A aquisição da Cimpor pela InterCement.

Considerações sobre o mercado cimenteiro brasileiro

02/06/2021 às 12:24

Resumo:


  • A operação comercial entre a InterCement e a Cimpor envolveu uma aquisição estratégica que aumentou significativamente a presença da InterCement no mercado brasileiro de cimentos, elevando sua posição para a segunda maior cimenteira do país.

  • A Autoridade da Concorrência Portuguesa aprovou a operação sem oposição, considerando que não haveria alteração na estrutura dos mercados relevantes em Portugal, sem sobreposição horizontal ou efeitos verticais que afetassem a livre concorrência.

  • O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) do Brasil analisou a operação sob uma perspectiva mais ampla, considerando aspectos do mercado brasileiro e rejeitando uma permuta de ações entre a Votorantim e a Lafarge, a fim de evitar a divisão da Cimpor e manter a competitividade do mercado.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Análise da operação comercial de aquisição da empresa Cimentos de Portugal - Cimpor pela InterCement A complexa operação comercial para ser aprovada pelos órgãos concorrências do Brasil e de Portugal envolveu a troca de ativos entre empresas

1. INTRODUÇÃO

O presente possui como objetivo trazer breves considerações acerca da decisão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE nos atos de concentração envolvendo a operação comercial entre a empresa brasileira InterCement (Grupo Camargo Corrêa) e a empresa portuguesa Cimentos de Portugal - Cimpor.

A indústria cimenteira brasileira há muito vem sendo acusada de formação de cartel, envolvendo não somente as empresas Intercement e Cimpor, mas também a Votorantim Cimentos, a Itabira Agro Industrial (Grupo Nassau), Holcrim e Lafarge.

Ao longo dos últimos 5 (cinco) anos a Secretaria de Direito Econômico - SDE preparou um processo administrativo sobre o cartel cimenteiro brasileiro para julgamento do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE que já conta com mais de 12.000 (doze mil) páginas, sendo que somente o Relatório conta com 399 (trezentos e noventa e nove) páginas.

Em breve síntese, alega a Secretaria de Direito Econômico – SDE que as empresas responsáveis por cerca de 90 (noventa por cento) do mercado nacional de cimento, se organizam para fixar e controlar preços de cimento em diversas regiões do país.

Ato contínuo, a Secretaria de Direito Econômico – SDE juntou supostas provas de que além de manipular os preços, as empresas teriam se organizado para dividir igualmente os mercados e clientes por região.

Portanto, a formação de um cartel pelas empresas da indústria cimenteira há muito já preocupam as autoridades concorrências, razão pela qual a operação comercial objeto do presente estudo merece especial atenção. Não obstante, o objeto deste estudo não será o estudo deste suposto cartel, mas sim a operação comercial supracitada.

A InterCement investiu cerca de U$ 3.000.000.000 (três bilhões de euros) na aquisição da cimenteira portuguesa Cimpor, o que lhe garantiu 94,81% (noventa e quatro vírgula oitenta e um por cento) da Cimpor, portanto, o seu controle acionário.

A aquisição da Cimpor pode ser considerada como um movimento estratégico da InterCement que detinha até então apenas 10% (dez por cento) do mercado, sendo que que cimenteira portuguesa é a quarta maior produtora de cimento do Brasil.

Segundo os atualizados do Sindicato Nacional da Indústria do Cimento – SNIC1, a InterCement que era até então a terceira maior cimenteira do mercado brasileiro, será elevada para a segunda posição, praticamente dobrando sua produção para cerca de 11,4 (onze vírgula quatro) toneladas.

Sendo assim, com as breves considerações acima já podemos observar a importância da operação comercial em análise para o mercado de cimentos, bem como a seriedade do tema que foi analisado pelos órgãos administrativos de defesa concorrencial do Brasil e de Portugal, a saber: Conselho Administrativo de Defesa Econômica e Autoridade de Concorrência Portuguesa.


2. APONTAMENTOS SOBRE A OPERAÇÃO COMERCIAL

2.1. Breve resumo da operação comercial entre InterCement e Cimpor e do impacto no mercado de cimentos

De início, torna-se imperioso trazer algumas considerações da complexa operação entre a InterCement e Cimpor, pois que existiram acordos com terceiros visando à viabilidade do negócio.

Anteriormente à operação em comento, a Votorantim Cimentos, que é a empresa líder da indústria cimenteira brasileira, também era uma grande acionista da Cimpor, razão pela qual o desejo da InterCiment de aquisição da empresa portuguesa teve que enfrentar a questão das ações da Votorantim, que representam 21,2% (vinte e um vírgula dois por cento da Cimpor).

Para viabilizar seus planos, a InterCement realizou diversas ofertas públicas para aquisição das ações da Cimpor, mas que não foram aceitas pela Votorantim (acionista relevante).

A exigência da Votorantim para o desfazimento das suas ações da Cimpor não envolveria forma de aquisição direta, mas sim uma expressiva troca de ativos entre InterCement Votorantim, que de certa possibilitou às empresas uma divisão quase que geográfica de mercado.

Em breve síntese, a troca de ativos em questão garantiu à Votorantim os ativos internacionais da Cimpor, ou seja, a operação lhe proporcionou participação direta nos mercados da Ásia, África e alguns mercados na América do Sul, sendo importante frisar que a Votorantim apresentava no seu portfólio, fábricas de cimentos no Canadá, Estados Unidos, Argentina, Bolívia, Chile, Peru e Chile.

Já a InterCement, integrará suas operações com aquelas já existentes da Cimpor nos mercados de Angola e Argentina e, consequentemente, aumentará significativamente sua participação no Nordeste do Brasil e passará a ter capacidade de produção no Centro-Oeste e Sul brasileiro, com fábricas em Goiás e Rio Grande do Sul.

2.2. A decisão da Autoridade da Concorrência Portuguesa sobre a operação comercial entre InterCement e Cimpor

Em 10 de abril de 2012 a InterCement, por meio da holding Camargo Corrêa S/A., notificou a Autoridade da Concorrência Portuguesa acerca da aquisição do controle exclusivo sobre a Cimpor, através de oferta pública de aquisição.

A Autoridade da Concorrência Portuguesa, ligada ao Ministério da Economia, da Inovação e do Desenvolvimento, é o órgão público criado em 18 de janeiro de 2003 responsável pela concorrência em Portugal. Possui como objetivo assegurar a aplicação das regras de concorrência em Portugal em respeito ao princípio da economia de mercado e de livre concorrência, tendo em vista o funcionamento eficiente dos mercados, a repartição eficaz de recursos e os interesses dos consumidores.

Como consequência à notificação supracitada, foi instaurado o Processo nº 14/2012 para avaliar o referido negócio, sendo identificados os seguintes mercados como relevantes: a) mercado da produção e comercialização de cimento cinzento; b) mercado da produção e comercialização de betão pronto; c) mercado de produção e comercialização de argamassas de construção.

Em decisão de não oposição da Autoridade de Concorrência Portuguesa, datada de 03 de maio de 2012, entendeu-se que a “operação de concentração traduz numa mera transferência da quota de mercado da Adquirida para a Adquirente, não existindo sobreposição horizontal ou vertical entre as partes, não resultando da operação de concentração projetada qualquer alteração da estrutura dos mercados onde atua a Adquirida” (fls. 03 da decisão).

Ato contínuo, a Autoridade da Concorrência Portuguesa entendeu que diante da inexistência de sobreposição horizontal e da ausência de efeitos verticais resultante da operação em atento, não há criação ou reforço de posição dominante capaz de afetar a concorrência nos mercados relevantes identificados.

Como observado, a decisão da Autoridade da Concorrência Portuguesa analisou a operação com base nos mercados relevantes identificados, considerando apenas o mercado de Portugal, não atribuindo assim à sua decisão efeitos infringentes a mercados de outros países.

2.3. A decisão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE sobre a operação comercial entre InterCement e Cimpor

No Brasil coube ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE analisar a operação de aquisição da Cimpor pela InterCement sob a óptica do direito concorrencial.

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE é uma autarquia federal, vinculada ao Ministério da Justiça, que possui como missão zelar pela livre concorrência no mercado, sendo a entidade responsável, no âmbito do Poder Executivo, não só por investigar e decidir, em última instância, sobre a matéria concorrencial, como também fomentar e disseminar a cultura da livre concorrência, exercendo para tanto funções preventivas, repressiva e pedagógica.

Para a análise da operação o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE reuniu 04 (quatro) processos administrativos de atos de concentração que tratavam da operação em análise, a saber: Atos de Concentração nsº 08012.001875/2010-81; 08012.001879/2010-60; 08012.002018/2010-07; 08012.002259/2012-18.

O Conselheiro Alessandro Octaviani Luis foi designado para a relatoria dos processos supracitados, que também é relator de outros atos de concentração envolvendo a InterCement e a Votorantim Cimentos, inclusive ato de concentração cujo escopo é verificar a possível existência de num cartel no setor.

Apesar das diversas informações que foram ocultadas do acórdão em razão de serem sigilosas, é possível verificar que a análise do mercado relevante indicou concentração bem superior a 50% (cinquenta por cento) em todos os atos de concentração analisados, o que permite levantar a hipótese (quase que certa) de que não existe rivalidade efetiva entre as companhias do setor.

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O acórdão ainda trata da operação comercial em que a cimenteira francesa Lafarge cede sua posição minoritária na Cimpor à Votorantim em troca de fábricas no Brasil, operação muito defendida pela Votorantim, mas que foi rejeitada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE.

A Lafarge e a Votorantim argumentaram que a rejeitada a operação de permuta realizada em 2010 possuía caráter pró-competitivo, visando reduzir a participação da Votorantim no mercado brasileiro e, consequentemente, a entrada imediata de um novo competidor em mercado que não atuava até então.

Não obstante a preocupação com a complexa operação envolvendo o futuro da Cimpor, seguindo parecer da Procuradoria Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, o Plenário acabou por aprovar unanimemente recomendações a reorganização societária entre InterCement e Votorantim envolvendo a aquisição da Cimpor.

A reorganização societária aprovada pelo CADE na prática dividirá a Cimpor em duas, ou seja, os ativos da Cimpor no Brasil serão separados e transferidos ao controle da InterCement, ao passo que os ativos da Cimpor em outros 07 (sete) países (ativos internacionais) serão transferidos ao controle da Votorantim.

Desse modo, haverá separação entre a InterCement e a Votorantim como acionistas da mesma companhia (Cimpor), consequência esta que o principal alvo de críticas do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE.

É mister destacar que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE determinou que o Acordo de Preservação da Reversibilidade da Operação(Apro), assinado pela InterCement e Votorantim, continue válido até a completa alienação das ações Votorantim na Cimpor do Brasil.

Por derradeiro, cabe apontar que o Plenário do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE seguiu recomendação do Relator Conselheiro Alessandro Octaviani Luis e determinou que para orientação futura sobre todo o setor fosse realizado trabalho específico sobre a organização das estruturas produtivas do cimento no Brasil, sobre direitos minerários, suas vinculações com os grupos econômicos integrantes do oligopólio e outras questões pertinentes.


3. CONCLUSÃO

Como observado ao longo do presente trabalho, o mercado cimenteiro há muito preocupa as autoridades concorrenciais brasileiras, sendo quase que certa existência de um cartel formado pelas empresas que representam 90% (noventa por cento) do mercado nacional.

A operação comercial envolvendo a aquisição da Cimpor pela InterCement envolveu uma permuta de ações entre a InterCement e Votorantim, empresa que até possuía relevante participação acionária na cimenteira portuguesa.

A aprovação da transação pela Autoridade da Concorrência Portuguesa não levou e considerações em consideração aspectos do mercado externo, sendo técnica e baseada no enfrentamento do mercado relevante interno português.

A análise da operação sob a óptica do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE levou outros aspectos em consideração, rejeitando inclusive a permuta de ações da Cimpor entre a empresa cimenteira francesa e a Votorantim.

Ainda, apesar das tentativas do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE de evitar a divisão da Cimpor, foi aprovada a operação que praticamente dividiu a empresa em duas outras, sendo o controle da operação brasileira transferido à InterCement, enquanto que o controle da operação internacional ficou basicamente no controle da Votorantim.


4. BIBLIOGRAFIA

Sítio virtual do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE: https://www.cade.gov.br/

Acordão que reúne os processos de Atos de Concentração nsº: 08012.001875/2010-81; 08012.001879/2010-60; 08012.002018/2010-07; 08012.002259/2012-18.

Sítio Virtual da Autoridade da Concorrência (Portugal): https://www.concorrencia.pt

Decisão Processo nº 14/2012


Nota

1 Sítio virtual: https://www.snic.org.br/

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