a possibilidade de a execução ser negociada, Didier Jr. e Cabral[33] destacam algumas vantagens do negócios jurídicos executivos, como a adaptabilidade das medidas executivas às necessidades dos litigantes e a previsibilidade, dado que reduz a incerteza sobre o resultado e minimiza os possíveis riscos, exemplificando que “Do lado do exequente, antecipa-se o procedimento para dar cumprimento ao título executivo com menos riscos e mais certeza do resultado; do lado do executado, por exemplo, previne-se um ingresso inadvertido em seu patrimônio”.

E é justamente por isso que os negócios processuais são celebrados, com o fim de promover a celeridade e a eficiência da execução forçada, limitar a atividade executiva (restringindo a prática de atos de constrição, por exemplo), ou ainda para regular os atos executórios que hão de ser praticados, quando de fato surge maior previsibilidade aos envolvidos[34].

Sob essa perspectiva questiona-se quais seriam as possibilidades e como se daria o uso dos negócios jurídicos processuais, seja para promover a eficiência da execução, seja para limitar a prática de atos executivos.

3.1. Ação de execução fundada em título executivo extrajudicial por negócios jurídicos atípicos

Humberto Dalla Bernardina Pinho entende por título executivo extrajudicial “o documento considerado por lei como tradutor de um acertamento de direito inter partes ao qual é constituída eficácia executiva”.[35]

Nesse mesmo sentido, é a lição do processualista Humberto Theodoro Junior[36]:

O título executivo extrajudicial exerce função equivalente à da sentença condenatória, i.e., representa, por vontade da lei, uma forma de declaração de certeza ou de acertamento da relação jurídica estabelecida entre devedor e credor. É que, na sistemática do direito atual, não apenas o Judiciário, mas também as próprias partes podem dar efetiva aplicação à lei”.

Assim, entende-se que os títulos executivos extrajudiciais outorgam a alguém a pretensão de executar àquele que descumpriu com o que fora acordado, sem utilizar-se do judiciário, sendo que encontram-se elencados no artigo 784 do CPC/15[37], merecendo destaque a última hipótese de título executivo extrajudicial, haja vista que o legislador reconheceu outros títulos além dos que estão arrolados no artigo 784, desde que possuam força executiva através de leis que os prevejam.

A título exemplificativo cita-se a cédula de credito imobiliário prevista no art. 20 da Lei nº 10.931/2004, a cédula de credito bancário prevista no art. 28 da Lei nº 10.931/2004 e o contrato de honorários celebrado entre advogado e cliente disposto no art. 24 da Lei nº 8.906/94, todos caracterizadores de títulos executivos extrajudiciais.

A despeito de ser possível verificar vários exemplos de negócios processuais típicos, o objetivo deste artigo é indagar acerca de potenciais títulos executivos extrajudiciais realizados através de negócios processuais atípicos decorrentes do art. 190 do CPC/15, com enfoque na possibilidade de as partes atribuírem força executiva a um documento particular assinado por elas (credor e devedor) sem a participação de duas testemunhas.

Dito isto, cumpre esclarecer que o tema não é pacificado na doutrina, tendo duas vertentes. A primeira nega a possibilidade de criação de título executivo extrajudicial por negócio processual atípico, fundamentando-se na segurança jurídica da taxatividade, e a segunda manifesta favoravelmente utilizando como fundamento a autonomia das partes.

Rodolfo Kronemberg Hartmann[38] defende a primeira posição, sob o argumento de que o inciso XII do art. 784 do CPC/15 deve ser interpretado de forma literal, considerando que qualquer outro título executivo extrajudicial decorra de previsão legal e não contratual, acrescentando que referida criação seria um meio de burlar as exigências previstas em lei.

Em oposição, estão doutrinadores como Fabiano Carvalho, Alexandre Freitas Câmara, Antônio do Passo Cabral, Fredie Didier Jr., Leonardo Carneiro da Cunha, Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira que fomentam a liberdade e a autonomia de pactuação das partes.

Além disso, esta corrente leva em consideração uma intepretação hermenêutica do artigo 771 do CPC/15, no sentido de que seria possível admitir a criação destes títulos, porquanto o final do dispositivo estabelece que as normas sobre execução são aplicáveis aos atos ou fatos processuais a que atribuir força executiva, sendo certo que, o art. 190 do mesmo diploma legal, seria a norma autorizadora.[39]

Neste diapasão, o Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), em seus enunciados normativos n. 19, 262 e 490, admite alguns negócios jurídicos processuais atípicos sobre a fase de execução, como por exemplo, acordo para não promover execução provisória; pacto para dispensar caução no cumprimento provisório de sentença; acordo para alterar a ordem de penhora ou pré indicação de bem penhorável preferencial; pacto de inexecução parcial ou total de multa coercitiva[40].

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E ainda, com a finalidade de aperfeiçoar a execução e obter um processo executivo mais eficiente, seja com a eliminação de atos processuais ou com a alteração do rito, Pedro Henrique Nogueira elenca alguns exemplos de negócios processuais bilaterais, tais quais: acordos com renúncia ou restrições ao benefício da impenhorabilidade,  acordos de procedimento para gestão eficiente da execução, acordos processuais para conferir maior proteção ao executado (a fim de se promover maior proteção e segurança jurídica), acordos para ampliação das hipóteses de impenhorabilidade (além do rol de bens impenhoráveis do art. 832 e dos bens insusceptíveis de penhora, previstos no art. 833, ambos do CPC/15), os acordos para evitar determinadas constrições judiciais e os acordos para afastar a prisão civil e outras medidas coercitivas[41].

Fato é que, a partir da cláusula geral, pode-se concluir ser legítimo a utilização dos negócios jurídicos atípicos pré-processuais ou processuais pelas partes, principalmente no âmbito do processo executivo, isso porque, permite maior eficiência ao procedimento e/ou maior limitação à prática de atos processuais executivos.

3.2. O Projeto de Lei 2359/2020: Executividade de documento particular assinado digitalmente sem a presença de testemunhas

Tendo em vista a garantia ao direito fundamental à liberdade das partes em todas as fases processuais e a importância do tema, no dia 04 de maio de 2020, o Deputado Federal Hélio Leite da Silva apresentou o Projeto de Lei 2359/2020, que visa prever como título executivo extrajudicial o documento particular assinado, manual ou digitalmente, pelo devedor, independentemente de assinatura de testemunhas, no Novo Código de Processo Civil.

Com o intuito de justificar a apresentação do projeto de lei, o Deputado Hélio Leite da Silva assegura que[42]:

Diante do dinamismo das relações sociais e da necessidade de constantes adaptações, as quais estão intrinsicamente relacionadas à tecnologia, é plausível buscarmos cada vez mais a dispensa de entraves burocráticos que inviabilizem a celeridade nas relações interpessoais e comerciais, sem que para isso seja necessário abrir mão da confiabilidade dos instrumentos postos à nossa disposição.

Como é sabido, os títulos de crédito são responsáveis por movimentar milhares de relações comerciais diariamente, o que se dá em razão das obrigações contraídas. Por acreditar tratar-se de estímulo à economia em razão de aliar comodidade e segurança às partes, o presente Projeto de Lei tem como intuito prever como título executivo extrajudicial o documento particular assinado, manual ou digitalmente, pelo devedor, independentemente de assinatura de testemunhas.

Frisa-se que a Medida Provisória nº 2.200/2001, em seu art. 10, consigna presunção de veracidade aos documentos, públicos ou particulares, assinados de forma eletrônica com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil, desde que admitidos pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento.

De fato, a sociedade vem se adaptando às inovações tecnológicas, impulsionando o Direito a se empenhar em estar em harmonia com as demandas e o dinamismo social, atentando-se para as constantes transformações, especialmente quanto à inovação dos meios de títulos de credito.

A assinatura digital tem segurança jurídica assim como uma assinatura em papel autenticada em cartório, posto que a Medida Provisória 2.200/2001[43] instituiu a ICP-Brasil com o escopo de garantir, dentre outros, a validade jurídica dos documentos eletrônicos, sendo que a ausência da demonstração de autenticidade da assinatura digital, resulta na perda da confiabilidade do documento perante terceiros, não podendo ser utilizado como meio hábil à execução.

Vale destacar que o artigo 889 do Código Civil de 2002 prevê que os títulos de credito podem ser emitidos “a partir dos caracteres criados em computador ou meio técnico equivalente a que constem da escrituração do emitente”, desde que contenha a data da emissão e a correta indicação dos direitos que confere a assinatura do emitente, requisitos estes que podem constar no título eletrônico emitido por particulares.[44].

Oportunamente, conforme bem consignado pelo Deputado Hélio, no julgamento do REsp nº 1495920, o Relator Ministro Paulo Tarso manifestou favoravelmente quanto à possibilidade de se reconhecer o título executivo extrajudicial que careça da assinatura de duas testemunhas, sob o fundamento de que “Em face destes novos instrumentos de verificação de autenticidade e presencialidade do contratante, possível o reconhecimento da executividade dos contratos eletrônicos.”[45].

Sobre os autores
Catarina Isabelle de Carvalho Pereira

Acadêmica em Direito no Centro Universitário Una

Jéssica Aparecida de Souza Costa

Acadêmica em Direito no Centro Universitário Una

Daniel Secches Silva Leite

Graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, mestrado em Direito Empresarial pela Faculdade Milton Campos. Orientador e professor do curso de Direito da Faculdade UNA – Unidade Aimorés

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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